Resumo: Este artigo pretende analisar o termo de início do prazo prescricional dos crimes tributários formais. O Supremo Tribunal Federal, através da súmula vinculante nº.: 24, pacificou o entendimento acerca do termo inicial para a contagem do prazo prescricional nos crimes tributários materiais. Não há, contudo, um posicionamento firme da Suprema Corte quanto aos crimes tributários formais. O problema deste artigo pode-se traduzir na seguinte pergunta: qual o termo a quo do prazo prescricional nos crimes tributários formais? O objetivo deste artigo é investigar a questão e, se possível, responder ao problema.
Palavras-chave: Crimes Tributários; Prescrição; Direito Penal.
Abstract: This article analyzes the commencement of the period of statute of limitations for formal tax crimes. The Supreme Court, through binding precedent nº.: 24, pacified the understanding of the initial term for the statute of limitations count in materials tax crimes. There is, however, a firm positioning of the Supreme Court regarding the formal tax crimes. The problem of this article can be translated in the following question: what is the term a quo of the statute of limitations in the formal tax crimes? The purpose of this article is to investigate the matter and, if possible, address the problem.
Keywords: Tax Crimes; Statute of Limitations; Criminal law.
Sumário: Introdução. 1. Contextualização do Problema. 2. Análise Crítica do Problema. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O Supremo Tribunal Federal, através da súmula vinculante nº.: 24, pacificou o entendimento acerca do termo inicial para a contagem do prazo prescricional nos crimes tributários materiais. Não há, contudo, um posicionamento firme da Suprema Corte quanto aos crimes tributários formais.
O problema deste artigo pode-se traduzir na seguinte pergunta: qual o termo a quo do prazo prescricional nos crimes tributários formais?
O artigo é estruturado em 2 itens:
No primeiro item, é realizada a contextualização do problema, destacando o entendimento jurisprudencial e doutrinário.
No segundo item, é realizada a análise crítica do problema, com o objetivo de responder ao questionamento.
O objetivo deste artigo é investigar a questão e, se possível, responder ao problema.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO DO PROBLEMA
Durante muito tempo discutiu-se sobre a necessidade do término do procedimento administrativo fiscal para que a atuação do Ministério Público nos crimes tributários, regulados pela Lei nº. 8.137/90, fosse considerada legítima. A grande polêmica girava em torno da impossibilidade de se considerar consumado o crime de sonegação fiscal antes da constituição definitiva do crédito tributário.
Ocorre que, em 02.12.2009, o STF pacificou o tema e consolidou a questão com a edição da súmula vinculante nº.: 24, do STF, que diz o seguinte: “Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV, da Lei nº 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo.”.
De fato, quanto aos tipos materiais a questão restou pacificada, inclusive, para efeitos da contagem do prazo prescricional, que tem como termo inicial a data da constituição definitiva do crédito tributário.
Contudo, a dúvida persistiu quanto aos outros tipos penais da Lei nº. 8.137/90, os denominados tipos formais. Quanto a estes, manteve-se a dúvida sobre o momento consumativo: a data do fato ou a constituição definitiva do crédito tributário.
Em verdade, no Direito Penal, quando se trata de crime formal, que deste são espécies os previstos no artigo 2º, da Lei 8.137/90, a consumação é antecipada. Nos dizeres de Ney Moura Teles: “formal é o crime cujo tipo descreve uma conduta, menciona um resultado, mas não exige que este ocorra para sua consumação. São chamados de crimes de consumação antecipada ou de resultado.[1]
Ao tratarem especificamente dos crimes tributários, Luiz Flávio Gomes e Alice Bianchini afirmam que:
“O tipo penal previsto no art. 2º, I, da Lei 8.137/90, consoante clássica diferenciação, pertence à categoria denominada delito formal, isto é, descreve o resultado naturalístico (supressão de pagamento de tributo) mas não o exige para a consumação formal do delito.”[2]
A partir do entendimento de que o crime formal é de consumação antecipada, pois, não há a necessidade da ocorrência do resultado para a consumação do delito, seria desnecessária a conclusão do procedimento administrativo fiscal para a consumação da infração, pois, a conduta do agente é suficiente para que o tipo penal em questão tenha incidência.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou nesse sentido nos Embargos de Declaração no Recurso em HC 90.532-3 CE, senão vejamos:
“Processo: RHC 90532 CE
Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Publicação: DJe-208 DIVULG 05-11-2009 PUBLIC 06-11-2009 EMENT VOL-02381-03 PP-00728
Parte(s): MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
RAFAEL PEREIRA DE SOUZA
MARIA FRANCISCA ALVES SOUZA
Ementa
Embargos de declaração. Efeitos infringentes. Admissibilidade excepcional. Necessidade de intimação da parte embargada para contra-razões. Art. 2º, inc. I, da Lei nº 8.137/90. Crime formal. Desnecessidade de conclusão do procedimento administrativo para a persecução penal. Visando os embargos declaratórios à modificação do provimento embargado, impõe-se, considerado o devido processo legal e a ampla defesa, a ciência da parte contrária para, querendo, apresentar contra-razões. O tipo penal previsto no artigo 2º, inc. I, da Lei 8.137/90, é crime formal e, portanto, independe da consumação do resultado naturalístico correspondente à auferição de vantagem ilícita em desfavor do Fisco, bastando a omissão de informações ou a prestação de declaração falsa, não demandando a efetiva percepção material do ardil aplicado. Dispensável, por conseguinte, a conclusão de procedimento administrativo para configurar a justa causa legitimadora da persecução. Embargos declaratórios providos.”[3]
O precedente do STF é seguido pelos tribunais ao redor do país. (STJ: HC 195824 DF 2011/0018840-2 – Relator(a): Ministra LAURITA VAZ; TRF4: Processo: ACR 7009 PR 0003681-07.2007.404.7009 – Relator(a): ARTUR CÉSAR DE SOUZA; TRF1: Processo: ACR 5679 MG 0005679-14.2004.4.01.3803 – Relator(a):DESEMBARGADORA FEDERAL ASSUSETE MAGALHÃES; e TRF3: Processo: ACR 1944 SP 2006.61.14.001944-6 – Relator(a): DESEMBARGADORA FEDERAL RAMZA TARTUCE).
Existe também a corrente que defende não haver diferença entre crime tributário formal e crime tributário material no que tange ao momento consumativo, devendo o procedimento administrativo fiscal ser sempre finalizado antes de se discutir a responsabilidade penal de alguém. Essa corrente defende que mesmo no caso dos crimes formais é preciso saber se o tributo que se buscava suprimir era devido. Por exemplo, uma declaração falsa somente poderia ser considerada crime tributário se a exação for considerada exigível no procedimento administrativo.
O artigo 83, da Lei 9.430/1996, com redação dada pela Lei 12.350/2010, pretendeu resolver a questão, ao afirmar que a representação fiscal para fins penais somente pode ser encaminhada ao Ministério Público após a decisão final na esfera administrativa:
“Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente. (Redação dada pela Lei nº 12.350, de 2010)”
Para a doutrina, contudo, a polêmica continua existente, pois, a lei pretende tratar de maneira idêntica duas situações completamente distintas. Vale destacar que a Lei 12.350/2010, que tem como origem a Medida Provisória nº.: 497/2010, trata desde assuntos como a Copa das Confederações de 2013 e a Copa do Mundo de 2014 até o fomento das atividades de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica nas empresas. A partir dessas informações, percebe-se, desde logo, que o tema relativo aos crimes tributários foi enxertado indevidamente no texto legal. O fato de o tema ser objeto de lei não é garantia de que seja nela tratado corretamente. O Supremo Tribunal Federal, intérprete máximo da Constituição, já demonstrou a complexidade da questão.
Segundo Hugo de Brito Machado, o Supremo Tribunal Federal, mesmo diante do art. 83, da Lei nº 9.430, de 27 de dezembro de 1996, afirmou ser possível a propositura da ação penal antes dessa comunicação. E a Suprema Corte somente não declarou a inconstitucionalidade daquele dispositivo legal, por entender que o mesmo se dirigia apenas às autoridades administrativas, e não limitava a conduta do Ministério Público, pois “é pública incondicionada a ação penal por crime de sonegação fiscal”.[4]
Considerando a controvérsia, a Procuradoria Geral da República ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4980 contra a nova redação do artigo 83 da Lei nº 9.430/1996.[5] A ADI sustenta a inconstitucionalidade da Lei em face do abuso da competência extraordinária para a adoção de medidas provisórias e em razão do tratamento errôneo aos crimes de natureza formal, por ofensa aos artigos 3º; 150, II; 194, caput e inciso V; e 195 da Constituição, bem como ao princípio da proporcionalidade, sob a perspectiva da proteção deficiente.
A questão encontra-se para a análise da Suprema Corte.
2. ANÁLISE CRÍTICA DO PROBLEMA
Conforme apontado acima, para o Direito Penal, a distinção entre crime material e crime formal não é apenas para fins didáticos. O fato de uma espécie exigir o resultado naturalístico (ou não) faz parte da essência do próprio tipo penal. O sujeito que faz uma declaração falsa ao Fisco, ainda que o tributo que pretenda suprimir seja considerado inexigível no procedimento administrativo fiscal, pratica um fato típico (art. 2, I, Lei 8.137/90). Defender o contrário significa colocar este agente na mesma situação de alguém que sempre faz declarações verdadeiras ao Fisco.
Para o argumento que sustenta que a conduta de prestar declaração falsa ao Fisco referente a tributo inexigível não é criminosa, pois não causa danos aos cofres públicos, há o contra-argumento de que o artigo art. 2, inciso I, da Lei 8.137/90 visa punir apenas a declaração falsa ao fisco, independentemente de supressão de tributo. Para punir a declaração falsa seguida de efetiva sonegação fiscal há o tipo do artigo 1, inciso I, da mesma Lei. É princípio basilar de hermenêutica jurídica aquele segundo o qual a lei não contém palavras inúteis: verba cum effectu sunt accipienda.[6]
Conforme foi colocado no tópico anterior, a situação dos crimes formais é peculiar, pois, não exige o resultado naturalístico para a consumação do crime. Trata-se de um postulado do Direito Penal que não pode ser suprimido por questões de natureza tributária. No caso do Direito Penal Tributário, a Lei Tributária apenas subsidia a aplicação da Lei Penal e não o contrário.
Normalmente, o Direito Tributário utiliza institutos e definições próprias de outros ramos do Direito, como o civil, empresarial, sendo, por isso, um “direito de superposição”. A lei tributária cumpre seus fins mediante a utilização de certos conteúdos que encontra apenas em outros ramos jurídicos. No campo do direito penal tributário, todavia, a lei tributária é “lei de subposição”, ou seja, oferta determinados conceitos, institutos, para que a lei penal seja efetivada. Segundo Roque Antônio Carraza, o “direito penal tributário superpõe-se ao direito tributário para, de acordo com as situações que este último regula, dispensar especial proteção aos interesses fazendários”.[7]
Isso significa ao menos duas coisas, que estão interligadas: a) no direito penal tributário, os princípios fundamentais do direito penal prevalecem sobre a lei tributária; desde que b) conceitos, institutos e procedimentos da lei tributária sejam compreendidos e respeitados em sua essência.
Portanto, não pode a lei tributária impor um regime ao Direito Penal, quando seus princípios e institutos são contrários a este regime. Isso significa que a distinção entre crimes materiais e crimes formais, especialmente no que se refere ao momento consumativo, deve prevalecer ante a necessidade de se aguardar o procedimento administrativo fiscal.
CONCLUSÃO
Após a cuidadosa análise do tema, conclui-se que não é necessário aguardar o trânsito em julgado do processo administrativo tributário para que a Autoridade Policial ou o MP, desde logo, promova a persecução penal, seja com inquérito policial ou com a própria ação judicial.
Isto significa que nos crimes tributários formais não é preciso que a autoridade tenha de esperar a conclusão do procedimento administrativo fiscal para que comece a praticar os atos de investigação necessários a responsabilização do agente.
Isso também implica dizer que, nos casos de crimes formais contra a ordem tributária, o termo inicial do prazo prescricional tem início no dia em que se deu a conduta (data da consumação do crime formal), nos termos do artigo 111, I, do CP, interrompendo-se somente com o recebimento da denúncia, conforme artigo 117, I, do mesmo diploma legal.
Mestre em Direito, Políticas Públicas e Desenvolvimento Regional pelo Centro Universitário do Pará (CESUPA). Pós-graduado em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Advogado
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