Resumo: Trata-se de artigo jurídico acerca da utilização do instituto da exceção de pré-executividade após as inovações trazidas pelas leis 11.232/2005 e 11.382/2006, que trouxeram alterações ao processo de execução.
Sumário: 1. Generalidades sobre a Exceção de Pré-Executividade 2. A Exceção de Pré-Executividade em sede de cumprimento de sentença 3. A Exceção de Pré-Executividade em sede de execução de títulos extrajudiciais 4. Conclusão
1. Generalidades sobre a Exceção de Pré-Executividade
Anteriormente à inovação do sistema jurídico pertinente ao processo de execução, seja de título judicial ou extrajudicial, respectivamente pelas Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, era pacífico o entendimento doutrinário[1]-jurisprudencial[2] de que ao executado é permitido comparecer de imediato aos autos para apontar nulidades capazes de ensejar a imediata extinção processual ou para demonstrar flagrante excesso no valor executado, ou seja, sempre tem por objeto matéria cognoscível ex officio.
A exceção de pré-executividade tem o objetivo de manter a higidez financeira da executada, tendo em vista que os atos executórios têm por essência a constrição dos bens do devedor. Várias execuções fraudulentas ou excessivas resultam em uma redução considerável no capital ativo da executada, pondo em risco toda sua atividade econômica.
O primeiro registro do instituto é um parecer de Pontes de Miranda, datado de 1966, em favor da Companhia Siderúrgica Mannesman. Pedidos de decretação de abertura de falência haviam sido indeferidos pelo Juízo, antes da penhora ou do depósito, sob o fundamento de que baseados em títulos falsos. No entender do parecerista, “a alegação de inexistência, da invalidade ou da ineficácia da sentença é alegável antes da expedição do mandado de penhora.”[3]
As obras doutrinárias a respeito da exceção de pré-executividade são deveras pulverizadas, havendo muitos textos em periódicos especializados, mas apenas é tratada de forma tangencial ou indireta nos volumes sobre execução.
Na verdade, a exceção de pré-executividade nada mais é que uma simples petição protocolada nos autos da execução, direcionada, por óbvio, ao mesmo juízo em que corre o procedimento executivo e neste mesmo processada. Nesta petição, entretanto, a parte executada deve cingir-se a alegar matéria de ordem pública de manifesto reconhecimento, requerendo que o julgador suspenda o regular processamento dos atos executórios até a final decisão de tal objeto, demonstrando possibilidade de resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação[4].
Ressalta-se, por oportuno, inexistir legislação específica que regule este instituto.
Ocorre que, inobstante a unanimidade que se chegou quanto ao cabimento da exceção de pré-executividade, o legislador pátrio alterou profundamente o procedimento de execução, tendo em vista carecer de celeridade e de eficiência[5], abarrotando o judiciário, bem como representava um alto custo financeiro para o próprio exeqüente, mesmo que ao final viesse a ser ressarcido das despesas realizadas.
2. A Exceção de Pré-Executividade em sede de cumprimento de sentença
A Lei nº 11.232/2005 extinguiu, para os títulos executivos judiciais (artigo 475-N do CPC), a ação de execução, instituindo a fase de cumprimento de sentença, excetuando-se a execução contra a Fazenda Pública e a execução de alimentos.[6]
Façamos um breve estudo do novo ordenamento.
A inovação basilar introduzida pela Lei nº 11.232/2005 consiste na sincronia das atividades jurisdicionais cognitiva e executiva. Findou-se, assim, o abismo que anteriormente existia entres os processos de conhecimento e de execução nos casos de cumprimento de sentença, quando era necessário citar o réu e, posteriormente, o executado. Vejamos o que ensina, com bastante propriedade, José Carlos Barbosa Moreira, sobre o sincretismo processual trazido pelo legislador de 2005:
“(…) elimina-se a diferenciação formal entre o processo de conhecimento e o de execução, ressalvadas as hipóteses do art. 475-N, parágrafo único, do Código de Processo Civil, e a de ser devedora a Fazenda Pública. Em vez de dois processos sucessivos, teremos um só, no qual se sucederão, ao longo de duas fases, mas praticamente sem solução de continuidade, os atos de uma e de outra espécie.”[7]
O cumprimento de sentença, à luz do introduzido artigo 475-I ao CPC[8], far-se-á conforme os artigos 461 e 461-A, do mesmo diploma processual, quando a obrigação for de fazer, não fazer ou tenha por objeto a entrega de coisa. Tratando-se de obrigação por quantia certa, a execução se dará nos termos dos artigos 475-J a 475-R, também do Código de Ritos.
O antigo processo de liquidação de sentença agora também faz parte de um único processo, porquanto se tornou uma fase ou etapa de um único processo maior. Inclusive nos casos de cumprimento de sentença de título executivo judicial não proveniente de sentença cível condenatória, v.g., a sentença penal condenatória transitada em julgado (artigo 475-N, IV, CPC), iniciar-se-á a fase de liquidação para, posteriormente, dar-se continuação pela etapa executiva, acrescentando-se ao mandado inicial do artigo 475-J do CPC a ordem de citação do devedor no juízo cível, conforme reza do artigo 475-N, § único, do CPC.
Exatamente por isso, a recentíssima doutrina passou a desconhecer o processo de conhecimento, anteriormente realizado de forma individual e apartada, e atribuiu nova nomenclatura: “processo sincrético”[9]. Nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier “hoje, o princípio do sincretismo entre cognição e execução predomina sobre o princípio da autonomia”[10], isso porque não existe mais “processo” de conhecimento, “processo” de liquidação ou “processo” de execução, mas apenas uma fase cognitiva que antecede o momento de liquidação e o executivo.
Neste sentido, o artigo 475-J do CPC determina que o devedor pague, no prazo de quinze dias, o montante da condenação, sob pena de ser acrescido multa no percentual de dez por cento sobre valor devido. Caso o pagamento seja realizado parcialmente, a multa incidirá apenas sobre o restante, conforme determinado pelo §4º do mesmo dispositivo legal.
A requerimento do exeqüente e não tendo o devedor efetuado o pagamento no indigitado prazo, descumprindo a sentença, expede-se mandado de penhora e avaliação, prosseguindo normalmente a execução. Observe-se que não há necessidade de nova citação, sendo esta uma das novidades mais radicais introduzidas pela nova Lei. O executado, diferentemente do ordenamento anterior, não é mais citado para pagar ou nomear bens à penhora.
Do auto de penhora e de avaliação será o executado imediatamente intimado na pessoa de seu advogado, nos termos dos artigos 236 e 237, ambos do CPC, ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio. Com a juntada aos autos do cumprimento da intimação (artigo 241 do CPC), inicia-se o prazo de quinze dias para o devedor, querendo, apresentar impugnação aos termos do cumprimento de sentença.
A Lei reformadora extinguiu os embargos à execução frente aos títulos executivos judiciais, os quais tinham natureza jurídica de ação autônoma de conhecimento e por isso mesmo prescindia o executado ser citado. Seguindo o norte do princípio da celeridade processual, a defesa prevista para a execução de título judicial foi a impugnação, cuja natureza jurídica é de mero incidente realizado no curso da execução da sentença.[11]
A impugnação, conforme inteligência do artigo 475-L do CPC, poderá versar sobre: a falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; inexigibilidade do título, considerando-se também inexigível aquele fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo STF como incompatíveis com a CF (artigo 475-L, §1º, CPC); penhora incorreta ou avaliação errônea; ilegitimidade das partes; excesso de execução; e qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, desde que superveniente à sentença.
Via de regra, a impugnação, face ao disposto no caput do artigo 475-M do CPC, não terá efeito suspensivo, diferentemente do que acontecia aos embargos à execução que, quando recebidos, sempre e em qualquer caso, tinham automaticamente suspendiam a execução, conforme rezava o artigo 739, §1º, do CPC. Esta situação, no entanto, foi posteriormente alterada com vigência da Lei 11.382/2006 que afastou o efeito suspensivo como regra dos embargos, tornando-se, também, exceção.
Todavia, pode a impugnação suspender a execução “desde que relevantes seus fundamentos e o prosseguimento da execução seja manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação”. Cabe ao devedor comprovar a presença destes requisitos previstos no artigo 475-M, caput, do CPC.
Importante, ainda, ressaltar que, atribuindo-se efeito suspensivo à impugnação, o exeqüente pode requerer seu prosseguimento, oferecendo e prestando nos próprios autos caução suficiente e idônea arbitrada pelo juiz, conforme §1º do supracitado dispositivo legal. Deferido o efeito suspensivo, a impugnação será instruída e decidida nos próprios autos e, caso contrário, em autos apartados.
Neste ponto, possível entender as razões que registram a necessidade de mantença do instituto da Exceção de Pré-executividade para resguardar os direitos do executado.
Conforme alhures demonstrado, as profundas inovações foram pertinentes e trouxeram efetiva celeridade processual, entretanto, não garantiu ao devedor/executado qualquer meio de evitar a penhora de seus bens, uma vez que a impugnação prescinde do auto de penhora, iniciando-se, então, o prazo de sua interposição.
Ainda, mesmo após a penhora dos bens, independentemente dos fundamentos da impugnação, o exeqüente pode requerer, apesar de mediante caução, seja dado regular processamento ao cumprimento de sentença, resultando na posterior alienação.
A exceção de pré-executividade, pois, ainda pode permitir seja mantida a higidez financeira da executada, evitando uma redução considerável no capital ativo da executada, pondo em risco toda sua atividade econômica.
Relativamente à execução de títulos judiciais, permanecem intocáveis os requisitos basilares e autorizadores da exceção de pré-executividade.
Como se não bastasse, também, serve a Exceção de Pré-executividade para atos executivos ocorridos após a apresentação da impugnação, como nulidades na penhora, leilão etc. Havendo matéria de ordem pública cognoscível, pois, ex officio, será deveras plausível e útil a apresentação de defesa através da Exceção.
3. A Exceção de Pré-Executividade em sede de execução de títulos extrajudiciais
Os títulos executivos extrajudiciais (artigo 585 do CPC) ainda prescindem de processo autônomo para garantir o seu cumprimento, nos termos das alterações da Lei Ordinária Federal nº 11.382 de 6 de dezembro de 2006, fazendo-se mister expedição de mandado de citação.
Neste norte, boa parte do procedimento antigo da ação de execução permanece inalterada, pouco sendo relevante ao presente estudo.
Entretanto, relevante inovação foi aquela pertinente aos embargos do executado[12], porquanto, hodiernamente, podem ser opostos independentemente de penhora, depósito ou caução, no prazo de 15 (quinze) dias a contar da juntada aos autos do mandado de citação e não mais da intimação da decisão do juiz que confirmar a penhora. Vejamos:
“Art. 736. O executado, independentemente de penhora, depósito ou caução, poderá opor-se à execução por meio de embargos.
Art. 738. Os embargos serão oferecidos no prazo de 15 (quinze) dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação.”
Poder-se-ia, pois, defender o fim da exceção de pré-executividade na ação de execução de título extrajudicial. Ledo engano resultante de perfunctória análise. Aprofundemo-nos.
A mesma Lei 11.382/2006 determinou que, ao contrário do sistema de execução anterior, os embargos à execução carecem de efeito suspensivo, sendo a regra o regular processamento da ação executória.
Art. 739-A. Os embargos do executado não terão efeito suspensivo.
Pode o Julgador, ressalte-se, a requerimento do embargante, suspender a execução sendo relevantes os fundamentos e houver possibilidade de causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação, e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes, conforme reza o artigo 739-A, § 1º, do CPC. Ademais, “a concessão de efeito suspensivo não impedirá a efetivação dos atos de penhora e de avaliação dos bens”.
O efeito suspensivo pode ser parcial, prosseguindo a execução quanto à parte restante (art. 739-A, § 3º, do CPC).
Hodiernamente, apesar de não haver exigência de penhora dos bens do executado para a apresentação dos embargos à execução, esta é mister para a concessão do efeito suspensivo. Ora, a simples penhora é ato executivo de constrição de bens. Desta forma, a exceção de pré-executividade demonstra-se o único meio hábil para evitar tal constrangimento ao executado.
Ademais, deveras pertinente o magistério de Luiz Rodrigues Wambier, Tereza Arruda Alvim Wambier e José Miguel Garcia Medina ao declarar a importância do referido instituto no ordenamento jurídico após a Lei 11.382/2006. Vejamos:
“(…) continua possível o manejo de exceção de pré-executividade no processo de execução de título extrajudicial, com o intuito de se alegarem materiais a respeito das quais não tenha ocorrido preclusão, ainda que já se tenha exaurido o prazo para a apresentação dos embargos”.[13]
Destarte, a Exceção de Pré-executividade demonstra-se o único procedimento adequado para evitar prejuízos aos executados, mantendo incólumes seus princípios e condicionantes.
Como se não bastasse, também, serve a Exceção de Pré-executividade para atos executivos ocorridos após a apresentação dos embargos, como nulidades na penhora, leilão etc. Havendo matéria de ordem pública cognoscível, pois, ex officio, será deveras plausível e útil a apresentação de defesa através da Exceção.
4. Conclusão
Ante todo o exposto, uma vez adentrado nos aspectos que compõem a problemática da utilização da exceção de pré-executividade no período anterior às reformas legislativas operadas pela lei 11382/06, culmina-se por entender, com suporte nos aspectos doutrinários e jurisprudenciais, que ainda existe um grande campo de atuação como meio de defesa do devedor, mesmo após a entrada em vigor das recentes alterações legislativas.
A interposição dos embargos do devedor, nos termos do artigo 738 do Código de Processo Civil, deve ser feita num prazo de quinze dias, contados da data da juntada aos autos do mandado de citação, a despeito de não mais ser necessária a ocorrência de uma anterior penhora, ou depósito ou caução. Vencido este prazo, estaria o devedor que estivesse sendo executado com base num título executivo extrajudicial que não representasse uma obrigação líquida, certa e exigível, desprovido de meios céleres de defesa?
Certamente que não, pois pode se valer de um, pode-se até dizer, remédio heróico, a exceção de pré-executividade, pois verificamos que sua interposição não possui prazo, tendo como limite o transito em julgado.
Entende-se que até mesmo, quando dentro do prazo para o oferecimento dos embargos do devedor, em existindo matérias de defesa argüíveis de oficio e seja oferecida uma petição denominada juridicamente de exceção de pré-executividade, deva o magistrado recebê-la e julgá-la; quer esteja recebendo-a, com fundamento na fungibilidade dos institutos dos embargos do devedor e da exceção de pré-executividade, pela utilização para correção de sobreditas matérias; que6r seja pela economia, pela celeridade, pela eficiência processuais.
Advogado e Assessor Jurídico Municipal. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco e Pós-Graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-UNIDERP.
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