Direito Processual Civil

O Indeferimento da Petição Inicial à Luz dos Princípios da Celeridade e do Contraditório: Conceito, Características e Consequências Processuais

Jeferson Kachan Verchai – Mestre em Administração (UFPR). Bacharel em Administração (UFSC) e Direito (Unicuritiba). Servidor Público Federal. Assessor de Desembargador. (e-mail: jefersonkv@yahoo.com.br)

Resumo: O indeferimento da petição inicial é uma decisão que operacionaliza o princípio da celeridade, evitando o prosseguimento da demanda, antes mesmo da citação do réu. Tal fato pode gerar dúvidas a respeito de uma possível afronta ao contraditório. O objetivo do presente trabalho, portanto, é analisar referida decisão, apresentando seu conceito, hipóteses e consequências processuais. Por meio de pesquisa doutrinária foi possível comprovar que a decisão, ao tempo em que busca a celeridade, respeita o contraditório, assim como as decisões de improcedência liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito que, a despeito de se fundarem nos mesmos princípios, não se confundem.

Palavras-chave: Indeferimento da petição inicial. Celeridade. Contraditório. Improcedência liminar do pedido. Julgamento antecipado do mérito.

 

Abstract: The dismissal of the complaint is a decision that operationalizes the principle of celerity, avoiding continued demand, before the service of summons. Such fact may raise doubts about possible affront to the contradictory. The objective of the present paper, therefore, is to analyze this decision, presenting its concept, hypotheses and procedural consequences. Through doctrinal research it was possible to prove that the decision, while looking for celerity, respects the contradictory, as well as the decisions of preliminary denial of the claim and summary judgment that, in spite of their being grounded in the same principles, are not confused each other.

Keywords: Dismissal of the complaint. Celerity. Contradictory. Preliminary denial of the claim. Summary judgment.

 

Sumário: Introdução. 1. Indeferimento da petição inicial, conceito, características e consequências processuais. 2. Semelhanças e diferenças em relação à improcedência liminar do pedido e ao julgamento antecipado do mérito. Conclusão. Referências

 

INTRODUÇÃO

O processo civil brasileiro é constituído a partir de um modelo definido pela Constituição da República, o chamado modelo constitucional de processo civil. Os princípios contidos na Norma Fundamental são implementados, portanto, por meio das normas (princípios e regras) estabelecidas no Código de Processo Civil. (Câmara, 2017).

Um dos pilares do Código de Processo Civil (CPC) de 2015 é a celeridade, o que justifica a existência de decisões antecipadas e liminares como o indeferimento da petição inicial (art. 330, do CPC), a improcedência liminar do pedido (art. 332, do CPC) e o julgamento antecipado do mérito (art. 355, do CPC). Algumas delas dispensam, inclusive, o contraditório.

O indeferimento da petição inicial se apresenta como a primeira decisão do magistrado capaz de instrumentalizar a celeridade processual, vez que impede o andamento processual já no seu início. Não há citação do réu, a não ser que haja recurso da parte autora, o que poderia indicar uma possível afronta ao princípio do contraditório, afetando, inclusive a noção de validade do processo. Segundo Neves (2018) a relação jurídica processual se completa com a citação válida do demandado, ato essencial para a regularidade do processo. Porém ela só pode ser considerada pressuposto processual nos processos em que a citação é necessária.

Nesse sentido, o presente trabalho terá por finalidade discorrer acerca da decisão de indeferimento da petição inicial, apresentando seu conceito, hipóteses e consequências processuais, à luz dos princípios da celeridade e do contraditório. Busca ainda diferenciá-la das decisões de improcedência liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito que, a despeito de se fundarem nos mesmos princípios, não se confundem.

A pesquisa será doutrinária a fim de orientar os sujeitos processuais por meio da conceituação e diferenciação dos institutos, com foco na decisão de indeferimento da petição inicial.

Para tanto, o presente artigo apresentará inicialmente o conceito, as características e as consequências processuais da decisão que indefere a petição inicial (art. 330, do CPC) para, em seguida, fazer uma comparação do instituto com as decisões de improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC) e julgamento antecipado do mérito (art. 335 do CPC).  Por fim, nas conclusões, serão apresentadas reflexões sobre o tema à luz dos princípios da celeridade e do contraditório.

 

  1. Indeferimento da petição inicial, conceito, características e consequências processuais

O indeferimento da petição inicial é uma decisão que, não admitindo o processamento da demanda apresentada, coloca fim liminarmente ao processo, sem resolução de mérito (art. 485, I, do CPC) (GAJARDONI et al., 2018b). Segundo Didier Jr. (2017), trata-se de uma invalidade, má-formação, inépcia, defeito da petição inicial, por isso a decisão não resolve o mérito, limitando-se a reconhecer a impossibilidade de sua apreciação. A decisão acorre após o recebimento da peça inicial, sem a citação da parte ré, existindo apenas entre o autor e o magistrado (MONTENEGRO FILHO, 2018). O processo, todavia, será válido, mesmo sem a integração do réu à demanda, por expressa previsão legal (art. 239 do CPC[1]).

Previsto no art. 330, do CPC, o indeferimento ocorrerá quando a petição inicial for inepta (inciso I), a parte for manifestamente ilegítima (inciso II), o autor carecer de interesse processual (inciso III), ou não atendias as prescrições dos arts. 106 e 321 do CPC, ou seja, quando a determinação para emendar a petição inicial não for atendida e quando o advogado, ao postular em causa própria, não declara seus dados para intimação.

A petição inepta é aquela que desobedece a forma prescrita em lei. Segundo Gajardoni et al. (2018b), trata-se de defeito que atinge o pedido ou a causa de pedir e inviabiliza a apreciação do mérito.

O próprio Código de Processo Civil, no art. 330, § 1º, estabelece quais são os casos de inépcia da petição inicial, a saber:

 

  • 1º Considera-se inepta a petição inicial quando:

I – lhe faltar pedido ou causa de pedir;

II – o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico;

III – da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão;

IV – contiver pedidos incompatíveis entre si.

 

O pedido pode ser analisado sob dois aspectos: processual e material. Segundo Neves (2018), sob a ótica processual, o pedido representa a providência jurisdicional pretendida, ou seja, a condenação, a constituição, a mera declaração, o acautelamento ou a satisfação. Já no aspecto material, o pedido representa o bem da vida perseguido, o resultado prático que o autor pretende obter com a demanda judicial. A doutrina costuma nomear a espécie de tutela jurisdicional como o pedido imediato (aspecto processual) e o bem da vida como pedido mediato (aspecto material) (NEVES, 2018).

A causa de pedir representa os fatos e fundamentos jurídicos do pedido (art. 319, III, do CPC). De acordo com Didier Jr., “a causa de pedir é o fato ou conjunto de fatos jurídicos (fato(s) da vida judicializado(s) pela incidência da hipótese normativa) e a relação jurídica, efeito daquele fato jurídico, trazidos pelo demandante como fundamento do seu pedido” (DIDIER JR., 2017, p. 622).

Conforme elucida Gajardoni et al. (2018b), trata-se da chamada teoria da substanciação, já prevista na redação anterior do CPC/1973, em que devem ser descritos na petição inicial os fundamentos jurídicos invocados e, principalmente, o contexto fático. A doutrina assim divide a causa de pedir em remota, referente aos fatos essenciais, e próxima, referente aos fundamentos jurídicos.

Didier Jr. (2017) lembra que não se deve confundir fundamento jurídico com fundamentação legal. Nos termos do enunciado 281 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), “a indicação do dispositivo legal não é requisito da petição inicial e, uma vez existente, não vincula o órgão julgador”. O magistrado, desse modo, está restrito, na sua decisão, aos fatos jurídicos alegados e não ao dispositivo legal invocado pela parte. O juiz pode decidir, inclusive, com base em norma distinta, preservado o direito pleiteado (fundamento jurídico) e o pedido formulado, observando, todavia, o dever de consulta disposto no art. 10 do CPC[2].

Ausente pedido ou causa de pedir, não é possível definir as fronteiras da atividade jurisdicional e os limites no qual poderá ser exercido o contraditório, impossibilitando o prosseguimento da demanda. Gajordoni et al. (2018) esclarece que se tais elementos estiverem presentes, mesmo que de forma pouco técnica, não há inépcia. Para os autores, o importante é que se consiga compreender minimamente, a partir da exposição da parte demandante, o motivo pelo qual busca a prestação jurisdicional e qual a tutela almejada.

A petição inicial também será considerada inepta quando o pedido for indeterminado, à exceção das permissões legais, quais sejam: nas ações universais, se o autor não puder individuar os bens demandados; quando for possível determinar, desde logo, as consequências do ato que deva ser praticado pelo réu; e quando a determinação do objeto ou do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu (art. 324, § 1º, do CPC). Gajardoni et al. (2018b) explica que a permissão legal trata da formulação de pedido mediato (bem da vida almejado) genérico, sendo que o pedido imediato (providência jurisdicional requerida) deve ser obrigatoriamente determinado.

Quanto ao reconhecimento da inépcia com fulcro no inciso II (“da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão”), Donizetti (2018) explica que a causa de pedir e o pedido formam um silogismo, ou seja, para que a petição seja apta é necessário que o pedido seja uma decorrência lógica dos fatos narrados. O doutrinador apresenta o seguinte exemplo (DONIZETTI,  2018, p. 412):

 

O autor narra que o réu, agindo com culpa, causou danos em seu veículo. Dessa narrativa, em face do disposto no art. 186 do CC, o lógico é que o autor requeira a condenação do réu em perdas e danos. Se, por exemplo, pedir rescisão de um contrato de compra e venda firmado com o réu, a petição será inepta.

 

Destaca que a obscuridade do pedido ou da causa de pedir não é motivo de indeferimento da petição inicial, pois o juiz pode proceder à interpretação lógico-sistêmica da petição para extrair do seu conjunto o objetivo e o sentido da demanda. Caso essa obscuridade, todavia, impossibilite a análise da relação jurídica posta, deve o magistrado solicitar esclarecimentos ao autor antes de indeferir a petição inicial (DONIZETTI,  2018).

Sobre a incompatibilidade (inciso IV), esta existirá quando um pedido for contrário ou antagônico ao outro, de forma que o acolhimento de um implique obrigatoriamente na rejeição do outro. Didier Jr. (2017) usa a expressão “petição suicida”, pois um pedido aniquila o outro. O doutrinador esclarece que nessa situação, deve o julgador determinar que o autor corrija a petição inicial escolhendo um dos pedidos ou trocando um deles por outro, tornando-os compatíveis. Aqui novamente, não pode o magistrado indeferir a petição inicial sem permitir a correção pelo autor.

Uma outra situação que enseja o indeferimento da petição inicial por inépcia está prevista no parágrafo 2º do art. 330 do CPC. Referida norma prevê que, nas ações que tenham por objeto a revisão de obrigação decorrente de empréstimo, de financiamento ou de alienação de bens, o autor deve discriminar na petição inicial, dentre as obrigações contratuais, aquelas que pretende controverter, além de mensurar o valor incontroverso. Deve, ainda, continuar a realizar o pagamento do valor incontroverso nos termos do contrato (art. 330, § 3º, do CPC). Trata-se de uma hipótese específica de vedação de pedido genérico, referente às ações revisionais de contratos, com o fim de evitar ações de revisão infundadas e assegurar a boa-fé processual, impedindo que tais ações sejam utilizadas pelo devedor para ganhar tempo e não pagar a dívida (GAJARDONI et al., 2018b). Cabe lembrar que, nos termos do enunciado 290 do FPPC, “a enumeração das espécies de contrato previstas no § 2º do art. 330 é exemplificativa”.

De acordo com Didier Jr. (2017), não há uma norma que discipline como será feito o pagamento do valor incontroverso, se por meio de depósito judicial, podendo o réu-credor levantar o valor; de boleto emitido pelo réu-credor, com o valor incontroverso; de ação de consignação em pagamento; ou outra forma. De toda sorte, isso não impede que a regra produza seus efeitos materiais, ou seja, inadimplida a parcela incontroversa, haverá mora. No mesmo sentido, afirma Gajardoni et al. (2018b) ser aplicável o art. 784, § 1º, do CPC: “A propositura de qualquer ação relativa a débito constante de título executivo não inibe o credor de promover-lhe a execução”.

Na hipótese de o autor deixar de discriminar o valor incontroverso, o juiz deve lhe conceder a oportunidade para emendar a petição inicial, nos termos do art. 321 do CPC. Caso não o faça, caberá ao magistrado indeferir a petição inicial por inépcia e extinguir o feito sem resolução do mérito (art. 485, I, do CPC) (DONIZETTI, 2018).

Importante destacar que o CPC/1973 contemplava como possibilidade de indeferimento da petição inicial por inépcia a “possibilidade jurídica do pedido”. Segundo Donizetti (2018) esse causa de inépcia já era bastante discutida na doutrina, a exemplo de Liebman, que entendia como causa que, se inexistente, levava à improcedência do pedido. O CPC/2015 modificou o entendimento passado e consagrou a posição de que a possibilidade jurídica do pedido é causa para a resolução do mérito da demanda e não simplesmente de sua inadmissibilidade.

Como elucida Didier Jr. (2017), o indeferimento da petição inicial pode ocorrer tanto no juízo singular quanto no tribunal. No último caso, o indeferimento pode se dar por meio de decisão do relator, o que geralmente ocorre em causas de competência originária de tribunal, ou por decisão colegiada (acórdão). A decisão que indefere a petição inicial também pode ser total ou parcial. Será parcial quando o juízo rejeitar apenas parte da demanda, a exemplo de cumulação de pedidos quando há inépcia de apenas um deles.

Ocorrendo o indeferimento total da petição inicial por meio de sentença, caberá apelação, já se houver o indeferimento parcial, caberá agravo de instrumento. Nesse sentido o enunciado 154 do FPPC, “é cabível agravo de instrumento contra ato decisório que indefere parcialmente a petição inicial ou a reconvenção”.

Didier Jr (2017, p. 633) apresenta um resumo dos recursos possíveis quanto ao indeferimento da petição inicial:

 

  1. se se tratar de um indeferimento parcial feito por um juízo singular (decisão interlocutória), o recurso cabível é o agravo de instrumento (art. 354, par. ún., CPC);
  2. se se tratar de indeferimento total feito por juízo singular, será apelação;
  3. contra indeferimento total ou parcial feito por decisão de relator, caberá agravo interno;
  4. contra indeferimento total ou parcial feito por acórdão, caberão, conforme o caso, recurso ordinário constitucional, recurso especial ou recurso extraordinário.

 

Tratando-se de indeferimento por meio de sentença e havendo apelação, poderá haver juízo de retratação pelo magistrado, no prazo de cinco dias, nos termos do art. 331 do CPC. Segundo Montenegro Filho (2018) há um afastamento da regra relacionada à prorrogação da competência, que proíbe o magistrado de inovar no processo após proferir a sentença.

Conforme o autor (MONTENEGRO FILHO, 2018) o prazo para retratação é impróprio, vez que destinado ao magistrado, podendo ser realizada, portanto, após os cinco dias, sem gerar qualquer consequência. O doutrinador entende, todavia, que o juízo de retratação depende de pedido expresso pela parte autora, em respeito ao princípio da correlação, da adstrição ou da congruência. Do mesmo modo não é permita a retratação se não houver o recurso de apelação, pois conforme Bernardo Pimentel Souza (apud DIDIER JR., 2017), a retratação não pode ocorrer ex officio. Publicada a sentença, o magistrado só poderá alterá-la de ofício para corrigir inexatidões materiais ou erros de cálculo (art. 494, I, do CPC).

Didier Jr. (2017) acrescenta que o Juiz não poderá se retratar caso a apelação seja intempestiva, pois neste caso estaria revendo uma decisão transitada em julgado. Este é o teor do enunciado 239 do FPPC: “Se considerar intempestiva a apelação contra sentença que indefere a petição inicial ou julga liminarmente improcedente o pedido, não pode o juízo a quo retratar-se”. Importante destacar que o juiz não tem competência para proceder ao juízo de admissibilidade da apelação. Neste caso, portanto, deverá limitar-se a não se retratar e remeter a apelação ao tribunal.

Feita a retratação será providenciada a citação do réu para comparecer à audiência de mediação e conciliação, iniciando-se o processo judicial. Se não houver retratação, o juiz determinará a citação do réu para responder ao recurso (art. 331, § 1º, do CPC), formando-se o contraditório. Sendo a sentença reformada pelo tribunal, o prazo para a contestação começará a correr da intimação do retorno dos autos (art. 331, § 2º, do CPC).

No caso de indeferimento apenas parcial da petição inicial, com a imposição de agravo de instrumento pelo autor, deverá ser determinada a citação do réu para responder ao recurso pelo relator e as contrarrazões serão apresentadas diretamente no tribunal, conforme art. 1.019, II, do CPC[3]. O juízo de retratação pelo magistrado a quo, desse modo, estará condicionado à comunicação da interposição do agravo pelo autor, na forma do art. 1.018, do CPC[4] (GAJARDONI et al., 2018b). Assim, “se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo de instrumento” (art. 1.018, § 1º, do CPC)

A respeito do contraditório, Gajardoni et al. (2018a) afirma que o réu não pode ser perturbado por demandas manifestamente infundadas, vez que o ordenamento jurídico também lhe assegura a proteção de seus direitos, que não pode ser diminuída ou vulnerada por capricho do demandante.

Em não havendo apelação, o réu será intimado do trânsito em julgado da decisão (art. 331, § 3º, do CPC), e não citado, pois não passa a integrar a relação jurídico-processual. Segundo Gajardoni et al. (2018a), tal fato ocorre para que tenha ciência da demanda e possa invocá-la em eventual processo subsequente.

Cabe destacar que não se admite o indeferimento da petição inicial de forma indiscriminada, ela somente pode ser indeferida se não houver nenhuma possibilidade de correção do vício ou, se houver, após ser conferida oportunidade para que o demandante a emende e este não tenha feito de forma satisfatória no prazo estabelecido (DIDIER JR., 2017). O indeferimento é excepcional, mormente frente ao princípio da primazia do julgamento do mérito.

Embora a decisão de indeferimento da petição inicial não faça coisa julgada material, a propositura de nova demanda dependerá da correção do vício apontado (art. 486, § 1º, do CPC). Segundo Gajardoni et al. (2018b), tal regra não se aplica aos casos de indeferimento parcial, pois o réu já será citado para responder à parte da demanda admitida, nem de interposição da apelação, vez que será citado para responder ao recurso do autor.

Há ainda causas de indeferimento da petição inicial expressas em legislação especial, a exemplo do art. 10 da Lei 12.016/2009, o qual estabelece que a que “a inicial será desde logo indeferida, por decisão motivada, quando não for o caso de mandado de segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais ou quando decorrido o prazo legal para a impetração”. De igual modo, o art. 6º da Lei 13.300/2016 permite o indeferimento da petição inicial no mandado de injunção se a impetração for manifestamente incabível ou manifestamente improcedente (GAJARDONI et al., 2018b).

 

  1. Semelhanças e diferenças em relação à improcedência liminar do pedido e ao julgamento antecipado do mérito

Segundo Didier Jr. (2017, p. 667) “a improcedência liminar do pedido é a decisão jurisdicional que, antes da citação do demandado, julga improcedente o pedido formulado pelo demandante”. Trata-se de decisão de mérito, definitiva, apta a fazer coisa julgada e ser objeto de ação rescisória. Para o doutrinador (DIDIER JR., 2017), é técnica de aceleração de processo.

Para que seja proferida a decisão de improcedência liminar do pedido é necessário dois requisitos: a causa deve dispensar a fase instrutória; e o pedido deve contrariar uma das hipóteses previstas nos incisos I a IV do art. 332 do CPC, quais sejam: enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça; acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos; entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência; e enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local.

Montenegro Filho (2018) assevera que o instituto valorizou o princípio da razoável duração do processo, ao tempo em que se aproximou do sistema do common law (direito comum, em tradução livre), marcado pela valorização dos precedentes jurisprudenciais, como técnica de resolução de conflitos.

Importante destacar que “o juiz também poderá julgar liminarmente improcedente o pedido se verificar, desde logo, a ocorrência de decadência ou de prescrição” (art. 332, § 1º, do CPC).

Já o julgamento antecipado do mérito é “uma decisão de mérito, fundada em cognição exauriente, proferida após a fase de saneamento do processo, em que o magistrado reconhece a desnecessidade de produção de mais provas em audiência de instrução e julgamento” (DIDIER JR., 2017, p. 773). Conforme assevera Didier Jr. (2018), é técnica de abreviamento do processo, pois o juiz, diante de peculiaridades da causa, encurta o procedimento, dispensando a realização de toda uma fase do processo.

O art.. 355 do CPC permite a julgamento antecipado quando não houver necessidade de produção de outras provas (inciso I) ou quando o réu for revel, operando-se a presunção relativa de veracidade das alegações do autor (inciso II). O art. 356 do CPC, a seu turno, reconhece a possibilidade de julgamento parcial do mérito, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles mostrar-se incontroverso (inciso I) ou estiver em condições de imediato julgamento (inciso II).

Nota-se inicialmente uma grande diferença em relação ao indeferimento da petição inicial. Nas decisões de improcedência liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito há uma decisão de mérito, pois o juiz rejeita o pedido formulado (art. 487, I), o que não ocorre no indeferimento da petição inicial.

Nos aspectos processuais decorrentes da decisão, a improcedência liminar do pedido se assemelha em sua totalidade com a decisão que indefere a petição inicial. Isso porque nos dois casos há possibilidade de retratação pelo julgador originário no prazo de cinco dias; o juiz deve citar o réu para responder o recurso em caso de apelação; se houver a retratação o réu é citado para prosseguimento do processo; se não houver recurso o réu é intimado do trânsito em julgado da decisão.

O julgamento antecipado do mérito é o que mais se afasta da decisão de indeferimento da petição inicial. Conforme visto, trata de uma decisão de mérito em que há cognição exauriente. Ele ocorre antecipadamente apenas em razão da desnecessidade de dilação probatória. Não há, portanto, possibilidade de juízo de retratação, assim como há obrigatoriedade de citação do réu antes da decisão, a fim de se formar o contraditório.

Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 308) afirmam que não há propriamente julgamento antecipado, mas sim julgamento imediato diante da desnecessidade de produção de prova diversa daquela já contida nos autos. Os autores sustentam que inexiste julgamento prematuro do mérito, pois ele é julgado no momento devido. Complementam que “caso houvesse o contrário, ou seja, caso fosse realizada audiência de instrução, é que o julgamento se daria de forma inexplicavelmente retardada, violando -se o direito fundamental ao processo sem dilações indevidas (art. 5.º, LXXVIII, CF/1988)”. Da mesma forma Gajardoni et al. (2018b) critica a utilização do termo “antecipado”, pois traz a impressão de que se trata de julgamento em momento anterior ao oportuno, enquanto o melhor seria “julgamento imediato do mérito”.

Em relação ao objetivo, tanto a improcedência liminar do pedido quanto o julgamento antecipado do mérito se assemelham ao indeferimento da petição inicial. Há em todos os casos uma busca da celeridade e economia processual.

Gajardoni et al. (2018b), ao tratar da improcedência liminar do pedido, afirma que o instituto tem por finalidade não apenas a celeridade e a economia processual, preservando recursos da máquina pública, mas preservar o réu em seus direitos, evitando sua importunação em demandas manifestamente improcedentes. Referido entendimento se aplica igualmente ao indeferimento da petição inicial, em que o réu não é citando antes da decisão e só o é, em caso de recurso, a fim de garantir o contraditório.

Não obstante a discussão doutrinária acerca da ausência de citação do réu na decisão de improcedência liminar do pedido, Didier Jr. (2017) sustenta inexistir qualquer violação à garantia do contraditório, pois se trata de um julgamento de improcedência, sendo que o demandado não precisa ser ouvido para sair vitorioso. A defesa pode ser exercida plenamente quando da apresentação de contrarrazões ao recurso. Nesse sentido explanam Marinoni, Arenhart e Mitidiero (2017, p. 311):

 

Após citado, o réu tem a possibilidade de rebater a totalidade dos argumentos da apelação e, por consequência, exercer plenamente o seu direito de defesa. Assim, poderá o réu alegar que o caso concreto realmente se amolda à decisão tomada como parâmetro e/ou que essa decisão é justa. Como o fundamento da ação foi rejeitado pela decisão que serviu de base para a sentença apelada, o réu tem condição plena de exercer o seu direito de defesa através da resposta ao recurso de apelação.

Como está claro, não há como pensar em violação ao direito de defesa. O réu é o principal beneficiado pelo instituto da improcedência liminar do pedido, uma vez que fica dispensando de convencer o juízo de primeiro grau a respeito da improcedência do pedido. O réu apenas tem necessidade de atuar, e assim de se defender, quando é interposto recurso de apelação. E nessa situação – ou seja, na sua resposta ao recurso de apelação –, terá ampla margem para se defender, seja demonstrando que a ação está perfeitamente enquadrada na decisão tomada como suporte da sentença, seja argumentando que a decisão já consolidada deve ser mantida e, assim, que o fundamento da ação deve ser rejeitado, seja argumentando que de fato há prescrição da pretensão ou decadência do direito afirmado pelo autor.

 

Os fundamentos apresentados se aplicam integralmente à decisão que indefere a petição inicial, pois segue a mesma sistemática.

Quanto ao julgamento antecipado do mérito, Didier Jr. (2017) aduz que o princípio da cooperação impõe ao julgador que comunique às partes a intenção de abreviar o procedimento, evitando decisão surpresa e permitindo que a parte se insurja contra ela, a fim de afastar a preclusão (art. 278 do CPC[5]). O doutrinador ainda esclarece que o juiz não pode concluir pela improcedência, sob o fundamento de que o autor não provou o alegado, pois para proferi-la deve entender que não há necessidade de dilação probatória, o que não ocorreria se este fosse o fundamento da decisão. Tal julgado violaria o dever de lealdade processual, a boa-fé objetiva (art. 5º, do CPC), o princípio da cooperação (art. 6º, do CPC) e poderá ser invalidado por ofensa ao contraditório, no que se refere à produção da prova.

Tais princípios se aplicam a todas as decisões ora analisadas, vez que permeiam o Código de Processo Civil. Desse modo, antes de indeferir a petição inicial o magistrado deve permitir ao autor que emente a petição a fim de sanar o vício encontrado, em respeito à cooperação e à vedação à decisão surpresa (art. 10, do CPC).

Outra semelhança entre as três decisões é a possibilidade de julgamento parcial, o que, em todos os casos, enseja o manejo de agravo de instrumento (art. 354, par. ún., do CPC c/c enunciado 154 do FPPC; art. 1.015, II, c/c art. 354, par. ún., do CPC; art. 356, § 5º, do CPC). Se a rejeição for total, por meio de sentença, como põe fim ao processo, caberá apelação.

Cabe destacar, por fim, que, nos termos do art. 12, IV e I do CPC, as decisões de indeferimento da petição inicial e improcedência liminar do pedido não precisam seguir a ordem cronológica de conclusão para julgamento, o que não ocorre com o julgamento antecipado do mérito.

 

CONCLUSÃO

A Constituição Federal prevê a razoável duração do processo como um direito fundamental ao tempo em que assegura o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Deve se ter em mente que a busca da celeridade processual não pode afrontar outras garantias fundamentais, como o contraditório e a ampla defesa, uma vez que devem ser interpretadas em perfeita harmonia, não sendo excludentes, nos termos do § 2º do art. 5º da CF[6].

Diante dessa aparente dicotomia, em que se busca de um lado agilizar a prestação jurisdicional e de outro garantir todos os meios necessários à salvaguarda do direito das partes, surgem institutos que pretendem equilibrar tais princípios, a exemplo da decisão de indeferimento da petição inicial (art. 330 do CPC).

Conforme apresentado no presente trabalho, é possível concluir que o instituto, assim como as decisões de improcedência liminar do pedido e julgamento antecipado do mérito são expressões da busca pela celeridade processual, constitucionalmente garantida, com respeito e atenção ao princípio do contraditório.

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe uma nova concepção de contraditório, o chamado contraditório substancial, representado pelo binômio “influência” e “não surpresa”.

Ao afastar a participação do réu em um primeiro momento, a decisão que indefere a petição inicial, em verdade, protege a parte de um desgaste desnecessário. Porém, no caso de recurso, há garantia de sua presença já nas contrarrazões, permitindo o conhecimento da demanda antes mesmo do início prático do processo. Há aqui a nova dimensão do contraditório que coloca em prática a efetiva participação das partes, com real possibilidade de influência no processo.

O contraditório formal, representado pela necessidade de informação e possibilidade de reação foi superado pelo novo CPC, deixando de se referir apenas à defesa, mas garantindo também a possibilidade, conferida a ambas as partes, de influir sobre o desenvolvimento e o resultado do processo.

Tal entendimento permite incluir, além das partes, o magistrado como agente processual ativo do contraditório e da celeridade. Todos os institutos valorizam o princípio da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII da CF; art. 4º do CPC), sendo entendidos por alguns doutrinadores como um dever e não uma faculdade do juiz, sob pena de afronta ao princípio da razoável duração do processo. Assim, se é possível decidir liminarmente ou julgar o processo sem a necessidade de dilação probatória, assim deve proceder o magistrado.

 

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 14 abril 2019.

 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 14 abril 2019.

 

CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2017.

 

DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento. 19. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2017.

 

DONIZETTI, Edípio. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. ver. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2018.

 

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Teoria Geral do Processo: comentários ao CPC de 2015. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2018a.

 

GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JR., Zulmar Duarte de. Processo de conhecimento e cumprimento de sentença: comentários ao CPC de 2015. 2 ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Método, 2018b.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. Vol. 1. 3. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

 

MONTENEGRO FILHO, Misael. Novo Código de Processo Civil comentado. 3. ed. ver. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.

 

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil: volume único. Salvador: Editora Juspodivm, 2018.

 

[1] Art. 239. Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado, ressalvadas as hipóteses de indeferimento da petição inicial ou de improcedência liminar do pedido.

[2] Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

[3] Art. 1.019. Recebido o agravo de instrumento no tribunal e distribuído imediatamente, se não for o caso de aplicação do art. 932, incisos III e IV , o relator, no prazo de 5 (cinco) dias: (…) II – ordenará a intimação do agravado pessoalmente, por carta com aviso de recebimento, quando não tiver procurador constituído, ou pelo Diário da Justiça ou por carta com aviso de recebimento dirigida ao seu advogado, para que responda no prazo de 15 (quinze) dias, facultando-lhe juntar a documentação que entender necessária ao julgamento do recurso.

[4] Art. 1.018. O agravante poderá requerer a juntada, aos autos do processo, de cópia da petição do agravo de instrumento, do comprovante de sua interposição e da relação dos documentos que instruíram o recurso.

[5] Art. 278. A nulidade dos atos deve ser alegada na primeira oportunidade em que couber à parte falar nos autos, sob pena de preclusão

[6] Art. 5º, § 2º. Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

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