Resumo: Objetivando apresentar o panorama sobre o instituto da tutela provisória do Código de Processo Civil de 2015, apresentando pontos problemáticos, ou que já foram previamente destacados na doutrina, porém, de importância elevada para a compreensão do instituto, por meio de um estudo dedutivo, far-se-á neste artigo a explanação da ramificação da tutela provisória a partir do Código de Processo Civil de 2015, destacando, salienta-se, pontos de maior ou menor relevância e problemáticos. Nessa perspectiva, observa-se que a disposição sobre a tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015 nada mais é do que a evolução natural dessa técnica processual, especialmente após o ano de 1994, o que não poderia ser diferente, afinal, o que se tem em jogo nesta temática é a efetividade da relação processual e a dignidade da pessoa humana frente ao grande lapso de tramitação de um processo judicial no Brasil.
Palavras-chave: Direito Processual Civil; Código de Processo Civil de 2015; Tutela dos Direitos; Tutela Provisória; Tutela de Urgência e da Evidência.
Abstract: Aiming to present the panorama on the institute of interim protection of the Code of Civil Procedure of 2015, presenting problematic points, or that were previously highlighted in the doctrine, but of high importance for the understanding of the institute, by means of a deductive study, it will be made in this article the explanation of the branch of the interim protection from the Code of Civil Procedure of 2015, highlighting, points of more or less relevance and problematic. In this perspective, it is observed that the provision on interim protection in the Code of Civil Procedure of 2015 is nothing more than the natural evolution of this procedural technique, especially after 1994, which could not be different, after all, what is at stake in this issue is the effectiveness of the procedural relationship and the dignity of the human person in the face of the great length of proceedings in a judicial process in Brazil.
Keywords: Civil procedural law; Code of Civil Procedure 2015; The rights; Interim protection; Immediate and Evidence injunctions.
Sumário: Introdução; 1. A apresentação do instituto da tutela provisória no Código de Processo Civil de 2015; 2. O primeiro ramo do instituto da tutela sumária: a tutela provisória fundada na urgência; 2.1. O primeiro braço da tutela provisória de urgência: a tutela provisória de urgência antecipada (tutela antecipada); 2.2. O segundo braço da tutela provisória de urgência: a tutela provisória de urgência cautelar (tutela cautelar); 2.3. O novíssimo sistema sobre a tutela provisória de urgência antecipada requerida antes da dedução da ação (a tutela antecipada antecedente); 2.4. A tutela provisória de urgência cautelar requerida de forma antecedente: a insurgência do processo cautelar no cenário contemporâneo do processo? (tutela cautelar antecedente); 3. O segundo ramo do instituto da tutela sumária: a tutela provisória fundada na evidência (tutela da evidência); Considerações finais.
INTRODUÇÃO
Na perspectiva do Código de Processo Civil de 1973 (Lei n.º 5.869/73), seria humanamente impossível a exposição acerca do instituto da tutela provisória do mesmo modo que aqui realizado.
Esse embargo acadêmico se dá por diversos motivos, dentre eles, como por exemplo, a existência de um processo cautelar autônomo, ou mesmo a considerável diferença entre os requisitos autorizadores para a concessão de uma tutela antecipada ou tutela cautelar[1], o que não mais ocorre a partir do Código de Processo Civil de 2015.
Inobstante a uma perfectibilidade alcançada pela redação final do texto da codificação processual civil de 1973, como explica THEODORO JÚNIOR[2], o avanço na técnica processual fez urgir a necessidade de uma remodelação da tutela sumária, ou provisória, na perspectiva lato sensu de seu instituto, especialmente após a chamada reforma processual do ano de 1994 (Lei n.º 8.952/94)[3], responsável por quebrar a linha dorsal dessa – não tão – antiga codificação, resultando na nova redação do artigo 273[4] daquele código e de diversas mudanças na seara do processo cautelar.
Para estudiosos da área do processo civil que não acompanharam as discussões sobre esse instituto entre os anos de 2010 a 2015, anos correspondentes ao projeto do Novo CPC[5] e da aprovação do seu texto final, respectivamente, um breve “passar de olhos” no tocante ao disposto nesse instituto em ambos os códigos pode causa um certo espanto, sentimento que é ampliado de forma considerável caso esse estudioso acompanhou os movimentos de debates pela comissão encarregada pela elaboração do Código de Processo Civil de 2015.
Apraz-me instar que a efetiva compreensão do instituto da tutela provisória na perspectiva do CPC de 2015 apenas atingirá seu fim esperado na proporção de comprometimento em iniciar o estudo sobre ele do zero, todavia, sem rejeitar toda a construção processual realizada nesse instituto, afinal, é ponto chave para formular uma análise crítica desse instituto, porém, deixar-se-á à liminar, para este trabalho, discussões históricas ou qualquer outra que não tenha como fim imediato apresentar o panorama sobre tal instituto e apontar questões, de certo modo, polêmicas sobre cada uma das subespécies desse instituto após o primeiro ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, justificando nesse ponto o título deste trabalho.
1. A APRESENTAÇÃO DO INSTITUTO DA TUTELA PROVISÓRIA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015
O problema em se falar sobre tutela provisória é que o próprio objeto do estudo desse instituto remete à análise e, em especial, compreensão do que viria a ser o seu polo oposto, ora tutela definitiva.
Enquanto BRAGA, DIDIER JÚNIOR e OLIVEIRA[6] vão definir a tutela definitiva como sendo “aquela obtida com base em cognição exauriente, com profundo debate acerca do objeto da decisão, garantindo-se o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa”, sendo “predisposta a produzir resultados imutáveis, cristalizados pela coisa julgada”, de modo a prestigiar a segurança jurídica, THEODORO JÚNIOR[7], em sentido antagônico, define o que viria a ser o instituto da tutela provisória como o de "técnica de sumarização, para que o custo da duração do processo seja melhor distribuído, e não mais continue a recair sobre quem aparenta, no momento, ser o merecedor da tutela".
O antagonismo da questão persiste meramente pelo fato de, como destacado alhures, estarem em polos opostos, exclusivamente, afinal, BRAGA, DIDIER JÚNIOR e OLIVEIRA[8] acompanham a visão de THEODORO JÚNIOR[9] quando tratado acerca da tutela formulada em sede de cognição sumária.
“As atividades processuais necessárias para a obtenção de uma tutela satisfativa (a tutela-padrão) podem ser demoradas, o que coloca em risco a própria realização do direito afirmado. Surge o chamado perigo da demora (periculum in mora) da prestação jurisdicional. Em razão disso, há a tutela definitiva não-satisfativa, de cunho assecuratório, para conservar o direito afirmado e, com isso, neutralizar os efeitos maléficos do tempo: a tutela cautelar. A tutela cautelar não visa à satisfação de um direito (ressalvando, obviamente, o próprio direito à cautela), mas, sim, a assegurar a sua satisfação, protegendo-o”.
Da síntese exposta acima é possível acompanhar o raciocínio de THEODORO JÚNIOR e compreender que a característica motivadora da existência da tutela provisória seria a questão “tempo de tramitação do processo judicial”.[10]
É sabido que a duração razoável do processo é norma constitucional de característica fundamental (artigo 5º, inc. LXXVIII, da Constituição Federal)[11], tendo a mesma sido transcrita na parte das normas fundamentais processuais do Código de Processo Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), vide artigo 3º[12] desse diploma.
O problema, todavia, é que se trata de uma norma aberta, ou seja, é dotada de definição abstrata e não estipula um determinado lapso temporal para estar em consonância com “duração razoável” da relação processual. Ao passo que isso é o problema para a questão em relevo, mostra-se necessário seguir por essa linha aberta, sem delimitar um número específico, afinal, razoável será o prazo que for necessário para a produção de todas as provas necessárias para esclarecer os fatos controvertidos e relevantes para o julgamento, não podendo, nessa linha, a pretexto de acelerar o procedimento e encurtar o processo, violar o normal tramite processual.[13]
“O direito de acessar a ordem jurídica justa exige uma prestação qualificada que, dentre outros atributos, há de ser concedida em um prazo razoável. Este o teor do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45 de 2004: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. O dispositivo constitucional em comento explicita o direito fundamental a um processo com duração razoável, nos âmbitos judicial e administrativo, bem como os meios que garantam esta sua qualidade, de sorte a integrar o rol dos direitos fundamentais previstos em nossa Carca Constitucional. Considerando a inegável morosidade na tramitação dos processos no Brasil, o legislador constitucional positivou a duração razoável do processo, mas sem definir qual seria o tempo de tramitação para que se verificasse o comando constitucional – e, por certo, não poderia ser de outra forma Tem-se, portanto, um conceito indeterminado que compete à doutrina tentar encontrar a maneira de (i) aferi-lo e (ii) efetivá-lo, caso a caso, sem que se possa, a priori, fixar um número como sendo aquele o “prazo razoável”. Portanto, ainda que se considerem os critérios acima mencionados e as peculiaridades de cada causa, não é possível, de antemão, afirmar qual seria o prazo razoável de duração de determinado processo. Impõe-se, pois, nos dias atuais, a atualização e revisitação do próprio princípio do acesso à justiça, princípio este que hoje já não mais se exaure na possibilidade do exercício do direito de ação, mas abarca também, e principalmente, o direito conferido ao jurisdicionado à obtenção de uma tutela adequada à natureza do direito material controvertido e que venha a conferir ao jurisdicionado, num prazo razoável e observado o devido processo legal, exatamente aquilo a que tem direito de obter.”[14]
Nessa perspectiva, pensar-se em tutela provisória seria o mesmo de pensar num mecanismo destinado a combater o árduo lapso temporal de tramitação de um processo[15], o que não representa um mero problema organizacional de uma localidade, mas é algo generalizado em todo o Estado Brasileiro[16].
Essa questão temporal que aqui se discute influi diretamente na cognição judicial em que a decisão judicial que conceder ou não a tutela provisória estará pautada.
Numa regra semântica, tudo aquilo que é provisório será o oposto de definitivo, aliás, o definitivo é o sucedâneo natural – quiçá certo – do provisório, o que não se pode confundir por temporário.
“Temporário, em verdade, é o que dura determinado tempo. Provisório, porém, é o que por algum tempo, serve até que venha o definitivo. O temporário se define em absoluto, apenas em face do tempo; provisório, além do tempo, exige a previsão de outra cousa em que sub-rogue.”[17]
Para a relação processual, a diferença entre uma tutela jurisdicional provisória e uma tutela jurisdicional definitiva é a cognição em que se pauta, afinal, enquanto a primeira será pautada em cognição sumária, admitindo-se sua modificação, ou até mesmo extinção, a qualquer tempo – contanto que anteriormente à tutela definitiva –, a segunda, ora tutela definitiva, não poderá ser modificada, prima facie, pois fará coisa julgada material.[18]
Nessa perspectiva, é normal que versando acerca da tutela provisória, a cognição em que estará pautada, no caso cognição sumária, será, de certo modo, insegura em comparação à certeza que o julgador terá em sede de tutela definitiva, a qual é pautada em cognição definitiva, afinal, surgiram elementos (provas, alegações…) na relação processual (iter processual) no lapso entre a tutela provisória e a tutela definitiva que permitirão maior segurança ao julgador, seja mantendo ou revertendo o seu posicionamento sumário, todavia fundamentado de forma exauriente.
“A tutela provisória, como o próprio nome deduz, é aquela que ensejará uma certeza menor, pois não garante o provimento jurisdicional final. A provisoriedade da medida jurisdicional pode ser concedida pela tutela cautelar ou tutela antecipada.”[19]
O conceito acerca da estruturação do instituto da tutela provisória mostra-se exímio à tutela de urgência, a qual possui uma subdivisão em tutela provisória de urgência cautelar e tutela provisória de urgência antecipada, todavia nada expõem acerca da divisão da tutela provisória em tutela provisória de urgência e tutela provisória da evidência.
Não há de confundir – quiçá assimilar – a tutela da evidência numa mera modalidade de tutela de urgência.[20]
“O objetivo da tutela da evidência está em adequar o processo à maior ou menor evidência da posição jurídica defendida pela parte no processo, tomando a maior ou menor consistência das alegações das partes como elemento para distribuição isonômica do ônus do tempo ao longo do processo.”[21]
Assim, é basilar frisar que o instituto da tutela provisória é dividido em tutela provisória de urgência e tutela da evidência, de modo que enquanto na primeira busca-se inibir qualquer dano que a demora na prestação da tutela jurisdicional possa ocasionar, seja por via assecuratória (tutela cautelar) ou via antecipatória (tutela antecipada ou tutela satisfativa), a segunda busca conceder um direito evidente da parte.[22]
Entretanto, essa divisão será exposta e explicada de forma minuciosa nos próximos pontos deste trabalho.
2. O PRIMEIRO RAMO DO INSTITUTO DA TUTELA SUMÁRIA: A TUTELA PROVISÓRIA FUNDADA NA URGÊNCIA
Antes de avançar este estudo, mostra-se necessário a clara distinção entre a subdivisão da tutela provisória fundada na urgência e a tutela provisória fundada na evidência.
Como o próprio nome de cada instituto sugere, a tutela provisória fundada na urgência encontra respaldo numa situação de urgência de um dos jurisdicionados[23], o que não ocorre na tutela provisória fundada na evidência, afinal, está respaldada na ideia da evidência do direito da parte, ou seja, “em bases seguras para o seu acolhimento”[24].
Essa distinção mostra-se clara da leitura do artigo 300 e artigo 311, ambos do CPC[25], tutela de urgência e tutela da evidência, respectivamente.
A distinção na realidade possui uma estrita ligação com os requisitos autorizadores para a concessão de cada uma delas, afinal, enquanto na tutela de urgência, há a necessidade de demonstração de (A) perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora) e, concomitante, (B) probabilidade do direito alegado pela parte que a requer (fumus boni iuris), na tutela da evidência, é dispensada a demonstração o item (A), ou seja, a tutela da evidência será concedida quando houverem de forma concomitante o item (B) probabilidade do direito alegado pela parte que a requer e requisitos específicos para cada modalidade de evidência que possa a vir ocorrer (cada inciso do artigo 311 do CPC[26] corresponde a um respectivo requisito), todavia essa segunda será tratada de forma minuciosa em tópico específico.
Como explicam ARENHART, MARINONI e MITIDIERO[27], a adoção legislativa do texto do artigo 300 do CPC incorreu em duplo equivoco ao tentar caracterizar a urgência que fundamenta a utilização da técnica antecipatória.
“Em primeiro lugar, imaginou que a tutela antecipada só pode combater um “perigo de dano”, ignorando que, se é perfeitamente possível a obtenção de tutelas finais contra o ilícito (como a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito, art. 497, parágrafo único), deve ser obviamente possível obtê-las igualmente de maneira antecipada. Logo: a tutela antecipada serve não só para combater um “perigo de dano”, mas também um “perigo de ilícito”. Em segundo lugar, supôs o legislador que a tutela cautelar é uma tutela voltada a afastar o “risco ao resultado útil do processo” – como se o requerimento de tutela cautelar pela parte não visasse à prestação à tutela do seu próprio direito. Vale dizer: a tutela cautelar não é uma tutela para proteção do processo – como pensou a doutrina há muitas e muitas décadas atrás, embalada pela metáfora policialesca do provimento cautelar como polícia do processo. É uma tutela ao direito da parte. Nesse sentido, a compreensão do significado da locução “risco ao resultado útil do processo” só pode significar que, sem a “tutela provisória”, a tutela do direito corre o perigo de não poder ser realizada – daí a necessidade de satisfazer ou acautelar imediatamente o direito. Se o legislador quisesse ser ao mesmo tempo mais preciso do ponto de vista da estruturação do regime da “tutela provisória” e mais permeável às necessidades do direito material que cabe ao processo tutelar, poderia ter caracterizado a urgência que a fundamenta alcançando mão simples do conceito de perigo na demora. Como é intuitivo, é preciso decidir de forma provisória justamente porque não é possível conviver com a demora: sem “tutela provisória” capaz de satisfazer ou acautelar o direito, corre-se o perigo desse não poder ser realizado. O perigo na demora (periculum in mora), portanto, é o termo que traduz de maneira mais apurada a urgência no processo. O perigo na demora é suficientemente aberto, ademais, para viabilizar tanto uma tutela contra o ilícito como uma tutela contra o dano. Há perigo na demora porque, se a tutela tardar, o ilícito pode ocorrer, continuar ocorrendo, ocorrer novamente ou pode o dano ser irreparável, de difícil reparação ou não encontrar adequado ressarcimento. Daí que o “perigo na demora” para caracterização da urgência – essa leitura permitirá uma adequada compreensão da técnica processual à luz da tutela dos direitos. Pode-se proteger contra o perigo na demora mediante tutela satisfativa (tutela antecipada) ou mediante tutela cautelar. Em ambos os casos, está o juiz autorizado a tutelar atipicamente o direito, alcançando mão das providências que entender como as mais adequadas e necessárias. Embora o legislador não tenha dito isso expressamente a respeito da tutela antecipada (já que aí o que pode ou não ser feito já é delimitado pelo próprio pedido final – só se antecipa provisoriamente aquilo que se pretende definitivamente), disse-o claramente a respeito da tutela cautelar (art. 301).”[28]
Essa crítica elaborada pelos autores é realmente um problema para a tutela provisória de urgência.
Ao nosso ver, surge pela tentativa de “compactação” da tutela cautelar e da tutela antecipada, inclusive na questão dos requisitos que autorizam sua concessão, afinal, os requisitos dispostos no artigo 300 do CPC se aplicam tanto para a concessão da tutela antecipada, quanto para a tutela cautelar. Isso é um enorme problema em comparação ao CPC/1973.
Sem adentrar em pontos específicos da história das legislações – o que não é aqui o objetivo –, é de importância ressaltada destacar que na legislação processual civil revogada (Lei nº 5.869/1973) era melhor trabalhada. Essa “compactação” – quiçá instrumentalização – é questionável a partir de certo ponto, ratificando-se a fundamentação de ARENHART, MARINONI e MITIDIERO[29].
Feita essa pontual consideração, cumpre destacar que seu sistema recebe tratamento cauteloso pelo legislador, de modo a restar uma preocupação em grau elevado à prática, afinal, resta dividida noutras duas subespécies, qual seja a tutela antecipada – ou tutela satisfativa – e tutela cautelar, cada qual com objetivos específicos atuando em campos distintos.
A tutela antecipada coincide naquilo que “está sendo postulado com tutela final”[30], enquanto, a tutela cautelar, por sua vez, é associada como “meio de preservação de outro direito, o direito acautelado, objeto da tutela satisfativa”[31]
Além dessa divisão da tutela de urgência em tutela antecipada e tutela cautelar, é de suma importância destacar, e por fim, que existe uma outra divisão dentro dessas subespécies com relação ao tempus (artigo 300, § 2º, do CPC), de modo que a mesma poderá ser tanto incidental, ou seja, com/após a dedução da ação, quanto de forma antecedente, ou seja extemporânea a dedução da ação.[32]
“A “tutela de urgência” pode ser concedida liminarmente, isto é, no início do processo e sem a oitiva prévia da parte contrária, ou após justificação prévia (art. 300, § 2º, do Novo CPC). A justificação prévia, cabe anotar, é alternativa àqueles casos em que os pressupostos para a concessão da tutela de urgência não são passíveis de demonstração com a própria petição inicial (prova documental, ata notarial ou estatuto técnico), sendo o caso, por exemplo, de ouvir testemunhas ou o próprio requerente da medida, o que merece ser justificado na própria petição em que é formulado o pedido”.[33]
2.1. O PRIMEIRO BRAÇO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA: A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA (TUTELA ANTECIPADA)
A primeira subespécie de tutela provisória fundada na urgência é a denominada antecipada, ou conhecida também por satisfativa.
“A antecipação dos efeitos práticos ou externos da tutela jurisdicional tem por escopo concretizar, desde logo, os resultados perseguidos no processo, garantindo a satisfação do direito da parte mesmo antes do momento que seria próprio, a prolação da sentença definitiva, tudo como forma de homenagear os postulados da celeridade e da efetividade”.[34]
Ver-se-á a frente que a irmã germana da tutela antecipada, a tutela cautelar, é uma subespécie que se qualifica por conta de ter uma utilidade à proteção do processo e, em decorrência, do próprio direito material perseguido, de modo que mesmo útil ao fim buscado no processo, não há coincidência entre a tutela cautelar e o direito substancial pretendido, situação diversa quando se tratando acerca da tutela antecipada, afinal, nessa modalidade o direito material está diretamente ligado com a medida jurisdicional concedida, ou seja, “o que se pede e o que se concede ao requerente da tutela antecipada coincide, no todo ou em parte, com o que está sendo postulado com tutela final”.[35]
“Ocorre que a tutela cautelar destina-se a assegurar a eficácia (prática) do processo de conhecimento ou de execução, não se concedendo, portanto, o próprio bem da vida almejado, mas apenas assegurando que, uma vez reconhecido judicialmente o cabimento de tal pretensão, aí sim o bem da vida seja entregue e isto será possível porque a viabilidade do alcance do bem da vida foi protegida ou acautelada. Como já dizia Piero Calamandrei, a medida cautelar destina-se a dar tiempo a la justicia de cumplir eficazmente sua obra. Na tutela antecipada não se antecipa o provimento judicial em si (que definirá a relação jurídica), nem apenas se assegura o resultado. O que se verifica é a antecipação dos efeitos do provimento definitivo, o que é a representação do bem da vida almejado pelo autor. É a tutela satisfativa no plano dos fatos, já que realiza o direito. Conforme sustentamos anteriormente o que o autor obtém, ainda que provisoriamente, é a admissão de seu pedido mediato e não do seu pedido imediato, já que este último só na sentença é que será apreciado. Em síntese, enquanto na tutela cautelar concede-se no presente a proteção do bem da vida que provavelmente será obtido no futuro, na tutela antecipada concede-se no presente o próprio bem da vida que só provavelmente será obtido no futuro”.[36]
A fiel compreensão da singela distinção entre ambas subespécies de tutela mostra-se como fim necessário para uma construção didática, afinal, a indevida utilização de uma subespécie no lugar doutra não enseja necessariamente em prejuízo ao requerimento da tutela sumária.[37]
Essa questão se dá pela unificação dos requisitos da tutela provisória de urgência antecipada e da tutela provisória de urgência cautelar em: 1) Perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; e, 2) Elementos que evidenciem a probabilidade do direito; criou-se uma tendência de fungibilidade no caso da opção de uma dessas subespécies no lugar doutra, o vem sendo recepcionado de forma muito positiva – o que não era possível na vigência do código passado justamente pela questão da distinção entre requisitos de tutela antecipada e tutela cautelar e pela existência de um processo cautelar autônomo.[38]
Já quando se falou acerca do instituto da tutela provisória como gênero, associou-se à ideia de sumariedade na cognição judicial da decisão judicial que a conceder ou não. Nessa perspectiva, a palavra “satisfatividade” – associada também a subespécie de tutela provisória de urgência antecipada – não deve em hipótese alguma ser confundida com a palavra “definitividade”, afinal, a tutela jurídica apenas será definitiva quando fundada em sede de cognição exauriente e respeitar o devido processo legal (artigo 5º, inc. LV, da Constituição Federal de 1988)[39], o que não ocorre na tutela sumária.[40]
“A tutela somente é definitiva, dispensando a “ação principal”, quando a cognição é exauriente. A tutela satisfativa, quando de cognição sumária, exige o prosseguimento do contraditório, não só porque não pode haver coisa julgada material sem cognição exauriente (carga declaratória suficiente) como, também, porque o réu somente pode sofrer um prejuízo definitivo (que não mais pode ser questionado) em razão de uma sentença fundada em coisa julgada material”.[41]
Vislumbra-se que essas subespécies de tutela se distinguem pelo fato de, na tutela antecipada, ter por finalidade a proteção do próprio direito proporcionado a fruição do mesmo, enquanto na tutela cautelar, a finalidade é a proteção em relação ao processo, por meio de medidas que assegurem a garantia ao resultado útil do processo.[42]
A grande novidade desta espécie, e ponto primordial a ser estudado, está no fator temporal em que ela é requerida, haja vista que pode ser tanto incidental, como aqui é o caso, quanto antecedente, como será explicado alhures. Sobre essa segunda, cumpre destacar que se trata de uma subespécie relativamente recente para a terminologia jurídica, afinal, foi concebida a partir do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n.º 13.105/2015).
Após o primeiro ano de vigência do Código de Processo Civil de 2015, observa-se um problema prático quanto ao requisito indireto desta modalidade, qual seja a reversibilidade dessa tutela sumária (artigo 300, § 3º, do CPC)[43].
O dispositivo em apreço nada mais é do que uma herança mal trabalhada pelo legislativo do antigo código[44], de modo que, pensar-se pelo árduo lapso de tramitação do projeto[45] do que viria a ser o CPC de 2015, que o disposto no artigo 300, § 3º, do CPC, poderia ter sido trabalhado de forma minuciosamente a fim de comportar uma flexibilização normativa, especialmente quando o processo versar sobre direitos fundamentais, o que não ocorreu.[46]
“É óbvio que a mera indisponibilidade do direito não é suficiente para a concessão da tutela antecipada, devendo sempre o juiz analisar o efetivo preenchimento dos requisitos legais. Não é porque a operação é necessária à sobrevivência do autor que o juiz concederá, por esse simples fato, a tutela antecipada em seu favor somente porque o Plano de Saúde ou Hospital sempre poderão cobrar o valor da operação posteriormente na hipótese de revogação da tutela antecipada. E nem se fale que, nesse caso, a tutela antecipada seria admitida porque será possível ao réu converter seu eventual prejuízo em perdas e danos.”[47]
Felizmente, há entendimento favorável do Superior Tribunal de Justiça[48] consolidado à essa problemática, de modo a entender possível tal medida quando confrontado com caso análogo ao aqui exposto e dispensar esse requisito indireto da tutela provisória de urgência antecipada (incidental e antecedente).
2.2. O SEGUNDO BRAÇO DA TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA: A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CAUTELAR (TUTELA CAUTELAR)
Diferentemente da sua irmã germana, essa subespécie de tutela provisória fundada na urgência, a tutela provisória de urgência cautelar, não busca a antecipação de um provimento jurisdicional, haja vista ser seu objetivo a asseguração um direito.
“A tutela cautelar é meio de preservação de outro direito, o direito acautelado, objeto da tutela satisfativa. A tutela cautelar é, necessariamente, uma tutela que se refere a outro direito, distinto do direito à própria cautela. Há o direito à cautela e o direito que se acautela. O direito à cautela é o direito à tutela cautelar; o direito que se acautela, ou direito acautelado, é o direito sobre que recai a tutela cautelar.”[49]
Essa distinção entre tutela satisfativa e tutela cautelar não é algo demasiadamente nítido, afinal, “na redação final do novo CPC, não houve alteração substancial no que tange à caracterização e à natureza jurídica das tutelas provisórias antecipada e cautelar”[50].
Nessa perspectiva, mostra-se correto associar esta subespécie de tutela provisória fundada na urgência como um instrumento processual de cautela sobre um direito – não necessariamente correspondendo ao direito material em discussão no processo – que verse sobre pessoas[51], bens[52] e provas[53], sendo efetivada mediante “arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para assegurar um direito” (artigo 301 do CPC)[54].
Parece-me curioso a opção legislativa da redação contida no artigo 301 do Código de Processo Civil, isso pelo fato da nomeação de apenas algumas das hipóteses de cabimento desta modalidade de tutela de urgência, demonstrando no artigo, in fine, que são hipóteses que servem meramente como exemplos, ou seja, não se trata de um rol taxativo – e nem poderia, afinal, o poder de cautela restou mantido no CPC de 2015[55].
“O Novo Código de Processo Civil não prevê mais cautelares típicas, mas, em seu art. 301, prevê que a tutela cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para a asseguração do direito. Acredito que, não existindo mais as cautelares típicas no Novo Código de Processo Civil, é absolutamente irrazoável nomear algumas medidas cautelares, que podem ter até algum sentido para os que conhecem o CPC/1973, mas que com o tempo serão solenes desconhecidos dos operadores do Direito. Diante dessa realidade, causa-me extrema estranheza o art. 301 do Novo CPC prever que a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito. Ainda que se possa afirmar que a norma legal prevê forma de efetivação, e não espécies de cautelares típicas, exatamente qual a razão dessa especificação? Afinal, as cautelares típicas nos deixaram ou não? Ou nos deixaram, mas no arrependemos? Imagino um professor daqui a dez anos explicando para os alunos esse dispositivo legal, e tendo que comentar medidas – executivas ou cautelares – absolutamente estranhas ao aluno. A pergunta será óbvia: qual a exata necessidade dessa especificação, ainda mais quando o próprio dispositivo legal prevê a possibilidade de adoção de “qualquer outra medida idônea para asseguração do direito”? O professor terá que explicar tais medidas recorrendo ao CPC/1973, diploma legal há muito revogado.”[56]
A divisão entre medida cautelar nominada/típica ou inominada/atípica, em outras palavras, as medidas que estão ou não previstas no Código de Processo Civil, respectivamente, igual ao Código Buzaid (CPC de 1973)[57], poderia ter sido facilmente suprimida pelo vigente código, porém, o que não ocorreu, ou seja, (in)felizmente essa inócua divisão permanece no cenário processual contemporâneo, porém, não de forma intensa igual ao revogado código, mas com a mera previsão normativa das hipóteses.
Por fim e oportuno, vale frisar que a utilização de uma subespécie no lugar doutra não enseja no prejuízo ao requerimento da tutela sumária, pelo contrário, com a unificação dos requisitos da tutela provisória de urgência antecipada e da tutela provisória de urgência cautelar em: 1) Perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo; e, 2) elementos que evidenciem a probabilidade do direito; criou-se uma tendência de fungibilidade no caso da opção de uma dessas subespécies no lugar doutra, o vem sendo recepcionado de forma muito positiva – o que não era possível na vigência do código passado justamente pela questão da distinção entre requisitos de tutela antecipada e tutela cautelar e pela existência de um processo cautelar autônomo.[58]
“Se o legislador admite essa fungibilidade progressiva (da cautelar para a satisfativa), deve-se admitir, por analogia, a fungibilidade regressiva da satisfativa para a cautelar (da mais para a menos agressiva e rigorosa). Dessa forma, uma vez requerida tutela provisória satisfativa (antecipada) em caráter antecedente, caso o juiz entenda que sua natureza é cautelar, poderá assim recebê-la, desde que seguindo o rito para ela previsto em lei. É preciso que a decisão tenha motivação clara nesse sentido, até mesmo para que o réu saiba das consequências de sua inércia, bem mais gravosas caso o pedido seja de tutela provisória satisfativa. Fica admitida, assim, uma fungibilidade de mão dupla, exigindo-se, contudo, que venha acompanhada de conversão do procedimento inadequado para aquele que é o adequado por força de lei.”[59]
2.3. O NOVÍSSIMO SISTEMA SOBRE A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA ANTECIPADA REQUERIDA ANTES DA DEDUÇÃO DA AÇÃO (A TUTELA ANTECIPADA ANTECEDENTE)
Na mesma perspectiva do que irá ser destacado quando tratar sobre a tutela cautelar antecedente, a sistemática desta subespécie de tutela é similar ao já exposto acerca da tutela provisória de urgência de regime antecipado, ressalvado o fator de que é requerida de forma extemporânea, ou seja, “antes da dedução em juízo do pedido principal"[60]. Em outras palavras, o quesito tempus é a chave para distinguir uma tutela antecipada entre “antecedente” ou “incidental”.
Sua explicação, porém, não guarda respaldo à analogia simplista aplicada no parágrafo anterior, afinal, trata-se de algum nunca antes pensado e, em especial, presenciado na prática, tendo em vista que foi concebida a partir do Código de Processo Civil de 2015.
Para BRAGA, DIDIER JÚNIOR e OLIVEIRA, “a tutela de urgência satisfativa (antecipada) antecedente é aquela requerida dentro do processo em que se pretende pedir a tutela definitiva, no intuito de adiantar seus efeitos, mas antes da formulação do pedido de tutela final”.[61]
Nessa perspectiva, e, numa análise concomitante com a disposição do artigo 303[62] do Código de Processo Civil[63], a carta mestra de diferenciação em relação à tutela antecipada incidental seria o elemento urgência contemporânea à ação judicial propriamente dita, afinal, mesmo demonstrado o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e elementos de evidência da probabilidade do direito, não havendo a demonstração dessa “urgência urgentíssima”, a consequência lógica que se tira não seria outra se não do indeferimento da tutela antecipada antecedente.
Parece-me de uma pertinência sui generis para o momento apresentar o clássico, porém, pontual, exemplo do professor baiano Fredie Didier Júnior[64] sobre essa subespécie de tutela. Imagine-se que um aluno do último ano do ensino médio tenha sido aprovado no vestibular prestado para o curso, v.g., de Direito, porém, a sua formatura do ensino médio ocorrerá apenas após o prazo para inscrição no curso. Nessa perspectiva, caso nenhuma atitude venha a ser tomada, a probabilidade do não ingresso no curso almejado pelo formando é alta. Veja-se, então, que no exemplo há o preenchimento simultâneo dos três requisitos dispostos no artigo 303 do CPC, em especial da urgência contemporânea à propositura da ação.
Não são raros os casos, como o acima exposto, e volta DIDIER JÚNIOR explicando esse viés prático, de que cumprida a decisão concedida em sede de tutela provisória de urgência antecipada antecedente, não haverá mais qualquer interesse de ambos os envolvidos naquela relação processual no prosseguimento desse processo, com a consequente apresentação dos pedidos e aditamento da peça, de modo que se cria um mecanismo denominado de estabilização. Não há coisa julgada material ou formal, há, porém, a estabilização dos efeitos que emanaram da decisão judicial que concedeu a tutela perseguida, isso com o objetivo de conceder uma “segurança jurídica”[65] ao favorecido pela tutela sumária.
Por outro lado, e se a situação for inversa? Ou seja, há o manifesto interesse em impugnar a decisão que concedeu a tutela sumária. Nessa linha, qual seria o mecanismo processual pertinente ao caso? Aparece o primeiro problema observado acerca desta subespécie.
“Como se pode perceber, tanto no anteprojeto quanto no projeto do Senado a estabilização só ocorreria se não houvesse impugnação. No projeto da Câmara, ao contrário, a estabilização da antecipação passou a ficar condicionada à falta de interposição do recurso (no caso, agravo de instrumento). Foi o que acabou prevalecendo na redação final do novo CPC. Parece-nos que não se adotou a melhor opção nesta questão. Quando se fala em impugnar, podemos admitir a possibilidade de a controvérsia se dar, por exemplo, através da contestação. É possível que a parte não sinta necessidade de recorrer para obter imediata modificação da medida antecipada, mas sem que isso signifique concordância com ela. O seu inconformismo poderia ser manifestado no curso normal do processo em que ela foi proferida, sem provocar recurso. Entendemos que a simples manifestação de discordância seria suficiente para justificar a continuidade do processo. Afinal, a ideia de extinguir o processo e estabilizar a tutela vem do fato de que, em diversas situações, concedida a antecipação de tutela, ambas as partes se desinteressam da discussão”.[66]
Nessa perspectiva, cria-se um dilema[67] doutrinário sobre qual seria o mecanismo processual cabível para impugnar a decisão, se recurso de Agravo de Instrumento[68], se qualquer manifestação de discordância em relação à decisão[69], v.g., até mesmo, nessa segunda linha, uma petição intermediária.
Mesmo que uma das características basilares do “Novo” Código de Processo Civil é “simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como por exemplo, o recursal“[70] no objetivo de reduzir a quantidade de recursos nos Tribunais Superiores, e, por consequente, aliviar o árduo trânsito nessas instâncias[71], entende-se que o mecanismo processual a impedir essa estabilização, na proposta do Código de Processo Civil de 2015, seria o recurso de Agravo de Instrumento[72] (artigo 304, cumulado com o artigo 1.015, inc. I, do CPC)[73], mesmo que essa posição venha a contraria a premissa processual da “nova” codificação, aqui destacada[74].
BEDUSCHI e HENCKEMAIER[75], ainda, destacam outro ponto “problemático” para a subespécie ora estudada: É possível a estabilização parcial da tutela antecipada antecedente?
“A redação do art. 304 do CPC/2015, aparentemente, não contempla a hipótese de antecipação parcial (e consequente estabilização parcial) da pretensão do autor. Contudo, não é difícil imaginar situações concretas nas quais a concessão da tutela antecipada não abrange a integralidade do pleito antecipatório formulado na petição inicial: se o autor pedir, liminarmente, a retirada do seu nome dos cadastros de proteção do crédito e também a suspensão dos efeitos do protesto promovido pelo réu, e o juiz concede tão somente a primeira providência, tem-se um exemplo de antecipação parcial da tutela”.[76]
Constata-se resposta positiva ao caso em tela na proporção em que é analisada a ampliação das hipóteses de desmembramento parcial do mérito, ou seja, do objeto litigioso (v.g., artigo 356 do CPC), afinal, e em mesmo sentido, essa admissão sobre a estabilização parcial da tutela antecipada antecedente possui lógico fundamento no caso permitido na seara dos recursos quanto a impugnação parcial, como impugnação ao cumprimento de sentença, dos embargos monitórios ou embargos do executado.[77]
2.4. A TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA CAUTELAR REQUERIDA DE FORMA ANTECEDENTE: A INSURGÊNCIA DO PROCESSO CAUTELAR NO CENÁRIO CONTEMPORÂNEO DO PROCESSO? (TUTELA CAUTELAR ANTECEDENTE)
Sua sistemática é similar ao já exposto acerca da tutela provisória de urgência de regime cautelar, com a ressalva, e ponto chave para a distinção, que a presente é requerida de forma extemporânea, ou seja, “antes da dedução em juízo do pedido principal"[78]. O quesito tempus é a chave para distinguir uma tutela cautelar entre “antecedente” ou “incidental”.
Assim, “a tutela provisória cautelar antecedente é aquela requerida dentro do mesmo processo em que se pretende, posteriormente, formular o pedido de tutela definitiva, cautelar e satisfativa”, cujos objetivos estão ligados a “adiantar provisoriamente a eficácia da tutela definitiva cautelar” e “assegurar a futura eficácia da tutela definitiva satisfativa”.[79]
A distinção em relação à tutela cautelar incidente mora, também, no tocante aos requisitos para sua admissão, haja vista que aqui será necessário demonstrar a lide e seu fundamento, a breve exposição do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (artigo 305 do CPC).[80]
Sua sistemática normativa não contrariou – e nem poderia – a possibilidade de conversão ex officio motivada dessa subespécie em tutela provisória de urgência antecipada em caráter antecedente no caso de “confusão” por parte do requerente, na proporção em que requer uma no lugar doutra (artigo 305, parágrafo único, do CPC)[81], devendo-se a tese da utilização da fungibilidade de mão dupla[82] ser aplicado no caso inverso.
Há peculiaridade distintivas em relação à sua irmã (tutela antecipada antecedente), todavia, a que se mostra de significante relevância é sua não estabilização, como lá ocorre, mesmo que exista divergência nesse sentido[83].
“A diferenciação entre ambas as medidas leva a importante consequência de ordem prática: as regras de estabilização da tutela de urgência, em princípio, não valem para a cautelar, já que esta, ao acautelar o direito material, o faz temporariamente até que este possa ser satisfeito no processo principal: é difícil vislumbrar que a cautelar possa ser estabilizada neste caso, subsistindo indefinidamente seus efeitos (v.g., arresto que subsista por tempo indeterminado, retirando o bem da disposição do devedor, sem permitir, entretanto, a satisfação do direito material do credor).”[84]
Nessa visão de ANDRADE e THEODORO JÚNIOR[85], pensa-se que a característica de estabilização deve permanecer apenas com a tutela antecipada antecedente, não apenas por encaixar-se melhor[86] na referida subespécie, mas, afinal, pelo fato da tutela cautelar antecedente ter uma ligação direta em assegurar o direito da parte, ensejando na melhor conclusão de pensar na eficácia temporal dessa subespécie e não necessariamente na sua estabilização. Essa, aliás, é a linha do Código de Processo Civil (artigo 309 do CPC)[87].
Apesar da tutela provisória de urgência cautelar requerida em caráter antecedente muito lembrar ao processo autônomo cautelar que se tinha no Código de Processo Civil de 1973[88], essa conclusão não merece louvor, afinal, como aconteceu em tantos outros institutos processuais, houvera não apenas uma reformulação lato sensu nesse instituto, mas a sua inovação. O pensamento em sentido contrário, admitindo-se a ideia dessa analogia faz cair no famigerado complexo de curupira[89], o que, na perspectiva da evolução do Direito Processual Civil e do aperfeiçoamento de sua técnica[90], não pode ocorrer.
3. O SEGUNDO RAMO DO INSTITUTO DA TUTELA SUMÁRIA: A TUTELA PROVISÓRIA FUNDADA NA EVIDÊNCIA (TUTELA DA EVIDÊNCIA)
Diferentemente da outra vertente da tutela provisória, a tutela provisória de urgência, “a tutela da evidência não se funda no fato da situação geradora do perigo de dano, mas no fato de a pretensão da tutela imediata se apoiar em comprovação suficiente do direito material da parte”[91].
Veja-se que, prima facie, inexiste a necessidade de demonstração de um eminente perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo (periculum in mora), todavia, não se eximindo a necessária demonstração de elementos que evidenciem a probabilidade do direito (fumus boni iuris) de quem a requer, afinal, como o próprio nome sugere, trata-se de tutela sumária fundada no quesito evidência, há, portanto, de se evidenciar o direito do requerente.
Esta espécie foi “promovida” na sistemática no Código de Processo Civil de 2015, afinal, diferente do CPC de 1973 em que era uma mera subespécie da tutela antecipada, foi desenhada para ganhar seu espaço próprio.[92] Ademais, mostra-se não ser razoável encarar tal técnica como nova, afinal, PROTO PISANI, há mais de quatro décadas, já alertava sobre a necessidade da criação de uma tutela sumária diferenciada.[93]
“Nem no ordenamento jurídico processual brasileiro trata-se de verdadeira inovação. A tutela imediata do direito evidente já estava presente, entre outros, no procedimento monitório, nas liminares em matéria locatícia, nas demandas possessórias, nos embargos e na impugnação ao cumprimento de sentença que versam excesso de execução (CPC de 1973, arts. 739-A, § 5º, e art. 475-L, § 2º) e na própria antecipação dos efeitos da tutela prevista pelo art. 273 do CPC de 1973 em suas hipóteses do inciso II (abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu) e § 6º (incontrovérsia)”.[94]
Não é apenas necessário a demonstração de elementos que evidenciem a probabilidade do direito, requisito extrínseco, mas, todavia, a demonstração de requisitos intrínsecos de cada uma das hipóteses de insurgência desta modalidade de tutela sumária que fará com que ela seja concedida a fim de evitar possível dano marginal[95]. São as hipóteses, taxativas: I) ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte (artigo 311, inc. I, do CPC); II) as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante (artigo 311, inc. II, do CPC); III) se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa (artigo 311, inc. III, do CPC); IV) a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável (artigo 311, inc. IV, do CPC).[96]
Sem adentrar nas respectivas hipóteses, o estudo do contexto da tutela da evidência resulta em dois grandes questionamentos: I) A tutela da evidência seria o mesmo que a tutela de urgência?; II) Já que o direito do requerente é evidente, não poderia o juiz julgar antecipadamente o processo?
Sobre a primeira questão, entende-se que não, afinal, tratam-se de modalidades distintas, com hipóteses pré-definidas em cada uma, além do mais, a tutela da evidência é baseada em “altíssima probabilidade de o requerente da medida ter razão, dispensado a demonstração de perigo de dano”, o que não é possível de ser feito na tutela de urgência, frente ao fato da necessidade da demonstração desse possível dano.[97]
“Outra questão que surge seria saber se a tutela da evidência poderia ser considerada tutela de urgência. Entendemos que se trata de modalidades diferentes de tutela provisória, com hipóteses bem delimitadas para a sua concessão. A tutela da evidência é baseada apenas na altíssima probabilidade de o requerente da medida ter razão, dispensando a demonstração de perigo de dano. Assim, o que se protege é o próprio direito que salta aos olhos, que fica demonstrado pela caracterização das hipóteses previstas em lei, autorizando que o juiz o conceda imediatamente. Mas, a concessão não se dá porque há qualquer perigo de dano, mas apenas para que aquele portador de direito evidente não tenha que esperar por todo o processamento do feito para obter a satisfação de seu pleito. Por outro lado, entendemos que não cabe tutela da evidência de natureza cautelar nesse tipo de tutela. A proteção se dá para o processo, e não para o direito em si. Assim, não há que se falar em evidência do direito para possibilitar a cautela do processo. De outra banda, no nosso sentir, nada impede seja aplicado o princípio da fungibilidade entre tutela da evidência e tutela de urgência. Assim, se o requerente faz o pedido de antecipação de tutela baseado na urgência, que se revela inexistente, mas a hipótese se enquadra entre as previstas em lei para tutela da evidência, o juiz poderá deferir a medida, usando o poder geral de cautela que lhe é conferido.”[98]
Há, porém, peculiar característica entre a tutela da evidência e a tutela antecipada, haja vista que sua finalidade é similar, ou seja, antecipar o decisorium do processo para o seu momento sumário. Nessa linha, no entanto, a tutela de urgência, infelizmente, é casualmente confundida com a tutela antecipada – o que não pode ocorrer em decorrência do acima exposto – na proporção em que ela é mais usada do que se pensa. Essa “confusão”, ainda, é comum não apenas no processo civil, mas, é comum em outras searas processuais, v.g., processual penal[99]. Ela, “confusão”, também é comum de ocorrer de maneira similar para com a tutela inibitória e tutela de urgência.
Por fim, e respondendo-se a segunda indagação, a resposta para isso é mais do óbvia, afinal, caso assim fosse feito haveria clara violação à disposição constitucional e fundamental processual, no contraditório (artigo 5º, inc. LV, da CF/artigo 7º do CPC) e devido processo legal (artigo 5º, inc. LIV, da CF). Tutela da evidência de concedida em forma de cognição sumária – o que até justifica o porquê de ela estar disposta neste ensaio – e não em sede de cognição exauriente como é o caso da tutela definitiva.
“Em primeiro lugar, para que o princípio do contraditório e da ampla defesa não seja ferido. Veja-se que legislador teve um grande cuidado nesse sentido porque estabeleceu que somente nos casos II e III é que o juiz poderá decidir liminarmente. Assim, nos casos de abuso do direito de defesa, atitudes protelatórias e petição inicial instruídas com documentos suficientes dos fatos constitutivos do direito, somente após a contestação do réu é que o juiz poderá conceder a medida. O motivo é óbvio, eis que, nos dois casos, somente após a manifestação do réu é que se poderá saber se suas atitudes são protelatórias, se age com abuso do direito de defesa ou se os documentos que juntou são suficientes a conferir juízo de certeza. Ao depois, se se tratasse de julgamento antecipado de mérito, haveria flagrante inconstitucionalidade, eis que haveria julgamento de certeza sem que tivesse sido dada oportunidade ao réu para se defender, o que feriria de morte o modelo constitucional do processo.”[100]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Buscou-se, com esta brevíssima, abordagem, apresentar todo o sistema do instituto da tutela provisória a partir do Código de Processo Civil de 2015.
A tarefa de mensurar a evolução da seara da tutela provisória nas últimas décadas, especialmente da transição do Código de Processo Civil de 1973 para o de 2015 é significativamente árdua, aliás, mais árdua ainda é a tarefa de compreender perfeitamente esses movimentos de transformação da tutela sumária.
A partir do que aqui foi exposto, buscou-se, por meio de um panorama, apontar as ramificações existentes dentro do instituto da tutela provisória, isso na divisão dela em tutela de urgência e tutela da evidência, a subdivisão da tutela de urgência em tutela cautelar ou tutela antecipada, bem como, a divisão que ainda se faz nessa linha quanto ao momento em que ela é requerida, seja incidentalmente, seja antecedente.
Durante este ensaio, nas linhas e entrelinhas, apresentou-se problemas reais, existentes na doutrina e na prática, dos quais alguns nos acompanham desde a vigência do Código de Processo Civil de 2015, lá em 18 de março de 2016, bem como, outros tantos que são visíveis após esse primeiro ano de vigência do CPC/2015.
Não desmerecendo outros institutos processuais, porém, realça um grau de preocupação com a tutela provisória, afinal, serve como mecanismo processual hábil a preservar a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inc. III, da Constituição Federal de 1988), isso na proporção da constante luta contra o grande lapso temporal de tramitação do processo judicial.
Os estudos que aqui foram feitos, devem ser compreendidos e discutidos para que esse instituto processual que tanto significa à prática possa ser cada vez mais aperfeiçoado, na proporção em prestar a melhor técnica do processo aos jurisdicionados e encerrando alguns dos problemas aqui expostos.
Bacharel em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, Santa Catarina, Brasil. Autor de livros e de mais de uma dezena de artigos científicos relacionados ao Direito Processual Civil, Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional. Membro do Grupo de Pesquisa “Direitos Fundamentais, Cidadania e Diferenciação”, na Linha de Pesquisa “Acesso à Justiça, Gestão de Conflitos e Organizações”, da Universidade Regional de Blumenau (FURB). Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0168074867678392. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC).
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