Introdução e delimitação do tema
A Constituição da República, em seu artigo 37, §4º, tem norma expressa sobre medida de indisponibilidade dos bens daquele que, considerado ímprobo, causa prejuízo ao erário. Transcreve-se:
Art. 37. (…) § 4º – Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei de Improbidade, Lei 8.429/92, regulamentando o instituto, após refrizar a necessidade inafastável de reparação do dano ao erário[1], prevê o instituto da indisponibilidade de bens em seu artigo 7º:
“Art. 7°. Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.”
A indisponibilidade dos bens caracteriza-se como meio necessária ao atendimento do objetivo de integral reparação do dano, apto, portanto, a garantir a efetividade do provimento final da ação que visa apurar e sancionar os atos de improbidade administrativa. Trata-se, nesse passo, de medida tipicamente cautelar. Nesse sentido é o escólio da melhor doutrina:
“A indisponibilidade de bens, desta forma, busca garantir futura execução por quantia certa (a reparação do dano moral e patrimonial), assemelhando-se ao aresto do CPC, que também pode recair sobre qualquer bem do patrimônio do devedor.” (Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves, Improbidade Administrativa, 5ª Ed., pág. 963)
Apesar da semelhança da indisponibilidade de bens com a cautelar de aresto prevista no Código de Processo Civil, há interessante diferença com relação aos requisitos ensejadores da concessão da medida, com conseqüências práticas decisivas. É o que se passa a expor.
Do perigo da demora como requisito para a concessão de cautelar de indisponibilidade de bens prevista na lei de improbidade administrativa – da evolução do instituto
Tratando-se de medida que repousa no poder geral de cautela do julgador, para que se decrete a indisponibilidade de bens, faz-se necessária a demonstração inequívoca dos requisitos previstos no Código de Processo Civil[2]: o fumus boni juris e o periculum in mora.
Esse era o entendimento que vigorava de forma quase unânime até o ano de 2009 em nossos Tribunais[3]. A despeito de tais decisões, a doutrina, há tempos, apontava que o periculum in mora, em particular, estaria implícito na norma prevista no artigo 7º da Lei 8.429/92, sendo desnecessária, para a concessão da indisponibilidade de bens, sua demonstração. Note-se o seguinte escólio:
“a lei presume esses requisitos a autorizar a indisponibilidade, porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receito de fraude ou insolvência, porque o perigo é ínsito aos próprios efeitos do ato hostilizado. Exsurge, assim, indisponibilidade como medida de segurança obrigatória nessas hipóteses.” (Wallace Paiva Martins Júnior, Probidade Administrativa, 2.001, Ed. Saraiva, página 325/330).
Referido posicionamento tomou corpo na doutrina de forma a modificar o entendimento jurisprudencial. O Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2009, revendo o antigo posicionamento, proferiu o seguinte aresto:
“(…) Referente ao periculum in mora, “ele é ínsito à própria Lei n. 8.429/92, conforme se dessume do seu art. 7º, verbis: ‘quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá à autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para indisponibilidade dos bens do indiciado’ (RT 759/320), dispensada na hipótese a demonstração do periculum in mora.” (AI n.º 2004.030936-4).” (Resp. n.º 1.098.824 – SC)
A afirmativa de que o periculum in mora encontra-se contido na norma prevista no artigo 7º da Lei 8.429/92, que o presume, após referida decisão, se consolidou na jurisprudência. O Superior Tribunal de Justiça já apresenta alguns precedentes: Recursos Especiais n.ºs 1115452/MA, 1134638/MT e 1.111.959 – MG.
Conclusão
A evolução do entendimento é correta uma vez que exigir a demonstração, mesmo que superficial, do desígnio daquele considerado ímprobo de furtar-se a efetividade da condenação, caracterizaria a ineficácia prática da norma constitucional permissiva da indisponibilidade de bens.
Referida interpretação, aliás, encontra arrimo no princípio hermenêutico-constitucional denominado de máxima efetividade, segundo o qual não se pode interpretar dispositivo constitucional de forma a esvaziar-lhe a eficácia normativa. Sobre o tema, oportuno transcrever o que ensina a melhor doutrina:
“estreitamente vinculado ao princípio da força normativa da Constituição em relação ao qual configura um subprincípio, o cânone hermenêutico-constitucional da máxima efetividade orienta os aplicadores da Lei Maior para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo.” (Curso de Direito Constitucional, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco, 2ª edição, Saraiva, pág. 118).
Desnecessária, portanto, a prova do perigo na demora para a concessão da indisponibilidade normatizada pela Lei n.º 8.429/92. Trata-se de “uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano”[4] além de ser a interpretação que melhor traz efetividade ao texto constitucional. Assim sendo, é o posicionamento que se defende.
Promotor de Justiça do Estado de Alagoas; Pós-graduado em Direito Constitucional pela Unisul Pós-graduando em Gestão Jurídica da Empresa pela Unesp e Mestrando em Direitos Humanos pela Unesp.
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