Resumo: Neste trabalho pretende-se descrever a metodologia e os dados levantados pelo Índice de Percepção da Corrupção no Setor Público no Mundo, produzidos no ano de 2016, bem como traçar uma linha paralela entre seus resultados qualitativos e a teoria dos padrões de corrupção global, que apresenta determinados fatores comuns que podem justificar o surgimento do fenômeno da corrupção. De acordo com os dados analisados, os dois temas estão correlacionados por traçarem aspectos comuns de práticas de corrupção nos países e regiões, sob um enfoque consequêncialista que busca as origens destas práticas no setor público. As considerações finais apontam para um cenário de piora nos índices de corrupção, observando-se o quadro global atualizado e o reflexo do nível de corrupção real de cada nação incluída no ranking. Da mesma forma pôde-se considerar a pertinência da aplicação da teoria dos padrões de corrupção nos dias atuais, tendo em vista a utilização destes resultados para a construção de estratégias que possibilitem o combate às práticas de corrupção do setor público, que atualmente assolam a economia, a governabilidade e a estabilidade dos Estados e prejudicam em um nível preocupante o desenvolvimento e o bem estar de suas respectivas populações. Acadêmico de Direito na Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões – Erechim[1] – [2]
Palavras-chave: Corrupção no Mundo. Índice de Percepção da Corrupção. Padrões de Corrupção.
Abstract: This academic work intends to describe the methodology and the data raised by the World’s Corruption Perceptions Index in the Public Sector, produced in the year of 2016, as well to draw a parallel line between its qualitative results and the global corruption patterns theory, showing certain common factors that can justify the arising of the corruption phenomenon. According with the analysed data, the two themes are related by describing common aspects in the corruption practice in the countries and regions, under a consequentialist look that searches the origins of these practices in the public sector. The final considerations point to a scenario of worsening in the corruption indexes, according the observation of the updated global frame and the reflex of the real corruption levels from each nation included to the index. Similarly, can be considered the relevance of the aplication of the corruption patterns theory nowadays, owing to the utilization of these results for developing strategies that allow the fight against corruption in the public sector, whose currently ravage the countries economy, governability and stability, and harm in a worrying level the development and welfare from its respective populations.
Keywords: Worldwide Corruption. Corruption Perceptions Index. Corruption Patterns.
Sumário: Introdução. 1. Os custos econômicos da corrupção a nível internacional. 1.1. O índice de Percepção da Corrupção no Mundo. 1.2. O quadro global do índice: “nenhum país em nenhum lugar do mundo é livre de corrupção”. 2. Padrões de corrupção: uma análise global sob uma perspectiva europeia. Conclusão.
Introdução
Considerando a corrupção como tema recorrente nas mídias sociais e motivo de análises e debates a respeito da casuística de cada nação ao longo dos anos, o presente trabalho tem por objetivo apresentar a metodologia e os dados levantados pelo IPC – Índice de Percepção da Corrupção no setor público no mundo, produzidos no ano de 2016, bem como traçar uma linha paralela entre os resultados qualitativos deste índice e a teoria dos padrões de corrupção global, que apresenta, com base na cultura, economia e política das regiões, determinados fatores comuns que podem justificar o surgimento do fenômeno da corrupção.
Tendo como perspectiva principal a relação dos temas abordados, o presente trabalho justifica-se pela importância dos danos que podem ser provocados pela corrupção no setor público ao desenvolvimento das nações e suas populações.
1. Os custos econômicos da corrupção a nível internacional
De acordo com o relatório “Corruption: Costs and Mitigating Strategies”, divulgado no dia 11 de maio de 2016 pelo Fundo Monetário Internacional, o custo total no mundo somente com subornos oscila entre 1,5 e 2 bilhões de dólares anuais, o que corresponde a cerca de 2% do Produto Interno Bruto Mundial. (INTERNATIONAL MONETARY FUND, 2016)
Uma das principais conclusões do estudo destacou que a corrupção é responsável por reduzir o crescimento econômico e o pleno desenvolvimento dos países, porém “enquanto os custos econômicos diretos da corrupção são bem conhecidos, os custos indiretos podem ser mais substanciais e danosos, levando a baixo crescimento e mais desigualdade de renda”, conforme afirmou a diretora-gerente do FMI, Christine Lagarde, em um artigo divulgado conjuntamente ao relatório (SILVA JÚNIOR, 2016).
1.1. O Índice de Percepção da Corrupção no Mundo
Para mensurar a avaliação dos níveis de corrupção no mundo, a Organização Não Governamental Transparency Internacional divulga anualmente um índice elaborado a partir de diferentes estudos e pesquisas sobre os níveis de percepção da corrupção no setor público de vários países, o Índice de Percepção da Corrupção.
Este índice foi criado no ano de 1995 como um indicador composto a ser utilizado para mensurar as percepções de corrupção no setor público da grande maioria dos países do mundo, e teve sua metodologia de cálculo reformulada no ano de 2012, quando algumas mudanças importantes foram incorporadas. O novo método inclui os dados correspondentes a períodos de somente um ano de cada fonte de dados, o que permite comparar as pontuações ao longo do tempo (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
A última edição do “Índice de Percepção da Corrupção” – IPC – foi divulgada em 25 janeiro de 2017 e mediu os níveis percebidos de corrupção no setor público de 176 países e territórios, com base na opinião de especialistas, como empresários, experts do sistema político e a população em geral.
O último índice divulgado utilizou treze fontes diferentes (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017):
1. “African Development Bank Governance Ratings 2015
2. Bertelsmann Foundation Sustainable Governance Indicators 2016
3. Bertelsmann Foundation Transformation Index 2016
4. Economist Intelligence Unit Country Risk Ratings 2016
5. Freedom House Nations in Transit 2016
6. Global Insight Country Risk Ratings 2015
7. IMD World Competitiveness Yearbook 2016
8. Political and Economic Risk Consultancy Asian Intelligence 2016
9. Political Risk Services International Country Risk Guide 2016
10. World Bank – Country Policy and Institutional Assessment 2015
11. World Economic Forum Executive Opinion Survey (EOS) 2016
12. World Justice Project Rule of Law Index 2016
13. Varieties of Democracy (VDEM) Project 2016”
Estas fontes realizam pesquisas qualitativas que são, posteriormente, convertidas em escalas quantitativas. A ONG Transparência Internacional converte estes valores para uma escala de 0 (percepção de maiores índices de corrupção dentro do país) a 100 (percepção de menores índices de corrupção) e, a partir disso, calcula a média de cada país. Para um país figurar no ranking é necessário que ele tenha sido pesquisado por pelo menos três fontes e, portanto, o número total de países relacionados é variável de um ano a outro. Com bases nestes critérios, quanto mais próxima de zero for a pontuação, mais corrupto é o setor público do país avaliado. Ao todo, das 176 nações listadas no ranking, apenas 54 países tiveram pontuação acima de 50, a média na escala supracitada. O que significa que mais de dois terços das nações estão abaixo da média no índice divulgado este ano (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
A metodologia utilizada pelo IPC compreende quatro etapas, as quais serão explicadas a seguir:
1.1.1. Seleção das fontes de dados
O IPC emprega uma série de fontes que reconhecem as percepções sobre a corrupção no setor público dos países. Cada instituição é contatada para que se verifique a metodologia aplicada a sua pesquisa e solicitar a respectiva autorização da publicação dos resultados compilados junto à pontuação das demais instituições (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
O critério de seleção baseia-se em fontes que sejam confiáveis, com metodologias e mecanismos de captação de dados que sejam ajustáveis à metodologia utilizada para o cálculo do IPC de cada ano. Outro critério empregado é o grau de vinculação da pesquisa com a corrupção no setor público, bem como a precisão quantitativa (as escalas empregadas pelas fontes de dados devem permitir uma diferenciação suficiente dos dados sobre as percepções dos níveis de corrupção correspondente a diversos países); os dados das fontes também devem ser comparáveis de forma válida entre vários países e o conjunto de dados deve corresponder a vários anos, não sendo utilizadas as fontes que coletam as percepções sobre corrupção em um momento histórico determinado ou específico (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
1.1.2. Padronização das fontes de dados
A padronização do IPC consiste em converter todas as fontes de dados em uma escala de 0 a 100, já mencionada anteriormente. Para tanto, os parâmetros globais sobre a média e o desvio padrão são definidos antes do ajuste dos diversos índices. Por conseguinte, quando um conjunto de dados abrange um espectro limitado, é atribuída uma pontuação a todos os demais países que não aparecem neste grupo de dados. Para aplicar estes valores, o IPC utiliza o software estatístico STATA. O comando “ice” deste software emprega regressões múltiplas com todos os conjuntos de dados disponíveis para estimar os valores correspondentes a cada um dos países sobre os quais falta a informação de dados individual. A média e o desvio padrão para o conjunto de dados é calculada a partir da média obtida dos dez conjuntos de dados completos utilizados como parâmetro. A imputação destes dados, por sua vez, não é utilizada como fonte de dados para determinar as pontuações da escala final do índice, mas apenas unicamente para gerar estes parâmetros (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
Fundamentalmente, as pontuações são calculadas empregando-se os parâmetros sobre a média e o desvio padrão das pontuações obtidas no ano de 2012, o que possibilita que este ano sirva de referência para os dados e que as pontuações sejam comparadas de um ano a outro. Quando são incorporadas novas fontes ao IPC, a aplicação do cálculo para a nova escala permite que os mesmos sejam convergentes com os parâmetros de referência de 2012, a fim de refletir adequadamente as mudanças ao longo do tempo (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
1.1.3. Combinação dos dados ajustados à nova escala
A pontuação de cada país no IPC é calculada estabelecendo-se uma média simples de todas as pontuações disponíveis sobre este país que se ajustam a escala, tendo em vista que o índice não utiliza nenhum dos valores imputados (leia-se “virtualmente calculados”) como pontuação final ao IPC agregado. Somente é atribuída pontuação a um país quando existirem ao menos três fontes de dados disponíveis, a partir dos quais a média será calculada. A média e o desvio padrão são extraídos da pontuação de 2012, para que os dados ajustados a nova escala sejam comparáveis através do tempo a partir do ano de referência (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
1.1.4. Estabelecimento de uma medida de incerteza
A pontuação no IPC é exibida juntamente ao erro padrão e o intervalo de confiança que reflete a variação no valor dos dados que integram a pontuação do índice. O erro padrão é calculado como o desvio padrão da fonte de dados ajustada a nova escala, dividida pela raiz quadrada da quantidade de fontes. Ao aplicar este erro padrão, o índice pode estabelecer um intervalo de confiança de 90%, pressupondo uma distribuição normal (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
Com relação à subjetividade do índice, a organização afirmou em 2016 que, tendo em vista os atos corruptos em geral serem realizados de forma oculta, não basta avaliar apenas as estatísticas empíricas exatas, como o número de denúncias de suborno ou os casos de corrupção que chegam até a tutela jurisdicional, pois dados como estes estão mais diretamente ligados à eficiência dos órgãos de investigação de um país e podem não refletir totalmente seu nível de corrupção real (BLUME, 2015).
De acordo com a pesquisa, os países nas primeiras posições apresentam características comuns, como (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017):
· Alto nível de liberdade de imprensa;
· Acesso a informação sobre os gastos públicos;
· Maiores padrões de dignidade de agentes públicos;
· Poder judiciário independente.
Em contrapartida, os países ranqueados nas últimas posições se destacam pelos seguintes aspectos (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017):
· Conflitos e guerras;
· Governabilidade deficiente;
· Instituições públicas frágeis e não confiáveis;
· Desvio de verbas;
· Precarização dos serviços públicos;
· Falta de independência nos meios de comunicação.
O último índice mostrou que mais de dois terços dos países apresentam graves problemas de corrupção, por não conseguirem o mínimo de 50 pontos, sendo que a pontuação média global ficou em 43. Ainda de acordo com a pesquisa, as regiões piores qualificadas foram a África Subsaariana, a Europa Oriental, a Ásia Central, o Oriente Médio, o norte da África e a América, regiões ondem vivem mais de seis bilhões de pessoas (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
A ONG afirmou no estudo que mais países decaíram do que melhoraram nos resultados do último índice, provando a necessidade urgente de uma “ação conjunta para frustrar a corrupção” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017). Constatação que vai contra as perspectivas do relatório referente ao ano de 2015, onde, apesar da corrupção continuar generalizada, havia perspectivas de melhora, uma vez que o número de países que melhoraram a pontuação foi maior em relação aos que pioraram naquele ano (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
De acordo com a Diretora da ONG na Europa e Ásia Central, Anne Koch, as leis precisam de sanções, pois em qualquer lugar há leis contra a corrupção, mas uma pequena falha nas implementações e aplicações destas leis é capaz de permitir que os corruptos operem com impunidade. Uma das medidas sugeridas pelo relatório afirma que o governo deve derrubar a corrupção política e reformar o setor financeiro com o apoio da sociedade civil e a mídia livre, que são, por sua vez, os principais instrumentos de combate a corrupção no setor público (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Com relação a posição do Brasil no ranking mundial do estudo da ONG Transparência Internacional, o país ficou em 79° lugar no relatório de 2016, com um total de 40 pontos. O Brasil dividiu esta posição com as nações da Bielorrússia, China e Índia (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017). Em 2015 o país ficou em 76° lugar, com um total de 38 pontos (cinco a menos do que o resultado apresentado em 2014) e, por conta disso, foi o país americano que mais piorou sua pontuação comparando-se com o ano anterior. O Brasil dividiu esta posição com mais seis nações no índice de 2015: Bósnia e Herzegovina, Burkina Faso, Índia, Tailândia, Tunísia e Zâmbia (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2016).
Apesar de decrescer três posições no índice em relação aos outros países, o Brasil recebeu dois pontos a mais do que no ano anterior, tendo em vista a visibilidade das grandes investigações internacionais envolvendo a estatal Petrobrás e a empresa Odebrecht, que apresentou ao mundo a possibilidade de uma crescente comunicação e cooperação entre investigadores e polícias na região (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
1.2. O quadro global do índice: “nenhum país em nenhum lugar do mundo é livre de corrupção”
O relatório da ONG segmentou os resultados do índice em cinco grandes regiões: Américas, Ásia-Pacífico, Europa e Ásia Central, Oriente Médio e Norte da África e África Subsaariana.
Com relação ao cenário das Américas, o relatório destacou o esquema dos Panama Papers em abril, na República do Panamá, e o acordo recordista de 3,5 bilhões de dólares da Odebrecht, em dezembro, no Brasil. A média de pontuação da região foi de 44/100 e 63,6% dos países fizeram uma pontuação abaixo de 50.
“Em vários lugares da região, a impunidade continua sendo um grande problema. Mesmo em países onde casos de corrupção em larga escala estão sendo desmascarados, ainda há o risco de que isso tudo seja o resultado dos esforços de um pequeno grupo de bravos indivíduos, ao invés de um plano a longo prazo. A Venezuela, com uma pontuação de 17, é o país mais baixo do índice na região. No ano passado, vimos milhares de cidadãos protestando contra o governo. No México, enquanto o governo tenta limpar a imagem do país através de uma série de reformas, escândalos de corrupção continuam a aumentar e o índice de aprovação do presidente mexicano é o menor da história. Perdendo 5 pontos no ranking deste ano, o México é o país que mais perdeu posições” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
Ao observar os índices da região Ásia-Pacífico, os resultados da pesquisa não mostraram sinais de ação, haja vista que 70% das nações tiveram pontuação abaixo de 50, bem como a perda de posições de Camboja e Tailândia e a performance desastrosa da Coreia do Norte até então, apesar de ter ganhado quatro pontos em relação ao ano de 2015. Segundo o relatório a performance ruim pode ser atribuída aos governos ímprobos, falta de supervisão, insegurança e diminuição do espaço para sociedade civil, o que contribui para a marginalização das ações contra a corrupção nestes países. Semelhante à região das Américas, a média de pontuação da região foi de 44/100 (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
De acordo com o relatório, algumas das maiores histórias de 2016 estão indefinidas, como por exemplo a subida ao poder do Presidente Duterte nas Filipinas, o envolvimento em escândalos políticos do primeiro ministro da Malásia, com inexplicáveis 700 milhões de dólares em sua conta bancária e o impeachment da presidente da Coréia do Sul, Park Guen-hye, sob alegação de envolvimento na corrupção com grandes companhias coreanas (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
Com relação a região da Europa e Ásia Central, onde 48% dos países tiveram pontuação abaixo de 50, o quadro geral é de estagnação, pois os governos querem aprovar leis anticorrupção, mas o desafio de aplicá-las ainda é grande. É acentuada a deterioração de países como Hungria, Macedônia, Espanha e Turquia, onde a corrupção cresce e o espaço da sociedade civil e da democracia está diminuindo (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
“Nos Bálcãs orientais, um recente relatório da Transparência Internacional atribuiu as fraquezas na aplicação das leis a sistemas políticos presos nos quais os políticos tem uma enorme influência em todos os meios da vida pública, estando próximos a ricos empreendedores do setor privado ou até mesmo de redes de crime organizado” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
Os países nórdicos alcançam novamente altas pontuações (Dinamarca, Finlândia e Suécia figuram entre as primeiras posições), porém a corrupção continua sendo um dos grandes desafios, pois, de acordo com o relatório, 11% dos membros do parlamento dinamarquês não declararam suas atividades estrangeiras e interesses financeiros em suas declarações de ativos. Ao mesmo tempo, membros do conselho de polícia holandês pediram demissão, tendo em vista a investigação que revelou que uma parcela significante dos fundos do conselho era utilizada para pagar por jantares, festas e diárias de hotéis (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
“Em países onde o poder de decisão política não é dominado, é muito importante que governos avaliem riscos nas decisões e processos administrativos diários, identificando possíveis falhas para que possam agir preventivamente, aumentar o controle e recuperar a confiança dos seus cidadãos” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
Cinco dos dez piores países são da região do Oriente Médio e Norte da África – Iraque, Líbia, Sudão, Iêmen e Síria. Os conflitos presentes nesta região são fatores importantes que impedem qualquer esforço para fortalecer as instituições e o Estado, gerando instabilidade política e alimentando a corrupção (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
A Tunísia melhorou sua pontuação no índice, tendo em vista que tomou sérias medidas anticorrupção, como a promulgação da Lei de Acesso à Informação e a aprovação pelo parlamento da Lei da Corte Financeira, que permite ao judiciário investigar casos de grande corrupção (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
“Para que as nações árabes melhorem, elas devem garantir sistemas efetivamente transparentes que permitam a prestação de contas. Devem por um fim a qualquer forma de corrupção. Os governos devem proteger a liberdade de expressão e parar de processar ativistas contra corrupção, denunciantes, e organizações da sociedade civil. Um judiciário independente, assim como corpos auditores, devem ser respeitados para garantir que os corruptos sejam condenados e devolvam os recursos roubados. Isso tudo não pode ser atingido sem uma real vontade política, por parte dos governos, de cumprirem com seus compromissos” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
Na quinta e última região apresentada no relatório, a África Subsaariana, 89% dos países ficaram abaixo da média em suas pontuações. O índice de 2016 apresentou um cenário preocupante, pois 43 das 48 nações vem apresentando sérios problemas de corrupção e as potências do continente (Nigéria e África do Sul) não apresentaram melhoras. A média de pontuação da região foi de 31/100 (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
“Em países como Gana, que é o secundo a perder mais pontos nesse índice na região, a insatisfação dos cidadãos com o recorde de corrupção do governo se refletiu nos seus votos. A África do Sul, que continua estagnada nesse ano, testemunhou o mesmo fato. A República Democrática do Congo de Joseph Kabila e a Gâmbia de Yahya Jammeh, ambas declinantes, demonstraram como a democracia eleitoral está extremamente desafiada pela corrupção nos países africanos” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
Grandes países africanos não melhoraram sua pontuação no índice, como África do Sul, Nigéria, Tanzânia e Quênia. O presidente sul-africano Jacob Zuma foi julgado e acusado pelo mídia por corrupção, tendo em vista um relatório produzido pelo Promotor público Thuli Madonsela, que revelou gastos públicos indevidos em sua propriedade privada na cidade de Nkandla (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
Última colocada na lista, a Somália é o país desta região que mais enfrenta problemas com a corrupção. De acordo com o relatório, as eleições parlamentares foram flageladas por negligência e corrupção e a eleição presidencial foi adiada por três vezes e, até a publicação do IPC, ainda estava para acontecer (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017).
“Líderes africanos que chegam ao comando ‘sob uma bandeira anti-corrupção’ deverão cumprir suas promessas para dar serviços livres de corrupção para seus cidadãos. Eles devem implementar seus compromissos sobre os princípios da governança, da democracia e dos direitos humanos. Isso inclui reforçar as instituições que cuidam das finanças do Estado, juntamente com o sistema eleitoral, o qual permite que seus cidadãos os reelejam ou busquem livremente uma alternativa” (TRANSPARENCY INTERNATIONAL, 2017, tradução nossa).
2. Padrões de corrupção: uma análise global sob uma perspectiva europeia
A corrupção pode ser definida como a situação de abuso do poder em benefício próprio, de agentes políticos eleitos democraticamente, que pode ocorrer durante ou após o exercício de funções públicas. Essas situações tendem a agravar-se em momentos de crise econômica, financeira e política, e contribuem para a deterioração e o descrédito das instituições públicas e privadas onde a corrupção incide (BLANKENBURG apud CUNHA, 2015).
Em uma análise que engloba a crise europeia de 2008, a democracia, a mídia e a corrupção, a Doutora em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo e pós-doutora pelo Centre National de la Recherche Scientifique em Paris, Isabel Ferin Cunha (2015), traçou um perfil da corrupção a nível internacional que procura estabelecer critérios-chave semelhantes entre os países que os tem levado a níveis preocupantes de aumento de práticas de corrupção e que, por consequência, causam sérios prejuízos a economia, a governabilidade e a estabilidade do Estado.
Observando a corrupção política nos países do Sul da Europa, a autora identificou fatores comuns que podem justificar o surgimento do fenômeno da corrupção, principalmente em países que tiveram processos de democratização recente após vários anos de ditadura (CUNHA, 2015):
· Emergência de novas elites políticas e econômicas, portadoras de novas concepções de ética pública;
· Tendência crescente de profissionalização dentro dos partidos políticos, onde os candidatos a cargos no governo advém das “escolas de partidos”;
· A expansão e a entrada das classes médias na sociedade de consumo;
· Fim do monopólio da mídia de serviço público e a consequente liberalização deste mercado.
Neste sentido, as práticas ilícitas ocorrem quando os agentes políticos têm disponíveis a oportunidade, os meios de efetivação do crime ou a pressão da necessidade coletiva ou individual, como o financiamento de partidos e as ambições de consumo, respectivamente (CUNHA, 2015). Segundo a autora, esses crimes normalmente acontecem quando os agentes políticos competem por cargos públicos, exercem cargos públicos, legislam ou governam, bem como quando há o abandono de cargos no governo, onde os ex-agentes mantêm seu capital relacional acumulado durante o exercício do cargo e, posteriormente, o colocam a serviço de funções privadas para benefício próprio ou de seu grupo de interesse.
“Na perspectiva de Blankenburg (2002), bem como de Johnston (2005) a corrupção política está directamente vinculada à cultura nacional e, muito particularmente ao modo como as elites se relacionam com o bem público. Determinantes do grau e características da corrupção política em cada país ou região são as pressões económicas e políticas de interesses internacionais, tais como 'investidores', 'fundos' e multinacionais e o posicionamento desses países e regiões no mercado global. Deste modo, não se poderá conceber uma escala única de corrupção política aplicável a todos os países, pois cada um terá a sua especificidade cultural”. (CUNHA, 2015)
Segundo CUNHA (2015), além da especificidade cultural de cada nação, devem ser considerados os seguintes fatores para se estabelecer o nível de corrupção de um país:
· O seu grau de aprofundamento da democracia;
· O funcionamento de suas instituições políticas e sociais;
· A capacidade e disponibilidade de participação e mobilização dos cidadãos;
· O nível de abertura dos mercados à competitividade;
· Os seus mecanismos de regulação da concorrência.
“Os ilícitos mais frequentes são os crimes contra o Estado, os crimes contra o Estado cometidos no exercício da função pública, a corrupção ativa e passiva (para ato ilícito ou lícito), o peculato (que inclui peculato de uso e por erro de outrem), a participação económica em negócio, a concussão, o abuso de poder, o tráfico de influências, o branqueamento de capitais e a violação de regras urbanísticas”. (CUNHA, 2015)
Ao considerar que a corrupção política acontece em países com diversas formas de economia e governo, CUNHA (2015) cita Johnston, autor que elaborou, no ano de 2005, um estudo onde identificou padrões de corrupção que, segundo ele, correspondem a quatro formas de combinar política, economia e a qualidade das instituições públicas.
O primeiro padrão identificado foi o da “influência dos mercados”, que ocorre em Estados onde a democracia já está estabelecida e os mercados são considerados “maduros”, como os países do hemisfério norte (nórdicos e anglo-saxônicos), por exemplo. A corrupção que pode ocorrer neste padrão está relacionada com a competição acirrada por vantagens financeiras. Nas democracias de mercado aberto o Estado exerce os papéis de regulação e fiscalização e os cidadãos têm a percepção de que as instituições são corretas. A característica principal deste primeiro “padrão” é a de que os casos de corrupção ocorrem, em sua maioria, na competição pela expansão dos mercados nacionais e internacionais e na figura do corruptor (JOHNSTON apud CUNHA, 2015).
O segundo padrão identificado, o da “síndrome de cartéis e elites”, tem como principais características (JOHNSTON apud CUNHA, 2015):
· Democracias em fase de consolidação e sujeitas a reformas profundas;
· Mercados sob pressão por haver uma maior abertura e liberalização;
· O papel do Estado como regulador está em fase de consolidação;
· Conflitos e tensões entre as instituições públicas e privadas são constantes;
· A sociedade é moderadamente rica e os cidadãos têm percepções divergentes sobre a qualidade das instituições.
O cenário deste padrão propicia a formação de grupos que se posicionam entre os interesses públicos e privados para obter vantagens nos setores mais protegidos da economia, como as empresas públicas e concessões de estatais, que funcionam em regime de monopólio em sua maioria (CUNHA, 2015).
O terceiro padrão estabelecido por Johnston (apud CUNHA, 2015), denominado como “Oligarquias e clãs”, pode ser encontrado em regimes de transição do autoritarismo ou totalitarismo para a democracia. Nestes países as oportunidades econômicas estão crescendo, mas os capitais públicos e privados não são suficientes para tornar o mercado interno sustentável. As instituições públicas são frágeis e, por consequência, as oligarquias, muitas vezes formadas por familiares, apropriam-se dos interesses econômicos do país, mantendo verdadeiras democracias funcionais que protegem os seus investimentos, em sua maioria formados por uma cultura extrativista, centrada em matérias-primas como petróleo, gás e minérios.
O quarto e último padrão acontece em países com regimes não democráticos, onde o poder se concentra nas mãos de magnatas que utilizam estruturas partidárias para defenderem seus interesses individuais. A gestão econômica e financeira é centralizada e os cidadãos têm uma participação muito restrita (JOHNSTON apud CUNHA, 2015).
“As instituições tendem a ser fortes na relação que mantêm com os cidadãos comuns e fracas perante aqueles que comandam as estruturas partidárias. O país é pobre e o acesso ao consumo é restrito. A corrupção faz parte da rotina da função pública partidarizada e mal remunerada, que considera a prestação de serviços uma forma de obter uma remuneração extra necessária à sua sobrevivência. Nas estruturas e elites partidárias, a corrupção pode ser justificada como um tributo pago pelo 'capitalismo internacional' aos 'povos colonizados ou dominados' no qual os agentes políticos locais funcionariam como receptadores” (CUNHA, 2015).
Neste sentido, a autora conclui que os padrões ou síndromes de corrupção classificados por Jonhston possibilitam a compreensão, sob o ponto de vista dos desvios e prejuízos trazidos pela corrupção, de como e para que – em um panorama de globalização inevitável – as instituições do setor público são utilizadas (CUNHA, 2015).
Conclusão
Considerando os dados e análises supracitados, o presente trabalho apresentou, de forma sistematizada, as discussões e resultados do Índice de Percepção da Corrupção no setor público no mundo de 2016, que, por sua vez, revelou um cenário preocupante com relação aos danos provocados pelas práticas de corrupção em 176 países de cinco regiões do globo. O estudo considerou que mais de dois terços das nações ficaram abaixo da média no último índice divulgado, e que os países que receberam as menores pontuações no índice possuem algumas características em comum, como instituições públicas frágeis, desvio de verbas e precarização dos serviços oferecidos à população. Em contrapartida, os países desenvolvidos e melhor posicionados no ranking, tem entre seus aspectos comuns mais relevantes o alto nível de liberdade de imprensa, a transparência sobre os gastos públicos e poder judiciário independente.
Em que pese este índice seja formado com base na opinião subjetiva de especialistas, a metodologia de tratamento dos dados empregada desde o ano de 2012 tem se mostrado válida, tendo em vista o estabelecimento de um intervalo de confiança de 90%, o que contribui para a assertividade do índice e para fins de comparação de um ano a outro, permitindo-se observar o quadro global atualizado e o reflexo do nível de corrupção real de cada nação incluída no ranking.
Paralelamente aos resultados qualitativos do IPC, o trabalho apresentou alguns pontos do artigo “Da ‘desdemocratização’ da Europa: democracia, media e corrupção política”, elaborado pela pós-doutora Isabel Ferin Cunha. Em seu estudo, a autora analisou a teoria de Johnston – determinante de quatro padrões de corrupção – e descreveu um perfil da corrupção a nível internacional, estabelecendo critérios-chave semelhantes entre os países que os tem levado a níveis preocupantes de aumento de práticas de corrupção.
Diante das informações e análises relacionadas neste trabalho, pode-se considerar que a aplicação da teoria dos padrões de corrupção se mostra pertinente nos dias atuais, tendo em vista os recentes resultados publicados pelo Índice de Percepção da Corrupção no Mundo, bem como haver uma necessidade urgente de aplicação destes dados em ações concretas que, por consequência, possibilitem o combate às práticas de corrupção do setor público, que atualmente assolam a economia, a governabilidade e a estabilidade dos Estados e prejudicam em um nível preocupante o desenvolvimento e o bem estar de suas respectivas populações, provocando uma problemática comum capaz de transcender fronteiras e inviabilizar o crescimento das gerações futuras e atuais.
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