Resumo: O Novo Modelo judiciário trouxe mais liberdade aos Juízes em suas sentenças. Agora, suas decisões não mais necessitam estarem estritamente condicionadas às limitações legais. Porém, este mesmo novo modelo trouxe um novo fenômeno à Ciência do Direito: o ativismo jurídico: o chamado Governo de Juízes, que se caracteriza pela usurpação de competências do Legislativo pelo o Judiciário. O Judiciário autoriza-se de atribuição que classicamente pertence ao Legislativo. O STF vem utilizando-se muito do chamado Governo de Juízes para “aparar aresta” do Ordenamento Jurídico, como o fez no julgamento da Lei de Biossegurança e no reconhecimento da União Estável Homoafetiva. O fenômeno em questão parece ser inevitável e irreversível. Porém, para sua legitimação há de haver a participação democrática. Então para sua maior legitimação, esta pesquisa entende que o eleitor poderia figurar como polo ativo de uma demanda judicial perante o STF, nascendo assim a capacidade de agir do eleitor nas questões judiciais nacionais, em decorrência desse novo fenômeno jurídico.[1]
Palavra-chave: Governo de Juízes, Novo Modelo, Ativismo Jurídico, Supremo Tribunal Federal e Eleitor.
Abstract: The New Model judiciary brought more freedom to the Judges in their judgments. Now, their decisions will no longer need to be strictly conditional legal limitations. However, this new model brought a new phenomenon to the Science of Law: legal activism: the so-called Government of Judges, which is characterized by the usurpation of powers by the legislature the judiciary. The Judiciary permitted assignment that classically belongs to the legislature. The STF has been using up a lot of so-called Government of Judges to "trim edge" of the legal system, as it did in the trial of the Biosafety Law and recognition of Stable Union Homoafetiva. The phenomenon in question seems to be inevitable and irreversible. But for its legitimation there must be democratic participation. So for the most legitimacy, this study considers that the voter could figure as an active polo lawsuit before the Supreme Court, thus rising the voter's ability to act in the national litigation as a result of this new legal phenomenon.
Keywords: Government of Judges, New Model, Legal Activism, Supreme Court and Voting.
Sumário: Introdução. 1. Analise dos acórdãos do STF e o governo de juízes. 1.1. O Governo e a Juízes na Lei de Biossegurança. 1.2. A união homoafetiva e Novo Poder Constituinte. 1.3. ADI 4277/DF e o Novo Poder Constituinte Originário. 1.3.1. A criação de novo instituto jurídico e Governo de Juízes. 1.3.2. 4277/DF a intervenção do Ministro Gilmar Mendes no Voto da Ministra da Carmem Lúcia. 1.3.3. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski e Constatação do Novo Poder Constituinte Originário. 1.3.4. Voto do Ministro Gilmar Mendes e Constatação do Novo Poder Constituinte Originário. 1.3.4.1. Final do Voto de Minstro Gilmar Mendes. 2. O eleitor e a ação direta de inconstitucionalidade. 2.1. O Presidente Como Representante do Eleitor. 2.2. A Mesa do Senado Federal. 2.3. A Mesa da Câmara dos Deputados. 2.4. A Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal. 2.5. O Governador de Estado ou do Distrito Federal. 2.6. O Procurador-Geral da República. 2.7. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. 2.8. Partido Político com representação no Congresso Nacional. 2.9. Confederação Sindical ou Entidade De Classe De Âmbito Nacional. 2.10. A OAB como a melhor opção para a representação do eleitorado. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
A decisão judicial de mérito (lei no caso concreto) e a lei em sentido estrito possuem, cada uma em sua esfera de competência funcional, dispositivos próprios. No caso da decisão judicial, um dos principais é o estabelecimento do direito concreto. E no caso da lei, é o fato de criar e permitir funcionar as instituições jurídicas. Cada dispositivo tem seu alcance material, sua forma de efetivação, e principalmente, provém de uma função estatal específica muito bem delimitada e especificada pela construção legal e doutrinária.
A configuração linguística, acima apresentada, representa bem a delimitação de duas funções estatais: a função judiciária, cujo papel principal consiste em interpretar a lei no caso concreto advinda de um direito subjetivo, e a função legislativa. A esta cabe criar as leis em sentido estrito, ou seja, dar o comando básico para se desenvolver o maquinário político e institucional do Estado.
Por mais que a doutrina pátria observe que essas funções não são puras, uma vez que se utilizam das competências uma da outra, para haver a operação estatal, essa mesma doutrina, em conjunto com a lei, estabelece fronteiras que não poderão ser ultrapassadas. Esses limites têm com finalidade precípua, manter a harmonia entre as funções estatais.
Como podemos demarcar estas fronteiras? Elas poderão ser ultrapassadas? Ou seria salutar que devido à necessidade cada função estatal tivesse o direito-poder de ultrapassar para um funcionamento eficaz do Estado?
No caso do Judiciário, quando ultrapassa a sua função judicial para uma função propriamente política, não teria o eleitor o direito de intervir, principalmente nos julgamentos do STF? Ou ele mesmo não teria direito de propor ações específicas para garantir ou retirar algumas leis do ordenamento jurídico?
Quando uma função ultrapassa a delimitação de suas funções além do que é permitido pela lei ou doutrina ocorre uma aberração estatal. Essa aberração seria uma mutação que tornaria o organismo estatal um individuo mais adaptado à selva da contemporaneidade? Ou seria como um “tumor maligno”, capaz de matar cada uma das células do organismo estatal, construído à base de moléculas da democracia e do republicanismo? Sendo uma adaptação, ou um “câncer”, é cada vez mais comum a função judiciária utilizar-se dos poderes sintomáticos desta aberração. Seja por pura sede de poder de adentrar cada vez mais na vida política e institucional do estado, ou, até mesmo, para conseguir construir ou reformar a estruturas legislativas de que carece o arcabouço político brasileiro.
Não cabe neste trabalho uma crítica ou qualquer manifestação de apoio a esse sintoma do atual Judiciário brasileiro, mas sim, provar a sua existência ou a inexistência, e, se existindo, estabelecer sugestões de uma solução para democratização do Judiciário. Pois o Judiciário adentra cada vez mais nas competências do Legislativo sem um contraponto democrático ou republicano. Este Judiciário que se auto-intitula longe das pressões políticas, como se isto fosse uma demonstração de eficácia e de honestidade.
Para fins acadêmicos, escolhe-se o STF, símbolo maior desta necessidade de democratização do Judiciário, pois é de senso comum, que seus julgados interferem diretamente na vida de todos os brasileiros. Também por sua visibilidade na grande mídia nacional. Sendo ele palco de pressões e lobs direcionado às entidades políticas propriamente ditas, equipara-se, em prestígio, à Presidência da República ou ao Congresso Nacional.
Seria de grande ingenuidade que estas pressões lobistas, midiáticas e populares não interferissem nos julgamentos pessoais de todos os membros dos STF. Pois, como todos os seres humanos, eles possuem suas vaidades e necessidades de aprovação. E por mais que confiemos no conhecimento jurídico dos ministros do STF, nas suas condutas ilibadas e honestidades, nutrimos a esperanças que eles apliquem a lei, tendo em vista o respeito pelos institutos jurídicos.
Há de se por na balança o lado humano, e principalmente a veia política que corre em cada um dos seres humanos. Pois segundo a filosofia clássica somos todos nós animais políticos, e políticas são todas as nossas relações interpessoais. E mesmo o mais honesto dos homens é seduzido pela beleza helênica da prática da vida política.
A produção cultural ocidental elegeu a democracia como solução para apaziguar a sedução que a política pode causar nos seres humanos. Esta democracia que está rarefeita no poder Judiciário, e principalmente no Supremo Tribunal Federal, que toma a cada dia mais decisões amparadas na política e para políticos, fugindo cada vez mais do tradicional sistema de julgar pela simples interpretação aplicativa da norma, passando atualmente a criar verdadeiros mandamentos legais, até mesmo normas constitucionais, sem nenhuma interferência da participação democrática. Sem ao menos levar em consideração o que o povo em sua psique coletiva anseia.
A lei, em um estado democrático, em alguma fase de sua elaboração, deve ter parcela de participação de agentes da democracia, seja na eleição dos agentes que a produziram, seja na iniciativa, como é de exemplo na nossa constituição que dar a possibilidade de iniciativa popular, trazendo o eleitor como agente central do processo legislativo. Este exemplo será muito útil no decorrer deste trabalho, pois é a idéia central deste trabalho.
Então, se STF, de alguma forma legisla, o eleitor, deve participar e interferir neste processo suigeneris de legislação, e, pressionar, ou, ao menos ser figura ativa, deve fazer sua opinião, convicção e cultura ter o poder de ser parte no que o tribunal superior julga.
O Mecanismo desta possível participação será estudado no decorrer do trabalho, porém, deve ser parecido com o projeto de iniciativa popular, deve o eleitor ter o direito de interferir no processo como uma parte, e não como simples espectador da relação processual.
Primeiro para isso devem ater a conceitos básicos do direito e da ciência política, o conceito de lei e conceito de sentença, quais os seus limites, quais suas semelhanças. Com base neste conceito o estudo dos acórdãos do STF, se eles são meros dispositivos jurisdicionais, sem eles interpretam a norma, ou se eles criam norma com a mesma força daquelas provenientes do processo legislativo.
Se os acordão dos STF tiverem mesmo força legislativa análoga da Lei, poderá o eleitor intervir neste processo, com os mesmo poderes concedidos pela constituição no tocante às leis, com o mesmo poder intrínseco que o dado no Estado Democrático de Direito, como é da moderna doutrina, o Estado constitucional, que a cada dia está mais participativo.
Para essa discussão, é necessário primeiro trazer à temática alguns conceitos básicos inerentes ao tema.
Lei em sentido estrito é uma norma jurídica formulada de acordo com o processo legislativo. O nosso processo legislativo é tipificado em nosso ordenamento no Art. 59 da Constituição Federal. O conceito de sentença é dado pelo art. 162 do CPC em conjunto com os art. 267 e 269 da mesma lei. Pela visão do modelo básico tradicional estatal o legislativo produz a lei e Judiciário aplica a lei no caso concreto. Cabe ao Judiciário um mero aplicador da lei, não cabendo nenhum juízo de valor.
Seria, então, o Judiciário um “computador”, sendo a sua função única de processar o mandamento legal. Sendo o mais frio e objetivo possível. Mas como todo computador ele apresenta seus erros quando não há informações necessárias ou informações demasiadas e conflitantes.
Como na tentativa de atualizar esta máquina para que ela possa corrigir os erros que a deixava ultrapassada, foi se criando um equipamento Judiciário superpoderoso que não só aplicava a lei.
Esta supermáquina começou resolvendo antinomias, depois ela criou o conceito de princípio, esta criação resolveu vários problemas que impediam seu funcionamento. Sendo uma grande solução para maiorias de seus bugs. Com o princípio se poderiam resolver mais facilmente problemas que a interpretação da norma causava.
Mas o princípio em sim precisava de uma norma para ter sua utilidade prática satisfeita. O que ocorreria se não houvesse uma norma para aplicar certo princípio? O modelo tradicional deveria não só Judiciário como também o Executivo recorrer ao Legislativo para a produção da norma requerida.
Para o Executivo a nossa constituição permitiu que se editasse medidas provisórias, não dependendo tanto do legislativo para na confecção de norma para aplicabilidade de certo princípios No que se refere ao eleitorado é dado ao Executivo uma legitimidade própria dos cargos eletivos, mesmo sendo alvo de enormes críticas, o poder de legislar no Executivo é amparado pela constituição e pelo voto popular, e o Executivo, como já foi vivenciado pela nossa própria história é muito passivo de ceder ao apelo popular.
O Judiciário criou algo ainda mais poderosa que a medida provisória: o julgamento a partir dos princípios e das normas constitucionais programáticas. Agora esta máquina transformou-se em um “monstro poderoso”, e o STF, utilizou-se deste “monstro” para poder legislar.
Legislar, como é obvio, é função própria do Legislativo. Este mesmo legislativo escolhido pelo eleitor, não cabendo nenhum juízo de valor sobre a qualidade técnica e moral dos nossos legisladores. Mas sendo eleitor, teria que curva-se à vontade e às pressões do eleitorado, agindo de forma ideal, para o suprimento das necessidades deste eleitorado, sendo apenas limitado pelo próprio estado de direito.
Será que o Judiciário e principalmente o STF, usando dos princípios começou a legislar, sem aos menos ter como freio o receio do eleitor, podendo muito bem ficar distante dos anseios e necessidades dos cidadãos, apenas extraindo mais normas de seus princípios? E por ser ele quem interpreta e executa os princípios, poderia ir de encontro ao Estado de Direito?
Se o STF fabrica comandos normativos diferentes da sentença, por que o eleitor não pode participar deste processo? Ou o eleitorado não teria como ser parte nos processos no STF já que o tribunal supremo tem o poder de legislar? Se ele fosse parte como seria sua representação? Será que o eleitor teria capacidade de agir em ações de inconstitucionalidade e consequentes ações de constitucionalidade?
Um norteador para respostas desta pergunta seria o trabalho do Professor Doutor Marcelo Lima Guerra. É de interesse deste labor debruçar sobre a lição deste grande professor.
“Tradicionalmente, e esse é um dos pilares do Estado de Direito, a atuação judiciária é concebida de uma determinada maneira, que chamo de “modelo tradicional”. Esse modelo tradicional, para simplificar, traduzo ou sintetizo num enunciado prescritivo: o juiz deve-se limitar a aplicar a norma criada pelo legislador. Por que essa opção por um enunciado prescritivo? Porque muitas vezes nós escondemos opções nossas sobre o que deve ser, dizendo-as como algo da ordem do que é. Então, são muitas as possibilidades de atuação do Judiciário, são muitas as possíveis relações entre ele e o legislativo. E na concepção tradicional se adota uma idéia a respeito de como deve ser essa atuação. Essa idéia, como referi, é um dos pilares do Estado de Direito porque a idéia fundamental do Estado de Direito é submeter a atividade de todos, inclusive do Estado, a normas, e a normas que sejam pré-conhecidas. Aliás, este foi um ponto muito bem explorado, ontem, pelo Professor Rosenfeld. O corolário disso, portanto, é que o juiz, dentro dessa função que já existia antes da idéia do Estado de Direito, que é aquela de resolver os conflitos da sociedade, nessa atuação se limite a utilizar como critério de solução leis preexistentes, que não seria ele, juiz, quem faria.
Acredito ser uma síntese fiel da concepção tradicional, este enunciado em forma de prescrição de que o juiz deve-se limitar a aplicar a norma do legislador. Esta concepção tem pressupostos. Para que ela seja viável, para que seja uma prescrição realizável é necessário que concorram duas condições, dois pressupostos. Primeiro, que a norma a ser aplicada pelo juiz seja inteiramente produzida pelo legislador. Se o juiz deve-se limitar a aplicar a norma que o legislador faz, o legislador deve fazer essa norma integralmente. Segundo, essa norma feita pelo legislador deve ser passível de um conhecimento direto pelo juiz, ou seja, para que o juiz se limite a aplicar a norma feita pelo legislador essa norma deve ser efetivamente feita pelo legislador e conhecida, ou passível de conhecimento direto, objetivo, pelo juiz.[2]
No modelo tradicional a participação do eleitor nas decisões do STF não seria nem ao menos cogitada, pois o Supremo, como órgão técnico e jurídico não admitiria interferência em seus julgamentos, pois esta proteção que é dada é necessária à manutenção do Estado de Direito, Estado que se curva as suas próprias normas, no qual seu aplicador seria em grau maior o STF.
Porém o modelo tradicional apresentava problemas: ele não era capaz de resolver seus problemas que é casado pela própria linguagem como antinomias das normas, ambiguidade ou até mesmo que as normas vigentes não poderiam resolver certos casos concretos.
O Judiciário, então, como solução para certos problemas usou interpretação para criar ferramentas dentro das normas para resolução dos casos concretos. Agora não haveria mais desculpas para o Judiciário não solucionar o caso concreto. Pela interpretação da norma, o Judiciário criava cada vez mais soluções para os casos que lei em sentindo estrito não poderia prever.
O ordenamento jurídico agora poderia ser completado pelo Judiciário, e completar o ordenamento jurídico é legislar, e legislar é atividade política, e a atividade política deve ter a participação ou legitimação do eleitor.
O ingresso dos magistrados no nosso sistema se dá por meio de concurso público ou por indicação do chefe do poder Executivo. No STF dá-se por meio de indicação do Presidente da República, o Chefe de Estado. Ao que se vê, a indicação dos membros do STF carece de legitimação pelo eleitorado.
Mas será o que é razoável é deixar que uma parcela considerável do eleitorado, seja afetada pelas decisões jurídica politicas do STF sem nenhuma participação ou direito de ter voz ativa no mesmo?
Como se daria esta participação? Pois se há atividade política, determinada pelo novo modelo por que o eleitor não deveria participar desse processo? A discussão dessas questões será aprofundada nos capítulos subseqüentes.
1 – Analise dos Acórdãos do STF e o Governo de Juízes
O novo modelo apresentado na introdução trouxe soluções a variadas situações fáticas, dando ao Judiciário certa autonomia, não sendo tão dependente da norma construída pelo processo legislativo tradicional.
A máquina judiciária libertou-se das amarras dos legislativos, e mesmo dos grilhões governamentais. Poderia agora esta máquina “aparar arestas” que a legislação apresentava, “por uma simples aplicação dos princípios constitucionais”? Poderia ela “consertar” a Constituição e todo ordenamento sem a função legislativa clássica, dando os contornos necessários ao quadro do ordenamento jurídico? Este capítulo discutirá essas questões sob o prisma das potencialidades, dos desejos e das necessidades da sociedade, traduzidos em atos políticos.
No modelo clássico do direito, a tradução dos desejos e necessidades da sociedade acaba exclusivamente nas ações do Legislativo. Nesse modelo o papel do Judiciário seria apenas o de, como foi dito de antes, uma máquina computacional humana de aplicar a lei no caso concreto. Pois todo o anseio da comunidade linguística já seria albergado pela produção legislativa. Esta teoria foi certamente mais forte na França do Código de Napoleão.
Mas verificou-se que nem todo ordenamento jurídico estaria na lei em sentido estrito. Sabe-se que anseios humanos evoluem com a humanidade, não cabendo uma maior discussão de curso jurídico e filosófico sobre o mecanismo desta evolução. E que estes anseios desaguavam justamente no Judiciário, e na falta clara de uma lei ou de dispositivo legal que abraçasse a necessidade fática requerida pelo usuário da máquina judiciária, que se obrigou a ir além de sua função clássica de apenas computar a lei no caso concreto passando a lavrar decisões que na realidade representavam verdadeiras leis, inovando completamente o ordenamento jurídico. Não cabe aqui discutir se o Judiciário tem ou não poder de inovar o ordenamento. O fato que esse fenômeno, que vem ganhando força no comportamento judiciário brasileiro, já é constatado por juristas como Marcelo Guerra, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e outros.
O fato é que a existência desse fenômeno não é recente e nem, uma exclusividade do judiciário brasileiro. Um dos maiores exemplo disso seria as primeiras emendas à constituição dos Estados Unidos da América – EUA, o que pode ser considerado uma grande evolução axiológica, uma vez que os assunto que o congresso temia tratar, passaria a ser resolvido em âmbito do poder Judiciário sem necessidades de movimentar toda uma empreitada política necessária para se elaborar as leis.
Porém este poder de reformar a constituição deu um poder político aos órgãos judiciários. Poder de reforma e até mesmo de estabelecer certas diretrizes e bases governamentais. Nos Estados Unidos este fenômeno apareceu com uma enorme força entre o final do século XIX e o começo do século XX e ficou conhecido como o “Governo de Juízes”.
O marco para a mudança do governo de juízes foi o ano de 1937. No contexto da grande depressão americana, o presidente Franklin Delano Roosevelt tentou aprovar o New Deal[3], que, porém era barrado pela Suprema Corte Americana que alegava a inconstitucionalidade, por compreender que aquelas medidas afetariam negativamente as liberdades individuais e coletivas, conquistadas pela sociedade. Então o presidente Roosevelt além de propor ao congresso uma lei que possibilitava à União intervir nos casos em que ela fosse diretamente envolvida, tomou a liberdade de nomear Juízes para Suprema Corte com o mesmo alinhamento político do seu governo. Para diversos autores, germinava aí, a semente do agora flagrante governo de juízes.
É sabido que o New Deal acabou sendo aprovado e contribuiu juntamente com a Segunda Guerra Mundial para tirar os EUA da grande depressão. Porém foi flagrante que tal intervenção da Suprema Corte teve um forte cunho político. Poderia se não houvesse algumas mudanças legais institucionais, atrapalhar o processo de recuperação da economia americana, obrigando a presidência da república e congresso nacional americano, a usar de algumas estratégias politicas e institucionais para que essas medidas não acabassem por afetar as relações institucionais, o que, ao invés de curar, poderia agravar as conseqüências da chamada “Grande Depressão”.
Sobre a rejeição ao New Deal, as pesquisas relatam que a Suprema Corte Americana não se preocupava necessariamente com a garantia das liberdades conquistadas pela sociedade dos EUA, mas, com a manutenção de um sistema político liberal, que administrava, legislava e jurisdicionava em nome do conservadorismo que imperava nas diversas esferas de poder daquela sociedade. Nesse caso, a solução foi política e não jurídica. Ficou patente que aquela Suprema Corte não funcionava simplesmente como um órgão jurisdicional mas, político com um poder quase incontrolável, que ainda hoje se mantém fortemente, uma vez que é dela a atribuição de interpretar a Constituição.
Será que este mesma manifestação juris-política ocorre atualmente no nosso país? Se Ocorrer, como ocorre? Será possível que ela tenha o mesmo poder que a Suprema Corte Americana? Pode o Supremo Tribunal Federal – STF, interferir na vida política brasileira, assim como sua corte colega interferiu na vida politica americana? Será que o eleitor, principal agente político, não poderia de certa forma intervir ou mesmo influenciar essa atividade juris-política?
No Brasil o sistema de controle constitucional é misto. O controle tanto pode ser concentrado (como é nas cortes constitucionais europeias) ou difuso (como na acontece na Suprema Corte Americana) não é auspicioso um maior aprofundamento sobre o sistema brasileiro, pois o que interessa a este trabalho é a atuação política do STF.
Nos casos recentes, como a institucionalização da união civil homoafetiva e a lei de biossegurança, há uma enorme suspeita de atuação politica do STF. Nestes dois casos pode ter uma suspeita maior ainda que Supremo fosse levado meramente por forças de pressão midiáticas e lobista para a elaboração de seus julgamentos, seria condenável para um órgão que se julga meramente jurídico, porém se órgão também político é plenamente aceitável, pois a atividade politica não é meramente técnica.
Seria de bom grado uma analise deste julgado para afastar ou chegar perto da confirmação da atividade politica do STF. Se a atividade for meramente técnica o Eleitor não teria direito de participar sob algum aspecto do processo, mas se houver cunho político ele poderia ter potencialidade de ser legitimado como parte, se já não o faz.
1.1 O Governo de Juízes e a Lei de Biossegurança
O julgamento da lei de biossegurança foi amplamente noticiado na grande mídia, trazendo novamente o Supremo Tribunal Federal para o centro de todos os holofotes. Alguns ministros do Supremo usaram sua melhor roupa, vestiram o seu melhor palavreado e passaram o maior tempo possível diante das câmeras televisivas tentando passar, para a grande massa que os acompanhava, a melhor imagem possível, imagem de cultos, sábios e elegantes, sendo um verdadeiro desfile de vaidades para a sociedade brasileira.
Mas, ainda assim, o eleitorado, em um assunto que muito os interessava, em que não havia somente interesses jurídicos, e sim verdadeiros interesses políticos, científico e religioso, apenas assistiu através dos meios de comunicação, ao julgamento cujo desfecho interferiria em questões importantíssimas para a sociedade civil, como o modo de se conceber o início da vida.
Os ministros poderiam simplesmente julgar sem ao menos atentar para o que o eleitorado almejava? Está essa possibilidade condizente com o paradigma do Estado Constitucional, para que ele próprio defenda-se de seu povo em nome do progresso da ciência? Ou este mesmo Estado Constitucional poderia ser usado para albergar aqueles que, em nome de sua crença religiosa, utilizam-se de artifícios legais na tentativa de evitar quaisquer avanços à ciência ou à política, quando julgam danosos aos dogmas da sua fé?
É sabido que questões semelhantes a essa são muito delicadas para apenas serem resolvidas através de uma simples aplicação da lei, ou até mesmo, como o novo modelo manda, mediante à aplicação e interpretação da norma de acordo com os princípios legais. Há de se levar em consideração todos os apelos políticos de um coletivo racional e emocional da nação.
Para avaliar este aspecto, é muito interessante uma análise deste julgamento pelo teor de seu acórdão. A primeira impressão que se tem ao analisar-se sua ementa é o tecnicismo, muito similar ao de pareceres feito por técnico especializado, adentrando em conceitos que são de propriedade de órgãos técnicos da Administração Pública, ou mesmo de comissões especializadas do Congresso Nacional.
A seguir segue a ementa do acórdão:
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DE BIOSSEGURANÇA. IMPUGNAÇÃO EM BLOCO DO ART. 5º DA LEI Nº 11.105, DE 24 DE MARÇO DE 2005 (LEI DE BIOSSEGURANÇA). PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO DIREITO À VIDA. CONSITUCIONALIDADE DO USO DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS EM PESQUISAS CIENTÍFICAS PARA FINS TERAPÊUTICOS. DESCARACTERIZAÇÃO DO ABORTO. NORMAS CONSTITUCIONAIS CONFORMADORAS DO DIREITO FUNDAMENTAL A UMA VIDA DIGNA, QUE PASSA PELO DIREITO À SAÚDE E AO PLANEJAMENTO FAMILIAR. DESCABIMENTO DE UTILIZAÇÃO DA TÉCNICA DE INTERPRETAÇÃO CONFORME PARA ADITAR À LEI DE BIOSSEGURANÇA CONTROLES DESNECESSÁRIOS QUE IMPLICAM RESTRIÇÕES ÀS PESQUISAS E TERAPIAS POR ELA VISADAS. IMPROCEDÊNCIA TOTAL DA AÇÃO. I – O CONHECIMENTO CIENTÍFICO, A CONCEITUAÇÃO JURÍDICA DE CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS E SEUS REFLEXOS NO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DA LEI DE BIOSSEGURANÇA. As "células-tronco embrionárias" são células contidas num agrupamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino). Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos laboratorialmente ou "in vitro", e não espontaneamente ou "in vida". Não cabe ao Supremo Tribunal Federal decidir sobre qual das duas formas de pesquisa básica é a mais promissora: a pesquisa com células-tronco adultas e aquela incidente sobre células-tronco embrionárias. A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalida o outro, pois ambos são mutuamente complementares”[4] (…)
Na primeira parte da emanta deste julgado, o suposto julgador-legislador parece muito ponderado em apenas estabelecer o conceito de células-tronco encontrado nos livros sobre o assunto. Porém, ao afirmar que “A certeza científico-tecnológica está em que um tipo de pesquisa não invalída o outro, pois ambos são mutuamente complementares”, o STF dar um comando autorizando os procedimentos em questão. Este comando, por uma falha do legislador, não foi estabelecido na própria Lei de Biossegurança, que deixou de conceituar o que seria células-tronco embrionárias.
A Lei de Biossegurança foi, então, interpretada pelo STF. Neste aspecto, o Tribunal não exauriu a competência jurisdicional, consistente em interpretar e aplicar a lei no caso concreto, apenas estabeleceu uma interpretação de que os dois conceitos de célula tronco são possíveis de ser utilizados no ordenamento pátrio. Fez-se uso, portanto, de uma interpretação extensiva da lei, usando dois conceitos já preexistentes e implantando os mesmos no ordenamento pátrio. Não inovou nem estabeleceu conceitos, como seria próprio da função legislativa, também não estabeleceu regulamentos como é próprio da função executiva. Comprove-se pelo trecho a seguir, retirado do acórdão:
“A Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e biológicas (…)”
Neste trecho, é evidente o uso da interpretação extensiva pelo STF. Ainda que, de alguma forma, renove o ordenamento jurídico, o STF não se utilizou de argumentos políticos para dar esta interpretação, usou apenas as boas técnicas de hermenêutica, que estariam dentro de sua competência funcional.
Se uma parcela predominante do eleitorado desejasse a fixação de um diferente conceito de células tronco, deveria ter exercido a cidadania enquanto a lei ainda estava em fase de elaboração ou pressionar o Congresso Nacional para legislar novamente sobre o assunto, a fim de criar nova lei, suprindo a lacuna apontada. Mas o que se percebe é que eleitor está cada vez mais distante das discussões políticas que o interessam, ou seja, é cada vez menor sua participação na vida política do País, limita-se, quando muito, apenas a acompanhá-la.
Porém, o próprio Estado Democrático de Direito cria instituições para limitar a atuação estatal, e a possibilidade do eleitor intervir de alguma forma nos julgamentos do STF, o que seria um grande avanço democrático em nossas instituições políticas e jurídicas.
Continuando com a segunda parte da análise do acórdão, em que se concentram os conceitos de vida e quando a vida viável realmente começa, pode-se visualizar uma maior intervenção do STF nesta definição. Pois o Supremo não apenas trata de interpretar a Constituição e a lei infraconstitucional, mas conceitua e separa, até de forma pouco técnica, que o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a pessoa humana.
No começo desta parte do acórdão, a Corte Constitucional brasileira apresenta um limite, e este limite seria a presença de terminações nervosas. Destarte, para o STF, a vida só seria garantida como vida se o embrião ou feto já apresentasse terminações nervosas que dariam possibilidades biológicas de um sistema nervoso e conseqüente, de um advento de consciência.
No trecho comentado acima, percebe-se que o STF adentrou em conceitos sobre os quais, pelo modelo clássico de atividade jurisdicional, ele não poderia se debruçar, uma vez que dar essa conceituação seria uma função própria de legislador e sua regulamentação seria atribuição conjunta do legislador com a administração pública. Aparentemente, o STF teria extrapolado suas competências, porém, o novo modelo, em nome da completude do ordenamento jurídico, permite ao Tribunal adentrar nessas searas, sem nenhum limite institucional. Assim, se não há limite institucional, o que limitaria o poder do STF seria a força política que detém o tradicional maquinário político: a força da cidadania.
O julgamento da lei de Biosegurança teve uma larga cobertura pelos meios de comunicação, o que acabou despertando o interesse de diversos setores da sociedade civil. Os setores da sociedade que participaram ativamente de manifestações de apoio, ou contrárias à aprovação da lei, mesmo sendo uma minoria quando comparados ao universo da sociedade brasileira, manifestaram-se, provavelmente influenciados pela mídia, na tentativa de influenciar no resultado do julgamento. Foi mostrado na mídia manifestações de grupos que representavam diversos interesses, como a comunidade científica, pacientes que esperavam cura dos seus males, entidades religiosas, e outros.
Essas manifestações de grupos, embora minoritários em julgamentos do STF, como foi o caso da Lei de Biossegurança, demonstra a força política das decisões da corte. E eleitor, “protagonista do teatro político”, no entanto, deveria ter possibilidade de interferir mais nessas questões, pois onde há atividade política deve haver a participação do eleitorado.
1.2. A união homoafetiva e Novo Poder Constituinte
Através do estudo das decisões sobre a união estável homoafetiva, pode-se perceber que o STF exerceu todo seu poder jurídico e político, interferindo até mesmo na prerrogativa que é de competência do Poder Constituinte. Na primeira delas, a ADPF 132/RJ, possibilitou, com efeito erga omnes, estender ao servidores que mantivessem relacionamentos homoafetivos os mesmos direitos dos que possuíssem relações heteroafetivas.
À primeira vista, poder-se-ia pensar que se tratava apenas de uma decisão rotineira, interpretando o artigo 1.723 do Código Civil de acordo com os parâmetros aceitáveis na atualidade. Segundo o referido artigo: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.” Assim, o STF não adentrou na competência legislativa, mas apenas alterou a interpretação segundo a qual união estável somente seria possível entre homem e mulher (heteroafetiva), e esse conceito impossibilitava o pagamento a casais homoafetivos dos benefícios previdenciários.
O que chamou a atenção, todavia, foi que o Supremo Tribunal Federal, ao proferir essa decisão, adentrou no conceito de família. Pois, conforme o §3º do art. 226 da Constituição Federal, “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.” A interpretação da configuração de união estável segundo o trecho acima leva a crer que essa seria apenas a união formada por pessoas de sexos diferentes. No entanto, quando o STF considerou que a união estável homoafetiva também era passível da mesma proteção de que trata o trecho mencionado, adotou claramente uma interpretação inovadora.
No caso em questão, o STF ouviu o grande apelo dos grupos sociais que se manifestavam em favor desta nova interpretação. Analisando a ata de julgamento, é de fácil constatação a participação de vários representantes dos movimentos que lutam pelo reconhecimento dos direitos dos casais homoafetivos. A evidente participação destes grupos como amicus curie[5] deixa flagrante que esta decisão não partiu de um julgamento eminentemente jurídico, mas sim político. É oportuno, alertar que não é intenção desse trabalho, julgar se é maléfica ou benéfica a politização do STF, mas sim, provar a existência da mesma e a partir disso, propor uma forma maior de participação dos cidadãos nas decisões tomadas pela Corte.
Essa politização ocorre de modo natural no novo modelo, porém, se há politização, dentro do que já se defendeu acima, como o eleitor ainda não tem o direito de escolher os ministros dos STF, deveria, pelos menos, ter a possibilidade de propor ações de controle concentrado de constitucionalidade perante o mesmo. Percebe-se que a prerrogativa de julgamento deve e sempre deverá ser da Corte Suprema brasileira, o eleitorado só teria, no caso, a capacidade de propor a ação constitucional e não de julgá-la, pois, ao que parece, o chamado Estado Democrático de Direito acaba desenvolvendo artifícios de proteção capazes de protegê-lo até mesmo, e principalmente do seu povo.[6]
Continuando a análise do agora evidente conteúdo político do julgamento da ADPF 123/RJ, constata-se que o Supremo, nesse julgado, elaborou um novo conceito de família. Família agora também poderia possui uma formação mais plural, não haveria somente a família formada pela união de homem e mulher. Seria pois, possível a família constituída pela união homoafetiva, certamente quebrando os paradigmas tradicionais. Porém, a função de institucionalizar esses novos paradigmas no nosso modelo Germânico-Romano é função exclusiva da lei, especificamente, no caso, de norma constitucional. Conclui-se, assim, que o STF, não apenas julgou de forma jurídico-política, mas inovou o ordenamento jurídico, e não só inovou o ordenamento, como elaborou norma constitucional.
Elaborar normas constitucionais é competência exclusiva do Poder Constituinte, então, no caso, o STF agiu como detentor desse poder. Talvez o novo modelo permita que uma Corte Constitucional possa agir desta forma, porém esse tipo de atuação só torna mais flagrante o caráter político dessa Corte. Assim, se o STF detém todo este poder político, o eleitorado deveria ter a possibilidade de agir de forma mais expressiva, propondo ações para expurgar ou confirmar a presença de certas leis no ordenamento jurídico brasileiro. Porém o caso que é talvez o mais flagrante de atividade política do STF é o que trataremos na próxima seção.
1.3. A ADI 4277/DF e o Novo Poder Constituinte Originário
A ADPF 123/RJ foi convertida na ADI 4277/DF e, nesta situação, foram julgadas em conjunto. O núcleo do julgamento desta ação é o art. 1723 do Código Civil que versa sobre a proteção pelo Estado da união estável entre homem e mulher. Seria muito interessante uma analise do acórdão do ADI 4277/DF[7].
“ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação (…)”
No trecho acima foi feita a conexão processual entre a ADPF e a ADI. As duas têm os mesmos objetos jurídicos, porém a ADI, acabou englobando parte deste objeto, no tocante à interpretação do Art. 1.723 do Código Civil, pois a ADPF só versava nos casos de benefícios previdenciários. No julgamento da ADI, é possível perceber o reconhecimento da União Homoafetiva como instituto jurídico. O STF, no caso, inovou completamente o ordenamento jurídico criando o instituto da união homoafetiva. Sabe-se que, no sistema jurídico brasileiro, a competência para a criação de instituto pertence ao Legislativo, através de lei que obedeça ao tradicional processo de confecção.
É de fácil constatação, no entanto, que STF além de atribuir um julgamento político no caso da ADI, também adentrou, de forma completa, nas competências do Congresso Nacional. Mas esta não é a única evidência de atividade politica do STF nesse julgado. Em outro trecho do acórdão, pode-se perceber que o Tribunal fez uso de uma argumentação, para construir um conceito de família que afastasse as interpretações mais ortodoxas de família e sua formação. É necessária a citação do trecho da ADI 4277/DF[8]:
“TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas.”
Percebe-se que, numa decisão humanitária, mas claramente política, o STF conseguiu anexar, ao conceito de família definido pela Carta Política Maior (o §3º do art. 226, que reconhece como entidade familiar a união entre homem e mulher), uma nova concepção mais contemporânea de núcleo familiar.
Vale salientar que a Constituição protege a pessoa humana e coíbe o preconceito negativo em qualquer forma ou espécie. Nesse caso, embora o STF tenha decidido pelo reconhecimento dos direitos das pessoas, protegendo-as do preconceito e garantindo aos casais homossexuais, todos os direitos (previdenciários, fiscais, hereditários e outros) que têm os casais heterossexuais, a decisão foi contraditória aos preceitos da Constituição Federal, uma vez que no texto constitucional está definido claramente um conceito família: a união entre homem e mulher. É razoável que os diferentes arranjos familiares tenham sua proteção e a garantia dos direitos análogos. Porém, alterar o conceito de família definido no art. 226 da Constituição é flagrante atividade política do STF influenciado em muito pelas forças lobista, assim como são influenciados qualquer outro tipo de político.
Então, para estar no âmbito de sua competência funcional, o STF deveria ser só tratado da isonomia entre casais como modo evitar qualquer tipo de discriminação, por parte da atividade estatal como também pela totalidade da sociedade. Adentrar no conceito de família seria próprio do Poder Constituinte Originário. Não é propriedade deste trabalho julgar a atuação do STF e sim demonstrar na medida do possível a existência de um certo “ Governo de Juízes” no Brasil, e onde há governo haveria a possibilidade de o eleitorado estabelecer uma relação com o mesmo Governo.
1.3.1. A criação de novo instituto jurídico e Governo de Juízes
Observe-se, por fim, a última parte do acórdão da ADI 4277/DF[9].
“DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva”.
Percebe-se que o STF não apenas inovou no ordenamento jurídico constitucional, mas lançou também um novo instituto civil. O Tribunal, em um único julgamento, alterou o dispositivo do Código Civil, quando o legislador cível passa anos e anos para alterar algo referente a esse ramo do direito. Essa resistência do Legislativo deve-se ao fato de que, na maioria das vezes, esses institutos são seculares, como é exemplo do casamento e da família. Não que este trabalho se apegue às tradições, mas não há como negar que, se uma alteração desse tipo seguisse o procedimento legislativo normal, essa alteração demandaria anos de discussão, podendo, ainda estar sujeita ao veto do Executivo, diferentemente das decisões do STF.
Talvez essa seja uma grande vantagem do novo modelo e do Governo de Juízes: inovar o ordenamento jurídico de um modo mais célere. Porém, essa observada abreviação nas discussões é característico de regimes autoritários, posto que a democracia requer tempo para discussão e participação ativa do cidadão.
Além de criar novas “leis”, o STF pode estar a criar um novo espécime de sistema: a “Ditadura dos Juízes". Para que isso não ocorra, seria necessária a participação do Eleitorado, único capaz de evitar o que poderíamos chamar de “a ditadura dos juízes”.
Para fundamentar o ponto de vista aqui defendido, ilustraremos o texto a seguir, com os argumentos dos Ministros que tiveram o voto vencido no julgamento da lei.
1.3.2. 4277/DF a intervenção do Ministro Gilmar Mendes no Voto da Ministra da Carmem Lúcia
Uma das mais aparentes evidências do Governo de Juízes do STF pode ser localizada na intervenção do Ministro Gilmar Mendes. Neste aparte, assim como neste trabalho, o Ministro Mendes constata que este julgamento extravasa a competência do STF e do Poder Judiciário. Primeiramente ele aduz sobre a que Código Civil apenas é um reflexo do texto constitucional, seria conveniente a reprodução do aparte.
“(…) tendo em vista, como amplamente confirmado, que o texto reproduz, em linhas básicas, aquilo que consta do texto constitucional; (…) E, de alguma forma, a meu ver, eu cheguei a pensar que era um topo de construto meramente intelectual-processual, que levava os autores a propor a ação, uma vez que o texto; em princípio, reproduzindo a Constituição, não comportaria esse modelo de interpretação conforme. Ele não se destinava a disciplinar outra instituição que não fosse à união estável entre homem e mulher, na linha do que estava no texto constitucional. Daí não ter polissemia, dai não ter outro entendimento que não aquele constante do texto constitucional.
Talvez o único argumento que possa justificar a tese de interpretação conforme – isso foi lançado da tribuna, com exemplos – é que, quando se invoca a possibilidade de se ter a união estável entre homem ou entre pessoas do mesmo sexo, invoca-se esse dispositivo como óbice; como proibição.
É preciso, talvez, que nós deixemos essa questão de forma muito clara porque isso terá implicações neste e em outros casos quanto à utilização e, eventualmente, à manipulação de interpretação conforme, que se trata inclusive de uma interpretação conforme com muita peculiaridade, porque o texto é quase um decalque da norma constitucional e, portanto, não há nenhuma dúvida quanto àquilo que o legislador quis dizer, na linha daquilo que tinha positivado o constituinte.”[10]
Neste aparte, O Ministro Gilmar Mendes avisa à Ministra Carmen Lúcia que a interpretação conforme, ela e o Relator estavam usando, não condizia com a realidade, pois o Código Civil apenas reproduzia o texto constitucional, e este texto constitucional alberga a tradicional formação de família.
Qualquer interpretação para abrigar o instituto da união estável homoafetiva seria ir de encontro ferozmente ao que se encontra na constituição. O STF fez isso nesse julgamento, inaugurando, no Brasil um novo tipo de Poder Constituinte Originário. E neste poder o eleitor tem todo direito e alguma maneira tentar intervir.
1.3.3. Voto do Ministro Ricardo Lewandowski e Constatação do Novo Poder Constituinte Originário
Este voto é muito útil para este trabalho, pois evidencia a extrapolação de poderes do STF indo de encontro até mesmo à cláusula pétrea. Deixa mais transparente o Governo de Juízes (derivado do Novo Modelo), apesar de o ministro utilizar um discurso muito próximo do político, como forma de respaldar a extrapolação da competência da Suprema Corte.
Interessa a este trabalho a parte na qual o Ministro cita alguns diálogos da Constituinte de 1988 e depois arremata que este diálogo que estava acontecendo no STF muito se assemelhava às discussões da Constituinte, e faz uma devida vênia ao que o STF, ao discutir o conceito de família e união estável, estava adentrando na competência do Legislativo. Seria estratégica a maior apreciação deste voto.
“Não há, aqui, penso eu, com o devido respeito pelas opiniões divergentes, como cogitar-se de uma mutação constitucional ou mesmo de proceder-se a uma interpretação extensiva do dispositivo em foco, diante dos limites formais e matérias que própria Lei Maior estabelece no tocante a tais procedimentos, a começar pelo que se contém no art. 60, § 4º, III, o qual se erige a “ separação de poderes” à dignidade de “cláusula prétea”, que sequer pode ser alterada por meio de emenda constitucional.
É certo que o Judiciário não é mais, como queriam os pensadores do século XVIII, mera bouche de la loi, acrítica e mecânica, admitindo-se uma certa criatividade no processo de interpretação da lei, sobretudo quando estes se deparam com lacunas no ordenamento jurídico. Não se pode olvidar, porém, que a atuação exegética dos magistrados cessa diante limites do direito posto.
Em outras palavras, embora os juízes possam e devam valer-se das variadas técnicas hermenêuticas para extrair da lei o sentido que melhor se aproxime da vontade original do legislador com Zeigeist vigente à época da subsunção desta aos fatos, a interpretação jurídica não pode desbordar dos limites, como ensinavam os antigos, in claris cessat interpretativo.
E, no caso sob exame, tenho que a norma constitucional, que resultou dos debates da Assembleia Constituinte, é clara ao expressar, com todas as letras, que a união estável só pode ocorrer entre homem mulher, tendo em conta, ainda, a sua possível convolação em casamento.”[11]
Este trecho deixa bem claro a intromissão do Judiciário na esfera de competência do Legislativo, pois os magistrados agora usam das técnicas hermenêuticas para extrapolar os limites da separação de funções. Essa extrapolação é necessária para que haja o novo modelo. O novo modelo dá margens de Governo ao Judiciário. Isso pode ser visto no decorrer do seu voto.
Mesmo advertindo sobre a extrapolação da separação de poderes, o Ministro ainda usa de hermenêutica para criar um novo tipo de entidade familiar que, ainda assim, pode ser protegida pelo instituto da união estável. Utilizou-se de um artifício do discurso político. Pois os políticos, em nome de um bem comum, costumam mascarar os seus atos, dando outros nomes às mesmas palavras (por exemplo: o que uns chamam de assassinato, outros chamam de guerra justa). Esse jogo de palavras evidencia mais ainda a atividade política do STF. Não se fala mais em direito e institutos jurídicos. Agora “joga-se” com o sentido das palavras, tal como fazem determinados políticos por cujo grau de sagacidade, são conhecidos pelo apelido de “raposa velha”. É possível perceber o “jogo” de palavras no trecho a seguir.
“Ora, embora essa relação não se caracterize como união estável, penso que se está diante de outra forma de entidade familiar, um quarto gênero, não previsto no rol encartado do art. 226 da Carta Magna, a qual pode ser deduzida a partir de uma leitura sistemática do texto constitucional e, sobretudo, diante da necessidade da dar-se concreção aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da preservação da intimidade e da não-discriminação por orientação sexual aplicáveis sob análise.
Entendo que as uniões de pessoa do mesmo sexo se projetam no tempo e ostentam da publicidade, na medida em que constituem um dado da realidade fenomênica e, de resto, não proibidas pelo ordenamento jurídico ser reconhecida pelo Direito, pois, como já diziam os jurisconsultos (…).
Creio que se está, repito, diante de outra realidade familiar, distinta daquela que caracteriza as uniões estáveis heterossexuais.
A diferença, embora sutil, reside no fato de que, apesar de semelhante em muitos aspectos à união estável entre pessoa de muitos aspectos à união estável entre pessoas de sexo distinto, especialmente no que tange ao vínculo afetivo, à publicidade e à duração no tempo, união homossexual não se confunde com aquela, eis que, por definição legal, abarca, exclusivamente, cais de gênero diverso.
Para conceituar-se, juridicamente, a relação duradoura e ostensiva entre pessoas do mesmo sexo, já que não há previsão normativa expressa a ampará-la, seja na Constituição, seja na legislação ordinária, cumpre que se lance mão da integração analógica.
Como se sabe, ante a ausência de regramento legal específico, pode o intérprete empregar a técnica de integração, mediante o emprego da analogia, com fim de colmatar as lacunas porventura existentes no ordenamento legal, aplicando, no que couber, a disciplina normativa mais próxima à espécie que lhe cabe examinar, mesmo porque o Direito, como é curial, não convive com anomia” [12].
Pode-se perceber num exame mais minucioso do trecho acima que Lewandowski usa de artifício muito usado pelos políticos – o de dizer a mesma coisa com outras palavras, como se quisesse explicar os fatos para certo público. A expressão “entidade familiar”, por exemplo, é usada neste jogo de palavra. “Entidade familiar” tem o mesmo significado de família, e a família, segundo a Constituição, é formada pelo casamento ou união estável entre homem e mulher. Apesar de ser um truque de linguagem política, esta solução é inteligente. Pois não desamparam este tipo de ente social, que se constitui na parceria homoafetiva. O Novo Modelo permite e até encoraja este tipo de solução, pois permite o Governo de Juízes, e permite este mesmo governo de ter a participação do eleitorado. Com participação do eleitorado será imbuído de um maior nível de cidadania e de democracia.
Criticando o voto do relator, por considerar que aquela discussão não cabia ao STF, o Ministro Lewandowski, contraditoriamente, usou de atribuições próprias do Poder Legislativo. Usou palavras inteligentes e sagazes, como fazem os mais hábeis oradores dos quadros políticos, mas, mesmo assim, exorbitou das atribuições clássicas de um magistrado comum.
1.3.4. Voto do Ministro Gilmar Mendes e Constatação do Novo Poder Constituinte Originário
O voto do Ministro Gilmar Mendes é tecnicamente aprimorado. Usou o ministro de toda sua capacidade jurídica e de seu vasto conhecimento legal. Deve-se sempre reconhecer a habilidade do Ministro Gilmar Mendes. Porém, outra habilidade é evidenciada no seu voto: a enorme habilidade política, demonstrada no discurso. Pois uma das funções do discurso político é a de dar certa ilusão ao interlocutor.
A Política tem a função de iludir, pois sem essa “magia”, sem essa “coisa que enfeitiça”, não haveria a crença de que o Estado ou Governo poderia ser um catalisador dos problemas de nossa sociedade. Algo que traga segurança e que, com a ajuda dos entes estatais e governamentais, poderia trazer a esperança de uma vida menos difícil.
Gilmar Mendes usou muito bem desta ilusão, primeiramente defendeu o conceito clássico de família, protegido pelo art. 226 da Constituição Federal e art. 1723 do Código Civil, família tradicional, aquela família que é possível a sobrevivência do Estado. Mas, ao final do seu voto, conseguiu, por meio da habilidade do discurso político, passar uma aparência de legitimidade na sua decisão, que não foi fundamentada na inconstitucionalidade do art. 1723 da Lei Civil, mas nos Princípios da Igualdade e da Dignidade da Pessoa Humana.
O Ministro Gilmar alertou e criticou claramente o fato de que o STF adentrava nas competências do Congresso Nacional, porém, ao final do seu voto, acabou tomando a mesma decisão política dos seus demais colegas.
O voto começou com uma defesa da constitucionalidade do art. 1723 do Código Civil (já citado neste trabalho). Defendeu o que este trabalho já argumentou, que o art. 1723 é mera reprodução de texto constitucional, e que uma interpretação conforme a constituição não seria possível, pois o artigo é reprodução do texto da Carta Constitucional. “Segundo a jurisprudência do STF, a interpretação conforme a Constituição conhece limites. A interpretação conforme a Constituição, por isso, é admissível se não configurar violência contra expressão literal do texto” [13].
No caso uma interpretação conforme para excluir ou declarar a inconstitucionalidade do art. 1723 do Código Civil seria improvável. Então qualquer tentativa de retirar o artigo do ordenamento jurídico seria infrutífera. O Ministro, para reforçar a sua convicção, cita um texto elucidador para este trabalho. Segue abaixo:
“São nestes dois âmbitos de análise que tomamos emprestado o título da obra de Bachof para refletir sobre uma questão que tem tomado força em nossa comunidade jurídica. Trata-se da (tentativa de) regulamentação de uniões homoafetivas via jurisprudência do STF, como se fosse possível fazer um "terceiro turno" no processo constituinte. Com efeito, na teia de argumentos que se apresentam para a efetuação de uma tal medida, estão cruzados os dois modelos teóricos retratados acima. Eles se articulam de dois modos:
a) explicitamente, porque há uma tentativa de instauração de uma verdadeira jurisprudência da valoração, na medida em que se pretende criar uma "abertura de espaços jurídicos" para a criação de algo que depende da regulamentação do poder legislativo;
b) implicitamente, porque a argumentação da Procuradoria Geral da República leva à repristinação da idéia superada de que poderia haver normas constitucionais inconstitucionais, na medida em que o próprio § 3º do art. 226 da Constituição Federal seria inconstitucional (sic!) ao declarar que a proteção do Estado se destina a união entre o homem e a mulher, contrariando assim princípios sensíveis da Constituição como é o caso da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana.
O que preocupa neste tipo de pedido de tutela judicial é que ele traz consigo – de modo subterrâneo – uma idéia que tem ganhado terreno e aceitação por parte da dogmática jurídica nacional: a necessidade de se recorrer a "bons ativismos judiciais" para resolver questões que a sociedade em constante evolução acarreta e que os meios políticos de decisão (mormente o legislativo) não conseguem acompanhar.
Vejamos, resumidamente, como a questão está colocada nos termos da ADPF n. 178. Tal medida foi interposta no dia 02.07.2009 pela Procuradoria Geral da República, mediante representação do Grupo de Trabalho de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, objetivando o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo e a garantia dos mesmos direitos dos companheiros heterossexuais.”[14]
Nesta primeira parte do texto, identificamos o que seria ativismo jurídico, chamado por este trabalho de Governo de Juízes. Os dois se assemelham muito. O ativismo seria uma concepção mais “pura” e “inocente” do Governo de Juízes. Já o Governo de Juízes sofreria de todos os benefícios e males da prática política, como o usado pelo Ministro do Supremo. Os dois possuem as mesmas causas: a demora e a falta de vontade política do Legislativo.
Este trabalho não condena o ativismo jurídico ou Governo de Juízes, apenas afirma que, se há atividade política no STF, o eleitor deve ter o direito de propor ações (do controle concentrado de constitucionalidade) perante a corte.
O texto abaixo, que continua o voto do ministro, é ainda mais esclarecedor. Por isso continuaremos a análise.
“Neste ponto, ainda há outra questão a enfrentar: qual a diferença entre essa omissão alegada pela PGR e a omissão inconstitucional que deve ser corrigida pela via do Mandado de Injunção ou pela Ação Direita de Inconstitucionalidade por Omissão? Nos termos do pedido a diferença é marcada pelo fato de o Estado brasileiro já se encontrar obrigado (sic) a reconhecer as uniões homoafetivas independentemente da edição de qualquer norma infraconstitucional, em face da aplicabilidade imediata das normas de direitos fundamentais.
Ora, se aceitarmos esse tipo de argumento, continuaríamos dando vigência à vetusta tese daquilo que se convencionou a chamar de Direito Constitucional da Efetividade que insiste em dividir o texto da Constituição ao modo da metafísica essencialista, entre normas constitucionais em programáticas e não-programáticas, o que seria um duro golpe na idéia já sedimentada na doutrina constitucional de força normativa da Constituição.
E mais: de que modo poderia haver a referida omissão se a própria Constituição determina que é dever do Estado proteger a união entre o homem e a mulher? Onde estaria a omissão, já que é um comando constitucional – e note-se: não podemos falar em hierarquia entre normas constitucionais, caso contrário, estaríamos aceitando a tese de Bachof a respeito da possibilidade de existência de normas constitucionais inconstitucionais – que determina que a ação do Estado seja no sentido de proteger a união entre homem e mulher?
b) O segundo objeto da medida seriam as várias decisões judiciais que vem dando interpretação restritiva (sic) ao art. 1273 do CC, interpretando, assim, a Constituição de forma equivocada (sic).
Vejamos: nos termos da tese defendida pela PGR, a interpretação correta da Constituição aponta para um contexto mais amplo do que aquele retratado no mencionado artigo. A principiologia constitucional (mesmo com o § 3º do art. 226 dizendo o contrário) apontaria para a necessidade de compreender que a proteção do Estado à união estável entre homem e mulher deveria ser estendida às relações homoafetivas. A expressão homem e mulher contida no texto constitucional seria meramente exemplificativa (sic!). In verbis, a posição da PGR:
A única interpretação que torna o preceito (art. 1273 CC – acrescentamos) compatível com a Lei Maior é a que concebe a expressão ''homem e mulher'', contida em seu texto, como meramente exemplificativa, de forma a admitir a interpretação analógica do dispositivo, para que ele se estenda à união entre pessoas do mesmo sexo, desde que se configure como convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com objetivo de constituição de família.
Desse modo, a PGR pugna, como pedido subsidiário, pela transformação da ADPF em ADIn com pedido de Interpretação Conforme do art. 1273 do CC, de modo que ele apenas seria compatível com a Constituição se lido ao modo retratado acima.
De plano, salta aos olhos a seguinte questão: a efetivação de uma tal medida importa(ria) transformar o Tribunal em um órgão com poderes permanentes de alteração da Constituição, estando a afirmar uma espécie caduca de mutação constitucional (Verfassungswandlung) que funcionaria, na verdade, como um verdadeiro processo de alteração formal da Constituição (Verfassungsänderung), reservado ao espaço do Poder”[15].
Primeiramente uma correção: o autor erra ao referir-se ao artigo do Código Civil. Não se trata do artigo 1273 e sim 1723 do mesmo diploma. O autor, assim como este trabalho, percebe que o STF já não é mais um órgão que interpreta e aplica a constituição. É agora um órgão capaz de modificar a compreensão do texto constitucional conforme convenha decidir contra ou favorável determinada questão.
Com o comentário acima, este trabalho não faz qualquer julgo de valores sobre o mérito das decisões da corte. Apenas constata que o colegiado do supremo apodera-se de atribuições políticas, típicas do poder legislativo. E faz isso sem ter a legitimidade do voto. Aqui não se afirma também, que esse exercício de poder é bom ou ruim ou que as decisões tomadas dessa forma pelo STF são benéficas ou maléficas à sociedade. O que se discute é o fato de o cidadão, o eleitor não poder figurar como polo ativo nessa relação processual.
Até agora, as evidências mostram a necessidade de ser reconhecida pela Constituição a legitimidade do eleitor perante ao STF.
Ora, se o Governo de Juízes, ou ativismo político, é inevitável, há de se dar uma legitimidade democrática para isto, mesmo com o risco que isso possa acarretar. Retorne-se ao estudo do texto, peça chave para a análise do voto do Ministro Gilmar Mendes.
O Ministro primeiramente invocou o limite entre o Judiciário e Legislativo, mas, no final, no seu voto, acabou reconhecendo a União Estável Homoafetiva, ultrapassando esse limite mesmo assim.
Ou seja, no ativismo jurídico, é necessário ultrapassar estes limites, até mesmo por uma necessidade básica: o Legislativo não seria tão ágil o bastante para elaborar leis de acordo com o desejo da sociedade, principalmente com o desejo das minorias. A defesa das minorias é imprescindível no Estado Democrático de Direito. Este trabalho não discorda do ativismo, ou até mesmo o Governo de Juízes, apenas ressalta a ausência de participação do cidadão neste movimento.
“E mais. As sentenças interpretativas só podem ser corretamente compreendidas através da diferença (ontológica – ontologische Differentz) que existe entre texto e norma. A interpretação conforme a Constituição não modifica o texto da norma, mas produz uma norma a partir da parametricidade constitucional. Esse é o limite do sentido e o sentido do limite. Ou seja, somente a partir dela – da parametricidade constitucional – e não a partir de analogias ou outras formas de extensão de sentido, é que se pode fazer a referida atribuição de sentido (Sinngebung). E, outra coisa: a diferença entre texto e norma não quer dizer que seja permitida a atribuição de qualquer norma ao texto. E muito se pode admitir que, a pretexto da aplicação da máxima hermenêutica "texto e norma", a PGR venha a pretender substituir o próprio texto da Constituição – pela via indireta da interpretação conforme dada ao Código Civil – por um outro (aquele que ela, a PGR, entenda ser mais adequado).
Portanto, voltamos ao problema fundamental da questão que passa ao largo das discussões jurídicas empreendidas nessa seara. Ou seja, que tipo de democracia queremos? Não se trata de ser contra ou a favor da proteção dos direitos pessoais e patrimoniais dos homossexuais. Aliás, se for para enveredar por esse tipo de discussão, advertimos desde já que somos absolutamente a favor da regulamentação de tais direitos, desde que efetuados pela via correta, que é a do processo legislativo previsto pela Constituição Federal.
O risco que exsurge desse tipo de ação é que uma intervenção desta monta do Poder Judiciário no seio da sociedade produz graves efeitos colaterais. Quer dizer: há problemas que simplesmente não podem ser resolvidos pela via de uma idéia errônea de ativismo judicial. O Judiciário não pode substituir o legislador.
Explicamos. Em um regime democrático, como bem afirma Ronald Dworkin, em seu A Virtude Soberana, é preciso fazer uma distinção entre preferências pessoais e questões de foro de princípio. O Judiciário pode intervir – e deve – sempre que estiver em jogo uma questão de princípio. Mas não cabe a este poder exarar decisões que manifestem preferências pessoais de seus membros ou de uma parcela da sociedade. Isso por um motivo bastante simples: a democracia é algo muito importante para ficar à mercê do gosto pessoal dos representantes do Poder Judiciário. Se assim fosse, os próprios interesses dos homossexuais estariam em risco, posto que a regulamentação das relações entre pessoas do mesmo sexo dependeria da "opinião" e da "vontade" daquele que julga a causa.
Imaginemos: se a questão é analisada por um ministro favorável ao movimentos das minorias e da regulamentação de tais relações, sua decisão seria no sentido da procedência; por outro lado, um ministro conservador e alheio a essa "mutação dos costumes" julgaria improcedente o pedido. E é isso que, num caso como esse, não pode acontecer. A decisão a ser tomada em tais casos precisa ser levada à cabo no espaço político, e não no jurisdicional, justamente para evitar que sua resolução fique à mercê das opiniões pessoais dos ministros da Corte Constitucional. Ou seja, a decisão deve ser construída no contexto de uma sociedade dialogal, em que o Poder Judiciário tem sua função que não consiste em legislar. Em suma, uma questão como essa, justamente pela importância da qual está revestida, não pode ser resolvida por determinação de um Tribunal. É necessário que haja uma discussão mais ampla, que envolva todos os seguimentos da sociedade, cujo locus adequado encontra-se demarcado nos meios democráticos de decisão.
De todo modo, há uma perigosa tendência no interior da comunidade jurídica de recorrer aos tribunais para sanar eventuais omissões do legislador, pugnando por um verdadeiro exercício de uma tardia jurisprudência dos valores pelo STF (ou pelos demais tribunais da República). Basta notar que a atual ADPF (ou será ADIn? Ou poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo?!?) foi distribuída por dependência a ADPF n.º 132, que já havia sido ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro. As razões de ambas estão fundadas em uma alegada violação de princípios constitucionais (lesão a direito) e nas freqüentes denegações de direitos aos homossexuais. Tudo isso porque a união entre pessoas do mesmo sexo é uma "realidade fática inegável", fruto do processo de "liberalização dos costumes", já reconhecida em outros países, sendo que a ausência de tratamento "com mesmo respeito e consideração" em relação às uniões estáveis entre pessoas de sexos diferentes representa um "menosprezo à identidade e à dignidade" dos homossexuais. Trata-se da assunção de um sociologismo com roupagens jurídicas, mais do que argumentos que tratem de valores éticos e sua regulação jurídica. A ação menciona, ainda, a violação aos seguintes princípios constitucionais: 1) da dignidade da pessoa humana, 2) da igualdade, 3) da vedação de discriminações odiosas, 4) da liberdade e 5) da proteção da segurança jurídica”[16].
Ao contrário da opinião do autor, este trabalho opina que o Governo de Juízes (ativismo jurídico) é inevitável, fruto do novo modelo jurídico, e não utilizar o novo modelo seria um retrocesso na ciência jurídica. E o argumento da segurança jurídica não pode ser utilizado para evitar o avanço da jurisdição e da ciência do Direito.
O argumento da segurança jurídica é vastamente usado como uma espécie de escudo pelas opiniões mais conservadoras nos meios político e jurídico. Deve sim existir um aparelho estatal confiável, mas utilizar-se desse argumento para tentar proteger-se dos avanços jurisdicionais é está a serviço do conservadorismo e é também impedir que o judiciário avance rumo ao atendimento das novas demandas da sociedade. Este é dos únicos pontos discordantes deste trabalho com o texto de Streck. Continua-se a análise.
“E note-se que a questão do reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo já vinha sendo discutida judicialmente, existindo decisões de primeira e segunda instâncias sobre o assunto. Também nestes casos houve um nítido excesso do poder Judiciário no sentido de romper com o texto da Constituição. Isso é um sintoma daquilo que aqui estamos chamando de "repristinação da jurisprudência dos valores". Ora, a despeito do texto da Constituição propiciar um tecido normativo "fechado" demais, setores do direito pensam que é preciso "abrir" esse sentido da normatividade constitucional com um uso aleatório e descompromissado dos princípios constitucionais. Princípios estes invocados a partir de uma espécie de "anemia significativa", na qual a grande revolução operada pelo neoconstitucionalismo – os princípios representam a inserção do mundo prático no direito – acaba por ser obnubilada por algo que se pode denominar panprincipiologismo. (cf. Lenio Streck, Verdade e Consenso, 3ª. Edição- Lumen Juris, 2009).
O seguinte acórdão, originário do TJRS – com fundamentação similar a outras decisões oriundas do Tribunal Regional Federal da 4ª Região –, bem demonstra essa espécie de retorno (tardio) a uma jurisprudência de valores. Com efeito, enquanto a Constituição do Brasil estabelece que "para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento" (art. 226, § 3º), o Tribunal gaúcho "colmatou" uma "omissão do constituinte" (sic), verbis(…)
Antes de tudo, apenas registremos: é a Constituição (que não pode ser inconstitucional) que diz "união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar a sua conversão em casamento"…! O que a lei deve facilitar é a conversão em casamento dessa relação entre homem e mulher…! É por isso que, em um Estado Democrático de Direito, mesmo que sejamos todos a favor de uma causa, é necessário esperar pelo legislador…! …
Reafirmando o que já foi mencionado acima: não cabe ao Poder Judiciário "colmatar lacunas" (sic) do constituinte (nem originário e nem derivado). Ao permitir decisões desse jaez, estar-se-á incentivando a que o Judiciário "crie" uma Constituição "paralela" (uma verdadeira "Constituição do B"), estabelecendo, a partir da subjetividade dos juízes, aquilo que "indevidamente" – a critério do intérprete – não constou no pacto constituinte. O constituinte não resolveu? "Chame-se o Judiciário…." Ou "criemos um princípio", que "valerá" mais do que a Constituição.(…)
Veja-se que um dos argumentos utilizados – ao menos no plano retórico para justificar as referidas decisões – é o de que o Judiciário deve assegurar a união estável (portanto, equiparação ao casamento) de casais homossexuais porque o Legislativo não pretende, a curto prazo, por não dispor de "condições políticas" para tal, elaborar legislação a respeito. Mas, convenhamos, é exatamente esse argumento que se contrapõe à própria tese: em uma democracia representativa, cabe ao Legislativo elaborar as leis (ou emendas constitucionais). O fato de o Judiciário – via justiça constitucional – efetuar "correções" à legislação (filtragem hermenêutico-constitucional e controle stricto sensu de constitucionalidade) não significa que possa, nos casos em que a própria Constituição aponta para outra direção, construir decisões "legiferantes".
Dito de outro modo: a Constituição reconhece união estável entre homem e mulher, mas isso não significa que, por não proibir que essa união estável possa ser feita entre pessoas do mesmo sexo, a própria Constituição possa ser "colmatada", com um argumento kelseniano do tipo "o que não é proibido é permitido" (sic!). Fosse assim e inúmeras não proibições poderiam ser transformadas em permissões: p.ex., a Constituição de 1988 também não proíbe ação direta de inconstitucionalidade de leis municipais face à Constituição Federal (o art. 102, I, "a", refere apenas a possibilidade de argüição que trate de leis federais e estaduais). E nem por isso torna-se possível falar em ADIn contra lei municipal em sede de STF. Veja-se: em nome do "princípio democrático" ou da "república", os munícipes espalhados pelos quatro cantos do Brasil poderiam alegar que "a Constituição originária violou o princípio da isonomia e que a falta de um mecanismo desse quilate viola direitos fundamentais", etc. Ora, nada disso pode ser "colmatado" por um ato voluntarista do Judiciário (veja-se que a ADPF acabou resolvendo o problema – por lei –, ao admitir-se o sindicamento de leis municipais em face da Constituição sempre que não houver outro modo de solucionar a querela; mas, insista-se: foi por via legislativa a alteração do estado da arte). E o que dizer da "discriminação" entre homem e mulher para os casos de aposentadoria? Se homens e mulheres devem ser iguais, por que as mulheres se aposentam mais cedo? Não seria o caso de ingressar com uma ADPF para substituir a expressão homens e mulheres por "indivíduos"? E assim por diante…!(…)
E, numa palavra final: quando a Constituição não diz o que gente quer, não dá "alterá-la" ou "esticá-la" a partir de princípios construídos ad hoc. Não se altera a Constituição por intermédio de ativismos judiciais. Quem sabe deixemos isso ao parlamento? Ou isso, ou entreguemos tudo às demandas judiciais! Mas, depois, não nos queixemos do "excesso de judicialização" ou de "ativismos"…! Isso as vezes é "bom"; as vezes é "ruim"[i]…!”[17]
Esse trabalho usa este texto principalmente para provar a existência do ativismo jurídico, ou Governo de Juízes, e concorda com crítica do mesmo texto sobre o novo método de alteração constitucional. Porém, consideramos que o Governo de Juízes é inevitável, e mesmo os Ministros que em parte discordaram do relator na ADI 4277, acabaram votando a favor da União Estável Homoafetiva. Para este trabalho, trata-se de uma evidência forte da politização do STF. Para comprovar mais ainda vejamos o final do voto do Ministro Gilmar Mendes.
1.3.4.1. Final do Voto de Minstro Gilmar Mendes
A primeira impressão da parte final do voto, é que Gilmar Mendes desconversa, primeiramente ele versa sobre o art. 1723 do Código Civil e do art. 226 da Constituição Federal, que este dois artigos não seria possível a amparo da União Estável Homoafetiva, por razões já explicadas neste trabalho. Usa dos princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana para reconhecer a União Homoafetiva. Usando do discurso político para praticar o ativismo jurídico, ativismo jurídico condenado por Streck.
O Ministro Gilmar Mendes, além de ser uma mente política, é uma grande “cabeça política”. Neste jogo de política, parece que todos participam, exceto o maior interessado: o Eleitor. Defendemos que onde há política, deve haver participação do eleitor, então, para uma maior legitimação de suas decisões, deve-se permitir uma maior participação do mesmo neste novo processo legislativo, o “processo legislativo do STF”. No próximo capítulo, este trabalho terá uma possível solução para que o eleitor tenha força perante o STF.
2 – O Eleitor e Ação Direta de Inconstitucionalidade
O fato de o Governo de Juízes estar evidenciado, principalmente na análise dos votos de dois ministro que divergiram do relator – embora, não obstante à divergência e à demonstração de que tal decisão entraria na esfera do Legislativo, ambos, tenham reconhecido a União Estável Homoafetiva – nos seus votos, pode-se perceber o discurso político.
Já que há cunho político nas decisões do colegiado do STF é flagrante que haja participação do cidadão. Mas como seria esta participação? O ideal seria que o eleitor escolhesse, por meio de voto direto, o Ministro do Supremo Tribunal Federal, mas este trabalho não foge da realidade, e é sabido que isso seria politicamente muito improvável. Pois ao que parece, o Brasil ainda não tem maturidade democrática para permitir que eleitores escolham seus próprios magistrados. Mas este trabalho apresenta uma solução simples: permitir que o eleitorado proponha perante o STF ações do controle concentrado de constitucionalidade. Seria uma maneira razoável de a sociedade participar do Ativismo Político ou do Governo de Juízes.
Esta ADI seria análoga à iniciativa popular pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles[18].
Então funcionaria assim: um grupo organizado da sociedade que possuísse interesse em retirar uma lei do ordenamento jurídico organizaria uma coleta de assinaturas de eleitores igual à iniciativa popular. Atendendo-se aos requisitos do art. 61 da Constituição Federal, geraria automaticamente a capacidade de agir do eleitor perante o STF. Mas esta questão esbarra num problema: Quem representaria o eleitorado nacional perante o STF? O eleitor acabaria por possuir a capacidade legal de agir, mas não a capacidade postulatória, para que necessitaria de representantes.
Para aprofundamento da questão, primeiramente vamos analisar se os legitimados para a propositura de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI seriam legítimos no caso de propositura ao STF de retirada de leis do ordenamento jurídico brasileiro.
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.”[19]
Os legitimados para propositura da ação estão albergados no artigo acima citado. É bem-vinda uma análise de cada um, e a possibilidade de cada um representar o eleitor perante o STF.
2.1. O Presidente Como Representante do Eleitor
Após o sucesso na coleta de assinatura de eleitores gerar o direito de os mesmos proporem a ADI no STF, quem os representaria? Pois o eleitorado em si é despersonalizado. Uma solução a ser analisada neste trabalho seria que, para representar o eleitor, seria escolhido o Presidente da República.
Este teria legitimidade natural, pois foi eleito pelo voto secreto e direto como manda a lei eleitoral e a Constituição. Sim, o Presidente seria um potencial representante do povo no STF. Pois ele, dotado de toda sua legitimidade eleitoral representaria muito bem o eleitorado. Seria ele um símbolo de união de uma nação, nação agora que luta para ter mais voz ativa na totalidade da atividade estatal. Seria ele um exemplo maior da luta pela democracia. Quem seria melhor para representar o povo do que a pessoa escolhida por ele próprio para personificar a vontade popular? Porém ocorreria um grande problema quando a lei em questão fosse de iniciativa do próprio chefe de estado de real interesse do presidente.
Nesse caso os interesses se chocariam, o que poderia acarretar numa falta de interesse por parte do presidente para representar o povo diante o STF. Este trabalho entende que essa solução, apesar da questão da legitimação democrática do presidente, não seria a melhor, pois a demanda embora fosse de interesse do povo poderia ir de encontro aos interesses do próprio presidente.
Em contrapartida, o Presidente tem o direito de defender o que ele acha melhor para o povo, não só no campo dos direitos, como também no tocante aos deveres. Talvez a lei atacada em questão fosse de interesse estratégico numa área especificamente técnica. E o eleitor, levado pela influência da mídia, fosse influenciado por falácias infundadas. O presidente teria o dever de defender o real interesse do país pelos meios institucionais e democráticos. E sim, como o chefe de um estado de direito, ele teria a prerrogativa de defendê-lo, até mesmo de um povo levadas por força duvidosas.
A resposta final é que o Presidente goza de legitimidade eleitoral e democrática. Porém, ele, como Chefe do Estado de Direito, tem prerrogativa de defender o que julga certo no comando da nação. Sim ele poderia ser um bom representante do eleitor, mas esbarraria em obstáculos práticos, políticos e funcionais.
2.2. A Mesa do Senado Federal
O Senado Federal tem o gozo de legitimidade democrática e eleitoral. Poderia ele ser um representante do eleitor? Primeiramente o “Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal eleitos segundo o princípios majoritário” [20]. O Senado Federal representa a união da federação. São os senadores protetores dos princípios federativos. É uma casa mais voltada para a interação dos Estados e do Distrito Federal. O Senado Federal não caberia bem para defender os interesses do eleitor no STF. Pois a sua função principal seria a de manter o federalismo em harmonia. Ser catalisador dos interesses dos Estados. Outro fator a se considerar é que a lei é elabora pelo Congresso Nacional, do qual o Senado faz parte. Então cai no erro lógico e fático de uma casa advogar contra uma lei que elas mesma criou.
Sendo assim, o Senado Federal, representado pela sua mesa, não seria um bom representante do eleitor. Primeiro pelas suas funções de representação típica, e, segundo pela sua posição de elaborador de leis.
2.3. A Mesa da Câmara dos Deputados
Haveria então legitimidade para Câmara dos Deputados? “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal” [21]. A Casa do Povo seria mais do que legitimada para representa o mesmo. Uma casa eleita pelo voto proporcional[22]·. Seria uma casa para a integração do povo não obstante a ser legitimada para receber o Projeto de Lei de Iniciativa Popular[23].
Só isso já seria um fator determinante para essa, que é chamada de “Casa do Povo” poder representar o eleitor perante o STF. Goza de uma legitimidade inerente para a representação do eleitor.
A Câmara dos Deputados faria muito bem este papel de representar juridicamente o eleitor diante do STF, mas aqui ocorre o mesmo problema do Senado Federal: A Câmara Baixa poderia ter interesse em manter uma lei que ela própria criou. Esse seria um problema que poderia prejudicar a sua legitimidade, porém, há de se convir que a própria Mesa da casa é legitimada para propor ADI contra uma lei de criação da mesma. Sob este espectro a problemática não seria uma empecilho para a propositura desse tipo de ação.
A Casa do Povo tem uma potencialidade para esta nova espécie de representação. Então após a coleta de sigilos, o projeto de ADI seria mostrado à Mesa da Câmara dos Deputados, que teria legitimidade para peticionar junto ao STF a Ação Direta Inconstitucionalidade. Só se devem observar os interesses políticos pela manutenção da lei em questão, pois esses, poderiam interferir no labor jurídico, mas é um problema da prática política, que ela própria deve se empenhar na resolução.
Então concluindo a Mesa da Câmara dos Deputados, por representar a casa do povo, possui uma grande possibilidade de representar o eleitor. Não obstante aos interesses políticos, isso poderia acarretar em uma maior participação político por parte da polução, algo de que o Brasil carece.
2.4. A Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal
Forte candidata para a representação do eleitor, mas ocorreria um grande problema. A votação ocorreria em mais de um Estado, assim deveria ser representada por todas as mesas de todas as unidades federais relacionadas à campanha para se retirar a lei do ordenamento jurídico. Poderia haver discordância entra as casas, e isto seria um grande empecilho para sua legitimação. Os interesses políticos das diferentes regiões poderiam trazer alguns obstáculos à propositura da ação. E uma ação conjunta entre as casas poderia trazer algumas dificuldades logísticas.
Resolvendo-se estes problemas, as Mesas das Unidades Federativas seriam grandes potenciais representantes do eleitor, fazendo o papel de defender os interesses de suas populações. Seria interessante ver isto na prática. Pois a própria praxis se encarregaria de resolver as questões não previstas.
Então as Mesas das Unidades Federativas poderiam figurar como representantes do eleitor, porém não de forma tão eficaz como a Câmara dos Deputados. Mas isso seria uma discussão para o Congresso Nacional resolver. Poderia haver até mesmo a legitimação tanto da Mesa da Câmara dos Deputados como da Mesa das Assembléias Legislativas ou da câmara do Distrito Federal com competências definidas. Isso daria ainda mais recurso para a democracia fazer valer sua força, porém a força de uma democracia depende da educação, e forma mais forte de educação seria educar politicamente o seu povo.
Neste caso verifica-se que o Brasil ainda teria muito que evoluir, pois o que se percebe é que o povo brasileiro (em geral) está cada vez mais distante das discussões políticas. Isso cria um ciclo vicioso de apatia política, o que culmina com a falta de interesse em relação às questões que impactam diretamente na vida das pessoas. Talvez a proposta de uma democratização do Judiciário, assim como maior democratização da Nação, esteja um pouco distante da prática, esta ideia ainda teria muito que amadurecer.
2.5. O Governador de Estado ou do Distrito Federal
Os governadores poderiam ser outros potenciais legitimados, porém ocorre alguns problemas: primeiro a coleta de assinaturas deve ocorrer em mais de um Estado, então haveria problemas de qual Governador seria o legitimado para propor a ação. Outras dificuldades encontradas ancorariam no caso análogo ao do presidente da república: o Governador ou Governadores poderiam ter interesse direto na continuação da lei no ordenamento jurídico.
O primeiro problema seria facilmente resolvido por um litisconsórcio entre os governadores. Assim, o conjunto representaria as populações de seus estados, e haveria uma verdadeira comunhão de federalismo e democracia. Todavia, isso vai de encontro à realidade prática. Como se sabe, a democracia e a participação política ainda não estão muito disseminados no Brasil.
Pode-se perceber esta falta de maturidade do federalismo brasileiro quando discutimos assuntos como a “Guerra Fiscal” que os estados travam entre si ou a disputa por royalties sobre a exploração dos hidrocarbonetos. Percebe-se nesses dois exemplos que os governadores estão muito mais preocupados com suas próprias arrecadações do que em tornar o federalismo brasileiro mais forte. O que parece é que cada unidade federativa está muito mais preocupada em defender o seu quinhão do que em ajudar a minimizar as diferenças sociais do Brasil.
Analisando por esse prisma, percebe-se a fragilidade dos representantes do executivo dos estados e do Distrito Federal em relação às questões que requerem entendimento mútuo. Assim, seria muito difícil a participação e a legitimação dos Governadores.
O segundo problema seria parecido com o do residente. Os governadores têm que defender os seus interesses de governo e suas diretrizes administrativas. Sendo assim a ADI em questão poderia ir de encontro a estes interesses, prejudicando a legitimação dos Governadores. Por exemplo: se ADI atacaria uma lei tributária que aumentasse a arrecadação do erário estadual, os governadores teriam grande interesse em manter tal lei no ordenamento jurídico.
O governo do estado tem o direito de manter seus interesses mesmo indo de encontro aos interesses de uma parcela da população. É assim no estado constitucional. As instituições têm o direito de se defender até mesmo do seu próprio povo. Então, os governadores teriam prejudicada a sua legitimação para representar o eleitor, por três fatores: primeiro, pelo estágio de amadurecimento da democracia brasileira, que ainda é muito frágil; segundo, pela quase ausência de federalismo no Brasil; e terceiro, pelo próprio direito dos Governadores de defender seus interesses governamentais e administrativos. Seria mais sensato afastar os Governadores deste papel.
2.6. O Procurador-Geral da República
Para este trabalho, ainda na fase inicial do desenvolvimento do projeto, este era considerado o maior legitimado para a representação do eleitor junto ao STF. Sendo o símbolo maior do Ministério Público Brasileiro, o Procurador Geral da República teoricamente haveria de ser o grande representante do povo, e defensor maior dos interesses deste, por ser defensor dos interesses difusos.
Porém, após uma maior reflexão, chegou-se à conclusão de que o Procurador não seria o melhor representante para o povo, e nem mesmo seria legitimado, por ter, dentre as suas atribuições, aquela que parece ser a mais importante: a de fiscal da lei. É sua obrigação a elaboração de parecer sobre a constitucionalidade de leis, e esta função seria prejudicada se ele fosse o estandarte do eleitorado. O Procurador Geral deve ter a sua função constitucional resguardada, tal qual a sua independência.
Colocá-lo como legitimado seria usurpá-lo de sua função, empurrá-lo para um jogo político em que não lhe cabe, devido às atribuições inerentes à função. Isso, acabaria por tirar dele, ou pelo menos prejudicar, a função de protetor do Estado Constitucional. Como já foi visto a declaração da inconstitucionalidade de uma lei pode obedecer a critérios políticos[24]. Seria então mais sábio deixar o Procurador da República com sua legitimidade original do art. 103 da Constituição Federal, sem lhe atribuir mais essa atribuição para o Parquet. Apesar de ser tentador o fato de cogitar atribuir mais esta função ao MP, seria mais consciente deixar o Ministério Público com uma distância saudável neste novo jogo político.
2.7. O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, merece um grande destaque neste trabalho o advogado é indispensável à administração da justiça[25] e fazendo uma comparação lógica, o advogado é indispensável à democracia. A própria história comprova que alguns dos maiores levantes democráticos foram liderados por advogados[26]·. O advogado, representado pela OAB, seria um dos melhores legitimados para o defesa do eleitor.
Primeiro: a OAB não teria nenhum obstáculo político e administrativo que fosse empecilho para o exercício desta função. Contrariamente aos exemplos do presidente e dos governadores, não teria teoricamente, possibilidade de manifestar interesses em manter uma determinada lei no ordenamento jurídico do país. Não teria, a exemplo do Senado Federal, o empecilho de ser representante dos Estados, e não propriamente do povo. E não seria apontada como representante de interesses contraditórios ao representar uma ação desse tipo junto ao STF pois não é, a exemplo da Câmera dos Deputados, casa legisladora e, portanto, não tem a prerrogativa de criar ou revogar leis. Com isso a entidade, não teria problemas em representar contra qualquer lei, uma vez que não foi ela quem criou e não tem o poder de revogação.
Neste caso a OAB se encaixaria muito bem neste papel, sendo, talvez, a instituição formalmente desligada a qualquer atividade estatal, formada por advogados (instrumento clássico da democracia) e tendo orçamento próprio. A Ordem poderia ser facilmente um dos representantes políticos do eleitorado, assim, há ainda outra coisa a se notar: a OAB é uma instituição capaz de fazer isto independente de política partidária. Com o foco centrado na prática, ela seria a grande advogada do eleitor, contribuindo assim para uma maior valorização desta imprescindível profissão.
Advocacia, hoje, ainda pode ser um foco de resistência contra os desmandos em qualquer esfera política, seja no Legislativo, Executivo e no Judiciário. Seria um exercício de resistência, representado pela boa advocacia e pela mobilização do maior de todos os agentes políticos: o povo. Mas nem tudo é perfeito, há o quinto constitucional, e este poderia ser usado como moeda de troca para apaziguar os ânimos da OAB. Porém a OAB seria ainda a legitimada, até agora, com menos empecilhos para representar o eleitor.
2.8. Partido Político com representação no Congresso Nacional
Outro potencial candidato para representar o eleitor seriam os partidos políticos. Quem melhor poderia representar o jogo político do que os Partidos políticos? Seriam grandes organizações com um elevado poder de mobilização na empreitada da coletar as assinaturas. Eles próprios representariam o seu eleitorado perante o STF. Deixando tanto o Ministério Público quanto a OAB, livres para exercer as suas funções.
Um partido de esquerda progressista, por exemplo, que quer tirar do ordenamento jurídico uma lei que proíbe o aborto, poderia impetrar a ADI no STF, porém imagine a força política que ele teria de contar com legitimação do eleitor. O Governo de Juízes sentir-se-ia mais pressionado para legislar de acordo com a vontade do eleitor. Exercendo uma força maior ainda no pensamento dos magistrados. O Partido Político como representante teria ainda mais potencial político, deixando os magistrados mais inclinados a decidir segundo a vontade da parcela do eleitorado e acrescentando um pouco de democracia à “receita” dos Governos de Juízes.
Isso acarretaria alguns problemas. Se um partido de direita cristã fosse contra tirar a lei que proíbe o aborto do ordenamento jurídico, a solução seria colocar esse partido com polo passivo na questão dando direito de defesa à lei. Estabelecer-se-ia aí um debate democrático no Judiciário, dando ainda mais legitimidade democrática ao julgamento da ADI. Agora o STF poderia ser palco de um grande confronto democrático e ficaria livre para exercer seus atributos políticos, livre de qualquer hipocrisia.
Os partidos políticos seriam bons legitimados para representar o eleitor, mas esbarraria numa muralha prática: Eles já têm este poder sem precisar de aprovação do eleitorado, então seria contrassenso pragmático a coleta de assinatura para legitimar esse ato, serviria apenas como arma política, subjugando a vontade do eleitor, colocando-o apenas como instrumento de pressão, e não como protagonista da democracia.
Além disso, vale salientar a fragilidade dos partidos, que padecem de alguns males graves dentre os quais podemos citar: a incoerência política, a inconsistência ideológica, o fisiologismo, o individualismo, o dualismo de idéias e outros. São conseqüências diretas desses males as constantes mudanças de posicionamento político de determinados partidos em relação às questões nacionais ou locais.
2.9. Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional
Esta muito se assemelham aos partidos políticos, porém sem a legitimidade do sufrágio, seriam boas representantes do eleitor, porém , elas mesmas têm o poder de impetrar a ADI, e seria desnecessária para sua validade as assinaturas do eleitor. De todas, é talvez a que possui menos legitimidade representativa.
2.10. A OAB como a melhor opção para a representação do eleitorado
A OAB nacional seria para este trabalho a que desfruta de maior legitimidade. Apesar de não ter os seus membros escolhidos pelo sufrágio universal, não tem impossibilidade administrativa e política, mas possui certa politização necessária para este tipo de ação. Ao contrário dos órgãos do Legislativo e do Executivo não possui interesse, na maioria dos casos para manter ou retirar uma devida lei do ordenamento jurídico. É formada por advogados, sendo portanto detentora de notável saber jurídico, é benquista socialmente e, por fim, não possui os impedimentos que tem o Ministério Público como fiscal da lei.
A OAB seria então a melhor opção para representar o eleitorado perante o STF, contribuindo e pressionando o Tribunal para sua maior democratização. Imagine-se como ficaria o art. 103 da Constituição Federal caso essa propositura fosse submetida ao congresso nacional e aprovada:
“Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
I – o Presidente da República;
II – a Mesa do Senado Federal;
III – a Mesa da Câmara dos Deputados;
IV – a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
V – o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
VI – o Procurador-Geral da República;
VII – o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;
VIII – partido político com representação no Congresso Nacional;
IX – confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.[27]
X – O eleitor dos moldes do § 2º do art. 61, representado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;”[28]
Esta seria uma provável redação, que se fosse tornada realidade, poderia realizar um sonho de tornar o STF o verdadeiro palco da democracia e da cidadania, e talvez ajudasse a semear a idéia não só do ativismo jurídico, como também do ativismo popular.
Conclusão
O Novo Modelo possibilitou um leque maior de decisões judiciais, resolvendo caso então que a lei não abrigava. Agora os juízes não estão mais presos à literalidade de lei. Há margens para interpretações e uso de integração.
Porém de acordo que as necessidades da realidade vão surgindo, novos problemas. Esses problemas são apresentados sem perspectiva de solução no ordenamento jurídico. Então para preencher estas lacunas o Judiciário acaba por criar verdadeiras sentenças-leis, ultrapassando sua competência funcional e adentrando na competência do Legislativo.
Quando isso ocorre é chamado por Streck de ativismo jurídico, ou Governo de Juízes. Streck critica duramente este ativismo jurídico. Este trabalho analisa sob o prisma de que é ele inevitável (fruto do Novo Modelo) e muitas vezes necessário, tendo em vista que o Legislativo há tempos não consegue alimentar todas as carências jurídicas e legais da população.
O Ativismo Político ou Governo de Juízes está sendo praticado pelo STF, como foi demonstrado na análise dos acordos sobre a Lei de Biossegurança e os acórdãos sobre a união estável homoafetiva. Este trabalho não condena esta prática. Mas apenas adverte que no Ativismo Jurídico ou Governo de Juízes seria necessária a participação do eleitor. Como ficou provado no decorrer deste trabalho que o Governo de Juízes é praticado pelo STF, é latente a afirmação de que onde há governo deve haver democracia, e onde ha democracia, deve haver a participação do cidadão: do eleitor.
O eleitor, por consequência do Governo de Juízes, poderia ter legitimidade para agir perante o STF, e um modo de exercer esta legitimidade seria atuar como parte na Ação Direta de Inconstitucionalidade. Esta possibilidade acrescentaria um pouco mais de diálogo democrático no palco do STF, aproximando cada vez mais os Ministros dos desejos e necessidades da população brasileira e da realidade jurídica que brota cada dia nas nos campos da cidadania.
Há evidências fortes do Governo de Juízes, e o eleitor deve participar também deste governo. Ele participaria no mesmo molde da iniciativa popular e seria representado pela OAB. Se isso ocorresse seria um grande salto no desenvolvimento da democracia brasileira. Mas, sendo um pouco mais realista e pragmático, se esse salto ocorresse, necessitaria não só de muito tempo, mas também de uma mudança em toda a cultura política brasileira. Essa cultura política que parece está acostumada à rotina dos escândalos e da inpunidade.
Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Ceará
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