O julgamento do Habeas Corpus 97.256 pelo STF, a Resolução 05/2012 do Senado Federal e o direito à pena restritiva de direitos a traficantes: algumas polêmicas

Resumo: O trabalho analisa alguns aspectos polêmicos relacionados à decisão dada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos do Habeas Corpus (HC) 97.256, no qual, por maioria, entendeu pela inconstitucionalidade da proibição de aplicação de penas restritivas de direitos a acusados por tráfico, levando o Senado Federal, por meio da resolução nº05/2012 a efetuar a suspensão da eficácia do art. 33, §4º da Lei de Tóxicos que trata do assunto.

Palavras-chave: Pena restritiva de direitos. Tóxicos. Suspensão.

Abstract: The work analysis some polemic aspects associated of decision give for Supremo Tribunal Federal (STF) in the case file of Habeas Corpus (HC) 97.256, in which, majority, understood by unconstitutionality of prohibition of punishments using restriction of rights to accused for trafficking, taking the Senate, through resolution nº05/2012 to effectuate the suspending the effectiveness of Article 33, §4º of Law Toxics who treats the subject. 

Key-words: Punishment using restriction of rights. Toxics. Suspension.

Sumário: Introdução. 1. A decisão do STF nos autos do Habeas Corpus 97.256/RS acerca da inconstitucionalidade da vedação de penas restritivas de direitos a envolvidos em tráfico. 2. O procedimento adotado pelo Senado Federal para suspensão de leis declaradas inconstitucionais pelo STF e a resolução 05/2012. 3. Algumas polêmicas surgidas com a resolução 05/2012 do Senado Federal. Conclusão. Referências Bibliográficas.

Introdução

Em julgamento do Habeas Corpus 97.256, o Tribunal Pleno do STF, por maioria, considerou inconstitucionais os dispositivos da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) que vedam a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos.

Em decorrência do trânsito em julgado da questão, por ter sido reconhecida inconstitucionalidade de artigos da Lei, seguindo comando da Carta Magna (art. 52, X), foi enviada ao Senado cópia da decisão para os fins de suspensão da execução de parte do art. 44 da Lei 11.343/2006 e do art. 33 §4º.

Em decisão no mês de fevereiro de 2012, ao analisar a questão, o Senado Federal entendeu por bem suspender a eficácia da expressão "vedada a conversão em pena restritiva de direitos" descrita no art.33, §4º a Lei 11.343/2006, passando a permitir, em casos de tráfico eventual, desde que presentes circunstâncias favoráveis, a substituição da pena corporal por restritiva de direitos.

Decorre que com tal mudança, muitas polêmicas surgiram, e com a finalidade de auxiliar na compreensão de aspectos da modificação perpetrada, o artigo pretende adentrar na análise da decisão proferida pelo STF no HC 97.256, passando pela explicação do processo de suspensão da eficácia de Leis, e pela elucidação da suspensão do art. 33, §4º pelo Senado Federal na resolução 05/2012, adentrando por fim, em algumas das polêmicas surgidas com a mudança.

1. A decisão do STF nos autos do Habeas Corpus 97.256/RS acerca da inconstitucionalidade da vedação de penas restritivas de direitos a envolvidos em tráfico

A Corte Suprema levou para análise pelo Tribunal Pleno a polêmica suscitada pela Defensoria Pública da União nos autos do Habeas Corpus 97.256, originário do Estado do Rio Grande do Sul.

Em suma, a defesa pediu pela declaração da inconstitucionalidade dos arts. 44 e 33 §4º da Lei 11.343/2006, que vedam a envolvidos com tráfico a liberdade provisória e aplicação de penas restritivas de direitos, sob alegação de que ofende as garantias constitucionais da individualização da pena (art. 5º XLVI da CRFB), da inafastabilidade de apreciação pelo Poder de Judiciário quanto a lesão ou ameaça de lesão a direito (art. 5º XXXV da CRFB), e da proporcionalidade da resposta estatal ao delito (art. 5º LIV da CRFB).

Os autos foram distribuídos os autos ao Min. Carlos Ayres Britto da primeira turma em 19 de dezembro de 2008. Após indeferimento da liminar, vista e manifestação da Procuradoria Geral de Justiça (PGJ), a turma em decisão no dia 22 de setembro de 2009 entendeu por bem levar a questão para análise diante do Plenário, uma vez que envolvia tema de repercussão nacional, sem qualquer manifestação do Pleno.

Assim, a questão foi levada a julgamento com fins de apreciação por todos os onze ministros da Corte Maior, e em decisão por maioria de votos, entenderam pela concessão parcial da ordem, para considerar inconstitucional a vedação de substituição de pena corporal em restritiva de direitos, exigindo, no caso analisado, que o juiz da execução analisasse o cabimento de pena restritiva de direitos ao paciente.

Em seu voto, o Ministro Relator ponderou que ao tratar dos Crimes Hediondos, a Carta Maior não traz qualquer restrição à conversão das penas em restritivas de direitos (art. 5º XLIII), de forma que o legislador não pode, ainda mais tratando de matéria penal, dar luz a medidas de caráter restritivo que fogem daquelas previstas na Lei Magna. Além disso, de acordo com ele, o legislativo não pode subtrair do judiciário o poder-dever de analisar o caso concreto e buscar a solução mais razoável, pois é o órgão responsável pela individualização da pena.

Ayres Britto ponderou ainda que a pena privativa de liberdade não é a única a cumprir o papel retribuição-prevenção-ressocialização, mas todas as demais previstas na Constituição também cumprem tal papel. Disse também que o Brasil foi parte em convenção que visa a adoção de penas substitutivas em tráfico (Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991), sendo certo que a possibilidade de aplicação de pena restritiva de direitos atende à previsão da norma supralegal.

Junto ao relator, votaram avalizando seus argumentos, os Ministros Ricardo Lewandowki, Gilmar Mendes,  Cezar Peluso, Dias Toffoli e Celso de Mello.

Em divergência, o Ministro Joaquim Barbosa entendeu que a vedação de substituição  da pena de prisão em restritiva de direitos está prevista em várias normas penais (como aquela que impede que haja pena restritiva de direitos em crimes cometidos com lesão ou grave ameaça), de forma que não se poderia declarar a previsão dos arts. 44 e 33 da Lei de Tóxicos inconstitucional, mesmo porque em crimes de ofensividade bem inferior (e que não são hediondos), como roubo simples ou lesão grave, tal benefício não pode ser aplicado.

A Ministra Carmem Lúcia, e os Ministros Ellen Gracie, Marco Aurélio seguiram o voto do Ministro Joaquim Barbosa, entendendo pela constitucionalidade da vedação de penas restritivas de direitos em tráfico. Ao final, o acórdão ficou assim ementado:

“EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente”. (STF- HC 97256/RS. Relator Min. Ayres Britto. Julgado pelo Pleno. Publicado em 16 de dezembro de 2010).

Transitado em julgado o habeas corpus, pelo fato de terem conhecido da inconstitucionalidade de artigo de Lei, em respeito à determinação do art. 52, X da Constituição, que confere ao Senado Federal poderes para suspender eficácia de Leis declaradas inconstitucionais pelo STF, foi enviado ofício ao Congresso em fevereiro de 2011 para que apreciasse a questão, e decidisse sobre a suspensão de parte do art. 44 e art. 33 §4º da Lei 11.343.

A seguir, para fins de elucidação, será explicado o procedimento adotado pelo Senado Federal para suspensão de eficácia de Leis, seguindo-se à explicação de pormenores no caso do HC 97.256, e à análise do conteúdo da Resolução 05/2012, que entrou em vigor no dia 15 de fevereiro.

2. O procedimento adotado pelo Senado Federal para suspensão de leis declaradas inconstitucionais pelo STF e a resolução 05/2012

Conforme previsto no art. 52, X da Carta Suprema:

Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:                                  […]

X – suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal;”

O art. 52, X, trata de norma de competência exclusiva, sendo certo que apenas o Senado Federal pode tratar do procedimento de suspensão da eficácia de Leis.

Em sua obra "Curso de Direito Constitucional Esquematizado", Pedro Lenza trata de forma objetiva do procedimento seguido na suspensão de Lei declarada inconstitucional pelo STF:

“Declarada inconstitucional a lei pelo STF, no console difuso, desde que tal decisão seja definitiva e deliberada pela maioria absoluta do pleno do tribunal (art. 97 da CF/88), o art. 178 do Regimento Interno do STF (RISTF) estabelece que será feita a comunicação, logo após a decisão, à autoridade ou órgão interessado, bem como, depois do trânsito em julgado, ao Senado Federal, paia os efeitos do art. 52, X, da CF/88. O art. 52, X, da CF/88, por sua vez, estabelece ser competência privativa do Senado Federal, mediante o instrumento da resolução, suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF. O art. 386 do Regimento Interno do Senado Federal, regulamentando o assunto, estabelece que o Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo STF, de inconstitucionalidade, total ou parcial, de lei mediante: a) comunicação do Presidente do Tribunal; b) representação do Procurador-Geral da República; c) projeto de resolução de iniciativa da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. A comunicação, a representação e o projeto a que se refere o artigo anterior deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federai, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento, isso tudo conforme o art. 387 do Regimento Interno do Senado. E o art. 388 conclui o procedimento estabelecendo que, após a leitura em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da Lei, no todo ou em parte (CF, art. 52, X). (2009, p. 182-183)[1].”

Enviado ofício ao Senado Federal em fevereiro de 2011 pela presidência do STF, foi feita a leitura em plenário nos moldes do art. 388 do Regimento Interno, e encaminhamento à Comissão de Constituição e Justiça, para formulação de projeto de resolução.

O projeto de resolução sob relatoria do senador Demóstenes Torres, entendeu pela suspensão apenas do art. 33 §4º da Lei de Drogas, sob alegação de que o art. 44, que também fora declarado inconstitucional, poderia se destinar àqueles que são considerados de maior periculosidade, causando incongruência, conforme trecho citado a seguir:

“[…] penso que o decreto legislativo a ser editado pelo Senado Federal deve abranger, tão somente, a declaração de inconstitucionalidade que atinge expressão presente no § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 2006. Deixando permanecer plenamente eficaz o trecho que veda a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, presente no art. 44 da referida Lei, já que destinado aos traficantes de drogas que não têm o perfil de baixa periculosidade delineado no § 4º do art. 33. É que no § 4º do art. 33 da Lei 11.343, de 2006, existe uma incongruência grave. Pois, ao mesmo tempo em que a lei reconhece o menor potencial ofensivo do crime de tráfico cometido por agente primário, de bons antecedentes e que não se dedique às atividades nem integre organização criminosa, com isso prevendo a redução da pena de 1/6 a 2/3, impede a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Aqui, de fato, a restrição carece de sistematicidade. Nessa hipótese se justifica a edição do decreto legislativo, com vistas suspender a execução do trecho, presente no § 4º, do art. 33, da Lei 11.343, de 2006, “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”.[2]

Em seguida, tendo passado por votação junto à Comissão de Constituição e Justiça (art. 91, II do RISF[3]), o projeto foi promulgado pelo Presidente do Senado Federal em 15 de fevereiro de 2012, in verbis:

R E S O L U Ç Ã O Nº  5, DE 2012

Suspende, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.

O Senado Federal resolve:

Art. 1º É suspensa a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS.

Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Senado Federal, em 15 de fevereiro de 2012.”

Com início de vigência da resolução, a polêmica existente nos Pretórios acerca da aplicação de Pena Restritiva de Direitos a envolvidos com tráfico perdeu a razão de ser, pois por ter efeito erga omnes (válido para todos) e ex nunc (sem retroagir para aplicação em casos pretéritos), passou ser passível de aplicação em qualquer caso concreto, desde que presentes condições favoráveis.

A opção do Senado Federal por não suspender a eficácia da parte do art. 44 da Lei de Tóxicos, que também trata da vedação a pena restritiva de direitos, não tem razão de ser, pois a aplicação do benefício apenas é devida em penas de até 4 anos, e quando presentes condições favoráveis, algo que em regra não se estende aos traficantes de maior periculosidade.

A resolução, que passou a permitir expressamente a ponderação do magistrado na aplicação de penas restritivas de direitos, tem gerado grande polêmica na interpretação, criando inúmeras situações a serem ponderadas gradativamente.

No intuito de contribuir com a reflexão sobre algumas polêmicas surgidas, a seguir serão lançados alguns questionamentos sobre o tema proposto.

3. Algumas polêmicas surgidas com a resolução 05/2012 do Senado Federal

A promulgação da resolução 05/2012 do Senado Federal, que trata da suspensão do art. 33, §4º da Lei 11.343/2006 ainda é bastante recente, sendo certo que a hermenêutica judicial está as voltas com as primeiras aplicações da resolução.

Denota-se em análise ao repositório de jurisprudência de alguns dos Tribunais, que a modificação tem sido bem aceita, e aplicada pelas Câmaras conforme arestos exemplificativos a seguir:

“Apelação Criminal TRÁFICO DE DROGAS Recurso da defesa – Conjunto probatório que inviabiliza o pedido de absolvição – Depoimentos de policiais Necessidade de prestigiar o testemunho do agente público, mormente quando não há razão para infirmá-lo Circunstâncias da prisão, quantidade e forma de acondicionamento da droga que desautorizam a desclassificação para o art. 28, da Lei Antidrogas Reprimenda. Redução. Presentes os requisitos do § 4º, do art. 33, da Lei Antidrogas – Substituição da pena privativa de liberdade. Possibilidade. Resolução n. 5, do Senado Federal Apelo Ministerial Majoração da pena-base. Impossibilidade. Natureza da droga já considerada na tipificação do crime. Ausência de gravidade concreta da conduta a justificar o aumento da base Parcial provimento ao recurso da defesa, desprovendo-se o ministerial.” (TJSP- Apelação Criminal 0002951-98.2011.8.26.0157. Relatora Des. Rachid Vaz de Almeida. Publicado em 08 de maio de 2012).

“EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE. TRÁFICO DE DROGAS EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. PEQUENA QUANTIDADE DE MACONHA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS. POSSIBILIDADE. JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS SUPERIORES E RESOLUÇÃO Nº 5, DO SENADO FEDERAL. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. 1. A jurisprudência atual dos tribunais superiores, respaldada pela Resolução nº 5, do Senado Federal, pela qual foi excluída a expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos” do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, entende possível a substituição da pena corporal. 2. Embargante que teve a pena base aplicada no mínimo legal porque consideradas favoráveis as circunstâncias judiciais, bem como fixada a fração máxima de redução porque presentes os requisitos do parágrafo retromencionado, preso com 6,43g de maconha, substância de menor potencial ofensivo, tem direito à concessão do benefício. 3. Embargos providos.” (TJDF- Embargos Infringentes Criminais  2011.00.2.013033-0. Relator Des. João Batista Teixeira. Publicado em 19 de abril de 2012).

“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – TRÁFICO DE ENTORPECENTES – PROVA DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS – DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS MILITARES – RELEVÂNCIA – CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE- CAUSA DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO ART.33, §4º DA LEI DE TÓXICOS – POSSIBILIDADE – RESOLUÇÃO Nº 05/2012 DO SENADO FEDERAL – SUBSTITUIÇÃO POR PENAS RESTRITIVAS DE DIREITO NO TRÁFICO – POSSIBILIDADE – RECURSO PROVIDO. I – Se a prova dos autos, em seu conjunto, aponta para a materialidade e a autoria do delito de tráfico em desfavor do réu, ainda que haja peremptória negativa de autoria, não há que se falar em absolvição. II – Os depoimentos testemunhais dos policiais envolvidos na prisão do réu, desde que harmônicos com o contexto probatório e não maculados por interesses particulares, são idôneos pra embasar a condenação. III – Presentes os requisitos previstos no art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, deve ser concedida ao réu a respectiva minorante. IV – A grande quantidade de droga apreendida desautoriza a redução em patamar máximo relativo à causa de diminuição de pena prevista no art.33, §4º da Lei 11.343/06. V – Considerando a edição da Resolução nº 05/2012 pelo Senado Federal, nos termos da competência privativa estabelecida no art.52, X da Constituição da República, resta possibilitada a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito aos condenados por tráfico de drogas. […]” (TJMG- Apelação Criminal 0025728-62.2010.8.13.0452. Relator Des. Adilson Lamounier. Publicado em 23 de maio de 2012).

“Apelação Criminal TRÁFICO DE ENTORPECENTE Conjunto probatório que inviabiliza o reconhecimento da tese de absolvição por insuficiência de provas – Depoimento dos policiais Necessidade de prestigiar o testemunho do agente público, mormente quando não há razão para infirmá-lo Desclassificação. Impossibilidade. Oitiva extrajudicial de testemunha afirmando que iria comprar drogas do acusado. Quantidade, diversidade e forma de acondicionamento das drogas Redução da pena. Necessidade Substituição da pena privativa de liberdade. Possibilidade. Resolução n. 5, do Senado Federal – Apelo parcialmente provido.” (TJSP- Apelação Criminal 0004715-18.2011.8.26.0320. Relatora Des. Rachid Vaz de Almeida. Publicado em 08 de maio de 2012).

“EMENTA: TRÁFICO DE DROGAS – ABSOLVIÇÃO PELA AUSÊNCIA DE PROVAS – IMPOSSIBILIDADE – MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS – DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS RESPONSÁVEIS PELA PRISÃO EM FLAGRANTE EM CONSONÂNCIA COM OS DEMAIS ELEMENTOS DE PROVA – SÓLIDO CONTEXTO PROBATÓRIO – LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO – CONDENAÇÃO MANTIDA – SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS – NECESSIDADE – RESOLUÇÃO Nº 05/2012 DO SENADO FEDERAL – RECURSO PROVIDO EM PARTE. – Para não se crer nos relatos extremamente coerentes dos policiais, civis ou militares, necessário seria a demonstração de seus interesses diretos na condenação do agente, seja por inimizade ou qualquer outra forma de suspeição, pois, se de um lado o acusado tem razões óbvias de tentar se eximir da responsabilidade criminal, por outro, os policiais, assim como qualquer testemunha, não tem motivos para incriminar inocentes, a não ser que se prove o contrário, ônus que incumbe à Defesa. – Os depoimentos dos policiais militares responsáveis pela prisão em flagrante, não contraditados, aliados às circunstâncias da prisão do agente, à prova material coligida aos autos e aos demais indícios, são suficientes para se revelar a existência do tráfico ilícito de drogas e sua autoria, em conformidade com o sistema do livre convencimento motivado. – Diante da Resolução nº 05, de 15 de fevereiro de 2012, do Senado Federal, nos crimes de tráfico de drogas, estando presentes os requisitos do art. 44 do CP, de rigor a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.” (TJMG- Apelação Criminal 0488842-25.2011.8.13.0079. Relator Des. Alberto Deodato Neto. Publicado em 25 de maio de 2012).

“RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL ­ TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS ­ RECURSO MINISTERIAL ­ PLEITO DE AFASTAMENTO DA MINORANTE DO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS ­ IMPOSSIBILIDADE, NO CASO ­ SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, EX OFFICIO ­ RECURSO NÃO PROVIDO. O condenado por tráfico ilícito de drogas, que preenche os requisitos do art. 33, § 4º, da Lei 11.343/06, faz jus à redução da reprimenda. A resolução nº 5, de 2012, promulgada pelo Senado Federal, suspendeu a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos", contida no art. 33, § 4º, da Lei de Drogas, reconhecendo a repercussão geral do HC n.º 97256/RS. Sendo a pena da condenação inferior a quatro anos e não tendo sido o crime cometido com violência ou grave ameaça contra a pessoa, possível é a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. Apelação conhecida e não provida, com a substituição da reprimenda, ex officio.” (TJPR- Apelação Criminal 8719075 PR 871907-5. Relator Des. Jorge Wagih Massad. 5ª CACRIM. Julgado em 19 de abril de 2012).

“Tráfico de drogas “privilegiado”: possibilidade de substituição de pena e fixação de regime mais brando. A Corte Superior, por maioria, decidiu no presente incidente de uniformização de jurisprudência que é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a fixação do regime inicial de cumprimento de pena mais brando do que o fechado, em se tratando de condenação nas sanções do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Este entendimento firmado pela Corte segue o posicionamento do Supremo Tribunal Federal adotado no HC nº 97.256/RS, de Relatoria do Ministro Ayres Britto. O Relator do incidente, Des. Antônio Carlos Cruvinel, ressaltou que a proibição abstrata da conversão viola o princípio da individualização da pena e subtrai do Magistrado a possibilidade de ponderar as singularidades objetivas e subjetivas de cada caso concreto.” (TJMG- Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 1.0145.09.558174-3/003, Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel, DJe de 22/09/2011).

Sem dúvida alguma, a maior polêmica surgida a partir da resolução 05/2012 do Senado Federal, diz respeito à aplicação retroativa de seus efeitos, para que aqueles condenados anteriormente possam ser beneficiados.

A decisão dada pelo STF teve efeitos ex nunc[4], sendo certo que em tese, não deve retroagir para que a modificação seja aplicada em casos pretéritos.

Acontece, que por força do princípio constitucional da retroatividade da Lei benéfica (art. XL da CRFB), grande discussão surgirá no sentido da aplicação da previsão nova em casos nos quais há sentença em definitivo.

Portanto, a Resolução 05/2012, numa interpretação ampliativa, poderia ter efeitos retroativos mesmo com entendimento do Pretório Excelso em sentido contrário?

Data venia, necessário considerar que sim, uma vez que o STF, ainda que trate do órgão máximo de interpretação da Carta Maior, não pode negar vigência a princípios fundamentais como o da retroatividade da Lei Penal benéfica.

Em caso similar, no qual por meio de resolução o Ministério da Saúde deixou de constar o cloreto de etila na lista de substâncias psicotrópicas por alguns dias, o STF, no HC 94.397, por exemplo, considerou que em razão disso, todos aqueles que foram condenados por tráfico de drogas em razão da venda de lança-perfume deveriam ter extinta a punibilidade[5].

Portanto, conclui-se que se a resolução tem previsão penal mais benéfica, sua aplicação deve ser estendida a casos pretéritos, para fins de análise do cabimento de pena restritiva de direitos se a pena é inferior a 4 anos.

Assim, nos casos com trânsito em julgado em que é possível a substituição da pena, necessário que o juiz da execução penal, utilizando-se do previsto no art. 66, I, da LEP[6] (Lei 7.210/84), analise a situação, através de simples requerimento feito pelo advogado. O agravo ou habeas corpus, apenas serão cabíveis em caso de negativa do magistrado ou indeferimento.

A segunda polêmica a ser equacionada, e também fruto de ampla divergência, diz respeito à possibilidade de aplicação de regime de cumprimento de pena mais brando a condenados por tráfico eventual não beneficiados pela substituição da pena.

Nesse contexto, importante citar trecho de voto do Desembargador Alexandre Victor de Carvalho, membro da 5ª Câmara Criminal do TJMG, que em julgamento de recurso de Apelação interposto pela defesa de acusado de tráfico eventual, entendeu pela ausência de hediondez no delito, através dos brilhantes argumentos a seguir:

“O artigo 2º, caput, e § 1º, da Lei 8072/90, com a redação modificada pela Lei 11.464/07, e o artigo 44 da Lei 11343/06 não são ofendidos pela fixação do regime aberto para o recorrente. Ao contrário, são rigorosamente observados. Explico. Começo a análise pela redação literal do artigo 44 da Lei Antidrogas, que rege especificamente o crime de tráfico ilícito de drogas, considerado pela Constituição Federal como delito equiparado a hediondo. Está no dispositivo, verbis: Art. 44 – Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. Verifica-se da simples leitura do texto legal que não houve referência à figura típica derivada prevista no § 4º do artigo 33 da Lei Antidrogas, sendo certo que se a norma do artigo 44 abarcasse o denominado tráfico privilegiado não haveria a necessidade de o legislador expressar a vedação da substituição de pena no próprio § 4º, como é de singela constatação. Destarte, infere-se tanto do texto acima mencionado, quanto da redação do § 4º, que a intenção foi a de dar um tratamento especial a uma hipótese que difere completamente da incriminação contida no caput e no § 1º do artigo 33. Pode-se concluir, portanto, que o tráfico ilícito de drogas, como crime equiparado a hediondo, na forma preconizada pelo art. 5º, XLIII, da Constituição Federal, e pelo artigo 2º, caput, da Lei 8.072/90, abrange, tão-somente, as figuras típicas previstas no caput e § 1º do artigo 33 da Lei 11.343/06, pois o artigo 44 da Lei Antidrogas, que regulamenta o dispositivo constitucional suso indicado, apenas se refere a tais hipóteses de tráfico, excluindo as demais, como, por exemplo, as previstas nos §§ 3º e 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06. Portanto, como afirmei alhures, o artigo 44 da Lei Antidrogas não é ofendido pelo estabelecimento do regime mais brando, como também não resta afetado o artigo 2º, caput e § 2º, da Lei dos Crimes Hediondos, pela singela razão de que a figura privilegiada de tráfico, prevista na moldura do § 4º do artigo 33 da Lei 11.343/06, não retrata crime similar a hediondo, mas sim tipo penal incriminador não etiquetado como tal, extraindo-se essa conclusão pelo princípio da legalidade. Há outros argumentos, além desse principal, que afastam o caráter de hediondo do delito de tráfico privilegiado. O privilégio não se harmoniza com a hediondez. São conceitos incompatíveis, antagônicos. Não se pode ter por repugnante, asqueroso, nojento, um tipo derivado benéfico, cuja estrutura indica um crime menor, mais brando, merecedor de tratamento penal benigno. O denominado tráfico privilegiado merece resposta penal menos gravosa exatamente porque se considera que o agente se envolveu ocasionalmente com esta espécie delitiva, não é reincidente, não ostenta maus antecedentes, não se vincula a qualquer organização criminosa e não faz da prática de crimes, em especial de crimes contra a saúde pública, seu meio de vida, não está a usufruir, costumeiramente, dos lucros desta atividade ilícita. À semelhança do que ocorre com o homicídio qualificado-privilegiado, o legislador, no âmbito da Lei 8.072/90, não elencou o tráfico privilegiado como crime similar ao hediondo, inexistindo motivo razoável para que o primeiro delito não seja crime hediondo e o segundo tenha tal configuração, porquanto a natureza de ambos é idêntica. É de ser lembrado velho brocardo jurídico-penal segundo o qual onde existe a mesma razão de decidir deve ser gerada a mesma solução. Outro argumento para se afastar a natureza de hediondez do crime de tráfico privilegiado é que malgrado a Constituição Federal impeça a graça e a Lei 11.343/06 ponha óbice ao indulto em relação ao tráfico ilícito de entorpecentes, na qualidade de delito equiparado ao hediondo, o Presidente da República, por meio do Decreto 6.706, de 22/12/2008, concedeu indulto, sob determinadas condições, a condenados pelo crime do artigo 33, § 4º, da Lei Antidrogas, reforçando a tese de que o tráfico privilegiado encontra-se completamente fora do elenco dos delitos hediondos e a estes equiparados. Assim, não há qualquer ofensa ao disposto na Lei 8.072/90 e ao artigo 44 da Lei 11.343/06 ao se estipular o regime inicial de cumprimento de pena como aberto.” (TJMG- Voto Vista do Des. Relator Alexandre Victor de Carvalho nos autos da Apelação Criminal 1.0024.08.964625-1/001(1). Publicada em 12 de abril de 2010).

Ao analisar a decisão da Corte Suprema no HC 97256, depreende-se que houve reconhecimento do necessário tratamento mais brando daqueles condenados por tráfico eventual, sendo certo que em razão disso, não podem ser penalizados da mesma forma que aqueles que respondem pelas demais condutas previstas no art. 33 da Lei 11.343/2006. Segundo o Ministro Relator:

“[…] mesmo no plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro,  é conferido  tratamento  diferenciado  ao  tráfico  ilícito  de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceiramento. E o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991, que prevê, na alínea "c" do § 4o do art. 3º: "Não obstante o disposto nos incisos anteriores, nos casos apropriados de infrações de caráter menor, as Partes poderão substituir a condenação ou sanção penal pela aplicação de outras medidas tais como educação, reabilitação ou reintegração social, bem como, quando o delinqüente é toxicômano, de tratamento e de acompanhamento posterior".” (STF- HC 97256/RS. Relator Min. Ayres Britto. Julgado pelo Pleno. Publicado em 16 de dezembro de 2010).

De fato, percebe-se que a Carta Mãe não traz vedação a qualquer dos institutos despenalizadores quando versa sobre o tráfico eventual. A Lei 8.072/90 que trata dos crimes hediondos, nada diz acerca do tráfico eventual, e por ser necessária interpretação restritiva, tal delito não pode ser interpretado como fazendo parte do rol de crimes hediondos. Portanto, uma vez inexistente restrição legal à progressão de regime conforme previsão da LEP, a regra a ser aplicada deve ser a de cumprimento de 1/6 da pena (art. 112 da LEP).

O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em julgamento de incidente de uniformização de jurisprudência já citado acima, entendeu pela quebra da hediondez do tráfico eventual, conforme ementa a seguir:

“Tráfico de drogas “privilegiado”: possibilidade de substituição de pena e fixação de regime mais brando. A Corte Superior, por maioria, decidiu no presente incidente de uniformização de jurisprudência que é possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, bem como a fixação do regime inicial de cumprimento de pena mais brando do que o fechado, em se tratando de condenação nas sanções do art. 33, § 4º, da Lei nº 11.343/06. Este entendimento firmado pela Corte segue o posicionamento do Supremo Tribunal Federal adotado no HC nº 97.256/RS, de Relatoria do Ministro Ayres Britto. O Relator do incidente, Des. Antônio Carlos Cruvinel, ressaltou que a proibição abstrata da conversão viola o princípio da individualização da pena e subtrai do Magistrado a possibilidade de ponderar as singularidades objetivas e subjetivas de cada caso concreto.” (TJMG- Incidente de Uniformização de Jurisprudência nº 1.0145.09.558174-3/003, Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel, DJe de 22/09/2011).

Assim, evidente que deve ser reconhecido o direito a aplicação de regime de pena mais brando de forma justificada,[7] em caso de não ser possível substituição da pena por restritiva de direitos. Também necessária aplicação da progressão prevista na Lei de Execuções Penais (art. 112), pois inaplicáveis as disposições da Lei de Crimes Hediondos. Nesse sentido julgado do TJES:

“APELAÇAO CRIMINAL – TRÁFICO DE DROGAS – AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE COMPROVADAS – DOSIMETRIA DA PENA CORRETA – SUBSTITUIÇAO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS – POSSIBILIDADE – DECLARAÇAO DE INCONSTITUCIONALIDADE DAS VEDAÇÕES LEGAIS EXISTENTES EM SEDE DE CONTROLE CONCRETO PELO STF – CONCESSAO DE EFEITO ERGA OMNES PELO SENADO FEDERAL – ANÁLISE DO ART. 44, DO CÓDIGO PENAL – INCISO III NAO ATENDIDO – VARIEDADE, QUANTIDADE E NATUREZA DAS DROGAS APREENDIDAS – CIRCUNSTÂNCIAS DO CRIME – RECURSO DESPROVIDO – REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DE PENA – ANÁLISE DOS ARTS. 33 E 59, AMBOS DO CÓDIGO PENAL EM CONJUNTO COM O ART. 42, DA LEI 11.343/06 – CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO QUE ENSEJAM A FIXAÇAO DO REGIME INICIAL SEMIABERTO DE OFÍCIO. 1. É possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos aos condenados por tráfico de drogas, visto que serem inaplicáveis as vedações existentes nos artigos 33, 4º e 44, ambos da Lei 11.343/06, ao passo que a análise de cada caso concreto é que irá apontar a necessidade, ou não, da substituição da pena, em conformidade com o decidido pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no habeas corpus nº 97.256/RS, de relatoria do Min. Carlos Ayres Britto, que declarou a inconstitucionalidade destes dispositivos, em sede de controle concreto, o qual teve o efeito erga omnes conferido pelo Senado Federal, por força da Resolução nº 5, de 15 de fevereiro de 2012.2. Muito embora os apelantes tenham preenchido o requisito objetivo, previsto nos incisos I e II, do art. 44, do Código Penal, vislumbra-se que o inciso III, da citada norma penal, não encontra-se configurado, diante da apreensão de significativa quantidade de variados entorpecentes – crack e cocaína – e da conduta desenvolvida por estes – comércio de drogas efetuado por 03 (três) pessoas -, fatos que denotam a insuficiência da substituição da pena para a reprovação do crime perpetrado.3. A fixação do regime inicial de cumprimento de pena para os condenados por tráfico de drogas deve observar o disposto no artigo 33, 2.º e 3.º, c.c. art. 59, ambos do Código Penal, e o insculpido no art. 42, da Lei 11.343/06, de modo que o estabelecimento do regime inicial fechado deve ser devidamente fundamentado. No caso, apesar de os apelantes preencherem o requisito objetivo para a fixação do regime inicial aberto, se faz necessário, com base na análise das circunstâncias do caso já discutidas quando do pleito de substituição da pena, o estabelecimento do regime inicial semiaberto.4. Recurso a que se nega provimento, e, de ofício, fixa-se o regime inicial semiaberto para cumprimento de pena.” (TJES, Classe: Apelação Criminal, 35090059763, Relator : SÉRGIO BIZZOTTO PESSOA DE MENDONÇA, Órgão julgador: PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Julgamento: 11/04/2012, Data da Publicação no Diário: 04/05/2012)

A terceira polêmica está relacionada ao instituto da liberdade provisória.

Com as modificações perpetradas por meio da Resolução 05/2012 do Senado Federal, nos casos em que cabalmente perceptível tratar de tráfico eventual, continua sendo proporcional a decretação de prisão preventiva?

Levando em conta o fato de que ao final do processo, diante do benefício previsto no art. 33 §4º da Lei de Tóxicos o acusado terá aplicada uma pena inferior a 4 anos que será substituída por restritiva de direitos, fica evidente que é totalmente desproporcional a manutenção de segregação cautelar, eis que fere o princípio da homogeneidade, conforme brilhante entendimento do prof. Paulo Rangel em seu "Direito Processual Penal":

“Homogeneidade: A medida cautelar a ser adotada deve ser proporcional a eventual resultado favorável ao pedido do autor, não sendo admissível que a restrição à liberdade, durante o curso do processo, seja mais severa que a sanção que será aplicada caso o pedido seja julgado procedente. A homogeneidade da medida é exatamente a proporcionalidade que deve existir entre o que está sendo dado e o que será concedido. Exemplo: admite-se prisão preventiva em um crime de furto simples? A resposta é negativa. Tal crime, primeiro, permite a suspensão condicional do processo. Segundo, se houver condenação, não haverá pena privativa de liberdade face à possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos. Nesse caso, não haveria homogeneidade entre a prisão preventiva a ser decretada e eventual condenação a ser proferida. O mal causado durante o curso do processo é bem maior do que aquele que, possivelmente, poderia ser infligido ao acusado quando de seu término.” (2008, p. 659-660).

Sobre o mesmo assunto, Luiz Flávio Gomes anota que:

“Quando se vislumbra que, no final, não será imposta a prisão, não se justifica a medida cautelar da prisão (CPP, art. 282 §2º). Que sentido tem prender uma pessoa no curso da instrução criminal se, no final, não será imposta a pena de prisão. Impõe-se assegurar a liberdade provisória do acusado quando logo se vislumbra que, no final, não haverá pena privativa de liberdade. Com base no princípio da homogeneidade das medidas cautelares não se admite permaneça o réu preso em razão do processo penal que poderá resultar, ao final, em uma pena que não vai conduzir o condenado para a cadeia. É desproporcional e nada homogêneo decretar a prisão preventiva quando já se sabe que será imposta uma pena alternativa.” (Prisão e medidas cautelares, 2011, p. 55).

Portanto, depreende-se que não é proporcional, justificável, correta, a aplicação da medida mais gravosa, se ao final a pena a ser aplicada será provavelmente substituída por restritiva de direitos.

Daí depreende-se que naqueles casos em que as circunstâncias são favoráveis ao indiciado, deve o juiz, ao receber o flagrante, substituir a prisão por outras das medidas cautelares previstas no art. 319 do CPP.

Por mais que seja necessária a manutenção da tão aclamada " ordem pública", ela jamais pode sobrepor ao direito de liberdade do acusado, ainda mais quando presentes circunstâncias amplamente favoráveis, e a presunção de que ao final a segregação não se manterá.

Logo, após a edição da Resolução 05/2012 pelo Senado Federal, ao analisar o cabimento da prisão preventiva em casos de nítida incidência do art. 33 §4º da Lei 11.343/2006, o magistrado deve necessariamente atentar para a natureza completamente inidônea do édito segregatório, diante do provável cabimento ao final do processo, de pena restritiva de direitos.

Considerações Finais

A modificação discutida acabou por gerar inúmeras querelas que vêm sendo equacionadas gradativamente pelos Tribunais.

O reconhecimento do tráfico eventual como crime menos grave pelo STF, trata de decisão que vai em encontro ao princípio da proporcionalidade. Não é correto que vendedores de pequena monta, quase sempre envolvidos em razão do vício, sejam penalizados como aqueles que praticam a traficância em larga escala e visando ostentar grande lucro.

Lado outro, parece contrassenso permitir que pessoas envolvidas ao tráfico sejam mantidas fora das grades, pois a possibilidade de que voltem a cometer o mesmo crime é imensa. Contudo, não cabe ao Poder Judiciário a realização de indagações vagas e imprecisas. Se a atividade continuar, a pessoa será novamente presa e não fará jus aos benefícios do tráfico eventual.

As polêmicas surgidas após promulgação da resolução 05/2012 pelo Senado Federal vêm sendo gradativamente analisadas pelos pretórios locais e logo estarão em julgamento junto à Corte Maior. Contudo, denota-se que o posicionamento brando mantido em relação ao delito de tráfico eventual, deve ser a regra na análise das questões suscitadas.

 

Referências bibliográficas:
BITTENCOURT, Cézar. Código Penal Comentado. São Paulo: Saraiva, 2004.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2004.
DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. São Paulo: Impetus, 2009.
GOMES, Luiz Flávio & MARQUES, Ivan Luís (coord.). Prisão e medidas cautelares: comentários à Lei 12.403, de 4 de maio de 2011.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1976. (Vol. II.)
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2009.
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal. São Paulo: Atlas, 2005.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2008.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
Notas:
[1] Ainda sobre o assunto, comentários complementares de Alexandre de Moraes em seu "Direito Constitucional": " O Regimento Interno do Senado Federal prevê, em seu art. 386, que o Senado conhecerá da declaração, proferida em decisão definitiva pelo Supremo Tribunal Federal, de inconstitucionalidade, total ou parcial de lei mediante: comunicação do Presidente do Tribunal; representação do Procurador-Geral da República; projeto de resolução de iniciativa da comissão de constituição, justiça e cidadania. A comunicação, a representação e o projeto acima referidos deverão ser instruídos com o texto da lei cuja execução se deva suspender, do acórdão do Supremo Tribunal Federal, do parecer do Procurador-Geral da República e da versão do registro taquigráfico do julgamento. Uma vez lida em plenário, a comunicação ou representação será encaminhada à comissão de constituição, justiça e cidadania, que formulará projeto de resolução suspendendo a execução da lei, no todo ou em parte. Há, doutrinariamente, discussões sobre a natureza dessa atribuição do Senado Federal ser discricionária ou vinculada, ou seja, sobre a possibilidade de o Senado Federal não suspender a executoriedade da lei declarada inconstitucional, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal, pela via de defesa. Ocorre que tanto o Supremo Tribunal Federal, quanto o Senado Federal, entendem que esse não está obrigado a proceder à edição da resolução suspensiva do ato estatal cuja inconstitucionalidade, em caráter irrecorrível, foi declarada in concreto pelo Supremo Tribunal; sendo, pois, ato discricionário do Poder Legislativo, classificado como deliberação essencialmente política, de alcance normativo, no sentido referido por Paulo Brossard, de que "tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém exercer a competência, a ele e só a ele atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. No exercício dessa competência cabe-lhe proceder com equilíbrio e isenção, sobretudo com prudência, como convém à tarefa delicada e relevante, assim para os indivíduos, como para a ordem jurídica". Assim, ao Senado Federal não só cumpre examinar o aspecto formal da decisão declaratória da inconstitucionalidade, verificando se ela foi tomada por quorum suficiente e é definitiva, mas também indagar da conveniência dessa suspensão. A declaração de inconstitucionalidade é do Supremo, mas a suspensão é função do Senado. Sem a declaração, o Senado não se movimenta, pois não lhe é dado suspender a execução de lei ou decreto não declarado inconstitucional, porém a tarefa constitucional de ampliação desses efeitos é sua, no exercício de sua atividade legiferante. Porém, se o Senado Federal, repita-se, discricionariamente, editar a resolução suspendendo no todo ou em parte lei declarada incidentalmente inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, terá exaurido sua competência constitucional, não havendo possibilidade, a posteriori, de alterar seu entendimento para tornar sem efeito ou mesmo modificar o sentido da resolução. Ressalte-se, por fim, que essa competência do Senado Federal aplica-se à suspensão no todo ou em parte, tanto de lei federal, quanto de leis estaduais, distritais ou municipais, declaradas, incidentalmente, inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal." (2008, p.713-715).
[2] Parecer oriundo do gabinete do senador Demóstenes Torres. Disponível em: http://www6.senado.gov.br/mate-pdf/100978.pdf. Acesso em 13 de maio de 2012.
[3] Disponível em: http://www.senado.gov.br/legislacao/regsf/RegInternoSF_Vol1.pdf. Acesso em 13 de maio de 2012.
[4] […] Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente. (STF- HC 97256/RS. Relator Min. Ayres Britto. Julgado pelo Pleno. Publicado em 16 de dezembro de 2010). (grifou).
[5] “Tráfico de entorpecentes. Comercialização de ‘lança‑‑perfume’. Edição válida da Resolução/Anvisa 104/2000. (…) Abolitio criminis. Republicação da resolução. Irrelevância. Retroatividade da lei penal mais benéfica. (…) A edição, por autoridade competente e de acordo com as disposições regimentais, da Resolução/Anvisa 104, de 7‑12‑2000, retirou o cloreto de etila da lista de substâncias psicotrópicas de uso proscrito durante a sua vigência, tornando atípicos o uso e tráfico da substância até a nova edição da resolução, e extinguindo a punibilidade dos fatos ocorridos antes da primeira portaria, nos termos do art. 5º, XL, da CF.” (HC 94.397, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 9‑3‑2010, Segunda Turma, DJE de 23‑4‑2010.)
[6] Art. 66. Compete ao juiz da execução:
I – aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer modo favorecer o condenado;
[7] Súmula 719 do STF: "A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea."

Informações Sobre o Autor

Pedro Henrique Santana Pereira

Licenciado e bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de São João del-Rei e professor de Filosofia. Bacharel em Direito pelo Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo Neves e pós-graduado em direito público. Advogado militante.


Equipe Âmbito Jurídico

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