O Princípio Constitucional da Dignidade Humana x assédio moral no trabalho e a crise econômica

Desde os primórdios, a dignidade humana é assunto de grande importância entre as pessoas. A própria Bíblia em seus ensinamentos já há séculos auxiliava a vida harmônica e digna em comunidade: “Também, assim como quereis que os homens façam a vós, fazei do mesmo modo a eles.” (Lucas 6:30)


A dignidade é imanente ao ser humano. É uma característica comum ao homem que está inserido em qualquer cultura, religião ou instituição humana. Mesmo submetido a circunstâncias diversas, preserva essa essencialidade comum.


Porém, o que se observou ao longo da história foram relações pessoais bem diferentes – desde a antigüidade até os tempos atuais, nem sempre houve o primado do ser humano sobre todos os outros interesses. Principalmente no que tange às relações de Trabalho.


Sempre que se pensa em relação de trabalho, observa-se a dominação econômica de um ser humano sobre o outro, o mando do detentor do capital. E isso faz com que a dignidade do trabalhador normalmente não seja considerada.


Mas é importante considerar o Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana.


No art. 1º, III, CF/88 se encontra o Princípio da dignidade, positivado como Fundamento da República Federativa do Brasil:


Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:


I – a soberania;


II – a cidadania;


III – a dignidade da pessoa humana;


IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;


V – o pluralismo político.


Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”


Este princípio simboliza a base do próprio Estado Brasileiro. Mostra que as pessoas devem ser respeitadas, resguardadas em sua integridade física, mental e moral.


Porém, como já comentado anteriormente, nas relações de trabalho encontra-se grande desrespeito a esse princípio, fazendo com que o Estado intervenha nessas relações para tentar resguardar a parte mais fraca desta relação.


Com isso, no passar dos anos notou-se o surgimento de institutos jurídicos que visam punir algumas atitudes dentro das relações de trabalho, como o Dano Moral, Assédio Moral, Assédio Sexual dentre outros.


Devido à grande crise econômica enfrentada por todo o globo, o mercado de trabalho ficou muito frágil, fazendo com que os trabalhadores criassem uma competição desleal entre si e os empregadores detivessem mais poder em sua mão.


Diante de tal situação, notou-se um crescimento considerável nos casos de assédio moral dentro dos ambientes de trabalho, não só com relação à empregadores e empregados mas também entre os próprios empregados, fazendo com que a dignidade do ser humano, que nunca ocupou o topo das preocupações,  fosse transplantada para último plano.


Segundo a estudiosa francesa Marie-France Hirigoyen o Assédio Moral no trabalho ‘é qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.’


Muito se comenta sobre o Assédio Moral realizado pelo detentor do poder, superior hierárquico – muitas vezes o gerente, supervisor, diretor – sobre seu subordinado. É certo que esta é a hipótese mais recorrente, mas casos diferenciados ocorrem também de forma rotineira e são reconhecidos como espécies típicas de assédio.


No campo do assédio moral, é possível identificar três espécies básicas, a saber: o assédio moral vertical (chefe para seu subordinado ou subordinado para chefe), o assédio moral horizontal (entre colegas de trabalho) ou o assédio misto (chefe e colegas de trabalho para um empregado).


E o que se sabe é que desde o fim de 2008, ocorreu um aumento considerável de trabalhadores que ingressaram na Justiça do Trabalho alegando humilhações e ameaças no emprego. Dificuldades nas empresas por causa da crise podem gerar situações de assédio, embora não exista legislação federal específica no país.


De acordo com um jornal informativo, Procuradores do Ministério Público do Trabalho em seis Estados (Rio, Pernambuco, Piauí, Ceará, Santa Catarina e São Paulo) e no Distrito Federal investigam 145 denúncias recebidas neste ano (2009) sobre assédio nos setores aéreo, bancário, metalúrgico e de comércio.


Ainda segundo este informativo, ‘com o acirramento da competição, o assédio moral tende a crescer intra e entre os grupos nas empresas de diferentes setores -principalmente em segmentos onde a tensão é maior, como mercado financeiro e empresas que tiveram o patrimônio reduzido na crise.’


No Brasil pesquisas começam a ser feitas e publicadas sobre o assédio moral nas empresas. Segundo MENEZES, de um total de 4.718 profissionais ouvidos, 68% deles afirmaram sofrer humilhações várias vezes. E a maioria, 66%, afirmaram que já foram intimidados por seus superiores.


Pesquisa feita recentemente pela Anamatra (associação que reúne os juízes trabalhistas do país) mostra que 79% dos juízes apontaram a necessidade de que o assédio moral seja regulamentado em lei.


Não há dúvidas de que a regulação é muito importante pois estabelecerá critérios objetivos do que é ou não assédio, de que forma ocorre e como deve ser indenizado. Os juízes vão se sentir mais seguros na hora de julgar um caso, os empregadores terão limites mais claros de suas atuações e os empregados poderão discernir quando realmente estão sendo agredidos moralmente.


Porém, importa mostrar que qualquer que seja a mudança ocorrida na legislação, não será o suficiente para acabar com todas as práticas de abuso de poder no âmbito do trabalho.


Infelizmente, embora a Justiça do Trabalho tenha como primado a celeridade, no geral a justiça em nosso país se mostra lenta e, provavelmente, configurar de forma concreta a prática de assédio moral será um processo lento e demorado.


Mas o que mais importa nessas questões é a preocupação mostrada pela Constituição com a dignidade da pessoa humana. Como os números citados acima mostram, a crise veio para desvalorizar ainda mais a dignidade dos trabalhadores, uma vez que são obrigados a se submeter a condições de ‘vítimas de assédio moral’ pois não têm como sobreviver sem emprego, uma vez que normalmente são chefes ou arrimo de família.


Sem dúvida, o trabalho é um dos componentes da condição de dignidade da pessoa. Visa promover o estado de bem viver, assegurando o sustento do trabalhador e de sua família, a saúde, o lazer e o progresso material.


Os direitos sociais, notadamente os relativos ao trabalho, demandam do Estado uma obrigação de atuação concreta, de inclusão social do indivíduo, satisfazendo o mínimo para sua sobrevivência, garantindo uma existência material mínima.


Assim, concluímos que embora não seja uma tarefa fácil para o Estado garantir aos cidadãos dignidade, esta é uma obrigação sua e deve ser garantida a todos, em especial aos trabalhadores que dependem de uma ajuda extra por estarem em posição econômica desprivilegiada em relação aos seus empregadores.


 


Bibliografia

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.

HIRIGOYEN, Marie-France, Assédio Moral: a violência perversa no cotidiano. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2001.

MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio Moral e seus efeitos jurídicos. Síntese Trabalhista, Porto Alegre, v. 14, n. 161, p. 140-152, dezembro 2002.

NASCIMENTO, Sônia A.C. Mascaro. O assédio moral no ambiente do trabalho. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=5433>. Acesso em 17 de junho de 2005.

ROLLI, Cláudia, FERNANDES, Fátima. Casos de assédio moral crescem na crise. Disponível em: http://www.assediomoral.org/spip.php?article427Acesso em 5 de julho de 2009.

SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. Rio de Janeiro: Editora e livraria jurídica do Rio de Janeiro, 2005.

TRADUÇÃO DO NOVO MUNDO DAS ESCRITURAS SAGRADAS (Bíblia)
Pesquisa:http://www.jornaldamidia.com.br/noticias/2009/03/06/Brasil/Magistrados_e_vitimas_querem_lei_.shtml – publicado em 06 de março de 2009 – Acesso em 05 de julho de 2009 – Magistrados e Vítimas querem Lei que Defina o Assédio Moral.

Informações Sobre o Autor

Luciana Santos Trindade Capelari

Advogada trabalhista e empresarial, Especialista em Direito Processual, e em Direito do Trabalho e mestranda em Direito e Processo do Trabalho pela PUC Minas


Equipe Âmbito Jurídico

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