Resumo: O artigo examinará, sob o prisma do ativismo judicial, a postura do Supremo Tribunal Federal diante da omissão do Poder Legislativo em regulamentar o direito à contraprestação por trabalho em ambiente insalubre, especialmente após o advento da vedação constitucional de vinculação do salário mínimo para qualquer fim (artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República). Será analisada a evolução jurisprudencial constitucional acerca da base de cálculo do adicional de insalubridade, com enfoque na Súmula Vinculante n.º 4 do STF, na decisão do STF em sede da Reclamação n.º 6.266 DF e suas repercussões sobre a Súmula n.º 228 do TST. Consecutivamente, será observado que o Supremo Tribunal Federal deixou de adotar uma postura ativista no tocante à concretização do direito fundamental do trabalhador à contraprestação digna e a um ambiente de trabalho salubre, inclusive desautorizando uma incursão ativista por parte do Tribunal Superior do Trabalho quanto ao tema.
Palavras-chave: Ativismo Judicial. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Superior do Trabalho. Base de cálculo do adicional de insalubridade.
Abstract: The article will examine, in the light of judicial activism, the position of the Supreme Court about omission of Legislative Power in regulate the health risk premium, especially after the article 7º, IV, of Constitution. It will analyze the constitutional jurisprudential evolution about the health risk premium, focusing the binding legal precedent n.º 4, the Supreme Court decision in the case file n.º 6.266-DF and the repercussions in precedent n.º 228 from Superior Labor Court. Consecutively, it will observe that the Supreme Court failed to take an activist stance regarding the implementation of the fundamental right of a healthy working environment, including disallowing an activist incursion by the Superior Labor Court on the subject.
Keywords: Judicial Activism. Supreme Court. Superior Labor Court. Health risk premium.
INTRODUÇÃO
Um dos grandes avanços da Constituição da República de 1998 corresponde à robustez dos direitos sociais em seu corpo, que figuram inclusive como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil. Para a efetividade desses nobres direitos, mostra-se necessário o exercício em conjunto das atribuições funcionais de todos os Poderes constituídos, de modo a interpretar as diretrizes constitucionais, regulamentar esses direitos e garantir-lhes aplicação concreta.
O presente artigo enfrentará o comportamento do Poder Judiciário perante a regulamentação do adicional de insalubridade, verba esta devida ao trabalhador que se submete a condições insalubres em seu ambiente de labor. Mais especificamente, será analisada a postura do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior do Trabalho diante da omissão do Poder Legislativo em regulamentar a contento o direito trabalhista relativo à contraprestação por atividade em ambiente insalubre.
A primeira parte do trabalho abordará a contextualização do ativismo judicial, desde o surgimento da expressão até suas concepções doutrinárias e principais características, de modo a expor a intrínseca relação do instituto com a efetividade dos direitos fundamentais carentes de implementação.
Em seguida será analisada a celeuma criada pelos entendimentos judiciais no tocante à base de cálculo do adicional de insalubridade do trabalhador brasileiro, com enfoque no exame crítico das decisões do Supremo Tribunal Federal acerca da concretização desse direito caro à saúde do trabalhador brasileiro.
I – ATIVISMO JUDICIAL
São grandes as discussões modernas quanto ao novo papel que o Poder Judiciário vem assumindo diante do neoconstitucionalismo. A nova ordem constitucional inaugura uma fase dirigente e compromissória do direito constitucional, publicizando espaços antes reservados exclusivamente ao interesse privado. Consoante Lênio Luiz Streck, de um ordenamento jurídico meramente legitimador das relações de poder passa-se atualmente a um direito com potencial transformador da realidade social. Para o autor, o fenômeno do neoconstitucionalismo proporciona um ordenamento constitucional robusto, pervasivo, altamente condicionador das esferas de poder, capaz até mesmo de influenciar diretamente as relações sociais.[1]
Luiz Prieto Sanchís, em um interessante poder de síntese, ensina que esse novo constitucionalismo é marcado pelas seguintes características:
“más princípios que regras; más poderación que subsunción; omnipotência de la Constituición em todas las áreas jurídicas y en todos los conflictos minimamente relevantes, en lugar de espacios exentos en favor de la opción legislativa o reglamentaria; omnipotencia judicial en lugar de autonomia del legislador ordinário; y, por último, coexistencia de una constelación plural de valores, a veces tendencialmente contradictórios, en lugar de homogeneidad ideológica em torno de un puñado de principios coherentes entre sí y em torno, sobre todo, a las sucesivas opciones legislativas”.[2]
Nesse cenário fértil ao intenso protagonismo judicial na esfera social é que se intensificam as discussões acerca do denominado ativismo judicial. Surgida inicialmente nos Estado Unidos da América, a expressão ativismo já nasce envolta de definições e abordagens díspares e desarticuladas. E essa diversidade de abordagens é em grande parte explicada pelo enfoque da discussão, em regra associado à subjetividade crítica relacionada a atuações e performances do Poder Judiciário diante de assuntos politizados.[3]
Nesse sentido, há que se destacar de plano o caráter multidirecional da expressão ativismo judicial, sem relação linear com ideologias ou apreciações sobre a correção das decisões judiciais enquanto tais. O ativismo judicial não tem corpo político.[4] Ora o repudiam por afrontar aspirações políticas, ora o invocam por desejar uma postura ativa do Judiciário na implementação de direitos suplicados.
Em busca de uma sistematização do significado, Bradley Canon foi pioneiro ao propor “índices” que definissem o grau de ativismo de uma decisão judicial. Em síntese, diz o autor que uma decisão judicial será mais ativista quanto mais: 1- interferir em processos democráticos (majoritarismo); 2 – alterar interpretações jurídicas assentes (estabilidade interpretativa); 3-interpretar a constituição de modo contrário ao seu significado original (fidelidade interpretativa); 4- fizer política substantiva, por exemplo, política econômica, em afronta ao processo político democrático (processo democrático); 5 – fizer política própria em vez de valorizar a discricionariedade de outros órgãos ou indivíduos (políticas específicas); 6- suplantar decisões de outros órgãos ou indivíduos (disponibilidade de um produtor de política alternativo).[5]
Em que pese o intuito de sistematização conceitual promovido por Bradley Canon, possibilitando analisar de modo mais objetivo quais são as condutas promovidas pelo Poder Judiciário que se associam ao ativismo judicial, nota-se que a abordagem do autor, além de apontar para um forte subjetivismo, ainda se dava de maneira generalizante. Pelos critérios de Canon, praticamente toda decisão judicial no contexto do neoconstitucionalismo poderia ser taxada de ativista. Logo, o instituto ainda carecia de uma definição propriamente dita.
No anseio de conceituar o ativismo judicial, o doutrinador norte-americano Craig Green define ativismo como “o abuso do poder não supervisionado que é exercido fora dos limites do papel judicial”.[6] Na doutrina nacional, o mesmo sentido é seguido pelo professor Elival da Silva Ramos, para quem o ativismo é caracterizado como “o exercício da função jurisdicional para além dos limites impostos pelo próprio ordenamento”[7]. Segundo os referidos doutrinadores, a expressão ativismo judicial possui sinalização claramente negativa, por importar a desnaturação da atividade típica do Poder Judiciário, em detrimento dos demais Poderes.
Malgrado o cunho negativo associado ao termo, relacionado em regra com ação do Poder Judiciário fora dos limites de sua competência, há por outro lado definições neutras, em que se observa a nítida vigilância epistemológica em desassociar o conceito de eventuais valorações. É o caso, por exemplo, da definição de Luiz Roberto Barroso, que leciona:
“(…) depurada essa crítica ideológica – até porque pode ser progressista ou conservadora – a ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.”[8]
Segundo o professor Paulo Gustavo Gonet Branco, há ainda posicionamentos que enaltecem o ativismo judicial, como é o caso do entendimento do Ministro Celso de Mello ao sustentar que o ativismo judicial é uma resposta da Corte Constitucional a provocações formais da sociedade a partir de mecanismos criados pela Constituição para neutralizar o caráter lesivo das omissões do Congresso ou do Executivo.[9]
Observa-se que essas oscilações conceituais do ativismo judicial residem nas dificuldades e variações atinentes à interpretação constitucional, já que a caracterização de uma decisão como ativista ou não parte de uma complexa posição sobre qual é a leitura acerca dos direitos fundamentais e do papel dos Poderes constituídos em efetivá-los. Essa indefinição relacionada com o ativismo associa-se, então, com a subjetividade própria da interpretação do texto constitucional. [10]
Nesse contexto, mais importante do que buscar a definição precisa da expressão ativismo judicial é notar sua estreita relação com a eficácia imediata dos Direitos Fundamentais. É notório que o cenário ideal para as interferências ativistas dos Tribunais ocorre quando os poderes políticos democraticamente constituídos estão enfraquecidos. Quando os Poderes Legislativo e Executivo omitem-se em suas funções constitucionais, muitas vezes por falta de interesse político específico ou em razão de o assunto envolver medidas políticas impopulares, abre-se espaço para a atuação judicial em prol da efetividade de Direitos Fundamentais carentes de implementação.
É a partir dessas premissas que analisaremos a seguir a celeuma constitucional protagonizada pelo Supremo Tribunal Federal na definição da base de cálculo do adicional de insalubridade dos trabalhadores brasileiros.
II – O STF PERANTE A DEFINIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO DO ADICIONAL DE INSALUBRIDADE
Previsto no artigo 192 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT[11] pela Lei n.º 6.514, de 22 de dezembro de 1977, o adicional de insalubridade, devido ao trabalhador em percentuais de 10, 20 ou 40% a depender do grau de insalubridade a que está submetido, foi idealizado tendo por base de cálculo “o salário-mínimo da região”.[12] Ao interpretar o referido artigo em conjunto com o artigo 76 da CLT[13], o Tribunal Superior do Trabalho, ainda em 1985, editou a Súmula n.º 228, entendendo que “O percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário-mínimo de que cogita o art. 76 da Consolidação das Leis do Trabalho”, exceto se por lei própria ou norma coletiva o trabalhador perceber salário profissional, ocasião em que o adicional de insalubridade será sobre este calculado, conforme Súmula n.º 17 do mesmo Tribunal.
Contudo, com a promulgação da Constituição da República de 1988, que trouxe em seu bojo o artigo 7º, inciso IV, vedando expressamente a vinculação do salário mínimo para qualquer fim, iniciaram-se as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da constitucionalidade da base de cálculo do adicional de insalubridade.
Por meio do RE nº 236.396/MG[14], publicado em 20/11/1998, o Supremo Tribunal Federal, que até então defendia o uso do salário mínimo como base de cálculo da verba salarial, passa a entender que o cálculo do adicional de insalubridade com base no salário mínimo afrontaria o artigo 7º, inciso IV, da Constituição da República.
Após sucessivos julgados em que se assentava que qualquer vinculação ou indexação de valores de vencimentos ao salário mínimo seria inconstitucional, o Supremo Tribunal Federal – STF, em sessão plenária realizada no dia 30/4/2008, aprovou a Súmula Vinculante n.º 4[15], consagrando entendimento no sentido de que "o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial".
A partir daí acirram-se as discussões doutrinárias e jurisprudenciais acerca da base de cálculo do adicional de insalubridade celetista, em busca da melhor interpretação aplicável ao trabalhador brasileiro. A redação da Súmula Vinculante n.º 4 causou intenso incômodo no âmbito trabalhista, na medida em que vedava o cálculo do adicional de insalubridade com base no salário mínimo, como também, pela sua parte final, vedava a interpretação judicial tendente a calculá-lo com base na totalidade do salário contratual do trabalhador. Ante o limbo jurídico criado pela falta de lei que definisse outra base de cálculo ao adicional de insalubridade e pela vedação criada a interpretações judiciais que definissem base de cálculo alternativa, não havia opção prática viável à definição de como seria calculado o direito fundamental do trabalhador estampado no artigo 7º, XXIII, da Lei Maior[16].
Em uma atitude nitidamente ativista, com o objetivo de suprir uma lacuna legal que já deveria estar solucionada pelo Poder Legislativo desde 1988 com o advento da vedação constitucional de vinculação do salário mínimo (artigo 7º, IV, da CF), o Tribunal Superior do Trabalho – TST entende por bem alterar sua Súmula n.º 228, que passou a dispor que:
“SUM-228 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008, republicada no DJ 08, 09 e 10.07.2008). A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo”.[17]
A interpretação do TST pautava-se pela redação do artigo 7º, XXIII, da CF, ao entendimento de que referido dispositivo fixa “adicional de remuneração” para atividade insalubre assim como o faz para atividade perigosa, sendo possível então, ante a omissão legal, firmar a aplicação analógica da base de cálculo do adicional de periculosidade (art. 193, §1º, CLT[18]) ao adicional de insalubridade. O objetivo da Corte trabalhista, frise-se, era assegurar efetividade ao direito fundamental do trabalhador, dando voz aos princípios da vedação do retrocesso social e, mais especificamente, da irredutibilidade da remuneração, uma vez que o legislador há muito mantinha-se inerte à demanda pela fixação de outra base de cálculo que respeitasse a vedação de indexação do salário mínimo.
Entretanto, mais recentemente, o então Presidente do STF Min. Gilmar Mendes, ao conceder decisão liminar na Reclamação n.º 6.266 DF proposta pela Confederação Nacional da Indústria – CNI, suspendeu a aplicação da Súmula n.º 228 do Tribunal Superior do Trabalho na parte em que determinava a incidência do adicional de insalubridade sobre o salário básico. Na decisão foi estampado que a Súmula Vinculante n.º 4 obsta a indexação da base de cálculo da insalubridade pelo salário mínimo, além de obstar, também, ante a falta de previsão legal, que decisão judicial (leia-se, Súmula 228 do TST) substitua o que o artigo 192 da CLT preconizava originalmente. Assentou o ministro, na oportunidade, que:
“Com efeito, no julgamento que deu origem à mencionada Súmula Vinculante n° 4 (RE 565.714/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão de 30.4.2008 – Informativo nº 510/STF), esta Corte entendeu que o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou convenção coletiva.
Dessa forma, com base no que ficou decidido no RE 565.714/SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4, este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade.
Logo, à primeira vista, a nova redação estabelecida para a Súmula n° 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante n° 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa.
Ante o exposto, defiro a medida liminar para suspender a aplicação da Súmula n° 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.”[19]
Registre-se que o último andamento processual da Reclamação nº 6.266 DF é datado de 17/03/2014, sendo que até o presente momento, junho de 2016, a ação ainda não foi julgada definitivamente.[20]
Observe-se, daí, que o STF, ao retomar o entendimento de utilização do salário mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, agiu em contradição à sua própria Súmula Vinculante nº 4. E, mais que isso, desautorizou a posição ativista do Tribunal Superior do Trabalho, que, à época da alteração da sua Súmula n.º 228, buscava afirmar seu compromisso com a valorização do trabalho e a justiça social. Optou nossa Corte Constitucional por uma atitude conservadora, quando poderia se valer de uma posição ativista que garantisse a efetividade do direito constitucional dos trabalhadores a uma contraprestação digna, condizente com os males que a condição de insalubridade lhes causa.
Nada mais contraditório – para não dizer frustrante – poderia advir de uma Corte que se autointitula “guardiã da Constituição” e que, nesse sentido, deveria dar a palavra final em temas constitucionais a ela trazidos. No caso da fixação da base de cálculo do adicional de insalubridade, a última palavra do STF na verdade foi por nós recebida como penúltima.[21] Ao se declarar a nulidade do artigo 192 da CLT por inconstitucionalidade, mas se omitir ao passo seguinte de integração da norma protetiva laboral que naquele momento se tornava “oca”, o STF insistia na persistente omissão do legislador – que frise-se, data desde 1988 com o advento do art. 7º, IV, na Constituição.
Um leitor curioso e igualmente incomodado com a posição passiva do STF (na esteira da lentidão intencional do Poder Legislativo) poderia questionar: e hoje, o que o legislador tem proposto para cobrir essa lacuna na normatividade do adicional de insalubridade do trabalhador brasileiro? Nada! – é a pronta resposta que a rede de proteção do trabalhador se envergonha de dar, mas que de modo algum causa espanto porque espelha a composição imensamente majoritária de representantes patronais hoje no Congresso Nacional.
É clarividente, então, que na decisão liminar havida na Reclamação n.º 6.266 DF o STF se posicionou de modo limitativo – e, porque não dizer, relapso – ao poder criador do juiz e ao ativismo judicial do TST. Diante da inércia do Poder Legislativo em regulamentar o direito fundamental dos mais de 70 milhões de trabalhadores formais, nossa Corte guardiã da Constituição da República preferiu seguir a mesma atitude inerte, abrindo mão de uma posição audaz capaz de garantir um patamar salarial mais digno aos trabalhadores submetidos a condições insalubres e, consequentemente, capaz de desestimular a manutenção de ambientes insalubres pelos empregadores.
Em contraste com os posicionamentos progressistas do TST, nota-se que o STF vem reiteradamente assumindo uma posição insistentemente conservadora no tocante ao Direito do Trabalho, tal como se observou mais recentemente com o entendimento de aplicação da prescrição quinquenal em vez da trintenária às cobranças de valores não depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS (ARE n.º 709212[22]), bem como com o curioso reconhecimento de repercussão geral relacionado à terceirização versada na Súmula n.º 331 do TST (RE n.º 603397[23]). A constatação que se segue, então, é que o nosso principal intérprete da Constituição continua a adotar uma postura que ignora a supremacia e a eficácia imediata dos direitos fundamentais trabalhistas, em contraste com a posição ativista que se espera de uma Corte Constitucional no contexto do neoconstitucionalismo.
CONCLUSÃO
A partir da análise da evolução jurisprudencial constitucional acerca do adicional de insalubridade, culminada com a edição da Súmula Vinculante n.º 4 do STF, e adiante da perpetuação da omissão legislativa em regulamentar o direito após o advento da Constituição da República de 1988, foi possível notar o vácuo jurídico que envolvia o tema. Formava-se, então, um cenário típico para o ativismo judicial, a fim de se garantir a efetividade do direito fundamental trabalhista à contraprestação digna por trabalho em condição insalubre.
Em que pese a demanda por uma incursão ativista ter sido inicialmente suprida pelo Tribunal Superior do Trabalho mediante alteração da sua Súmula n.º 228 no ano de 2008, essa posição ativista veio em seguida a ser expressamente suspensa por decisão do então Presidente da Suprema Corte em sede da Reclamação n.º 6.266 DF.
Viu-se que o Supremo Tribunal Federal deixou de adotar uma postura mais ativista no tocante à concretização do direito fundamental do trabalhador. Mesmo diante da insistente omissão do Poder Legislativo em definir nova base de cálculo ao adicional de insalubridade, após vinte e seis anos do advento da vedação constitucional de vinculação do salário mínimo (artigo 7º, IV, da CF), nossa Corte Constitucional entendeu por bem seguir o exemplo de omissão lesiva e abster-se de chamar para si a responsabilidade de proporcionar contraprestação digna ao labor insalubre, furtando-se, consequentemente, da oportunidade de desestimular a manutenção de ambientes em condição afrontosa à saúde dos trabalhadores. Foi perdida – ou deixou-se passar – uma grande oportunidade de valorização do trabalho humano e de justiça social.
Graduado em Direito pela Universidade de Brasília – UnB. Mestrando em Direito no Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, na área de concentração Constituição e Sociedade. Auditor-Fiscal do Trabalho
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