Resumo: O presente artigo tem por objetivo demonstrar a preponderância do fator financeiro existente no contrato de leasing, como forma de elidir a incidência do ISS sobre tais operações, em razão de que o imposto passível de incidência é o IOF. Para tanto, serão expostas orientações doutrinárias, jurisprudenciais e legais capazes de comprovar a tese proposta.
Palavras-chave: Leasing. Operação de Crédito. Financiamento. ISS. IOF.
Abstract: This article aims to manifest the preponderance of financial fator the existing leasing as a way to circumvent the incidence of such operations on “ISS”, on the grounds that the tax liable is “IOF”. Able doctrinal guidelines, jurisprudential and legal will be exposed in order to prove the proposal thesis.
Keywords: Leasing. Credit Operation. Financing. ISS. IOF.
Sumário: Introdução. 1) O leasing financeiro e a preponderância do financiamento. 2) A questão do valor residual garantido (VRG). 3) A Lei Complementar nº 101/2000 e a Medida Provisória nº 449/2008. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente artigo abordará o contrato de leasing financeiro, especialmente no que concerne a sua tributação.
O estudo proposto demonstra-se relevante, mormente em razão de que representa o delineamento de um novo rumo (teórico e jurídico) acerca da matéria, a qual parece já estar sedimentada em nossos Tribunais.
Através de uma abordagem crítica, busca-se demonstrar a preponderância do caráter de financiamento que o leasing financeiro possui e, em consequência disso, o tributo aplicável à espécie será o IOF em detrimento do ISS.
Assim, ante a possibilidade da existência de um novo fôlego, capaz de dar ao menos sobrevida à discussão travada, é que o presente trabalho procura traçar as semelhanças que o arrendamento mercantil financeiro possui com operações de financiamento para que, dessa forma, seja possível enquadrar tal modalidade contratual como uma operação de crédito, afastando, portanto, a possibilidade de incidência do ISS.
1) O LEASING FINANCEIRO E A PREPONDERÂNCIA DO FINANCIAMENTO
Afora as demais modalidades de leasing, o mais conhecido pelo consumidor brasileiro é o denominado arrendamento mercantil financeiro, também conhecido por leasing financeiro ou leasing bancário.
O leasing financeiro é uma operação em que o proprietário (arrendador, empresa de arrendamento mercantil) de um bem móvel ou imóvel cede à terceiro (arrendatário, cliente, comprador) o uso desse bem por prazo determinado, recebendo em troca uma contraprestação.
Esta operação se assemelha a um financiamento que utiliza o bem como garantia e que pode ser amortizado em um determinado número de prestações periódicas (denominada de contraprestação), acrescidos do valor residual garantido e do valor devido pela opção de compra, sendo este último, no caso, inexpressivo ou sequer existente.
André Luiz Santa Cruz Ramos traz a seguinte definição:
“O leasing financeiro é a modalidade típica de arrendamento mercantil, em que o bem arrendado não pertence à arrendadora, mas é indicado pelo arrendatário. Ela então deverá adquirir o bem indicado para depois aluga-lo ao arrendatário. Veja-se que nessa espécie de leasing, como a arrendadora tem um alto custo inicial, em razão da necessidade de adquirir o bem indicado pelo arrendatário, as prestações referentes ao aluguel devem ser suficientes para a recuperação desse custo. Por isso, caso seja feita a opção final de compra pelo arrendatário, o valor residual será de pequena monta.”[1]
Elencados tais conceitos, nota-se, além disso, que o aludido contrato é o que se apresenta de forma mais usual para o consumidor e caracteriza-se como uma relação jurídica complexa, uma vez que se ampara numa simbiose das operações de locação, venda e financiamento.
Na linha do acima expendido, especialmente no que diz respeito às figuras jurídicas que integram o arrendamento mercantil financeiro e a incidência tributária, José Eduardo Soares de Melo destaca:
“O STJ firmara diretriz de que “o ISS incide na operação de arrendamento mercantil” (Súmula n. 138), tendo a LC 87/96 gravado parcialmente o leasing com o ICMS (LC 87/96, art. 3º, VIII) relativamente à venda do bem arrendado ao arrendatário.
A pretendida segregação de atividade no leasing constitui deformação jurídica, por se tratar de negócio em que não se pode cogitar de desmembramento das figuras que o integram (locação, mercantil e financeira), o que repeliria a exigência do ISS e do ICMS.”[2] (grifo nosso)
Destaca-se, no ponto, que a ideia acima transcrita se encaixa perfeitamente quando o assunto é ISS e IOF, ou seja, dividir o leasing conforme as características (indissociáveis) que o compõe, como forma de em determinados momentos haver a incidência de um ou outro tributo, configura-se como inaceitável.
Ultrapassada essa questão, sem se olvidar que a figura jurídica aqui estudada é uma relação jurídica complexa, evidencia-se que no leasing financeiro, de fato, há a preponderância do caráter de financiamento, posto que, segundo Itamar Dutra, “a empresa de leasing não tem outro interesse a não ser reaver o valor investido na aquisição do bem, acrescido da competente remuneração financeira do empreendimento.”[3] (grifo nosso)
No mesmo rumo, pode-se citar as palavras de Arnaldo Rizzardo, o qual também entende que o leasing financeiro
“Tem como característica identificadora e mais saliente o financiamento que faz o locador. Ou seja, o fabricante ou importador não figuram como locadores. Há uma empresa que desempenha este papel, a cuja finalidade ela se dedica. Ocorre a aquisição do equipamento pela empresa de leasing, que contrata o arrendamento com o interessado.(…)
No leasing financeiro domina o sentido do financiamento.”[4] (grifo nosso)
O mencionado autor destaca, ainda, que
“O caráter financeiro é, assim, percebido na atividade pela qual o empresário ou vendedor consegue junto a uma instituição financeira o numerário para adquirir a coisa para o uso do financiado.
Se consegue o numerário para uma finalidade na qual se encerra não só uma pretensão à compra, mas uma efetiva compra, e, depois, constituindo as prestações a amortização do valor emprestado para a compra, a operação é, realmente, um financiamento.”[5] (grifo nosso)
De igual forma, Rodolfo de Camargo Mancuso entende que o leasing financeiro é “aquele em que se registra decisiva influência do aporte financeiro na operação, atuando como instrumento para a viabilização do negócio.”[6]
Para Fábio Ulhoa Coelho, “No tocante à discussão sobre a sua natureza bancária, é inequívoco que o exercício da opção de compra pelo arrendatário importa na caracterização do pagamento dos aluguéis como verdadeiro financiamento.”[7]
Além de tudo o que acima foi dito, não se pode esquecer que no julgamento do RE 592.905-1/SC, o já aposentado Ministro Eros Grau, relator do voto condutor, afirma, cabalmente, que há a preponderância do caráter de financiamento nas operações de leasing financeiro. Abaixo se transcreve parte de seu voto:
“O leasing financeiro é a modalidade clássica ou pura de leasing e, na prática, certamente a mais utilizada. Dessa espécie é a operação referida no recurso que cuidamos. Nessa modalidade, a arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor e entrega seu uso e gozo ao arrendatário, mediante pagamento de uma contraprestação periódica, ao final da locação abrindo-se a este a possibilidade de devolver o bem à arrendadora, renovar a locação ou adquiri-lo pelo preço residual combinado no contrato. No leasing financeiro prepondera o caráter de financiamento e nele a arrendadora, que desempenha a função de locadora, surge como intermediária entre o fornecedor e o arrendatário.”[8] (grifo nosso)
Importante destacar que no referido julgamento, embora tenha se reconhecido a preponderância do caráter financeiro do leasing, assentou-se, de forma no mínimo curiosa, que “financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir”. Com a devida vênia, configura-se equivocada a aludida afirmação, haja vista que financiamento não é serviço, é operação financeira, espécie do gênero operação de crédito a qual é passível de incidência do IOF. Nesse sentido cita-se o seguinte precedente:
“CONFLITO DE COMPETÊNCIA. "LEASING". CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. FRAUDE EM CONTRATO DE ''LEASING''. ARTIGO 19 DA LEI Nº 7.492/1986. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. 1. O contrato de arrendamento mercantil ("leasing") é espécie do gênero financiamento e a fraude, nesse contrato, caracteriza o delito previsto no artigo 19 da Lei nº 7.492/1986. 2. Assim, a competência para processar e julgar a respectiva ação penal é da Justiça Federal, por atingir o Sistema Financeiro Nacional. 3. Conflito procedente, competente a Justiça Federal.”[9]
Vale dizer, inclusive, que a conclusão externada pela Suprema Corte, com todo o respeito, incorre em erro de silogismo, ou seja, as premissas elencadas pelo ilustre Ministro, como acima demonstrado, não tem o condão de confirmar as ilações constantes no voto.
Ressalvada a confusa conclusão externada pelo Supremo Tribunal Federal, o mesmo não ocorrendo com as premissas constantes no voto condutor da questão, Fábio Konder Comparato, citado por P. R. Tavares Paes, seguindo o desdobramento lógico dos pontos que se pretende demonstrar com o presente trabalho, diz que no leasing, “a causa do negócio é sempre o financiamento de investimentos produtivos.”[10]
E para finalizar, P. R. Tavares Paes ainda menciona a opinião de Mauro Brandão Lopes, o qual defende a posição de que
“Há negócio indireto quando as partes recorrem, em determinado caso concreto, a um contrato típico, nominado, para conseguir, por meio dele, não somente os seus efeitos normais, mas também fim diverso daquele que decorreria de sua estrutura peculiar. É exatamente o caso do leasing: os efeitos normais de todo contrato de arrendamento são desejados pelas partes e por meio dele, como fim indireto, querem também o financiamento, que é a razão de ser do negócio indireto.”[11] (grifo nosso)
Vencida tal questão, impende observar que o caráter bancário (e financeiro) ostentado pelo contrato em comento também decorre do amplo controle regulador que o Conselho Monetário Nacional detém, através do Banco Central, sobre as operações de arrendamento mercantil financeiro. A título de exemplo cita-se os seguintes artigos (extraídos da Lei nº 6.099/1974):
“Art 6º O Conselho Monetário Nacional poderá estabelecer índices máximos para a soma das contraprestações, acrescida do preço para exercício da opção da compra nas operações de arrendamento mercantil.
Art 7º Todas as operações de arrendamento mercantil subordinam-se ao controle e fiscalização do Banco Central do Brasil, segundo normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, a elas se aplicando, no que couber, as disposições da Lei número 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional.
Art. 8o O Conselho Monetário Nacional poderá baixar resolução disciplinando as condições segundo as quais as instituições financeiras poderão financiar suas controladas, coligadas ou interdependentes que se especializarem em operações de arrendamento mercantil.(…)
Art 23. Fica o Conselho Monetário Nacional autorizado a:(…)
a) expedir normas que visem a estabelecer mecanismos reguladores das atividades previstas nesta Lei, inclusive excluir modalidades de operações do tratamento neIa previsto e limitar ou proibir sua prática por determinadas categorias de pessoas físicas ou jurídicas;
b) enumerar restritivamente os bens que não poderão ser objeto de arrendamento mercantil, tendo em vista a política econômica-financeira do País.”[12]
Nessa toada, não se pode olvidar do disposto no art. 4º da Resolução BACEN nº 2.309/1996, in verbis:
“Art. 4º As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional, devendo constar obrigatoriamente de sua denominação social a expressão "Arrendamento Mercantil".”[13] (grifo nosso)
Justamente pelo fato de o contrato de leasing envolver direta ou indiretamente uma operação de crédito, ele é controlado pelo Banco Central através da resolução acima citada, bem como segue normas baixadas pelo Conselho Monetário Nacional, aplicando, quando for o caso, a Lei n. 4.595/64 e a legislação posterior atinente ao sistema financeiro nacional.
E é nesse sentido que Luiz Mélega, citado por Arnaldo Rizzardo, “sobreleva o caráter financeiro lembrando ser a entidade arrendadora uma sociedade financeira…”[14].
Assim, em face de tudo o que acima foi dito, é possível concluir, com cômoda segurança, que em se tratando da espécie contratual aqui estudada, é o IOF o imposto aplicável à espécie em detrimento do ISS, uma vez que é a característica de financiamento que prepondera no contrato de leasing financeiro, e, aliado a isso, tal característica se reforça em razão do efetivo e intenso controle que o Conselho Monetário Nacional possui sobre operações dessa natureza.
2) A QUESTÃO DO VALOR RESIDUAL GARANTIDO (VRG)
Inicialmente, destaca-se, nas palavras de Rodolfo de Camargo Mancuso,
“que o tema ora versado restringe-se ao leasing financeiro, já que no tocante ao operacional o inc. IV do art. 6º da Res. Bacen 2.309/96, redação da Res. 2.465/98, em harmonia com o art. 7º, inc. VII e alíneas daquela primeira Resolução, manda que naquela segunda modalidade “não haja previsão de pagamento de valor residual garantido.”[15] (grifo nosso)
E a afirmação acima não é difícil de ser entendida, pois sendo o leasing financeiro um contrato onde o arrendatário, na maioria esmagadora dos casos, tem a intenção em adquirir o bem objeto da avença, é natural que a empresa arrendante receba a totalidade do valor do equipamento arrendado através da contraprestação (parcela referente à utilização do bem) e do Valor Residual Garantido (que é diluído nas prestações mensais e representa o retorno do investimento feito, acrescido do lucro pretendido).
Já no leasing operacional, a arrendatária não tem, ao menos em tese, a intenção de adquirir o bem ao final do contrato. Assim, após a utilização do bem pelo prazo contratual, a arrendatária poderá exercer a opção de compra pelo valor de mercado, que é chamado de Valor Residual, o qual não se confunde com Valor Residual Garantido, posto que este somente existe no leasing financeiro em razão da antecipação de seu pagamento, funcionando como uma espécie de garantia do pagamento do valor residual.
No mesmo rumo, Fábio Ulhoa Coelho, ao traçar distinções entre o leasing financeiro e o operacional, esclarece que “A principal diferença diz respeito ao valor do resíduo a ser pago pelo arrendatário ao término do contrato, caso opte pela aquisição do bem: expressivo no operacional e inexpressivo no financeiro.”[16]
Resumidamente, pode-se dizer que o leasing financeiro, objeto do estudo aqui proposto, é aquele em que inexiste Valor Residual Garantido expressivo, ou seja, para exercitar a opção de compra o arrendatário desembolsa quantia geralmente de pequeno valor.
Nesse contexto, percebe-se que a inexpressividade do Valor Residual Garantido, que é pago ao final, decorre de sua diluição ao longo da avença e tal peculiaridade, sobremaneira, aproxima o arrendamento mercantil, na modalidade financeira, de um financiamento bancário.
Dito isso, faz-se referência à Portaria MF nº 564, de 3 de novembro e 1978, do Ministério da Fazenda, a qual conceitua o Valor Residual Garantido como o
"preço contratualmente estipulado para o exercício da opção de compra, ou valor contratualmente garantido pela arrendatária como mínimo que será recebido pela arrendadora na venda a terceiros do bem arrendado, na hipótese de não ser exercida a opção de compra.”[17] (grifo nosso)
Por sua vez, Itamar Dutra entende que o Valor Residual Garantido é “um saldo residual previamente fixado no contrato, para que haja o completo ressarcimento à arrendadora do valor investido acrescido das despesas e do lucro que pretendeu auferir com a operação.”[18] (grifo nosso)
Fixado tal conceito, é importante mencionar que a Resolução BACEN nº 2.309/1996, em seu art. 7º, inciso VII, alínea “a” permite que o Valor Residual Garantido possa ser pago em qualquer momento durante a vigência do contrato. Nessa linha, infere-se que esta parcela pode ser paga de forma: a) antecipada, b) diluída, c) final ou d) mista. Revela ainda que, independente da forma escolhida, o pagamento do Valor Residual Garantido não caracteriza o exercício da opção de compra.
No ponto, destaca-se que a questão, afeta à antecipação do Valor Residual Garantido como forma de descaracterização do contrato de leasing, foi muito debatida nos tribunais vindo a ser pacificada através do julgamento do EREsp 213.828/RS[19], o qual deu origem à súmula 293, que assim dispõe: “A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.”[20]
O que se deduz da conclusão acima é o fato de que o pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não se confunde com a opção de compra, contudo, seu pagamento se revela como condição para o exercício da referida opção, situação esta que revela a preponderância da característica financeira do arrendamento mercantil.
E condição, nas palavras de Flávio Tartuce, “é o elemento acidental do negócio jurídico, que faz o mesmo depender de um evento futuro e incerto.”[21]
Cézar Fiuza, por seu turno, destaca que
“São condicionais os atos jurídicos cujos efeitos, ou seja, a criação modificação ou extinção de direitos e deveres, estiverem subordinados ao implemento de condição. Em outras palavras, o ato só produzirá efeitos dependendo de evento futuro e incerto, que poderá ou não ocorrer.”[22] (grifo nosso)
Nessa senda, havendo o implemento da condição desde o seu princípio, resta fatalmente evidenciado que a opção de compra foi feita de forma determinante logo de início. Significa dizer que ninguém, em plena faculdade mental, cumpre uma condição sem querer fazer uso dos benefícios dela advindos.
Nesse mesmo sentido é o entendimento externado por André Luiz Santa Cruz Ramos, o qual entende que o Valor Residual Garantido cobrado de forma antecipada e diluída nas prestações representa a antecipação da opção de compra, ou seja, “é como se a opção de compra fosse feita no início do contrato, e não ao seu término, como deveria ser, em tese.”[23]
Além do que acima foi dito, igualmente é possível afirmar que o Valor Residual Garantido, além de não se confundir com a opção de compra, sendo, na verdade, condição para tal exercício, constitui-se na garantia do arrendador de que os custos incorridos com a operação serão recuperados ao fim do contrato, acrescidos da margem normal de lucro, ou seja, é a garantia de retorno do investimento realizado, caso não exercida a opção de compra.
E esse é também o entendimento trazido por Jorge R. G. Cardoso, citado por Rodolfo de Camargo Mancuso, o qual entende que
“é característica do ‘leasing financeiro’, denominado entre nós de ‘arrendamento mercantil’, a recuperação pelo arrendador da totalidade do capital empregado na aquisição do bem arrendado, ocorrendo tal recuperação pelo recebimento não só das contraprestações como também pelo recebimento quer do preço da opção quer do valor de venda a terceiros que, se for o caso, será complementado pelo arrendatário para atingir o mínimo estipulado contratualmente.”[24] (grifo nosso)
Sendo certo que a antecipação do Valor Residual Garantido não descaracteriza o contrato de leasing, quer no âmbito entre os particulares como perante o Fisco, e que o Valor Residual Garantido não se confunde com opção de compra, revelando-se como uma condição implementada de forma antecipada e garantidora do retorno do investimento realizado, conclui-se que o leasing financeiro, através da análise feita acerca do Valor Residual Garantido, também revela o seu fator preponderante, que é o seu caráter financeiro.
Ademais, é necessário mencionar, inclusive, conforme se verifica empiricamente, que a intenção das partes (na esmagadora maioria dos contratos de leasing financeiro) é no sentido de utilizar essa espécie contratual para a aquisição de determinado bem, ou seja, como verdadeiro financiamento. E, em sendo assim, vale mencionar conhecido dispositivo regulador dos negócios jurídicos entre particulares:
“Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.”[25] (grifo nosso)
Neste diapasão, diferente não pode ser o entendimento acerca da preponderância do caráter financeiro existente na modalidade contratual em comento, pois, quer sob o aspecto destacado no item anterior, quer sob a análise da questão atinente ao Valor Residual Garantido, é firme a conclusão de que se trata de uma operação financeira passível de incidência do IOF.
3) A LEI COMPLEMENTAR Nº 101/2000 E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº 449/2008
Consubstanciado nas considerações feitas nos tópicos anteriores e partindo da premissa de que a interpretação sistemática do direito recomenda que as definições utilizadas por determinados ramos do direito sejam utilizadas com o mesmo sentido pelos demais ramos, como meio de evitarem-se incoerências ao sistema, tem-se a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que em seu art. 29 assim dispõe:
“Art. 29. Para os efeitos desta Lei Complementar, são adotadas as seguintes definições:(…)
III – operação de crédito: compromisso financeiro assumido em razão de mútuo, abertura de crédito, emissão e aceite de título, aquisição financiada de bens, recebimento antecipado de valores provenientes da venda a termo de bens e serviços, arrendamento mercantil e outras operações assemelhadas, inclusive com o uso de derivativos financeiros;[26] (grifo nosso)(…)”
A conclusão que se pode tirar do acima exposto ruma no sentido de que a Lei de Responsabilidade Fiscal considerou a operação de arredamento mercantil como uma espécie de financiamento, a qual é pertencente ao gênero operação de crédito.
Somado a isso, destaca-se, ainda, que, justamente por tais operações estarem inseridas dentro do que se define como operações de crédito, conforme acima exposto, não existe a possibilidade de que o ISS incida, uma vez que o inciso III do artigo 2º da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003 excepciona a situação em tela, in verbis:
“Art. 2o O imposto não incide sobre:(…)
III – o valor intermediado no mercado de títulos e valores mobiliários, o valor dos depósitos bancários, o principal, juros e acréscimos moratórios relativos a operações de crédito realizadas por instituições financeiras.[27] (grifo nosso)(…)”
E não se diga que as empresas arrendadoras não se configurariam, em tese, como uma instituição financeira, pois conforme o já mencionado art. 4º da Resolução BACEN nº 2.309, de 28 de agosto de 1996,
(…) “As sociedades de arrendamento mercantil devem adotar a forma jurídica de sociedades anônimas e a elas se aplicam, no que couber, as mesmas condições estabelecidas para o funcionamento de instituições financeiras na Lei nº 4.595, de 31.12.64, e legislação posterior relativa ao Sistema Financeiro Nacional” (…)[28] (grifo nosso)
Considera-se relevante mencionar, também, sob o ponto de vista hermenêutico e levando em consideração a preponderância do caráter financeiro já destacado em tópico anterior, o art. 110 do Código Tributário Nacional, o qual dispõe o seguinte:
“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”[29] (grifo nosso)
A importância do referido artigo reside justamente na seara interpretativa em razão da preponderância do aspecto financeiro do contrato de leasing, isto é, se a característica mais saliente do aludido contrato é a financeira (“conceitos e formas de direito privado”), não pode a lei tributária (v.g. LC 116/2003) deturpar, ou até mesmo contrariar, o mencionado atributo a fim de fazer incidir exação diversa daquela constitucionalmente prevista.
Prestados os esclarecimentos acima e seguindo a linha de desdobramento lógico do presente trabalho, cita-se a Medida Provisória 449, de 3 dezembro de 2008, a qual, dentre outras providências, trouxe em seu bojo importantes alterações que se relacionam a tributação das operações de leasing financeiro. São elas:
“Art. 40. A Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, passa a vigorar acrescida do art. 1º-A: (Vigência)
Art. 1º-A. Considera-se operação de crédito, independentemente da nomenclatura que lhes for atribuída, as operações de arrendamento cujo somatório das contraprestações perfaz mais de setenta e cinco por cento do custo do bem.
Parágrafo único. No porcentual do caput inclui-se o valor residual garantido que tenha sido antecipado. (NR)
Art. 41. O inciso I do art. 2º da Lei no 8.894, de 21 de junho de 1994, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)
“I – nas operações de crédito:
a) o valor total das contraprestações registrado pela pessoa jurídica arrendadora, na data da contratação, acrescido do valor residual garantido;
b) o valor do principal que constitua o objeto da obrigação, ou sua colocação à disposição do interessado, nas demais operações;” (NR)
Art. 42. O inciso I do art. 3º do Decreto-Lei no 1.783, de 18 de abril de 1980, passa a vigorar com a seguinte redação: (Vigência)
“I – nas operações de crédito, as instituições financeiras ou as pessoas jurídicas arrendadoras;” (NR)(…)
Art. 66. Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação, exceto quanto ao disposto nos arts. 40 a 42, que passam a vigorar a partir da publicação do regulamento a ser editado pelo Poder Executivo.”[30] (grifo nosso)
Em relação à medida provisória acima transcrita, o Ministério da Fazenda, através de nota à imprensa, expos suas justificativas no tocante à novel tributação incidente sobre as operações de leasing financeiro, vejamos:
“05/12/2008
NOTA À IMPRENSA – Medida Provisória nº. 449
Em relação aos artigos 40, 41 e 42 da Medida Provisória nº 449, de 4 de dezembro de 2008, que tratam da incidência de Imposto sobre Operações Financeiras – IOF, o Ministério da Fazenda esclarece:
1. A inserção do art. 1º A na Lei nº 6.099, de 1974, foi efetuada visando corrigir uma distorção no mercado, que utiliza o instituto de leasing para, na verdade, efetuar operações de crédito direto ao consumidor.
2. O leasing financeiro é de fato uma operação de crédito e, portanto, precisa ser submetido à regulação inclusive do ponto de vista tributário.
3. Tratando-se de ajuste que visa aperfeiçoamento do sistema, não decorre disto o aumento automático e imediato da incidência do IOF, já que os efeitos das alterações dependem de regulamentação pelo Poder Executivo, nos termos do art. 66 da MP nº 449.
4. Assim, os referidos artigos não tem eficácia imediata, não gerando quaisquer efeitos enquanto não regulamentados. A regulamentação por parte do Poder Executivo só ocorrerá no momento em que as condições macroeconômicas a exigirem.
Fonte: Assessoria de Comunicação Social – GMF”[31] (grifo nosso)
Logo após a edição de tal medida, embora necessitasse ela de regulamento do Poder Executivo para haver sua completa eficácia (denotando uma natureza extrafiscal, “pois além de servir para a arrecadação tributária federal, serve de instrumento para o controle e intervenção de setores da economia nacional”[32]), houve quem dissesse que está uma reles medida provisória desrespeitando uma lei complementar (a LC 116/2003).
Todavia, tais afirmações são deveras equivocadas, em razão de que, na verdade, caso de fato houvesse alguma espécie de desrespeito legal, seria a LC 116/2003 que teria desrespeitado a LC 101/2000, ou seja, mesmo havendo uma conceituação, especial e anterior, do que na verdade consistiria uma operação de arrendamento mercantil, vem uma lei, posterior e inespecífica, tributar determinada situação de forma indevida.
Fala-se em suposto desrespeito legal, conforme acima citado, posto que a Lei Complementar nº 101/2000 não conflita, em princípio, com a Lei Complementar 116/2003 (antinomia). Antes disso, elas se complementam no ponto em que expressamente excepcionam as operações de crédito do âmbito de incidência do ISS. A primeira conceitua o que possa ser considerada uma operação de crédito. A segunda dispõe de forma explícita acerca da não incidência do imposto sobre referidas operações.
Há, por certo, uma contradição interna, no próprio corpo da Lei Complementar nº 116/2003, no ponto em que veio unicamente arrolar o contrato de leasing como fato gerador do ISS. Todavia, a fraqueza do enunciado reside justamente na impossibilidade de sua compreensão, dado que o legislador não expõe quais seriam os efeitos assemelhados entre o contrato de leasing e a atividade de prestação de serviços. Presume-se que o legislador tenha adotado como parâmetro o contrato de locação de bens móveis, contudo, a possibilidade de incidência do ISS nesta situação já foi rechaçada pela Suprema Corte[33] [34].
No ponto, enfatiza-se o fato de que na LC 116/2003 não há, em todo o seu regramento, qualquer justificativa para a inclusão das operações de leasing (em especial o financeiro) como passíveis de tributação. Apenas há, de forma totalmente aleatória e desarrazoada, a inclusão do contrato aqui estudado em uma lista anexa a lei em comento.
Seguindo essa tônica, pontuais são as palavras de Rogério de Miranda Tubino:
“No entanto, a mera existência de previsão legal de que o leasing sujeita-se ao ISS não é suficiente para legitimar referida cobrança, já que para fazer jus a tal tributação, deve haver necessariamente um serviço, conforme o conceito constitucionalmente construído.”[35] (grifo nosso)
Acredita-se que a ausência de justificativa plausível se deve à total impossibilidade jurídica de enquadramento do leasing financeiro no conceito de prestação de serviço, posto que, segundo José Eduardo Soares de Melo, “O cerne da materialidade do ISS não se restringe a “serviço”, mas a uma prestação de serviço, compreendendo um negócio (jurídico) pertinente a uma obrigação de “fazer”, de conformidade com as diretrizes de direito privado”.[36] (grifo nosso)
O mencionado autor continua, dizendo o seguinte:
“A exclusividade do ISS sobre a prestação de serviço deve apartar-se da incidência de outros tributos (como é o caso do ICMS ou do IOF), concernentes a específicas atividades, ainda que simultâneas ou complementares.(…)
Entretanto, esta regra não deve ser aplicada no caso de o serviço ser considerado como atividade-meio (etapa de operação mercantil ou financeira), sem autonomia da obrigação principal. É a hipótese das entidades bancárias que tem finalidade a concessão de crédito (operação afeta ao IOF); situação em que a abertura de conta-corrente pertinente ao financiamento representa elemento integrante do mencionado negócio, não constituindo serviço distinto que possa sujeitar-se ao ISS.”
Outra questão que poderia causar polêmica seria o fato de que a incidência de IOF estaria sendo instituída por medida provisória, situação que, em tese, afrontaria o princípio da legalidade. No entanto, nos dizeres de Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, argumentos dessa natureza se configuram questão superada.
“Embora muitos doutrinadores hajam defendido que as medidas provisórias não seriam instrumento válido para instituir ou majorar tributos, essa não foi a orientação trilhada pelo STF, que firmou posição no sentido de que “medida provisória, tendo força de lei, é instrumento idôneo para instituir e modificar tributos e contribuição sociais” (RE 138.284; AGRAG 236.976).”[37] (grifo nosso)
Todavia, é cediço que a medida provisória em tela, quando de sua conversão na Lei 11.941, de 27 de maio de 2009, não carregou em seu texto os artigos 40, 41, 42 e 66 acima mencionados. Cumpre mencionar, inclusive, que não há justificativa legal, expressada na mensagem de veto constante na referida lei, capaz de explicar as razões de sua não inclusão no texto legal final.
A partir de tais dados, é possível inferir que pelo mesmo motivo que as operações de arrendamento mercantil ainda não são devidamente tributadas pela União, é que os artigos em questão foram, estrategicamente, retirados durante o trâmite legislativo, ou seja, por conveniência política, fiscal e econômica, as operações de arrendamento mercantil, na modalidade financeira, também não sofrem a incidência do IOF.
No ponto, reputa-se relevante esclarecer que a “não-incidência” “é a não-ocorrência de fato gerador, porque, ou não há lei, ou se há, então a lei não prevê a hipótese de incidência específica e precisa (lacuna) para o evento verificado.”[38] (grifo nosso)
E esta é a situação que se observa nas operações de arrendamento mercantil financeiro, ou seja, a Lei nº 6.099/74 (que dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil, especial, portanto) nada dispõe acerca da incidência do IOF ou ISS.
A premissa acima se confirma justamente pelo fato de que um dos objetivos da Medida Provisória 449/2008 era o de caracterizar precisamente a hipótese de incidência do IOF sobre as operações de arrendamento mercantil, incluindo definições exatas e claras na legislação específica atinente ao leasing e ao IOF.
E além de tudo o que já foi dito, conforme já mencionado alhures, por ser o leasing um negócio jurídico complexo (locação, venda e financiamento, sendo este último o preponderante) não se pode tencionar seu fracionamento a fim de fazer incidir diversas espécies tributárias, uma vez que eventual segregação, na verdade, repeliria a exigência de tributos diversos, no caso, o ISS e o IOF.
O correto é a verificação do caráter preponderante constante nas operações de arrendamento mercantil financeiro, a fim de que se torne possível aferir qual é a exação que deve incidir no caso em questão.
Nesse sentido, sendo certo que a característica de financiamento é a que mais se destaca nas operações de leasing financeiro, conclui-se que se o IOF não é atualmente aplicável em tais operações, isso ocorre por questões de política fiscal e econômica, razão pela qual não pode o ente municipal, aproveitando-se dessa proposital lacuna, fazer incidir o ISS, sob pena de, assim o fazendo, acabar imiscuindo-se em competência tributária alheia, situação vedada pelo ordenamento jurídico pátrio, conforme preceitua o art. 8º do Código Tributário Nacional (“O não-exercício da competência tributária não a defere a pessoa jurídica de direito público diversa daquela a que a Constituição a tenha atribuído.”[39]).
CONCLUSÃO
O propósito pretendido pelo presente trabalho foi o de demonstrar que o leasing financeiro não possui características passíveis e possíveis de fazer incidir a exação denominada ISS.
Para satisfazer este objetivo, optou-se por uma análise legal, doutrinária e jurisprudencial capaz de confirmar a tese proposta, a qual busca caracterizar o arrendamento mercantil financeiro como espécie de operação de crédito em razão de suas muitas semelhanças com as operações financeiras denominadas de financiamentos.
Nessa vereda, resta cabalmente demonstrado que, a partir do correto enquadramento do contrato estudado, especialmente no tocante ao seu aspecto tributário, o leasing financeiro caracteriza-se como efetiva operação financeira e o tributo incidente no caso é o IOF. Tal conclusão, apesar de não se configurar como uma verdade absoluta, acaba por contribuir no sentido de que a discussão travada, tida por praticamente encerrada, possa prosseguir sob uma nova ótica.
Notas
Advogado do Banco do Brasil S.A. em Porto Alegre RS
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A coluna travada é uma condição que pode causar dores intensas, restrição de movimentos e…
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