Sumário: 1. Introdução; 2. Breve relato histórico; 3. Conceito de confisco; 4. O princípío em si; 5. Destinatários da norma constitucional; 6. Exceções à utilização do tributo como efeito de confisco; 7. Multa e confisco; 8. Conclusão; 9. Notas; 10. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
O Princípio do Não Confisco tem sido objeto de acirrados debates entre os vários estudiosos do Direito Tributário, no que se refere ao seu real significado e quanto à sua abrangência. Com o objetivo de contribuir para o avanço deste ramo do Direito Tributário, pretende-se delinear os mais importantes caracteres atrelados ao Princípio do Não Confisco, estabelecendo, assim, sua relevância para a ordem jurídico-tributária brasileira.
2. BREVE RELATO HISTÓRICO
O instituto do confisco é milenar e esteve ou ainda está presente em vários países ao longo da história, desde o Direito Romano até os tempos atuais. De acordo com Navarro Coelho, “em sua formulação mais vestuta, o princípio do não-confisco originou-se do pavor da burguesia nascente em face do poder de tributar dos reis.”[1]
Como vimos antes, a partir do século XI, os povos europeus, sobretudo os ingleses, já propugnavam a necessidade de lei aprovada pelas Assembléias Representativas do povo para a cobrança de tributo, confirmando o ideal de que a exigência tributária é um sacrifício coletivamente consentido.
Essas foram as origens do Princípio da Legalidade, que se configura como uma importante limitação ao poder de tributar e, por conseguinte, barreira, também, à tributação com efeito confiscatório.
De acordo com Paulo Cesar Baria de Castilho, “o Direito Constitucional Moderno, com suas raízes na Carta Magna de 1215, também revela essa idéia, ou seja, a de impor limites ao poder de tributar.”[2]
Durante a Idade Medieval, começou-se a por em dúvida a justiça e aplicação do confisco e isso culminou com as famosas revoluções, sendo de bom alvitre, neste momento, citar Uckmar:
A revolução francesa e a americana – em grande parte conseqüências do descontentamento do povo pela opressão fiscal – conduziram à determinação dos princípios que são basilares do direito constitucional. Na França, aguda era a luta da burguesia contra o clero e a nobreza isentas de grande parte dos impostos.[3]
Após isso, as discussões acerca da legitimidade do confisco se deram em sede de Direito Internacional Público, mormente nas guerras, em razão da apropriação dos bens dos inimigos.
Neste sentido, Fabio Brun Goldschmidt afirma que:
Discutiu-se nessa seara se o confiscável era unicamente a propriedade pública do inimigo, ou, inclusive, os bens particulares do mesmo, havendo se inclinado a doutrina a somente admitir a primeira hipótese, tendo em vista tratar-se a guerra de um conflito entre Estados, e não entre pessoas, motivo pelo qual inclusive regulamentos militares proíbem confiscar-se a propriedade privada do inimigo. Dentro da ótica da guerra, o confisco é visto não apenas como punição, tal qual ordinariamente ocorre, mas também como medida de prevenção.[4]
Por fim, insta afirmar que, atualmente, o Princípio da Vedação ao Confisco encontra-se em alto grau de evolução, sendo, inclusive, reconhecido por grande parte das Cartas Políticas existentes no cenário mundial.
3. CONCEITO DE CONFISCO
Sem adentrar na seara tributária, pode-se aduzir que “confisco, ou confiscação, é […] o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judicial, fundados em lei.”[5]
Para Goldschmidt, confisco é “o ato de apreender a propriedade em prol do Fisco, sem que seja oferecida ao prejudicado qualquer compensação em troca. Por isso, o confisco apresenta o caráter de penalização, resultante da prática de algum ato contrário à lei.”[6]
Isto ocorre, v.g., no artigo 243, parágrafo único, da Constituição Federal, cuja dicção prevê que “todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins será confiscado […].”[7]
Passando para a seara do Direito Tributário, de início, cabe informar que vários foram os doutrinadores chegaram a conceituar o termo “confisco tributário”, sendo, também, necessário alertar para obscuridade do tema.
Dentre os autores[8] que definiram o termo “confisco tributário”, destaca-se Sampaio Dória, para quem “quando o Estado toma de um indivíduo ou de uma classe além do que lhes dá em troco, verifica-se o desvirtuamento do imposto em confisco […].”[9]
Em outras palavras, finalmente, pode-se conceituar confisco tributário como o ato Estatal, em virtude de uma obrigação fiscal, pelo qual é injustamente transferida a totalidade ou parcela substancial da propriedade do contribuinte ao ente tributante, sem qualquer retribuição financeira ou econômica por tal ato.
4. O PRINCÍPÍO EM SI
A Constituição estabelece em seu artigo 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, assim redigido: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.”[10]
Esta vedação constitucional do confisco tributário nada mais representa senão a coibição, pela Lex Legum, de qualquer aspiração estatal que possa levar, na seara da fiscalidade, à injusta apropriação pelo Estado, no todo ou em parte, do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a comprometer-lhes, em razão da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
Neste mesmo caminho, Goldschmidt assevera:
O princípio inserto no art. 150, IV, da Carta […] tem a precípua função de estabelecer um marco às limitações ao direito de propriedade através da tributação, para indicar (e barrar) o momento em que a tributação deixar de lubrificar e construir o direito de propriedade (viabilizando a sua manutenção), para inviabilizá-lo. Graficamente, poderíamos dizer que a limitação via tributação termina onde começa a privação, o efeito de confisco.[11]
Por fim, cumpre asseverar que se afere o efeito confiscatório do tributo em função da carga tributária em conjunto[12], com a verificação da capacidade do contribuinte – considerando a totalidade de sua riqueza – para suportar a incidência de todos os tributos que deverá pagar, dentro de determinado lapso temporal.
5. DESTINATÁRIOS DA NORMA CONSTITUCIONAL
Quando o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal de 1988, preconiza que, “sem prejuízos de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios utilizar tributo com efeito de confisco”[13] é clarividente a vedação destinada aos entes federados no sentido de impedi-los de praticar tributação confiscatória.
Vale mencionar que o destinatário primeiro da norma constitucional é o legislador infraconstitucional. “E isso também é mais do que lógico, pois, se em nosso ordenamento jurídico somente é permitido exigir ou aumentar tributo por meio de lei, somente a lei poderia criar um tributo que pudesse ser confiscatório.”[14]
Também é evidente que, assim como preceito constitucionalmente previsto, o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, contém uma diretriz para o intérprete e aplicador da lei, especialmente o Poder Judiciário.[15]
Com isso, pode-se arrematar aduzindo que, “como toda norma constitucional, o art. 150, inc. IV, da Carta Magna, contém, inicialmente, uma diretriz para o legislador infraconstitucional e, num segundo momento, para o intérprete e aplicador da lei […].”[16]
6. EXCEÇÕES À UTILIZAÇÃO DO TRIBUTO COMO EFEITO DE CONFISCO
Existem várias situações anômalas que exigem uma forma de tributação mais elevada, em prejuízo à vedação constitucional de utilização do tributo como meio confiscatório.
Como é notório, de acordo com o caso concreto, algumas vezes os Princípios Constitucionais deverão sucumbir à aplicação de outros Princípios Constitucionais de igual valor, eis que o texto constitucional não admite antinomias.
Vale lembrar, conforme ensina Paulo Cesar Baria de Castilho:
O que justifica as “exceções” é exatamente o fato de que, nas situações anômalas aqui tratadas, o tributo deixar de ter sua finalidade primeira, ou seja, ser fonte de arrecadação de receitas para o Estado, e passa a ser utilizado como elemento de controle.[17]
A primeira das exceções ao Princípio do Não-Confisco é acerca dos tributos extrafiscais, em razão de não terem função arrecadatória, servindo, na verdade, como instrumento de ação política, econômica ou social.[18]
Outra exceção é a dos impostos proibitivos, ou seja, aqueles que impedem o livre exercício de uma atividade lícita. Nesta exceção, o Princípio da Vedação ao Confisco vai sucumbir em prol de interesse coletivo e do bem comum. É o caso, por exemplo, da alta tributação sobre a produção de bebidas, de cigarro, prática de jogos de azar etc.
Por fim, também, no estado de guerra, é possível haver confisco, eis que se trata de uma situação extrema, cabendo, inclusive, a instituição do imposto extraordinário de guerra (art. 154, inc. II, da CF).
7. MULTA E CONFISCO
Consoante com o preconizado no artigo 3º do Código Tributário Nacional, pode-se conceituar tributo como “toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”[19], ou seja, não se pode confundir tributo com multa, cuja natureza, nitidamente, é sancionatória.
É sabido que o artigo 150, inciso IV, da Constituição Federal, veda a instituição de tributo (e não multa) com efeito confiscatório. Assim, diante da diversidade de natureza jurídica existente entre as multas e os tributos, seria possível estender o preceito constitucional do Não-Confisco às multas?
Como disse Estevão Horvath, “é grande a tentação de procurar enquadrar quantia excessiva imposta como penalidade pela legislação tributária dentro da moldura do princípio da não-confiscatoriedade.”[20]
Caso, exclusivamente, fosse levado em consideração o rigor científico, poder-se-ia, com toda tranqüilidade, afirmar que o Princípio da Vedação ao Confisco não se estenderia às multas.
Contudo, é forçoso reconhecer que multas excessivamente onerosas devem ser ceifadas de nosso ordenamento jurídico, em virtude de, e apesar de não estarem incluídas no artigo 150, inciso IV, da CF, não só ferirem o direito de propriedade (art. 5º, XXII, CF), mas sobretudo o Princípio da Proporcionalidade.
É importante aduzir que, apesar ferir a cientificidade da ciência jurídica, o Supremo Tribunal Federal estende o Princípio da Vedação ao Confisco de modo a açambarcar também as multas confiscatórias.
Aliás, neste momento, faz-se oportuno colacionar um julgado, onde é assentado tal posicionamento, vejamos:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. §§ 2.º E 3.º DO ART. 57 DO ATO DAS DOSPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. FIXAÇÃO DE VALORES MÍNIMOS PARA MULTAS PELO NÃO-RECOLHIMENTO E SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO INCISO IV DO ART. 150 DA CARTA DA REPÚBLICA. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal.[21]
Assim, seja pela observância do Princípio da Vedação ao Confisco ou pela utilização do Princípio da Proporcionalidade ou, ainda, com base no Direito de Propriedade, é salutar para os contribuintes o banimento das multas confiscatórias.
8. CONCLUSÃO
O presente trabalho foi desenvolvido com o escopo de demonstrar a importância do estudo dos princípios da tributação, em especial do Princípio do Não Confisco. Pretendeu-se, também, após esta breve análise dos mais relevantes assuntos atrelados ao não confisco, que se tenha contribuído para o avanço da ciência jurídico-tributária brasileira.
Cumpre, também, como se pôde constatar, reforçar a idéia de que a vedação constitucional ao confisco tributário nada mais representa que a proibição de qualquer aspiração estatal tendente a levar, na seara da tributação, à injusta apropriação pelo Estado do patrimônio ou das rendas dos contribuintes, de forma a comprometer-lhes, em razão da insuportabilidade da carga tributária, o exercício do direito a uma existência digna, ou, também, a prática de atividade profissional lícita ou, ainda, a regular satisfação de suas necessidades vitais básicas.
Por fim, cumpre aduzir que não se pretendeu esgotar o tema neste singelo trabalho, por isso convidamos vocês leitores à pesquisa constante do tema, relacionando-o com os demais ramos da ciência, visando, ao final, arquitetar uma teoria que leve em conta a realidade da tributação, de forma a sempre buscar a construção de uma sociedade mais justa.
Advogado no Acre. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Acre. Especialista em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie-SP. Pós-graduado em Direito Tributário pela Universidade da Amazônia
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