O idoso: Fruto das relações sociais e objetivo maior para um novo (re)pensar

Resumo: O presente trabalho trata da reflexão e diálogos sobre o idoso e idéias expostas no referencial teórico das relações sociais e a lógica capitalista. Inicialmente será enfocado o idoso, bem como questões pontuais sobre o significado dentro do meio social. Em segunda etapa, abordaremos alguns pensamentos sobre a lógica capitalista e a busca e definição do “outro” pelo seu verdadeiro significado.


Palavras-chave: Idoso, Relações Sociais e Capitalismo


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Abstract: This paper deals with the reflection and dialogue on the elderly and ideas expressed in the theoretical framework of social relations and capitalist logic. Initially be focused on the elderly, as well as specific questions about the meaning within the social environment. In the second step we will discuss some thoughts about the logic of capitalism and the search and definition of the “other” for its true meaning.


Keywords: Elderly, Social Relations and Capitalism


INTRODUÇÃO :


O presente trabalho trata de reflexões e diálogos abordando o idoso e as idéias e críticas expostas ao modelo imposto pela lógica capitalista, em que o homem conduz, explora e se apropria do próprio homem em nome de mercado. Inicialmente será enfocado o idoso, bem como questões pontuais sobre o significado dentro do meio social. Em segunda etapa, abordaremos alguns pensamentos sobre a visão da lógica capitalista em relação ao idoso, bem como apontando a necessidade de um novo pensar.


O IDOSO:


Na realidade, para compreender o homem e estabelecer a sua interação com o meio em que vive, imperioso questionar e (re) pensar a estrutura social existente e o reflexo direto desta no contexto. Na atual sociedade e na análise histórica dos mais diversos grupos sociais, percebe-se a avaliação que é feita do idoso, pelo grupo em que está inserido, seja outorgando sublimação, seja rechaçando a sua existência. Historicamente as comunidades deixavam, e deixam, transparecer a análise que é feita em cima da velhice, do envelhecimento e do idoso.


“Assim, nas sociedades primitivas, os velhos eram objetos de veneração;os jovens a eles recorriam em busca de seus conselhos; os idosos de então eram respeitados, a ponto de lhes confiarem negócios de grande importância social e econômica. Confúcio ( nascido em 551 AC e falecido em 479AC) considerava que todos os elementos de uma família deveriam obedecer aos mais idosos. Há na sua doutrina uma supervalorização da tradição e de tudo o que nasce do exemplo e do ensino dos mais velhos……. Hoje, em fase de transição, o que se nota é uma inversão de valores. Fruto da revolução industrial, dos avanços tecnológicos dela decorrentes e da valorização excessiva de teses desenvolvimentistas, ganha importância a força de produção, obviamente muito mais próxima dos jovens. Passamos a julgar o homem pela sua capacidade de produzir.” (Netto,1996,p.9).


Classe estigmatizada, a chegada a velhice é vista diferentemente para cada um de nós. A pluralidade de indivíduos faz com que tenhamos um “ acervo enorme de biografias”, onde cada ser humano escreve, magistralmente, a sua etapa.


A velhice, por alguns vista com aspectos positivos e, por outros negativamente, constitui reflexo dos diferentes saberes, conquistas, frustações, vivências e experiências, onde não pode ser enxergada como etapa terminal, mas base para novos olhares.


 “Os velhos são seres humanos como os demais. Portadores dos mesmos direitos dos quais todos os outros são titulares. Acontece que ser velho não representa apenas ser velho. O velho não nasceu velho, ele foi criança, adolescentes, adulto para, finalmente, ser velho. Observe-se que se não são assegurados direitos elementares às pessoas quando ainda elas são crianças, adolescentes e adultas, elas simplesmente perdem o direito de se tornarem velhas e tornar-se velho é um direito humano fundamental, já que é a própria expressão do direito a vida, que precisa ser garantida até quando a natureza biológica indicar. Ademais, a velhice é decorrência de condições sociais favoráveis de existência ou dos avanços da tecnologia médica ou ainda de ambos. Se for resultado de condições favoráveis de existência, ótimo, o Estado cumpriu seu papel, se não, a dignidade humana está sendo aviltada, porque em modelo social tendo permitido que as pessoas vivam mais, precisa assegurar-lhes condições mínimas de existência, dentro das conquistas incorporadas ao patrimônio comum da humanidade. Sendo assim, a velhice é um direito humano fundamental, porque expressão do direito à vida com dignidade, direito essencial a todos os seres humanos. Ademais, a velhice cumpre uma função social de extrema importância, que é justamente a de facilitar a continuidade da produção humana na ordem dos valores, daquilo que pode justificar a vantagem de viver e assegurar a qualidade de vida.” (Ramos, 2002, 50).


Utilizado em variada referência terminológica, o termo de idoso, terceira idade, melhor idade, velho, ancião, idade maior, feliz idade, adulto maduro, pessoa idosa, idade ativa, boa idade, idade “legal”, maturidade, idade da razão, meia-idade, idade avançada… tem sido escutado pela sociedade indiscriminadamente.


A sociedade tem revelado algumas preferências, o que deve ser olhado com certa reserva, face a possibilidade de mascarar preconceitos, apenas para aparentar uma postura social e politicamente aceita. Propomos a utilização do vocábulo idoso, velhice e envelhecimento, conforme contextualizado e, até mesmo, em obediência ao próprio texto legal. Desta forma:


“A adoção de designações-fantasia para tratar do que pertence ao domínio dos anos mais tardios da vida é sinal da existência de preconceitos. Sejam eles positivos ou negativos, as palavras que o denunciam são ilusórias do ponto de vista do que ocorre na realidade social. Por esses motivos, é melhor utilizar as palavras “ velho” ou “idoso” para designar pessoas idosas, “velhice” para falar da última fase do ciclo vital, e “ envelhecimento” para tratar do processo de mudanças físicas, psicológicas e sociais que se acentuam e que se tornam mais perceptíveis mais ou menos a partir dos 45 anos.” (NERI e FREIRE, 2000,p.14)


Considerando a diversidade de visões para a mesma expressão nominal de idoso ( visão biológica, psicológica, sócio-cultural, legal…), adotamos o marco etário para servir de referencial como ingresso na velhice. Portanto, idoso é a pessoa que possui idade igual ou superior a 60 anos..


Envelhecer constitui renovação e recriação de novos objetivos na seqüência das etapas da vida. Envelhecemos desde o momento em que nascemos, pois, desde então, estaríamos caminhando para atingir o último ciclo vital do homem, que é a velhice.


No envelhecimento não nos deparamos somente com as transformações do físico, mas também do mental e do interpessoal, que, carregadas de marcas, definem a identidade da pessoa e a unidade de sua vida.  


Envelhecer implica fazer elaborações sociais partindo de novos dispositivos histórico-sociais na determinação das diferenças.


O aumento da população adulta, reforça a previsibilidade de ascensão vertiginosa da população em envelhecimento.” O direito a velhice, não diz respeito apenas à velhice, diz respeito ao homem,desde o seu nascimento. Assegurar-se ao homem desde o seu nascimento condições de vida com dignidade, é garantir que viva o máximo de tempo possível, donde se infere expressar a velhice o próprio direito à vida com dignidade.( Ramos, 2002, p. 82).


A BUSCA DE NOVOS HORIZONTES 


O envelhecimento populacional no Brasil e no mundo é frequentemente demonstrado e avaliado nas mais diferentes pesquisas, quer nos campos da saúde, da psicologia, da farmacologia,…. demonstrando que os contingentes estatísticos em relação a Velhice assumem patamares crescentes de elevação, acreditando-se que no ano de 2050 os idosos atingirão um quinto da população mundial.


Assim, contraditando uma política de desenvolvimento industrial que sempre esteve voltada para a assistência infantil e aos jovens, deparamo-nos com um quadro que nos conduz a inquietação e atribui a responsabilidade do fazer pensar e fazer agir, para atingirmos uma possibilidade de vida, no mínimo, com qualidade. Analisando-se, percebemos que o investimento na criança e no jovem tem um potencial de retorno, enquanto que os amplos cuidados com um idoso não podem ser encarados como investimento.


Por sua vez, a lógica do capital também é aquilatada no interesse direcionado a velhice, quando a terceira idade constitui classe lucrativa para os indivíduos que integram o mesmo grupo social. Ou seja, a existência de idosos faz,consequentemente, gerar um quadro econômico de emprego e necessidades : acompanhantes, consumo elevado de medicamentos, consultas, internações… enfim, atendimento de caráter pessoal e assistencial, atingindo e atribuindo ao sexagenário um valor de mercadoria.


Marx define o capitalismo como o processo de universalização da produção de mercadorias (Stallybrass,2000,p.53), uma sociedade representada pela própria forma de mercadoria, cujo consumo é cada vez mais elevado e cada vez é mais direcionada a intenção de equivalências e valores.


O progresso é vislumbrado como o poder objetivo do capital sobre o trabalho, do ter sobre o ser. Assim, quanto mais de produz, mais se coisifica a vida e se reifica a dimensão econômica na lógica do livre mercado.


“Com a valorização do mundo das coisas,aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. O trabalho não produz apenas mercadorias;produz-se também a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e justamente na mesma proporção com que produz bens” (Marx,2002,p.111).


 Considerando o reflexo da sociedade capitalista a qual estamos inseridos, onde a escala produtiva é vista como de extrema relevância, os idosos constituem-se marginalizados pela sua ausência de capacidade de geração de produção. A valoração do homem pelo que ele é ( ou foi) não assume significado condizente com a sua existência. A sociedade de consumo imprime significados mercadológicos para um viver com qualidade, não identificando o outro, pelo outro, acima de sua representação, como refere o filósofo Emmanuel Levinas.


 Imperioso, pois, buscar a construção do eu (identidade), do outro (alteridade) e do planeta para visualizarmos uma nova concepção e transformação do mundo que estamos inseridos. É necessário ver o outro com responsabilidade e comprometimento… amá-lo acima de tudo.


 Assim, romper este capital é a nossa proposta, visando os ditames de convivência e qualidade, qualificando e atribuindo ao idoso um novo ambiente, com reconhecimento da sua condição de cidadão.


Para contemplar idéias simples de melhoria de qualidade de vida, normalmente atribuímos a educação a responsabilidade de solução de todos os problemas sociais, principalmente aqueles que dizem respeito ao convívio social. Aqui, coloca-se a educação como proposta transformadora, capaz de estabelecer um processo contínuo pelo qual os indivíduos perceberiam, reflexiva e criticamente, os mecanismos sociais, políticos, econômicos.”Logo, uma Educação Ambiental Transformadora não é aquela que visa interpretar, informar e conhecer a realidade,mas que busca compreender e teorizar a atividade humana, ampliar a consciência e revolucionar a totalidade que constituímos e pelo qual somos constituídos”. ( Loureiro,2004, p.118).


 “A Educação Ambiental é uma práxis educativa e social que tem por finalidade a construção de valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade da vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais, individuais e coletivos, no ambiente” (Loureiro,2004, p. 69). Assim, o (re) pensar o idoso como portador de conhecimento, outorgará, a este, uma maior consciência de si mesmo e capacidade de intervir de modo qualificado no ambiente em que está inserido. Se o saber técnico é parte do controle social e político de uma sociedade, imprescindível atribuir este saber dentro de um segmento desta sociedade que, por sua própria natureza e fragilidade produtiva, já encontra-se rejeitada.


Na realidade, sempre que buscamos reconhecer, proteger e/ou garantir o ser humano em toda a sua plenitude existencial, categorizamos ele como portador de direitos e obrigações. Do nascer ao morrer, deparamo-nos com uma trajetória infindável de atos, normas, ligações e efeitos jurídicos, os quais, em grande parte, sequer são conhecidos.


Para compreender cidadania é necessário refletir sobre a consciência de si ( individual) e da consciência da classe, pela construção de uma democracia mais justa e igualitária. Ser cidadão é compreender e saber situar a própria existência e, junto com seus parceiros, lutar pelo coletivo e pela melhoria da qualidade de vida de toda uma população.


Em 16 de dezembro de 1991 a Assembléia das Nações Unidas aprovou os Princípios das Nações Unidas em Favor das Pessoas Idosas ( Resolução 46/91), os quais devem ser incorporados o quanto antes aos programas nacionais de direitos humanos. Referidos princípios aludem à independência, que significa ter acesso a alimentação,água, moradia, vestuário, saúde, apoio familiar e comunitário, oportunidade de trabalhar ou outras formas de geração de renda;determinar o momento em que se afastará do mercado de trabalho; acesso permanente a programas de qualificação e re qualificação profissional; poder viver em ambientes seguros adaptáveis à sua preferência pessoal; poder viver em sua casa pelo tempo que for viável; à participação, que significa participar das políticas públicas; transmitir conhecimentos aos jovens; atuar, se de seus interesses, como voluntários, de acordo com suas capacidades; poder formar associações de idosos; a assistência, que significa beneficiar-se da assistência e proteção da família e da sociedade, ter acesso a saúde mental, física, emocional, especificamente a preventiva; ter acesso a serviços jurídicos, desfrutar os direitos e liberdades fundamentais, quando residentes em instituições que lhes proporcionem os cuidados necessários; a auto-realização que significa oportunidade de desenvolvimento de potencialidades, acesso aos recursos educacionais, culturais, espirituais e de lazer da sociedade e à dignidade, que significa não ser objeto de exploração e maus tratos físicos e mentais; ser tratado com justiça, independentemente de idade, sexo, raça, etnia, deficiências, condições econômicas ou outros fatores. Disso se depreende que a garantia do direito a velhice decorre da efetiva garantia de todos os direitos essenciais do ser humano.


No Brasil, a Política Nacional do Idoso – Lei nº 8842/94 e o Estatuto do Idoso – Lei nº 10.741/03 estabelecem a garantia de conquista e fruição de todos os direitos fundamentais inerentes a pessoa humana, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Assim, percebemos que não é a ausência de textos normativos que impedem o agir. Imperioso propagar estas garantias legais, buscando e aplicando a alteridade.


A busca deste novo pensar deve estar diretamente relacionada com a formação do cidadão nacional e planetário, baseando-se no diálogo e conhecimento entre os povos, gerações e gêneros.


CONCLUSÃO


Nesta reflexão, tentamos estabelecer a vinculação do idoso e as relações capitalistas, não esquecendo que Velhice e Educação estão intimamente ligadas pelo caráter permanente e continuado de ver e (re) ver novas perspectivas para o idoso. Imperioso afirmar que todos nós, de alguma forma, podemos e devemos mudar, deixando de lado os fetiches consumistas e preparando o nosso olhar para ver o idoso para além dele mesmo, portador de vasto potencial, sabedoria e conhecimento, o qual não conduz a transmissão, mas a construção. Nossa caminhada é ao lado, de mãos dadas,para um futuro melhor.


 


Referências

Loureiro, Carlos Frederico Bernardo, Educação Ambiental – repensando os espaços da cidadania;

Martinez, Wladimir Novaes, Comentários ao Estatuto do Idoso, Ltr Editora, 2004.

Neri, Anita Liberalesso e Debert, Guita Grin ( orgs). Velhice e sociedade. Campinas, SP: PaPirus, 2000.

Netto, Matheus Papaléo, Gerontologia,A velhice e o envelhecimento em visão globalizada, Editora Atheneu, 1999.

Ramos, Paulo Roberto Barbosa, Fundamentos Constitucionais do Direito a Velhice, Letras Contemporâneas, 2002

Stallybrass, Peter, O Casaco de Marx, roupas,memória, dor, Autêntica Editora, 2000.

Skliar, Carlos, Pedagogia (improvável) da diferença. E se o outro não estivesse aí?,DP&A editora, Rio de Janeiro, 2003.

Informações Sobre o Autor

Claudete Rodrigues Teixeira Gravinis

Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande – FURG ;Professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande – FURG/RS.


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Equipe Âmbito Jurídico

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