O fato gerador das contribuições previdenciárias na justiça do trabalho: breves considerações acerca do momento de sua ocorrência

Resumo: [1] O presente estudo tem por objeto, sem qualquer pretensão de exaurir o tema, a análise e discussão acerca de qual o momento mais adequado, do ponto de vista legal, jurisprudencial e doutrinário, da ocorrência do Fato Gerador das Contribuições Previdenciárias (art. 195, I, “a” e II, da CF/88 c/c art. 11, parágrafo único, alíneas “a”, “b” e “c”, Lei n.º 8.212/91) na Justiça Trabalhista, expressando, nessa perspectiva, as quatro posições mais conhecidas, que sustentam com argumentos plausíveis suas concepções acerca desse fenômeno de índole tributária na citada justiça especializada.


As contribuições sociais gerais (CF, art. 149), as de seguridade social (CF, art. 195), e as previdenciárias (CF, art. 195, I, “a” e II), com o advento da Constituição da República Federativa do Brasil, em 05 de outubro de 1988, passaram a ter natureza jurídica tributária. Essa, aliás, é a jurisprudência mansa, pacífica e assentada nos Tribunais Superiores, inclusive no Supremo Tribunal Federal. Ademais, a doutrina pátria é uníssola em afirmar a natureza tributária dessas contribuições sociais; submetendo-se elas, em decorrência disso, ao regime jurídico tributário instaurado pela CF/88(arts. 145 e seguintes c/c 195 e seguintes).


Nesse passo, importa trazer à baila o magistral ensinamento do Ministro do STF Carlos Velloso no julgamento do RE 138.284, em 1992, onde didaticamente classificou e dissipou as dúvidas existentes quanto às espécies tributárias que convivem no atual ordenamento jurídico constitucional vigente. Transcrevemos, ipisis literis:


“As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são as seguintes: a) os impostos (CF, arts. 145, I, 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que podem ser assim classificadas: c.1. de melhoria (CF, art. 154, III); c.2. parafiscais (CF, art. 149), que são: c.2.1. sociais, c.2.1.1. de seguridade social (CF, art. 195, I, II, III), c. 2.1.2. outras de seguridade social (CF, art. 195, § 4º), c.2.1.3. sociais gerais (FGTS, o salário-educação, CF, art. 212, § 5º, contribuições para o SESI, SENAI, SENAC, CF, art. 240); c.3. especiais: c.3.1. de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149) e c.3.2. corporativas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária: d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148).


Diante do esposado, conclui-se, que, não paíram mais dúvidas, antes da CF/88, disseminadas pela jurisprudência e doutrina nacionais, quanto à natureza jurídica tributária das contribuições sociais, mormente às de seguridade social.


Portanto, repita-se, que, as contribuições sociais, inclusive as de seguridade social, dentre estas as previdenciárias, com o advento da Constituição Federal de 1988, ganharam tratamento constitucional tributário, aplicando-lhes toda a sistemática reservada aos tributos pela Carta Magna (CF, arts. 145 e seguintes c/c art. 195 e seguintes). Nesse aspecto, percebe-se, que a doutrina tributária brasileira majoritária adotou a teoria pentapartida dos tributos (impostos, taxas, contribuições de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios), contrapondo-se àquela adotada pelo Código Tributário Nacional (art. 5.º): a tripartida, a qual somente considera como tributos: as taxas, os impostos e as contribuições de melhoria.


Desse modo, as contribuições de seguridade social, como tributos que são, têm seus elementos essenciais previstos em lei (CTN, art. 97, I a IV), tais como hipótese de incidência, fato gerador, base de cálculo, alíquota, sujeito ativo, sujeito passivo.


No que concerne especificamente ao elemento fato gerador das contribuições do art. 11, parágrafo único, alíneas “a”, “b” e “c”, da Lei n.º 8.212/1991 existe discussão doutrinária para saber qual o momento mais correto de sua ocorrência na justiça trabalhista. Nesse ponto, ao menos quatro correntes se digladiam.


A primeira entende que o momento do fato gerador da contribuição previdenciária se caracterizaria no tempo do pagamento das verbas de natureza salarial ao credor trabalhista (empregado), tendo por fundamento legal o provimento n.º 02/1993 da Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho, hoje incorporado ao art. 83 da consolidação dos provimentos da Justiça do Trabalho, e a Ordem Serviço do INSS/DAF n.º 66/1997. Vejamos esses atos normativos, verbis:


PROVIMENTO N.º 02/1993/TST/CGJT:


 “Art. 5º. O fato gerador da incidência da contribuição previdenciária, constitutiva do débito, é o pagamento de valores alusivos a parcelas de natureza remuneratória (salário-de-contribuição), integral ou parcelado, resultante de sentença condenatória ou de conciliação homologada, efetivado diretamente ao credor ou mediante depósito da condenação para extinção do processo ou liberação de depósito judicial ao credor ou seu representante legal.” (grifei).


OS INSS/DAF N.º 66/1997:


“Item 12. O fato gerador da contribuição previdenciária é o pagamento de valores correspondentes a parcelas integrantes do salário-de-contribuição, à vista ou parcelado, resultante de sentença condenatória ou de conciliação homologada, efetivado diretamente ao credor ou mediante depósito da condenação para extinção do processo ou liberação de depósito judicial ao credor ou seu representante legal.” (grifei).


Percebe-se, diante da fundamentação legal em que se baseia essa corrente doutrinária, que ela desconsidera a imperatividade dos tributos, porquanto que o fato gerador do tributo decorre da lei e não da vontade das partes (CTN, arts. 3.º e 4.º). Portanto, impossível o pagamento que o devedor trabalhista (empregador) realizará servir como fato gerador de tributo. É inconcebível ficar a mercê da vontade desse devedor, o fato gerador dessas contribuições, uma vez que esta vontade particular não pode atuar como fator determinante para a incidência de tributos.


Ademais, tanto o Provimento quanto a Ordem de Serviço supracitados são atos administrativos. É cediço que o fato gerador de tributos decorre da lei, em sentido estrito, princípio da legalidade estrita (CTN, art. 97, III). O art. 100, inciso I, do CTN, até atribui força normativa aos atos administrativos dos órgãos incumbidos da arrecadação de tributos, mas tais atos possuem natureza apenas complementar, não podendo exorbitar o conteúdo da lei. Outrossim, a OS 66/1997 do INSS foi revogada pela Instrução Normativa n.º 03/2005, normatizada pelo Ministério da Previdência Social, através da Secretaria da Receita Previdenciária.


 Por outro lado, o citado Provimento do colendo Tribunal Superior do Trabalho (n.º 02/1993/TST/CGJT) é irrelevante, uma vez que esse Egrégio Tribunal não figura como sujeito ativo da contribuição previdenciária em análise, e assim, não poderia expedir tal ato determinado o momento do FG de contribuições que não lhe pertence, pois é a União Federal quem tem competência para legislar sobre tal assunto


Noutro passo, temos uma segunda corrente que vislumbra a ocorrência do fato gerador dessas contribuições no momento da decisão homologatória dos cálculos pelo juiz trabalhista, fundamenta-se no art. 276, caput, do Decreto n.º 3.048/99. Senão vejamos, ipisis literis:


DECRETO 3.048/1999:


 “Art. 276. Nas ações trabalhistas de que resultar o pagamento de direitos sujeitos à incidência de contribuição previdenciária, o recolhimento das importâncias devidas à seguridade social será feito no dia dois do mês seguinte ao da liquidação da sentença.” (grifei).


Essa segunda tese, igualmente a primeira, também viola o caráter de imperatividade dos tributos e, ainda que em menor grau, a incidência do tributo, ademais, ficaria submetida à vontade das partes, quando da homologação dos cálculos pelo magistrado trabalhista.


Além disso, o supracitado decreto, não pode extrapolar o conteúdo da lei que visa a complementar (art. 84, da CF/88), haja vista que, segundo a doutrina mais abalizada, não há no nosso ordenamento constitucional vigente, os chamados decretos autônomos ou independentes. E, por sua vez, a lei dos benefícios previdenciários (8.213/91) não tem disposição nesse sentido. Na verdade, a interpretação constitucional dada pela doutrina e jurisprudência ao prefalado decreto é na perspectiva de que ele não tratou do fato gerador das contribuições em comento, mas tão-somente do momento do recolhimento (pagamento) desse tributo.


Uma terceira corrente vislumbra a ocorrência do fato gerador dessas contribuições previdenciárias no trânsito em julgado da sentença ou da celebração do acordo. Essa corrente já foi acolhida pelo colendo TST. Também ofende o caráter de imperatividade da contribuição. Igualmente, deixa-se entregue às partes a ocorrência do fato gerador; além de acarretar a convalidação da tese unitária do ordenamento jurídico. Tese essa já superada há século, que parte da premissa de que o direito subjetivo só passa a existir a partir de sua confirmação pela sentença judiciária.


A Teoria Unitária teve sua gênese com as lições do lendário Hans Kelsen. Ensina esse renomado jurista que:


“… pela tese unitária só através da verificação, efetuada na decisão judicial, de que uma norma geral a aplicar ao caso apresentado perante o tribunal é vigente – e tal norma é vigente quando foi criada constitucionalmente -, esta norma torna-se aplicável ao caso concreto e cria-se, através dela, para este caso, uma situação jurídica que antes da decisão não existia. Em suma, a tese unitária toma por base a premissa de que “é simplesmente contrário à razão falar de um direito, objetivo ou subjetivo, que seja existente antes e além da ação (leis, fatos, condições etc.)”, conforme defendido por Salvatore Satta. (Teoria Pura do Direito, tradução de João Baptista Machado, Editora Martins Fontes, 1985, págs. 248 – 256, apud Jorge Pinheiro Castelo, O Direito Processual do Trabalho na Moderna Teoria Geral do Processo, LTr Editora, 2ª edição, pág. 40).(grifei).


A propósito, importante citar os ensinamentos do jurista Jorge Pinheiro Castelo, verbis:


“O entendimento de que o direito só existe quando surge a necessidade de constranger o obrigado a observá-lo através da jurisdição, deixa obscuro e sem significado a generalidade dos casos nos quais o direito atua (no plano material), justamente, porque foi, espontaneamente, observada a vontade da norma jurídica. O direito material, na generalidade dos casos, impõe-se com respeito às pessoas físicas e jurídicas e molda a vida da sociedade naturalmente sem a necessidade da jurisdição. Na realidade, somente nos casos patológicos, onde ocorre a inobservância, ou resistência à aplicação natural da regra jurídica, é que se faz necessário recorrer ao direito de ação e à jurisdição.” (Direito Processual Civil, vol. I, tradução de Luiz Autuori, Rio de Janeiro, Editora Borsoi, 1973, págs. 162 – 164, apud Jorge Pinheiro Castelo, op. cit., pág. 40).(grifei).


Nessa linha, arremata o processualista Cândido Rangel Dinamarco: “o jurista de nossos dias sabe que os direitos existem e cumprem ordinariamente sua função social, independentemente de passar pelo crivo do judiciário.” (Op. cit., págs. 42 e 43).


 Com efeito, há muito tempo prevalece a tese dualista do ordenamento jurídico, por ela a sentença apenas reconhece o direito pré-existente, não o cria. Dessa maneira, a sentença não cria o fato gerador, já existe anteriormente à sentença, esta apenas o reconhece.


Finalmente, a quarta e última corrente, que prevalece majoritariamente, adotada inclusive pelo festejado doutrinador Wladimir Novaes Martinez[2], que vislumbra a ocorrência do fato gerador no momento em que a verba trabalhista, que integra o salário de contribuição (art. 28, da lei 8.212/91) deveria ter sido paga, consumando-se, assim, o fato gerador da obrigação previdenciária. No caso de acordo homologado pelo juiz do trabalho, o ideal é que este delimite o período de tempo laborado. Se não o fizer, somente é possível considerar consumado o fato gerador da obrigação tributária, segundo essa corrente, no momento do vencimento de cada parcela constante desse acordo.


À vista do exposto, concluí-se:


As contribuições sociais gerais (CF, art. 149), as de seguridade social (CF, art. 195 c/c art. 239), e as previdenciárias (CF, art. 195, I, “a” e II), com a Constituição da República de 1988, possuem natureza jurídica tributária. Essa, inclusive, é a jurisprudência mansa, pacífica e assentada no Supremo Tribunal Federal e também o pensamento unissólo da doutrina pátria;


b)  No que concerne ao momento do Fato Gerador da obrigação tributária das contribuições em estudo na justiça obreira, as discussões são infinitas; surgindo, nesse quadro, pelo menos quatro correntes que tentam explicitar o momento exato da ocorrência desse fenômeno tributário nessa esfera trabalhista. As três primeiras correntes, nesse trabalho citadas, são criticadas, de um modo geral, por desconsiderar a imperatividade dos tributos (CTN, arts. 3.º e 4.º), e deixar a mercê das partes (empregado e empregador), a ocorrência do fator gerador dessas contribuições. Assim, a corrente doutrinária mais acertada, ao nosso sentir, é aquela encabeçada pelo advogado e especialista em Direito Previdenciário Wladimir Novaes Martinez, que sustenta a tese, segundo a qual o momento mais adequado de se vislumbrar a ocorrência do fato gerador das contribuições previdenciárias na justiça laboral é quando as verbas trabalhistas de natureza salarial, que integram o salário-de-contribuição (art. 28, da lei 8.212/91), deveriam ter sido pagas pelo empregador aos seus empregados ou prestadores de serviço[3]. Entretanto, em caso de acordo submetido ao crivo do Judiciário Trabalhista para homologação, mister se faz que esse acordo delimite expressamente o período de tempo de labor.


 


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Notas:

[1] Artigo apresentado ao Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Direito e Processo do Trabalho, oferecido pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal e Curso PRIMA, sob a orientação do Professor MSc Wilson de Jesus Machado Miranda.

[2] v. MARTINEZ, Wladimir Novaes. A difícil aplicação do art. 114 da Constituição Federal in Revista de Previdência Social. São Paulo, v. 23, n. 228, novembro, 1999, p. 1120.

[3] Aliás, impede dizer, que, o TST também já sufragou esse entendimento por meio do voto proferido pela Excelentíssima Juíza Eurídice Josefina Bazo Tôrres, da 3.ª Turma desse Superior Tribunal. Veja-se a ementa do julgado, in verbis: “EMENTA: JUROS DE MORA E MULTA. RECOLHIMENTO PREVIDENCIÁRIO. PRAZO. FATO GERADOR. COMPETÊNCIA PARA PAGAMENTO. O fato gerador da contribuição previdenciária verifica no em que é paga, creditada ou devida a remuneração destinada a retribuir o trabalho, como estabelece o artigo 22, I, da Lei n.º 8.212/91. No caso dos autos, tal ocorreu com o depósito referente ao valor incontroverso, do qual foi expedido alvará ao exeqüente, em 22.05.2003. Portanto, tendo o executado procedido ao recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes apenas em 01.07.2003, o fez após o prazo previsto no art. 30, I, da Lei nº 8.212/91, o que gera o cômputo de juros de mora e multa nos termos dos artigos 34 e 35 da mesma Lei. Dado provimento. – 3ª Turma (processo 01462-1994-016-04-00-7 AP), Relatora a Exma. Juíza Eurídice Josefina Bazo Tôrres.” (grifo nosso).

Informações Sobre o Autor

Fagner César Lobo Monteiro

Bacharel em Direito. Pós-graduado em Direito Constitucional. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho. Procurador do Estado de Pernambuco e Advogado. Professor e Palestrante.


Equipe Âmbito Jurídico

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