Resumo: Este artigo jurídico tem como escopo tratar do celeuma acerca da possibilidade de os auditores fiscais do trabalho, no exercício da atividade fiscalizatória que lhes é legalmente atribuída, reconhecerem a existência de vínculo empregatício, haja vista haver corrente doutrinária para a qual caberia exclusivamente aos juízes do trabalho reconhecer a existência de relação de emprego.
Palavras-chave: Auditor fiscal do trabalho. Competência. Relação de emprego.
Sumário: Introdução. 1. A inspeção federal do trabalho; 2. Atribuições legais do auditor fiscal do trabalho; 3. A incompetência dos auditores fiscais do trabalho para reconhecer a existência de vínculo empregatício
Introdução
Aos auditores fiscais do trabalho incumbe o exercício da inspeção federal do trabalho, competindo-lhes, em linhas gerais, fiscalizar a higidez das condições de trabalho e o cumprimento às normas justrabalhistas.
Cabe-lhes, assim, atribuir materialidade à legislação trabalhista, na medida em que conferem, no dia a dia das empresas, o respeito às suas normas. Eles também executam a importante tarefa de orientar os empregadores e os próprios empregados a respeito da melhor forma de execução dos preceitos legais. A função que exercem é, portanto, de extrema importância prática.
Há, todavia, controvérsia jurídica quanto à possibilidade de os auditores fiscais do trabalho reconhecerem a existência de vínculo empregatício, impondo obrigações e inclusive penalidades aos inspecionados em caso de identificação de “fraude+ à relação de emprego.
Desta feita, este artigo tem como objetivo apresentar as duas correntes de entendimento acerca desta questão, analisando-as, sobretudo, sobre o prisma de seus fundamentos legais e jurisprudenciais, para, por fim, identificar qual a linha de entendimento que melhor se adéqua às competências atribuídas por lei aos auditores fiscais do trabalho.
1. A inspeção federal do trabalho
A inspeção federal do trabalho é o poder-dever conferido ao Ministério do Trabalho e Emprego de fiscalizar as condições de trabalho e o respeito às normas justrabalhistas.
A atividade, exercida precipuamente pelos auditores fiscais do trabalho, consiste em exercício do poder de polícia (art. 78, Código Tributário Nacional – CTN) e é regulamentada especialmente pelas Leis 7.855/1989 e 10.593/2002, pelo Decreto 4.552/2002 (Regulamento da Inspeção do Trabalho) e pelos artigos 626 e seguintes da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT,
Também trazem previsões normativas a seu respeito a Convenção 81 da Organização Internacional do Trabalho – OIT e, ainda, a Instrução Normativa 03/1997 do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE.
Como bem observa Rafaela Pereira Morais[1], o processo de inspeção fiscal não é inerte como o Judiciário, que necessita ser provocado através do direito de ação, ao contrário, é dinâmico e pró-ativo.
Ele consiste, precipuamente, na visita a empresas para averiguar o fiel cumprimento das leis trabalhistas, na orientação a empregados e empregadores sobre a correta aplicação das normas, na verificação, “in loco” ou através de diligências indiretas, da correta utilização dos equipamentos de proteção ao trabalho, dentre outras medidas.
2. Atribuições legais do auditor fiscal do trabalho
No exercício deste poder de polícia que lhe incumbe, cabe ao auditor fiscal do trabalho investigar, por meio do livre acesso ao ambiente de trabalho e aos documentos da empresa, bem como impor obrigações aos inspecionado (por exemplo, expedir notificações de débito, notificações para correção de nulidades ou autos de infração – art. 629, CLT).
De se lembrar, todavia, tratar-se de atividade fiscalizatória administrativa, a qual se submete, pois aos princípios constitucionais e administrativos (art. 37, Constituição Federal – CF), inclusive o direito do inspecionado à ampla defesa e ao contraditório.
À época da ratificação da Convenção 81 da OIT pelo Brasil (a qual versa sobre a inspeção do trabalho na indústria e no comércio), no final da década de 1980[2], muito se discutiu se o livre acesso do auditor fiscal à empresa não ocasionaria desrespeito à propriedade privada.
Hodiernamente, porém, essa discussão encontra-se superada à luz, principalmente, do princípio da supremacia do interesse coletivo, da fé pública das atividades exercidas pelos agentes públicos e do dever de sigilo por parte da autoridade fiscalizadora.
Assim, somente no caso de comprovada necessidade não poderá o agente fiscal adentrar nas dependências da empresa ou examinar determinados documentos – até porque o ato administrativo de fiscalizar é vinculado e não discricionário.
3. A (in)competência dos auditores fiscais do trabalho para reconhecer a existência de vinculo empregatício
Nada obstante a importante da função exercida pelos auditores fiscais, há controvérsia acerca de incluir-se ou não, dentre suas atribuições legais, a competência para reconhecer a existência de vínculo empregatício.
Há corrente doutrinária para a qual falece tal competência aos auditores fiscais do trabalho, a qual seria exclusiva da Justiça do Trabalho.
Isto porque, em respeito ao princípio da legalidade estrita e à redação do artigo 114 da Constituição Federal[3], faltaria permissivo legal a essa atuação dos auditores. A previsão do artigo 39 da CLT[4] também reforçaria essa conclusão. Ademais, apenas o magistrado trabalhista estaria apto a verificar a presença dos requisitos caracterizadores do vínculo empregatício (art. 3o, CLT[5]).
Adpto desta linha de raciocínio jurídico, Sergio Pinto Martins[6] explica:
“Se a defesa disser que o trabalhador não é empregado da empresa, a DRT não pode decidir sobre o vínculo de emprego, pois não tem competência para tanto. Assim, é necessário encaminhar os autos para a Justiça do Trabalho”. (Grifo nosso)
Já corrente oposta sustenta a competência, “in casu”, dos auditores fiscais do trabalho. Ela decorreria, primeiramente, da previsão do artigo 114, VII, da Constituição da Republica:
“Art. 114, CF – Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;”
é que este artigo deveria ser compreendido a luz da “teoria dos poderes implícitos”. Neste sentido a lição do Procurador da Fazenda Nacional Paulo Mariano Alves de Vasconcelos:
“Não há nenhuma previsão expressa de poder de reconhecimento de relação de emprego por parte da Justiça do Trabalho. Nem precisaria. Tal atribuição está implícita nos poderes conferidos, porque não há como resolver litígios individuais decorrentes da relação de trabalho material sem que se possa reconhecer a existência de relação de trabalho, ainda que não formalizada”. (Grifo nosso)
Também autorizariam os auditores fiscais a reconhecer a existência de vínculo empregatício a redação dos artigos 626 da CLT[7] e 3o, item “1”, alínea “a”, da Convenção 81 da OIT[8], que prevêem caber ao Ministério do Trabalho a fiscalização do fiel cumprimento das normas de proteção ao trabalho.
Em conformidade com as normas legais supracitadas, o artigo 7o, § 1º, da Lei 7.855/1989 implicitamente permite que o auditor fiscal do trabalho reconheça a existência de vínculo empregatício, o que autorizado de forma expressa pelo artigo 11, II, da Lei 10.593/2002. é a redação destes dispositivos:
“Art. 7º, Lei 7.855 – Fica instituído o Programa de Desenvolvimento do Sistema Federal de Inspeção do trabalho, destinado a promover e desenvolver as atividade de inspeção das normas de proteção, segurança e medicina do trabalho.
§ 1º O Ministro de Estado do Trabalho estabelecerá os princípios norteadores do Programa que terá como objetivo principal assegurar o reconhecimento do vínculo empregatício do trabalhador e os direitos dele decorrentes e, para maior eficiência em sua operacionalização, fará observar o critério de rodízios dos agentes de Inspeção do Trabalho na forma prevista no Regulamento da Inspeção do Trabalho. (Grifo nosso)
Art. 11, Lei 10.593 – Os ocupantes do cargo de Auditor-Fiscal do Trabalho têm por atribuições assegurar, em todo o território nacional:
II – a verificação dos registros em Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, visando a redução dos índices de informalidade”; (Grifo nosso)
Também dispõe neste sentido os Enunciados 56 e 57 da 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, os quais dispõem:
“Enunciado 56, 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho – AUDITOR FISCAL DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. POSSIBILIDADE.
Os auditores do trabalho têm por missão funcional a análise dos fatos apurados em diligências de fiscalização, o que não pode excluir o reconhecimento fático da relação de emprego, garantindo-se ao empregador o acesso às vias judicial e/ou administrativa, para fins de reversão da autuação ou multa imposta.
Enunciado 57, 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho – FISCALIZAÇÃO DO TRABALHO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. DESCONSIDERAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA E DOS CONTRATOS CIVIS.
Constatando a ocorrência de contratos civis com o objetivo de afastar ou impedir a aplicação da legislação trabalhista, o auditor-fiscal do trabalho desconsidera o pacto nulo e reconhece a relação de emprego. Nesse caso, o auditor-fiscal não declara, com definitividade, a existência da relação, mas sim constata e aponta a irregularidade administrativa, tendo como conseqüência a autuação e posterior multa à empresa infringente”.
A jurisprudência também tem, majoritariamente, reputado que o poder de policia legalmente atribuído aos auditores fiscais do trabalho abrange o reconhecimento do vinculo empregatício.
Cita-se, a título exemplificativo, a seguinte decisão do Tribunal Superior do Trabalho:
“RECURSO DE REVISTA. AUTO DE INFRAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA.
O Poder Executivo tem a competência e o dever de assegurar a fiel execução das leis no País (art. 84, IV, CF), função que realiza, no âmbito juslaborativo, entre outras medidas e instituições, mediante a competência explícita da União para organizar, manter e executar a inspeção do trabalho (art. 21, XXIV, CF). O Auditor Fiscal do Trabalho, como qualquer autoridade de inspeção do Estado (inspeção do trabalho, inspeção fazendária, inspeção sanitária, etc.) tem o poder e o dever de examinar os dados da situação concreta posta à sua análise, durante a inspeção, verificando se ali há (ou não) cumprimento ou descumprimento das respectivas leis federais imperativas. Na hipótese da atuação do Auditor Fiscal do Trabalho, este pode (e deve) examinar a presença (ou não) de relações jurídicas enquadradas nas leis trabalhistas e se estas leis estão (ou não) sendo cumpridas no caso concreto, aplicando as sanções pertinentes, respeitado o critério da dupla visita. Se o empregador mantém trabalhador irregular, ofende o art. 41 da CLT, referente à obrigatoriedade de mantença dos livros de registros de empregados. Analisar a situação fática e realizar seu enquadramento no Direito é tarefa de qualquer órgão fiscalizador do Estado, em sua atribuição constitucional de fazer cumprir as leis do País. Não há qualquer restrição na ordem jurídica quanto à impossibilidade de o órgão fiscalizador verificar a presença dos elementos caracterizadores da relação de emprego. No caso concreto, verifica-se que o Tribunal Regional manteve a sentença que declarou nulo o Auto de Infração nº 019234635, porquanto considerou que o reconhecimento de vínculo restaria configurado com as contratantes diretas e não com a Reclamada. Considerou, ainda, que o Auditor Fiscal do Trabalho não detém competência para afastar a contratação temporária e declarar o vínculo de emprego diretamente com o tomador de serviços (Ambiental Paraná Florestas S.A). Entretanto, restou também consignado no acórdão regional que a fiscalização constatou a ilicitude na prestação de serviços de trabalhadores no estabelecimento, gerando multa sob responsabilidade da tomadora dos serviços, ante o reconhecimento direto de vínculo de emprego. Nesse aspecto, constitui múnus público do Auditor Fiscal do Trabalho identificar a presença (ou não) de relações jurídicas enquadradas nas leis trabalhistas para, em caso de descumprimento, aplicar as sanções cabíveis, máxime porque o auto de infração lavrado ostenta presunção de legalidade e veracidade, cabendo, então, à Autora comprovar, cabalmente, que o desempenho das atividades pelos prestadores de serviço em seu estabelecimento era legal e regular. Em não havendo tal prova nos autos, e diante da ilicitude constatada, o Auto de Infração de número 019234635 encontra-se respaldado legalmente. Recurso de revista conhecido e provido.” (TST, RR 169-37.2010.5.09.0009, Data de Julgamento: 14/11/2012, Relator Ministro: Mauricio Godinho Delgado, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 23/11/2012). (Grifo nosso)
Diante do exposto, percebe-se prevalecer na jurisprudência trabalhista o entendimento de que os auditores fiscais do trabalho não somente podem, no exercício da atividade fiscalizatoria, reconhecer a existência de relação de emprego, como é um dever institucional seu assim proceder.
Considerações finais
Conclui-se prevalecer na jurisprudência trabalhista o entendimento de que a verificação da existência de vínculo empregatício é procedimento inerente à função fiscalizadora desempenhada pelos auditores fiscais do trabalho.
De fato, a leitura da legislação trabalhista sobre a inspeção federal do trabalho à luz do princípio trabalhista da proteção leva a esta conclusão. Assim, o auditor fiscal do trabalho está, por força da lei e sob pena de responsabilidade administrativa, obrigado a verificar a existência ou não de violação de preceito legal, sendo sua conclusão motivadora na aplicação da sanção correspondente, devidamente lavrada em auto próprio (art. 628 da CLT[9]).
Tal não significa, porém, que o reconhecimento do vinculo de emprego por parte dos auditores fiscais não possa ser reexaminado, tanto na esfera administrativa, como também na judicial.
Graduada em Direito UFSC e em Relações Internacionais UNIVALI. Especialista em Direito Constitucional e em Direito Material e Processual do Trabalho. Atualmente atua como Procuradora Geral do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Santa Catarina
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