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O Poder Constituinte decorrente


Outro aspecto referente à amplitude do Poder Constituinte diz respeito ao Poder Constituinte decorrente, ou seja, o poder constituinte dos entes federados, no nosso caso, Estados membros e Municípios. Já estudamos no nosso livro Direito Constitucional, tomo II, da Editora Mandamentos, as características principais do Estado Federal. Naquele momento, deixamos claro que o que difere o Estado Federal de outras formas descentralizadas de organização territorial do Estado contemporâneo é a existência de um poder constituinte decorrente, ou seja, a descentralização de competências legislativas constitucionais, onde o ente federado elabora sua própria constituição e a promulga, sem que seja possível ou necessária uma intervenção ou a aprovação desta Constituição por outra esfera de poder federal. Isto caracteriza a essência da Federação, a inexistência de hierarquia entre os entes federados (União, Estado e Municípios no caso brasileiro), pois cada uma das esferas de poder federal nos três níveis brasileiros, participa da soberania, ou seja, detém parcelas de soberania, expressa na sua competência legislativa constitucional, ou seja, no exercício do poder constituinte derivado.


Não estamos afirmando que os estados membros, a União e os municípios são soberanos, pois soberano e o Estado Federal e a expressão unitária da soberania, ou seja, sua manifestação integral, só ocorre no Poder Constituinte Originário. O que afirmamos, é que no Estado Federal, além de uma repartição de competências legislativas ordinárias, administrativas e jurisdicionais, há também, e isto só ocorre no Estado Federal, uma repartição de competências legislativas constitucionais. Esta repartição de competências constitucionais implica na participação dos entes federados na soberania do Estado, que se fragmenta nas suas manifestações.


Entretanto, este poder constituinte decorrente, embora represente a manifestação de parcela de soberania, não é soberano, e por este motivo deve ser um poder com limites jurídicos bem claros, limites estes que podem ser materiais, formais, temporais e circunstanciais. No caso da Constituição de 1988, esta estabelece limites materiais expressos e obviamente implícitos, deixando para o poder constituinte decorrente, que é temporário (assim como o originário), prever o seu funcionamento, e o funcionamento do seu próprio poder de reforma e seus limites formais, materiais, circunstanciais e temporais. O poder constituinte decorrente é segundo grau (se dos Estados membros) e terceiro grau (se dos municípios), subordinados a vontade do poder constituinte originário, expressa na Constituição Federal. A repartição de competências no nosso Estado federal ocorre da seguinte forma:


– o Estado federal é composto de três círculos não hierarquizados: União, Estados membros e Distrito Federal e os Municípios;


– a Constituição Federal é a manifestação integral da soberania do Estado Federal;


– a União detém competências legislativas ordinárias, administrativas, jurisdicionais e o poder constituinte derivado de reforma através de emendas e revisão a Constituição do Estado Federal, através do Legislativo da União;


– os Estados membros detém competência legislativas ordinárias, jurisdicionais, administrativas e o poder constituinte decorrente, de elaborar suas próprias constituições, além é claro, do poder de reforma de suas constituições;


– os municípios detém competências legislativas ordinárias, administrativas ( não detém competências jurisdicionais) e competências legislativas constitucionais, ou seja o poder constituinte decorrente de elaborar suas constituições (chamadas de leis orgânicas) e lógico o poder derivado de reforma de suas constituições;


– o Distrito Federal também se tornou ente federado a partir de 1988 mas com características diferenciadas. O D.F. detém competências legislativas ordinárias e administrativas, que podem ser organizadas pelo seu poder constituinte decorrente (competência legislativa constitucional própria), e possui o seu próprio Judiciário e Ministério Público, que, entretanto não poderão ser organizados por sua constituinte, mas serão organizados pela União para o Distrito Federal, por razão de segurança nacional. Detém, também, é claro, o poder de reformar sua Constituição (chamada também de Lei Orgânica, o que não muda a sua natureza de poder constituinte decorrente, portanto de Constituição.


Quanto aos limites do poder constituinte decorrente encontramos em vários momentos na constituição Federal e são limites materiais expressos e implícitos. Os limites expressos ocorrem todo momento que a Constituição distribui competências e normatiza condutas dos entes federados. Quanto aos limites implícitos, estes são os princípios estruturantes e fundamentais da República, que se impõem a todos os entes federados como, por exemplo, a democracia, a separação de poderes, os direitos humanos, a redução das desigualdades sociais e regionais, a dignidade humana, entre outros.


Alguns entendem que a Constituição Federal deve ser quase que copiada pelos entes federados o que no nosso entendimento é antifederal. Se a Constituição federal expressamente não mencionou mandamentos aos entes federados, está livre o constituinte dos Estados e Municípios para dispor, desde que respeitados os princípios que estruturam e fundamentam a ordem constitucional federal. Por exemplo: se a Constituição Federal prevê o quorum de três quintos em dois turnos para emenda a Constituição Federal, como norma regulamentadora do funcionamento do poder constituinte derivado federal, nada impede que o Estado Membro ou o Município estabeleça quorum diferente, desde que respeitados o princípio da rigidez constitucional que caracteriza sua supremacia em relação às leis ordinárias e complementares, e respeitado o princípio da separação de poderes.



Informações Sobre o Autor

José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela UFMG Professor da graduação, mestrado e doutorado da PUC-MINAS e UFMG.


Equipe Âmbito Jurídico

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