No final do ano passado, o Congresso Nacional aprovou legislação, criando o Fundo Soberano do Brasil (FSB), mas sem alocar recursos no orçamento anual da União de 2009 que permitissem ao Governo Federal operacionalizar o FSB ainda no exercício de 2009. A legitimidade da alternativa encontrada pelo Poder Executivo para tentar contornar essa questão, que analisaremos mais adiante, foi bastante discutida sob o aspecto jurídico e gerou uma polêmica cuja solução dependerá agora do Poder Judiciário, que precisará “arbitrar” o conflito entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário.
O próprio FSB tem sido severamente criticado por cientistas políticos e economistas em diversos artigos publicados na imprensa local, pela forma concebida por nosso governo para implementá-lo. O fundo soberano brasileiro tem sido comparado à jabuticaba, uma fruta típica que somente existe em nosso País e não é produzida em nenhum outro lugar. Isso porque o FSB apresenta características únicas, completamente diferentes dos fundos soberanos tradicionais, disponíveis em outros países e conhecidos internacionalmente pela expressão inglesa “sovereign wealth funds” (swf)[1].
A Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, que cria o FSB, dispõe sobre sua estrutura, fontes de recursos e aplicações e dá outras providências, foi sancionada pelo Presidente da República, e alterada através da Medida Provisória nº 482, também emitida na mesma data, sendo que ambas passaram a vigorar no dia 26 de dezembro de 2008, quando foram publicadas no Diário Oficial da União.
Nos termos aprovados, o FSB é um fundo especial de natureza contábil e financeira, vinculado ao Ministério da Fazenda, com a finalidade de: (i) promover investimentos em ativos no Brasil e no exterior; (ii) formar poupança pública; (iii) mitigar os efeitos dos ciclos econômicos; e (iv) fomentar projetos de interesse estratégico do País localizados no exterior.
Os recursos do FSB serão utilizados exclusivamente para investimentos e inversões financeiras que atendam a essa finalidade, sob as seguintes formas: (a) aquisição de ativos financeiros externos, seja mediante aplicação em depósitos especiais remunerados em instituição financeira federal, seja diretamente pelo Ministério da Fazenda; ou (b) por meio da integralização de cotas de um fundo privado, denominado Fundo Fiscal de Investimentos e Estabilização (FFIE), a ser constituído por instituição financeira federal, que comentaremos a seguir.
A lei permite à União, com recursos do FSB, participar como cotista única do FFIE[2]. O FFIE terá natureza privada, patrimônio próprio separado do patrimônio do cotista (a União), bem como estará sujeito a direitos e obrigações próprias e terá a mesma finalidade do FSB[3]. A integralização das cotas do FFIE será autorizada por decreto mediante proposta do Ministro de Estado da Fazenda. O FFIE deverá responder por suas obrigações com os bens e direitos integrantes de seu patrimônio. Portanto, o cotista (a União) não responderá por qualquer obrigação assumida pelo FFIE. Neste caso, a responsabilidade da União estará limitada apenas a integralizar as cotas do FFIE que vier a subscrever.
O estatuto do FFIE deverá ser aprovado pelo cotista (a União), por intermédio do Ministério da Fazenda. Serão definidas nesse estatuto, entre outros assuntos, as políticas de aplicação, critério e níveis de rentabilidade e de risco, questões operacionais de gestão administrativa e financeira e regras de supervisão prudencial do FFIE. A dissolução do FFIE ocorrerá na forma prevista em seu estatuto, e na hipótese de liquidação do FFIE os seus recursos retornarão ao FSB. O FFIE deverá elaborar os demonstrativos contábeis de acordo com a legislação em vigor e conforme o estabelecido em seu estatuto.
Não haverá incidência de nenhum imposto ou contribuição social de competência da União sobre as operações de crédito, câmbio e seguro realizadas pelo FFIE, nem sobre os rendimentos e lucros do FFIE[4].
Com relação ao FSB, ficou estabelecido que o FSB não poderá conceder garantias, direta ou indiretamente, e que todas as despesas relativas à sua operacionalização serão custeadas pelo próprio FSB. A rentabilidade mínima das aplicações em ativos financeiros do FSB, estimada por operação e ponderada pelo risco, será equivalente à taxa interbancária praticada no mercado interbancário londrino (London Interbank Offered Rate – taxa Libor) para períodos de seis meses.
O FSB será regulamentado por decreto, que estabelecerá inclusive: (i) diretrizes de aplicação, fixando critérios e níveis de rentabilidade e de risco; (ii) diretrizes de gestão administrativa, orçamentária e financeira; (iii) regras de supervisão prudencial, respeitadas as melhores práticas internacionais; e (iv) outros dispositivos visando ao adequado funcionamento do FSB[5].
Poderão constituir recursos do FSB: (i) recursos do Tesouro Nacional correspondentes às dotações que lhes forem consignadas no orçamento anual, inclusive aqueles decorrentes da emissão de títulos da dívida pública; (ii) ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário para manutenção de seu controle pela União ou outros direitos com valor patrimonial; (iii) resultados de aplicações financeiras à sua conta; e (iv) títulos da dívida pública mobiliária federal. Enquanto não destinados à finalidade prevista em lei[6], os recursos do FSB ficarão depositados na Conta Única do Tesouro Nacional.
A MP 452/2008 modificou a Lei 11.887/2008 para autorizar expressamente a União a emitir, a valor de mercado, sob a forma de colocação direta em favor do FSB, títulos da Dívida Pública Mobiliária Federal, bem como resgatar antecipadamente esses títulos, também a valor de mercado[7].
Os recursos decorrentes de resgate do FSB atenderão exclusivamente o objetivo de mitigar os efeitos dos ciclos econômicos. Tais recursos serão destinados conforme o disposto na lei orçamentária anual. Para a consecução desse objetivo, o Conselho Deliberativo do FSB, que será instituído por decreto do Poder Executivo[8], elaborará parecer técnico demonstrando a pertinência do resgate do FSB ante ao cenário macroeconômico vigente. A lei proíbe a vinculação desses recursos, bem como sua aplicação em despesas obrigatórias de caráter continuado.
As demonstrações contábeis e os resultados das aplicações do FSB serão elaborados e apurados semestralmente, nos termos previstos pela Secretaria do Tesouro Nacional, que o órgão central de contabilidade da administração federal[9]. Para que o Congresso Nacional possa acompanhar a gestão do FSB, a lei exige que o Ministério da Fazenda encaminhe trimestralmente ao Congresso Nacional relatório de desempenho, conforme o estabelecido no estatuto do FSB.
Como enfatizamos inicialmente, toda a polêmica surgiu porque o Congresso Nacional aprovou a criação do FSB sem votar os recursos orçamentários para a sua composição. Inconformado, o Poder Executivo resolveu contornar a falta de recursos no orçamento da União de 2009 para o FSB, autorizando a emissão de títulos do Tesouro Nacional no valor de R$ 14,2 bilhões, ainda no exercício de 2008, para constituir, com os recursos financeiros obtidos dessa forma, o patrimônio inicial do FSB, de maneira a permitir que o fundo pudesse ser operacionalizado já em 2009.
No dia 29 de dezembro de 2008, três partidos de oposição – Democratas (DEM), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido Popular Socialista (PPS) – ajuizaram, no Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 4179) contra os artigos 1º e 4º da MP 452/2008, visando impedir o Tesouro Nacional de emitir títulos da dívida pública mobiliária federal destinados a compor os recursos do FSB. Os autores argumentam, na ADI, que a Constituição Federal proíbe o presidente da República de editar MP sobre créditos suplementares ou especiais (artigo 167, inciso V)[10] e restringe os créditos extraordinários aos casos urgentes. Além disso, defendem que o repasse ao FSB deve ser previsto na Lei de Diretrizes Orçamentárias e feito por meio do orçamento federal, e não por MP, uma vez que o artigo 62 da Constituição Federal[11] veda edição de MPs para créditos suplementares[12]. Lembram ainda que o orçamento do governo para 2009 destinou R$ 1 milhão ao FSB e alegam que o Poder Executivo estaria desrespeitando a competência do Poder Legislativo em decidir o orçamento. O pedido da ADI é que o STF se pronuncie contra MPs editadas sobre matérias orçamentárias e o conteúdo da MP 452/2008 seja considerado inconstitucional, devendo essa MP ser invalidada por não obedecer aos critérios de relevância e de urgência, que são considerados pré-requisitos para a edição de medidas provisórias. Os autores frisaram, no texto da ADI, que o STF já decidiu que não se pode reeditar, na mesma sessão legislativa, medida provisória rejeitada pelo Congresso Nacional, e que o mesmo princípio se aplica à matéria deliberada e conscientemente excluída ou rejeitada quando da tramitação de projeto de lei de conversão (da MP). Caberá, portanto, ao STF (Poder Judiciário) dirimir esse conflito entre o Governo Federal (Poder Executivo) e o Congresso Nacional (Poder Legislativo).
Finalmente, ressalte-se que a MP 482/2008 está sujeita à análise e aprovação do Congresso Nacional, que poderá rejeitá-la, e que o Poder Executivo ainda precisa regulamentar tanto o FSB quanto o FFIE. Há, portanto, um longo caminho a percorrer até a efetiva operacionalização do FSB.
sócio fundador de Walter Stuber Consultoria Jurídica, atuando como advogado especializado em direito empresarial, societário, financeiro e mercado de capitais e autor de inúmeros artigos publicados nessa área em revistas jurídicas nacionais e internacionais.
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