Resumo: Os avanços econômicos devem-se, em grande parte, aos títulos de crédito, pois estes possibilitaram segurança na concessão do crédito transacionado. A segurança do crédito sempre esteve relacionada com a existência física do título: a cártula. Todavia, com os avanços tecnológicos surgiram às duplicatas virtuais, ou seja, registros eletromagnéticos transmitidos por computador. Mas para muitos, essa modalidade não pode ser considerada como título de crédito, eis que é desprovida da segurança da cártula. Até porque, desmaterializado está o título. Diante dessa nova realidade, a divergência na doutrina e na jurisprudência passou a ser intensa. Tanto que há autores que assumem posição de total negação a validade das duplicatas virtuais, enquanto outros ao revés consideram como títulos de crédito com eficácia executiva. Porém, pelo menos no campo jurisprudencial há a sinalização de pacificação, pois o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em recente decisão, reconheceu eficácia executiva à duplicata virtual, ao argumento de que os boletos de cobrança bancária, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário e constituem títulos executivos extrajudiciais. Este trabalho tem o propósito de investigar, destarte, se é possível a mitigação do princípio da cartularidade como forma de se dar força executiva a duplicata virtual, bem como se há autorização legal para emissão, protesto e execução das duplicatas virtuais.
Palavras-chave: Duplicatas virtuais. Cártula. Execução. Títulos de crédito.
Sumário: 1. Introdução. 2. Duplicatas. 3. Eficácia executiva das duplicatas virtuais. 4. O princípio da cartularidade. 5. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Os avanços das novas técnicas de informática trouxeram mais agilidade e mais eficiência à circulação de riquezas, notadamente, no que concerne a concessão do crédito, cada vez mais fácil e rápido. Todavia, a evolução tecnológica que deu ensejo a duplicata virtual, mostrou-se dissonante, em alguns pontos, com a Lei das duplicatas, Lei nº 5474/68, que fora publicada no ano de 1968, ou seja, há mais de 40 anos. Evidentemente que o legislador de então não teria como dimensionar naquele diploma legislativo a realidade de agora, onde a informática impera no mundo dos negócios. O certo é que os princípios que se extraem da Lei das duplicatas são os da formalidade, da abstração, da autonomia e da cartularidade, princípios norteadores do direito cambiário. Com base nesse pressuposto, doutrinadores, em grande maioria, não consideram a duplicata virtual com natureza jurídica de título de crédito, eis que desmaterializado não há cártula. Ademais, para muitos não há possibilidade de execução da duplicata virtual, já que esta não se amolda aos títulos descritos no rol do art. 475-N do CPC.
Não é objetivo, deste artigo, tratar da teoria geral dos títulos de crédito, mas tão somente, dos aspectos polêmicos envolvendo o protesto e a execução das duplicatas virtuais. Até porque diante das divergências em torno do tema, surge imensa insegurança jurídica. Impende registrar que as divergências não se situam na emissão do bloqueto de cobrança, mas quando da necessidade de se executá-lo, uma vez que as dúvidas se projetam sobre o momento patológico da obrigação, pois é quando ocorre à violação do dever jurídico de cumprir a obrigação assumida, ou seja, diante do inadimplemento por parte do devedor de um título que tem como causa uma compra e venda ou uma prestação de serviços, é que começa a polêmica, pois o empresário diante da necessidade de receber seus créditos através da prestação jurisdicional mais eficiente e célere, como é a execução específica, é que a dúvida se instaura. A controvérsia doutrinária em torno dessa questão se dá porque há autores que assumem posição de total negação a validade das duplicatas virtuais, enquanto outros ao revés consideram como títulos de crédito com eficácia executiva, desde que esteja devidamente acompanhada dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, pois só assim poderia se equiparar a duplica tradicional. A divergência não se restringe a doutrina, no campo jurisprudencial as dúvidas são diversas, a despeito das recentes decisões do Superior Tribunal de Justiça que conferiu força executiva as duplicatas virtuais, há decisões em sentido contrário.
Portanto, o cenário atual é de insegurança jurídica, o que acarreta mais custo para a sociedade como um todo, pois diante das dificuldades do empresário em receber seus créditos, a consequência natural é o aumento de preços dos produtos ou dos serviços. Fábio Ulhoa Coelho ao explicar sobre o que ele denomina como “direito-custo”[1], ensina que a “informação jurídica confiável para fins de cálculo é baseada não apenas em precedentes jurisprudenciais e ensinamentos doutrinários, mas principalmente nas variáveis próprias ao cálculo qualitativo, específico da tecnologia jurídica”[2].
Destarte, questiona-se se a duplicata virtual devidamente acompanhada dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, supririam a ausência física do título cambiário, ou seja, se seria possível a mitigação do princípio da cartularidade como forma de se dar força executiva a duplicata virtual?
Ademais, busca-se saber se o Código Civil brasileiro autoriza a emissão da duplicata virtual, já que este diploma adota o conceito de título de crédito de Vivante, ou seja, “documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado. Conceito incompatível com a duplicata virtual, pois desmaterializado está o título.
2. DUPLICATAS
A duplicata mercantil é título de crédito eminentemente brasileiro, que surgiu diante da necessidade de aumentar o controle tributário do Estado. Para a Professora Gisele Leite:
“A duplicata é título de crédito formal, impróprio, causal, à ordem, extraído por vendedor ou prestador de serviços, que visa a documentar o saque fundado sobre o crédito decorrente de compra e venda mercantil ou prestação de serviços assimilada aos títulos cambiários por lei, e que tem como seu pressuposto a extração de fatura”[3].
Já ponderava Fábio O. Penna em 1950 que a criação das duplicatas “exige uma apreciação geral e histórica para o seu bom entendimento e mais fácil solução das dificuldades da mesma resultantes”[4]. Até porque, a duplicata não se apresentava como título de crédito autêntico, uma vez que era produzida em decorrência de uma imposição fiscal e não por uma declaração unilateral de vontade[5].
Fábio O. Penna lançou duras críticas a Lei 187 de 1936, afirmou que era um “amontoado de dispositivos, na maior parte inúteis e sem função, demonstrando, apenas, que a lei procura fazer valer a razão precípua de ordem político-financeira que motivou a instituição da duplicata”[6]. As funções de natureza exclusivamente comercial só foram incorporadas ao final de 1960. O Decreto nº 57.663 de 1966, Lei uniforme de Genebra, era o instrumento normativo da duplicata. Dois anos após esse decreto, a disciplina jurídica da duplicata restou assentada com a edição da lei nº 5474/68, a qual fora, um ano depois, alterada parcialmente pelo decreto-lei nº 436/69, o Decreto de 1966 continua a viger, contudo de forma subsidiária. Após a alteração de lei das duplicatas em 1969, extinta já estava, segundo Fábio Ulhoa Coelho, “a vetusta prática de controle e incidência de tributos por inutilização de estampilhas” (…)[7]. Para ter a exata compreensão dos interesses fiscais e empresariais que norteavam a duplicata, importante trazer a baila, os ensinamentos de Fazzio Júnior, pois para este autor a duplicata é um “típico produto que veio da realidade à consciência, isto é, que emergiu dos problemas e alternativas emergentes do quotidiano comercial e dos interesses fiscais e do Estado para galgar o universo normativo”[8].
Segundo Fábio O. Penna a duplicata é um título sui generis, e a natureza jurídica própria da duplicata “resulta de sua regulamentação e de sua união estreita com instituto da compra e venda mercantil, não obstante a aplicabilidade dos dispositivos que regem a letra de câmbio”[9]. Ademais, é forçoso convir, que a duplicata é um título cambiário em que é possível extrair alguns princípios que são a ela intrínsecos, como o princípio da literalidade, da abstração, da catularidade e da autonomia. A duplicata é um título de crédito abstrato, é certo que não só a duplicata, mas todos os títulos cambiais. Não obstante o princípio da abstração, que impõe a desvinculação do título de crédito em relação ao negócio jurídico que motivou a sua criação. Ademais, assinala Fazzio Júnior, os outros rótulos aplicados a duplicata, como título impróprio, comprobatório, ou o título que alcança a abstratividade diferida:
“Sem embargo de ortodoxia que exalam, acabam por reconhecer na impropriedade ou abstratividade procrastinada precisamente o caráter pragmático que torna a duplicata o expediente jurídico de eleição para superar o abismo entre as dimensões cambiária e contratual e, hoje, disponibilizar a paulatina informatização dos instrumentos de cobrança e pagamento”[10].
Cumpre registrar, que o princípio da literalidade impõe a estrita observância das informações contidas no título. Destarte, com base na literalidade, pode-se afirmar que a obrigação restringe-se ao que consta no título, isto é, o conteúdo do título é o que define o montante do crédito transacionado. Já o princípio da autonomia não condiciona o título à relação que lhe deu origem, ou seja, as obrigações representadas por um título de crédito são independentes entre si. Em decorrência do princípio da autonomia, segundo Fábio Ulhoa, há o desdobramento em dois outros subprincípios: o princípio da abstração e o princípio da inoponibilidade das exceções pessoais aos terceiros de boa-fé[11]. O ilustre doutrinador esclarece seu entendimento:
“Qualifico-os de subprincípios porque, na verdade, nada acrescentam ao que já se encontra determinado pelo princípio da autonomia. A abstração e a inoponibilidade correspondem a modos diferentes de se reproduzir o preceito da independência entre as obrigações documentadas no mesmo título de crédito”[12].
Já o princípio da cartularidade condiciona exercício dos direitos decorrentes a sua posse, ou seja, é a materialização do título. Dessa forma, só aquele que tem a posse do título pode buscar a satisfação do seu direito documentado na cártula.
A duplicada mercantil é um título de crédito causal, pois somente é criada para representar uma obrigação decorrente de compra e venda mercantil. Daí, segundo Fábio Penna, é que ocorre o “radical e absoluto divórcio do título, em sua formação, com os princípios que regulam nosso direito cambial puro, baseado na teoria da abstração completa da fonte ou causa do nascimento do título”[13]. Destarte, a duplicata é título causal, mas não se induz, segundo Fabio Ulhoa, a partir dessa premissa que o contrato subjacente condiciona a duplicata, até porque o documento indispensável é a nota fiscal fatura. Dessa forma, em todo o contrato de compra e venda mercantil entre partes domiciliadas no território brasileiro, com prazo não inferior a 30 (trinta) dias, o vendedor extrairá a respectiva fatura para apresentação ao comprador, conforme dispõe o art. 1º da Lei das duplicatas. Percebe-se, a partir desse dispositivo que obrigatoriedade se dá em relação à fatura, e não em relação à duplicata, pois a sua emissão não passa de mera faculdade.
O art. 20 da Lei 5474/68 prescreve que as empresas poderão emitir fatura e duplicata. A fatura deverá discriminar a natureza dos serviços prestados (§ 1º). A lei das duplicatas é expressa, em seu art. 15, ao afirmar que a cobrança judicial de duplicata ou triplicada será efetuada de conformidade com o processo aplicável aos títulos executivos extrajudiciais quando se tratar:
“I – de duplicata ou triplicata aceita, protestada ou não;
II – de duplicata ou triplicata não aceita, contanto que, cumulativamente:
a) haja sido protestada;
b) esteja acompanhada de documento hábil comprobatório da entrega e recebimento da mercadoria;
c) o sacado não tenha, comprovadamente, recusado o aceite, no prazo, nas condições e pelos motivos previstos nos artigos 7 e 8 desta Lei.”
Os títulos de créditos têm por característica o formalismo. Nas palavras de Fábio O. Penna a duplicata é um título formal, “circulante por meio de endôsso, criado por motivo de ordem econômica, constituindo um saque fundado destinado à comprovação de crédito preexistente”[14]. Segundo Waldo Fazzio Júnior o “rigor cambiário se exterioriza na exigência legal de requisitos para a caracterização da duplicata mercantil”[15], e complementa o ilustre autor com a explicação de que se “requisito é aquilo que não pode faltar, requisito formal é o que a lei diz que não pode faltar”[16]. A Lei nº 5.474/68, Lei das Duplicatas explicita o formalismo em comento, pois o art. 2º § 1º prescreve que no “ato da emissão da fatura, dela poderá ser extraída uma duplicata para circulação como efeito comercial, não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador”. O § 1º da referida Lei prescreve os elementos imprescindíveis a duplicata:
“I – a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem;
II – o número da fatura;
III – a data certa do vencimento ou a declaração de ser a duplicata à vista;
IV – o nome e domicílio do vendedor e do comprador;
V – a importância a pagar, em algarismos e por extenso;
VI – a praça de pagamento;
VII – a cláusula à ordem;
VIII – a declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite, cambial;
IX – a assinatura do emitente.” (grifo nosso)
O número da fatura é indispensável no título, evidentemente que da fatura passou-se para a nota fiscal-fatura, e hoje para nota fiscal eletrônica (NF-e), que já é obrigatória para as principais atividades comerciais no País. O atual Código Civil do Brasil disciplina os títulos de crédito nos artigos 887 a 926, em seu art. 887 afirma que “o título de crédito, documento necessário ao exercício de um direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos legais”. O título de crédito, segundo Silvio Venosa, é antes de qualquer definição um documento:
“Indispensável que para sua existência haja um documento, uma cártula, sem a qual o conceito e a existência de título de crédito são impensáveis. O título depende, pois, da escrita sob uma forma cujos requisitos na maioria das vezes são minudenciados em lei”[17].
A concepção exarada pelo nobre civilista de que a duplicata é antes de tudo um documento, já não se coaduna com a realidade contemporânea, tanto que Fábio Ulhoa ao comentar acerca do conceito elaborado por Vivante à quase um século, a ideia de que título de crédito seria o “documento necessário para o exercício do direito literal e autônomo nele mencionado”,[18] não se mostra adequado aos dias atuais. Propõe Fábio Ulhoa um novo conceito como forma de atualizá-lo as modernas práticas comerciais, para este o mais adequado conceito para a duplicata é: “documento, cartular ou eletrônico, que contempla a cláusula cambial, pela qual os coobrigados expressam a concordância com a circulação do crédito nele mencionado de modo litoral e autônomo”[19].
Além da perspectiva teórica sobre a natureza jurídica da duplicata virtual, impõe-se a necessidade de se garantir segurança jurídica, tanto para vendedor quanto para o comprador no saque do “documento eletrônico”. No caso do vendedor, diante de descumprimento de uma obrigação representada por um título de crédito virtual, a boa técnica impõe que se proceda, como primeiro passo, a constituição em mora o devedor, até porque com base no disposto no art. 394 do Código Civil, “considera-se em mora o devedor que não efetuar o pagamento e o credor que não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção estabelecer”. Portanto, o primeiro passo é levar o título a protesto, pois com essa providência o devedor será intimado a pagar dentro de um lapso temporal, e caso não o faça, o título será protestado. Wille Duarte Costa leciona que o protesto da duplica é um “ato formal e oficial pelo qual se prova a apresentação do título ao sacado e o descumprimento de obrigação consubstanciada na falta de aceite, devolução ou pagamento da duplicata”[20]. Ademais, o inadimplemento da obrigação, segundo o art. 397 do Código Civil, de divida positiva e líquida,
constitui de pleno direito em mora o devedor.
A despeito de algumas vozes na doutrina se levantarem contra o protesto das duplicatas virtuais. O próprio Wille Duarte Costa se opõe ao protesto do boleto de cobrança, ao argumento de que em muitos casos a “prova da remessa da duplicata não é levada ao Cartório. Em verdade, quase sempre inexiste duplicata emitida. Por conseqüência não há remessa alguma”[21]. Mas hoje é possível afirmar que há autorização legal para tanto, uma vez que a Lei nº 9.492 de 1997, em seu art. 8º permite as indicações a protesto “das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados.” Enquanto o art. 22, parágrafo único, da mesma Lei dispensa a transcrição literal do título ou documento de dívida, nas hipóteses em que “o Tabelião de Protesto conservar em seus arquivos gravação eletrônica da imagem, cópia reprográfica ou micrográfica do título ou documento de dívida”.
Portanto, se é necessário que o título seja levado a protesto para uma eventual ação de execução, é possível afirmar que o inadimplemento é um requisito extrínseco para a propositura da ação executiva, até porque o art. 580 do Código de Processo Civil dispõe que a ação executiva só é possível quando não houver por parte do devedor a satisfação de obrigação certa, líquida e exigível, consubstanciada no título executivo.
3. EFICÁCIA EXECUTIVA DAS DUPLICATAS VIRTUAIS
A duplicata virtual é título executivo? Depara-se, inicialmente, com essa questão, pois é o cerne de toda divergência. Até porque, a expressão força executiva contém, segundo Paulo Restiffe Neto, uma “conotação e uma carga semântica de significação compatível com o sentido que o novo sistema processual confere aos títulos executivos, de proporcionarem execução aparelhada (exécution parée), calcada na liquidez e certeza da obrigação, ainda exigível”[22] . Alexandre Bueno Cateb afirma que não há nenhuma possibilidade da emissão de duplicatas virtuais, ao argumento de que só seria possível caso houvesse alteração legislativa, pois a Lei nº 5.474 de 1968, em seu art. 2º, prescreve que a duplicata é o único título que se pode extrair na compra e venda.[23] De fato, o art. 2° afirma que no ato da emissão da fatura poderá ser extraída uma duplicata, “não sendo admitida qualquer outra espécie de título de crédito para documentar o saque do vendedor pela importância faturada ao comprador”. Todavia, como já assinalado, a emissão da duplica não é uma obrigatoriedade, mas sim uma faculdade do credor, a obrigatoriedade é da nota fiscal fatura. Ademais, tanto a nota promissória como o cheque pós-datado podem ser emitidos em decorrência de uma compra e venda ou de uma prestação de serviços, pois nesses casos é o devedor que emite esses títulos e não o credor.
Ao se falar em necessidade de ausência de norma autorizadora da duplicata virtual, ou de que haveria necessidade de alteração legislativa como forma de conferir força executiva a essa modalidade cambiária, são celeumas que poderiam ser evitadas se fosse o Poder Legislativo brasileiro mais atuante. Sem embargo de trazer a conclusão de que o Poder Legislativo é lento em perceber as mudanças da sociedade, o que representa uma flagrante demonstração de omissão desse Poder. A despeito do Legislativo, Executivo e Judiciário serem Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, pelo menos é o que reza o art. 2º da Constituição brasileira, é fato que o Poder Judiciário vem dando respostas à sociedade como forma de preencher a lacuna deixada pelo Legislativo no que concerne a força executiva das duplicatas virtuais. Segundo a clássica tripartição de poderes de Montesquieu o objetivo é evitar a concentração do Poder do Estado em único órgão, porque segundo este autor “tudo estaria perdido se o mesmo homem, ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo exercesse os três poderes”(…)[24]. Nos ensinamentos de Emanuel Kant:
“Cada Estado contém em si três poderes, ou seja, a unidade da vontade geral se decompõe em três pessoas (trias política); o poder soberano (a soberania), no legislativo; o poder executivo , na pessoa que governa em conformidade com às leis e o poder judiciário (que determina para cada um o seu, segundo a lei, na pessoa do juiz”[25].
Entende-se que a postura que deve ser adotada pelos operadores do direito, é no sentido de se adaptar a nova realidade tecnológica, que norteia a atividade empresarial com o direito. Desta forma, o Poder Judiciário diante da inércia do Legislativo, deve atuar no sentido de preencher a lacuna deixada pelo Poder Legislativo, no caso, dar eficácia executiva as duplicatas virtuais, desde que atendidas às exigências complexas como a comprovação da entrega das mercadorias ou do serviço, além da comprovação do protesto do título por indicação. Até porque, o conteúdo das normas jurídicas precisam se adaptar as mudanças sociais, e é possível afirmar que o verdadeiro sentido da norma só surge por completo quando da sua interpretação e aplicação estiver em harmonia com os atuais valores sociais.
Esse tem sido o posicionamento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, já que as decisões tem sido no sentido de dar eficácia executiva a duplicata virtual, isto é, duplicatas emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica, desde que observadas às exigências supracitadas. Tanto que a Ministra Nancy Andrighi, do Tribunal Superior de Justiça, no magistral voto no Recurso Especial nº 1.024.691 – PR (2008/0015183-5), assenta que o princípio da Cartularidade, que “condiciona o exercício dos direitos exarados em um título de crédito à sua devida posse, vem sofrendo cada vez mais a influência da informática. A praxe mercantil aliou-se ao desenvolvimento da tecnologia e desmaterializou a duplicata”. Todavia, alguns autores consideram ilegais as duplicatas virtuais, principalmente, pela ausência de materialidade do título. Para Rodrigo Magalhães, na ação de execução, imprescindível a apresentação do título original, o qual deverá ser impresso para torná-lo “material, palpável, corpóreo”[26]. Mas em seguida no mesmo parágrafo o autor afirma que com a regulamentação do processo eletrônico, através da lei 11.419/06, não será mais necessário a cártula, pois segundo o referido autor, o processo está todo digitalizado.
Para Nancy Malta não há previsão legal para a execução da duplicata virtual, para a autora há lacuna legislativa quanto a executividade da duplicata virtual, e diante dessa lacuna deve-se usar:
“(…) a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito. Pela aplicação da analogia, por semelhante que é ao protesto por indicação da duplicata não aceita e, diante do costume já incorporado à prática notarial de protestos de se protestar as duplicatas virtuais, é possível o protesto por indicação da duplicata virtual. O instrumento de protesto por indicação, somado ao comprovante de entrega da mercadoria à duplicata virtual e à ausência, comprovada, de recusa de aceite do sacado pelos termos dos arts. 7º e 8º da Lei 5. 474/1968, de acordo com art. 15, II e alíneas da mesma Lei constituem requisitos suficientes para a propositura da ação de execução”[27].
Entretanto, não é a posição de Fábio Ulhoa, pois este afirma que o direito positivo brasileiro “encontra-se suficientemente aparelhado para, sem alteração legislativa, conferir executividade ao crédito registrado e negociado apenas em suporte eletrônico”[28].
Entretanto, há autores que consideram inconcebível esse argumento, Wille Duarte Costa, por exemplo, faz duras críticas à doutrina que defende validade da duplicata virtual:
“(…) a doutrina antes citada está completamente errada, não só porque suas conclusões estão contra a lei, contra a lógica e contra a boa doutrina, não passando de descuidada análise da norma legal. Só serve essa doutrina espúria e maléfica para incentivar as Instituições Financeiras a agirem contra a lei, ao fundamento de que precisam reduzir custos e agilizar seus serviços. Tal doutrina serve para incentivar a fraude, com a criação de boletos sem que tenham por base uma operação normal de compra e venda ou prestação de serviços.”[29]
Com a devida vênia, a doutrina não defende a criação de boletos sem lastro em uma operação de compra e venda ou prestação de serviços. Ademais, as conclusões doutrinárias não são contra a lei, pois com o advento do Código Civil de 2002 consagrou-se no ordenamento pátrio a autorização legal para a criação e circulação de títulos atípicos, no caso, é possível afirmar, que há permissivo legal no Brasil para as cambiais desmaterializadas. Pois, o § 3º do art. 889 do Código Civil prescreve que o título poderá ser emitido a partir dos “caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo”.
Todavia, poderia o Legislador pátrio ter colocado um fim a celeuma se fosse mais técnico, mais completo e uniforme. Deveria ter revogado os diplomas legais anteriores que cuidam das cambiais, e elaborado de forma clara, uma disciplina jurídica para a duplicata considerando a nova realidade tecnológica. Portanto, diante das dúvidas deixadas pelo Poder Legislativo, o Poder Judiciário é chamado para compor lacuna no campo do direito cambiário, nesse novo cenário de evolução tecnológica, em consonância com novo campo principiológico. Até porque, o artigo 5º da Lei de introdução às normas do direito brasileiro, reza que na interpretação da lei, o juiz deve fazê-lo com base em seus fins sociais e nas exigências do bem comum.
4. O PRINCÍPIO DA CARTULARIDADE
O questionamento quanto à viabilidade jurídica da duplicata virtual se dá, principalmente, em razão da inexistência do documento, o que violaria frontalmente os princípios da cartularidade e da literalidade. Se o boleto bancário não vier acompanhado de comprovante de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços e dos instrumentos de protesto, não há que se falar em título de crédito, eis que nesse caso, não possuiria os requisitos mínimos exigidos por Lei. Até aí todos concordam, o problema é exatamente quando se está em situação outra, isto é, quando os requisitos supracitados forem estritamente observados. Nesse caso, teria a duplicata virtual natureza jurídica de título de crédito? Para Fazzio Júnior o boleto bancário “não é título de crédito, mas documento compensável e destinado a servir como meio de cobrança de valores líquidos e certos, contratados e aceitos”[30].
No dia 22 de março deste ano, o Ministro Vasco Della Giustina, da Terceira Turma do STJ, deixou assentado no agravo regimental no agravo de instrumento 935202/MG o seguinte:
“Este Tribunal Superior consolidou o entendimento de que o boleto bancário não constitui documento idôneo a embasar o pedido de falência, ainda que protestado e acompanhado da prova da entrega da mercadoria e respectivas notas fiscais.”
Entende Jean Fernandes que é ilegal valerem-se as instituições bancárias ou os credores das vias judiciais para imporem às pessoas o pagamento de débitos lançados em boletos de cobrança:
“A ilegalidade aqui se acentua ainda mais, pois, não sendo o boleto um título de crédito, assim reconhecido por lei, torna-se inviável o protesto, o aval e muito menos o endosso, razão porque o recebimento dos débitos cobrados através dele, mediante ação judicial, seja de falência ou execução, é totalmente ilegal.”[31]
Willie Duarte Costa é totalmente contrário a emissão da duplicata virtual, para ele essa modalidade “incentiva a fraude, pois muitos boletos bancários têm sido emitidos como se fossem baseados em algumas duplicatas, mas estas na verdade não existem e nunca existiram, não têm lastro e são consideradas ‘frias’.”[32] Todavia, para Fábio Ulhoa a duplicata virtual é título de crédito com força executiva, e ao confrontar a validade dos tradicionais princípios cambiários da cartularidade e literalidade, o nobre doutrinador ensina que diante do quadro de desmaterialização dos títulos de crédito verifica-se a desatualização desses princípios:
“Quer dizer, do que se está falando, hoje em dia, na referência à cartularidade, literalidade e autonomia das obrigações cambiais? O primeiro estabelece que o exercício dos direitos cambiais pressupõe a posse do título. Ora, se o documento nem sequer é emitido, não há sentido algum em se condicionar a cobrança do crédito à posse de um papel inexistindo. Representa uma indispensável formalidade exigir-se a confecção do título em papel, se as relações entre credor e devedor documentaram-se todas independente dele. O princípio da literalidade, por sua vez, preceitua que apenas geram efeitos cambiais os atos expressamente lançados na cártula. Novamente, não se pode prestigiar absolutamente o postulado fundamental do direito cambiário, na medida em que não existe mais o papel, a limitar fisicamente os atos de eficácia cambial. Pode-se, contudo, falar num princípio da literalidade adaptado ao meio eletrônico: “o que não está no arquivo eletrônico, não está no mundo”. O fim do papel também põe em questão algumas outras passagens da doutrina cambial, como por exemplo, a distinção entre endosso em branco e em preto, a localização apropriada do aval (no verso ou anverso do documento), a existência de títulos ao portador”[33].
Apenas em um ponto pede-se vênia ao grande doutrinador, pois, neste estudo, entende-se de modo distinto, a de que o sentido construído a partir do princípio da literalidade não se pode levar a ideia de que apenas geram efeitos cambiais os atos expressamente lançados na cártula, mas a de que só geram efeitos o conteúdo disposto no título, o qual existe também no título virtual, apenas não está materializado. O único princípio que se mostra de fato incompatível com a duplicata virtual é o da cartularidade, pois representa uma desvinculação entre a realidade atual a um princípio construído em momento em que a única forma de se dar segurança as relações cambiárias era a cártula.
Por isso é que a atual e crescente utilização de recursos de informática nas atividades empresariais vem a substituir o papel pelo meio eletrônico, processo este que fez com que houvesse a necessidade de adaptação do antigo título de papel ao de hoje, moderno e desmaterializado. Portanto, não há se falar que a duplicata virtual seja outra modalidade de título de crédito, ou que não tenha natureza de título de crédito, porque o previsto na Lei 5.474/68 se amolda a duplicata virtual, já que os requisitos intrínsecos exigidos por esse diploma legal para emissão de duplicatas são observados também na emissão da duplicata virtual, mas com as adaptações impostas pela realidade contemporânea, tanto que o inciso I prescreve que é necessário que o título tenha a denominação “duplicata”, a data de sua emissão e o número de ordem. Na duplicata virtual há essa observação. O inciso II exige o número da fatura, a duplicata virtual traz descrita o número da nota fiscal fatura, que veio a substituir a necessidade de emissão da fatura. Ademais, a emissão da nota fiscal fatura autoriza o vendedor a sacar duplicata virtual.
A data certa do vencimento, o nome e domicílio do vendedor e do comprador, a importância a pagar e a praça de pagamento, previsto nos inciso III à V são observadas da mesma forma na duplicata virtual. Já a cláusula à ordem, prevista no inciso VII não se coaduna com a duplicata virtual, eis que não há se falar nessa modalidade cambiária a transferência mediante endosso para terceiros. Até porque é o assentimento do endosso que permite a transmissibilidade do título, impensável na cambiária virtual.
A exigência legal de declaração do reconhecimento de sua exatidão e da obrigação de pagá-la, a ser assinada pelo comprador, como aceite cambial e a assinatura do emitente, prevista nos incisos XIII e XIV são supridas pela assinatura do comprador ou do tomador de serviços no canhoto da nota fiscal fatura, providência que substitui com a mesma segurança o aceite da duplicata tradicional. Até porque, Fábio O. Penna ainda em 1950 já afirmava que o título nascia com a assinatura do emissor, pois o seu nascimento não era diferido para a data da assinatura do comprador, assinatura esta que podia deixar de existir[34].
Portanto, a duplicata virtual mantém como características a formalidade, a causalidade, a liquidez e a certeza. Todavia a transmissibilidade não é uma característica da duplicata virtual. Até porque, a evolução tecnológica que deu ensejo a duplicata virtual, não se amolda por completo a legislação da Duplicata, Lei 5.474, a qual fora publicada no ano de 1968, ou seja, há mais de 40 anos. É preciso, destarte, identificar a mens legis da Lei das duplicatas, pois se aquele legislador estivesse nos dias atuais, certamente teria ele elaborado o texto normativo em consonância com as atuais práticas empresariais. Tanto que o princípio que se extraem do diploma legislativo supra, ou seja, o da cartularidade e literalidade está desatualizado. Waldo Fazzio Júnior ao comentar as controvérsias em torno da duplicata, a despeito de não considerar a duplicata virtual com natureza de título de crédito, ensina que a natureza jurídica das duplicatas “continua, em plena era da despapelização dos títulos de crédito, a sediar confusões sobre seu eventual caráter impróprio e sobre os graus de extensão conferidos à causalidade”[35].
É certo que o principal argumento da doutrina contra a natureza de título de crédito a duplicata virtual se prende ao princípio da cartularidade. É certo, também, que a realidade empresarial de hoje é muito distante daquela de 1968, ano em que fora publicada a Lei 5.474. Mas mesmo esse diploma legislativo da década de 60 excepciona em seu art. 15 § 2º o princípio da cartularidade, uma vez que autoriza a execução de título de crédito, quando ocorrer à combinação do instrumento de protesto por indicações com a prova da entrega e recebimento da mercadoria. Até porque, segundo Gisele Leite, a despeito desta autora se opor a duplicata virtual como título executivo, para ela a “falta de aceite na duplicata não a desnatura como título cambial, e este poderá ser suprido com documentos comprovadores da compra e venda ou da prestação de serviços que deu causa ao título de credito”[36].
A Ministra Nancy Andrighi, do Tribunal Superior de Justiça, no dia 01 de setembro do corrente ano, no Recurso Especial nº 1.024.69, deixou claro que considera injustificável a insistência em se exigir o cumprimento do princípio de cartularidade, ela afirma que é um verdadeiro fetiche pela representação física da cártula, e esclarece que:
“Não se trata, aqui, de atribuir eficácia executiva ao boleto singularmente considerado. Esse documento bancário apenas contém as características da duplicata virtual emitida unilateralmente pelo sacador, e não se confunde com o título de crédito a ser protestado. Se, contudo, o boleto bancário que serviu de indicativo para o protesto (i) retratar fielmente os elementos da duplicata virtual, (ii) estiver acompanhado do comprovante de entrega das mercadorias ou da prestação dos serviços e (iii) não tiver seu aceite justificadamente recusado pelo sacado, passa a constituir título executivo extrajudicial, nos termos do art. 586 do CPC”.
Hodiernamente, é possível afirmar que as práticas mercantis não exigem mais concretização das duplicatas, requisito imprescindível no passado, hoje não mais, eis que a apresentação da cártula impressa em papel e seu encaminhamento ao sacado seria um entrave as atividades empresariais atuais, pois limitaria a circulação de riquezas, e por consequência, violaria o princípio fundamental da livre iniciativa, esculpido no art. 1º da Constituição brasileira de 1988. Ademais, como a questão envolvendo a possibilidade de protesto ou de execução das duplicatas virtuais projeta-se sobre o momento patológico da obrigação, já que é quando ocorre à violação do dever jurídico de cumprir a obrigação assumida de pagar por um produto ou pela prestação de um serviço. Destarte, se for imprestável a duplicata virtual para protestar ou não tendo ela força executiva, violaria o princípio da vedação do enriquecimento sem causa, pois beneficiaria em muito o causador da patologia da obrigação, qual seja: o não pagamento do título pelo devedor, que se valeria da morosidade de eventual ação de cobrança para protelar ou não pagar pela obrigação assumida. Tanto que a Ministra Nancy Andrighi, do Tribunal Superior de Justiça, no Recurso Especial nº 1.024.691, leciona o seguinte:
“(…) os hábitos mercantis não exigem a concretização das duplicatas, ou seja, a apresentação da cártula impressa em papel e seu encaminhamento ao sacado. É fundamental, portanto, considerar essa peculiaridade para a análise deste recurso especial, a fim de que seja alcançada solução capaz de adaptar a jurisprudência à realidade produzida pela introdução da informática na praxe mercantil – sem, contudo, desprezar os princípios gerais de Direito ou violar alguma prerrogativa das partes. É importante ter em vista, ainda, que a má interpretação da legislação aplicável às transações comerciais pode ser um sério obstáculo à agilidade negocial, de maneira a tornar a posição do Brasil no competitivo mercado internacional cada vez mais desvantajosa”.
Outra coisa que precisa ficar claro é a distinção entre texto e norma, pois parece que há certa confusão em relação às expressões, pede-se amparo, para tanto, ao ex Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, que em palestra sobre técnica legislativa e hermenêutica contemporânea ensina que:
“(…) a interpretação é uma relação entre duas expressões. A primeira, expressão que porta uma significação, que é objeto da interpretação. E uma segunda, que nós chamamos de interpretação e cumpre a função de interpretante. O texto e aquilo que se extrai do texto, mediante o exercício de interpretação, ou seja, a norma”[37].
Portanto, se norma é o resultado da interpretação, necessário se faz, que o interprete abandone o postulado da cartularidade quando se estiver diante da duplicata virtual, pois o mesmo não se amolda a realidade atual, pois, ainda segundo Eros Grau, o ordenamento jurídico é conformado pela realidade, e que diante do texto e a realidade:
“(…) interpreto o texto e também considero a realidade, construindo a norma jurídica geral. Extraio do texto a norma que preexiste lá, mas que é conformada também pela realidade. Após ter construído as normas gerais, produzo uma segunda norma, a norma de decisão do caso concreto. Somente então se realiza o processo de concretização do direito. (…)”[38]
Destarte, não é aconselhável ignorar os avanços tecnológicos que permeiam as atividades empresariais ao se interpretar os textos que tratam das cambiais, até porque, vale lembrar Georges Ripert que advertia que “quando o Direito ignora a realidade, a realidade se vinga, ignorando o Direito”.
5. CONCLUSÃO
O processo de substituição do papel pelo meio eletrônico nas relações cambiárias anda a toda velocidade. Não há como negar que a magnetização dos créditos permite mais agilidade às relações comerciais, por isso a transmutação de papel pelo meio magnético é uma realidade inexorável. Ademais, a duplicata é o título de crédito que mais sofreu influência da informática, exemplo disso foi à nota divulgada pela FEBRABAN no dia 12 de agosto de 2011[39], onde a Federação brasileira de bancos informa que o Débito Direto Autorizado (DDA), registrou a marca de 6,2 milhões de clientes cadastrados, movimentando 344 milhões de boletos eletrônicos[40]. Como o DDA permite a apresentação eletrônica de boletos de cobrança, ao cedente tem algumas vantagens como: agilidade, integridade dos dados, segurança e facilidade no envio de instruções. Já para sacado, os benefícios são: facilidade de acesso e segurança.
De fato, todo e qualquer título de crédito deve estar calcado na liquidez e certeza, e o boleto bancário para ser equiparado a duplicata tradicional, necessário se faz, que além do comprovante da entrega de mercadoria ou do serviço, que o devedor seja constituído em mora através do protesto do título, eis que este se reveste do caráter de pressuposto processual. A Lei 9.492/97 em seu art. 8º autoriza o protesto por indicação, isto é, sem a presença da cártula. Portanto, a referida Lei ao autorizar o protesto de título emitido por meio magnético demonstra que a realidade das práticas cambiárias fizeram nascer ou transmudar a já existente duplicata, mas agora virtual. O art. 20, § 3º da lei 5474/68 prescreve que também é aplicável a fatura e à duplicata ou triplicata de prestação de serviços as “disposições referentes à fatura e à duplicata ou triplicata de venda mercantil, constituindo documento hábil, para transcrição do instrumento de protesto, qualquer documento que comprove a efetiva prestação, dos serviços e o vínculo contratual que a autorizou”.
Portanto, percebe-se que o princípio da cartularidade encontra-se distante da pujante realidade contemporânea, não podendo mais obstaculizar a emissão, o protesto e eventual execução da espécie cambial virtual, a qual assume nos dias atuais natureza de título executivo extrajudicial por força do 2º do art. 15 da Lei 5.474/1968, do inciso VII do art. 585 do CPC e do art. 889 § 3º do Código Civil Brasileiro. Na verdade a duplicata virtual só pode ser considerada como título executivo extrajudicial, caso e, tão somente, quando forem cumpridos todos os requisitos legais, eis que só quando houver a conjugação do requisito extrínseco que é o inadimplemento do devedor da obrigação de pagar, com a apresentação do instrumento de protesto feito por indicações, conforme autoriza o art. 8º, parágrafo único da Lei nº 9.492/97, acompanhado do comprovante de entrega e recebimento da mercadoria pelo sacado ou da prova do vínculo contratual e da efetiva prestação de serviços, é que assumirá a duplicata virtual a natureza complexa de título executivo extrajudicial.
Portanto, cumprindo as condições primordiais supracitadas, é possível concluir que a duplicata virtual como título complexo garante segurança ao comprador. Com efeito, dispensável nos dias atuais está à exigência da cártula, pelo menos com relação à duplicata. Dessa forma, a outrora convivência estreita entre o direito e o documento começa a se dissipar, abrindo espaço para novos conceitos, pressupostos e garantias também no direito cambiário. E, com amparo do grande Eros Grau, deixa-se a lição de que o “intérprete autêntico não procede como um legista que examina um corpo morto, quer dizer, a infração à letra escrita da Constituição ou das leis. Não, ele atua no plano da vida, a partir da sua pré-compreensão da realidade”[41].
Adogado, especialista em direito do trabalho e processo do trabalho pela UVA, especialista em direito civil e processo civil pela FGV, mestre em direito público pela UGF. Autor do livro Representação e perspectivas de reforma política no Brasil. São Paulo: All Print, 2011.
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