Resumo: As diferenças e semelhanças entre os princípios são tratadas de forma inédita. As comparações levam ao mesmo resultado: exclusão da tipicidade, por ausência da tipicidade material. As decisões jurisprudências demonstram o entendimento aqui defendido e a nova tendência do direito penal constitucionalizado.
De logo, vale destacar que, a denominação aqui utilizada de Princípios Penais Constitucionais se deve ao fato de que hodiernamente, não é mais possível falar em Direito Penal afastado da Constituição. Aliás, hoje em dia, todos os ramos do direito, a exemplo do Direito Penal, tendem a ser estudados não só à luz da Constituição, mas também de normas que prescrevem os direitos e garantias fundamentais, fenômeno mais conhecido como constitucionalização do direito. Isso tudo se deve ao movimento denominado de constitucionalismo.
Urge destacar que não se pode resumir os valores constitucionais ao texto formal de 05 de outubro de 1988, sendo imprescindível conferir maior elasticidade e mobilidade à dimensão substancial da Constituição, atingindo um resultado efetivo dos princípios constitucionais explícitos e implícitos. Afinal, os Princípios Penais Constitucionais da Adequação Social e da Insignificância podem ser considerados princípios implícitos, uma vez que os seus substratos são retirados de vários fundamentos espalhados e contidos no sistema jurídico.
Em evoluções, o Direito Penal Constitucional moderno não é mais visto, como um instituto cruel, injusto, de vingança privada, existente em tempos antigos. A forma de controle da sociedade que interferiu nas alterações das fontes do direito, contribuiu para o surgimento de diversos princípios fundamentais, a exemplo, dos Princípios Penais Constitucionais da Adequação Social e da Insignificância, os quais trouxeram limites para o Estado, possibilitando uma maior garantia ao cidadão na aplicação da norma de forma mais humana. Isso é o que se denomina Direito Penal Constitucionalizado, Mínimo, Fragmentário e Garantista.
Ao falar do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social e do Princípio Penal Constitucional da Insignificância, ambos de origem distinta, nota-se entre estes uma relação existente, haja vista que eles são instrumentos de interpretação restritiva, fundado na concepção material do tipo penal, por intermédio do qual é possível alcançar, pela via judicial e sem macular a segurança jurídica do pensamento sistemático, a proposição político-criminal da necessidade de descriminalização de condutas que, embora formalmente típicas, não atingem os bens protegidos pelo Direito Penal, em razão da sua adequação, ou atingindo-os, os faz de maneira irrelevante (LOPES, 2000, p. 31-40).
Como é sabido, a tipicidade não se esgota no juízo lógico-formal de subsunção do fato ao tipo legal de crime. A ação descrita tipicamente deve revelar-se, ainda, inadequada e ofensiva para o bem jurídico protegido pela lei penal. O juízo de tipicidade, para que tenha significância e não atinja fatos que devam ser estranhos ao Direito Penal Constitucional, por sua aceitação pela sociedade ou dano social irrelevante, deve atender o tipo, na sua concepção material, como algo dotado de conteúdo valorativo, e não apenas sob seu aspecto formal, de cunho eminentemente diretivo (MAÑAS, 1994, p. 113-114).
Ainda, é sabido que os referidos princípios se fundamentam por conta dos Princípios Penais Constitucionais da Intervenção Mínima, da Fragmentariedade, da Lesividade ou Ofensividade, da Proporcionalidade, entre outros, visto que o Direito Penal Constitucional só deve intervir nos casos de ataques graves aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações de ordem jurídica devem ser objeto de outros ramos do direito.
A adoção dos Princípios Penais Constitucionais da Adequação Social e da Insignificância auxiliam os aplicadores do direito na tarefa de reduzir ao máximo o campo de atuação do Direito Penal, reafirmando seu caráter fragmentário e subsidiário, reservando-se apenas para a tutela jurídica de valores sociais indiscutíveis.
Os supracitados princípios também não têm previsão legal, mas a doutrina e jurisprudência têm conseguido estabelecer alguns critérios de delimitação das condutas consideradas adequadas e insignificantes. Quanto às condutas adequadas, ainda carecem critérios razoáveis e seguros.
Quanto às diferenças entre os referidos princípios, a doutrina e a jurisprudência demonstram alguns dos pontos cruciais. Primeiramente, cumpre salientar que, às vezes, porém, para que se possa fixar a insignificância do comportamento sob a ótica penal constitucional, prevalece o critério do desvalor do evento ou resultado. Já para o reconhecimento de ser a conduta socialmente adequada, não obstante formalmente típica, prepondera, em regra, o desvalor da ação. Todavia, vale frisar que os critérios de desvalor da ação e desvalor do resultado são inseparáveis, revelando-se importantes na tarefa de descriminalização interpretativa. O que pode acontecer em alguns casos, é de prevalecer um sobre o outro, mas isto é resolvido de acordo com o caso concreto, sendo necessária uma análise na estrutura do tipo, o qual irá definir o prevalente (LOPES, 2000, p. 55-72).
Há quem diga (Ex: Luiz Flávio Gomes e outros) que a adequação social de uma conduta vale como critério de correção do tipo penal que, por ser seletivo, não tem como fim a incriminação de condutas ajustadas socialmente, amplamente aceitas ou toleradas pela sociedade. Em determinados casos concretos, em que a conduta do agente aparece claramente como algo normal, comum, consoante determinado ambiente e período histórico-cultural, afasta-se qualquer necessidade de pena, que político-criminalmente só se justifica (mesmo) quando em jogo está a convivência social, diante de ataques sérios e transcendentais para bens jurídicos de grande importância, em razão da lesividade ou ofensividade. Afastada a necessidade de pena, só resta encontrar a base jurídica ou o ponto de apoio sistemático que dê fundamento e torne possível esse resultado. No caso de condutas socialmente adequadas, esse ponto de apoio consiste exatamente na aplicação do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, que surge como negação do desvalor da ação e, desse modo, do próprio tipo penal e do delito. Já a insignificância, por sua vez, é aplicável quando a conduta (em si típica e não considerada comum ou adequada pela sociedade) não atinge o bem jurídico tutelado suficientemente para que se possa concluir pela existência de crime. Desta forma, enquanto aplica-se o Princípio Penal Constitucional da Insignificância a qualquer caso, desde que o objeto jurídico tutelado não tenha sido atingido suficientemente (não ocorrendo crime), o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, o qual não é muito aceito pela jurisprudência e, até mesmo, pela doutrina, seria aplicável somente às hipóteses em que ocorre um fato típico previsto em lei, mas que, em virtude de a sociedade entendê-lo como aceitável ou normal, não haveria necessidade de pena.
Existem entendimentos de que a adequação social tem como pressuposto a aprovação do comportamento para a coletividade, enquanto o Princípio Penal Constitucional da Insignificância leva em consideração a tolerância do grupo em relação à determinada conduta de escassa gravidade. Também se entende que o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social não engloba o Princípio Penal Constitucional da Insignificância, uma vez que no primeiro a conduta é socialmente tolerável, já no segundo ela não é tolerável, e sim, desconsiderada por tratar-se de bem jurídico insignificante.
Com efeito, conforme posicionamentos de alguns autores, parece que o melhor critério para a distinção entre os supramencionados princípios reside mesmo na questão da afetação do bem jurídico. No Princípio Penal Constitucional da Adequação Social, pelo fato de as condutas estarem socialmente adequadas, o bem jurídico resguardado pela norma, sequer é violado em alguns casos. Em outros, o bem jurídico é violado não de maneira insignificante, porém, pela adequação social da conduta, tal fato se torna atípico. O contrário acontece com o Princípio Penal Constitucional da Insignificância. Aqui, o bem jurídico é atingido, mas a afetação é tão ínfima, que seria desproporcional a aplicação de uma pena em razão da conduta formalmente típica, considerada irrelevante para o Direito Penal Constitucional.
Sobre as relações entre os citados princípios, bem pontifica Francisco de Assis Toledo:
“Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria juntamente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo” (1999, p. 133, grifo nosso).
Assim, embora a doutrina e a jurisprudência considerem que nem tudo que é insignificante, é socialmente adequado, e nem tudo que é socialmente adequado, é insignificante, a verdade é que os referidos princípios em sua relação, afastam a tipicidade material, tornando-a por sua vez incompleta (excluída) e por consequência, o fato atípico. Eles são ao menos em parte, coincidentes como considera Heinz Zipf (LOPES, 2000, p. 65-68). Em termos práticos, ambos servem para afastar a tipicidade material do tipo penal, e por conseqüência são causas excludentes da tipicidade.
Ademais, vale salientar que apenas o Princípio Penal Constitucional da Insignificância vem sendo reconhecido pelos tribunais e aplicados pelos operadores do direito de um modo geral, o que demonstra um grande equívoco, uma vez que conforme restou demonstrado, o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social traz conseqüências idênticas as do Princípio Penal Constitucional da Insignificância, o que revela inadmissível a tese de que aquele é inseguro e inútil. Isso é inconcebível e merece ser repensado.
Ao que parece, a tendência da jurisprudência será caminhar no seguinte sentido. Vejamos:
“I) De acordo com o STJ, o princípio da adequação social não pode ser invocado para absolvição em delito de descaminho (HC 30.480/RS, Félix Fischer, 5a. T., un., 15.6.04). Na mesma linha o TRF da 4a. Região, afirmando que: “Não pode ser socialmente adequada a conduta que lesa o erário, a indústria nacional e a economia do país”. (ACR 200304010341718/RS, Paulo Afonso Brum Vaz, 8a. T., un., 14.4.04). Em sentido contrário, admitindo tal fundamento para absolvição, ao lado do princípio da insignificância: TRF 1a. R., AC 199935000006310/GO, Mônica Jaqueline Sifuentes (Conv.), 3a. T., un., 22.10.02;” (TRF 2a R., AC 9702421640/RJ Sérgio Feltrin Corrêa, 2a. T., un., 7.3.01) (Disponível em: <http://www.verbojuridico.com.br/home/cursos-dicas-ler.asp?cod=5-114k->. Acesso em: 05 de fev. 2006, grifo nosso).
“II) DESCAMINHO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. Ementa Oficial: Pelo princípio da insignificância, excluem-se do tipo os fatos de mínima perturbação social. A adequação social leva à impunidade dos comportamentos normalmente admitidos ainda que formalmente realizem a letra de algum tipo legal. Ementa da Redação: Tendo-se em vista o alto custo social que a pena apresenta, as lesões de bens jurídicos só podem ser submetidas à pena, quando isso seja indispensável para a ordenada vida em comum. Uma nova política criminal requer o exame rigoroso dos casos em que convém impor pena (criminalização) e dos casos em que convém excluir, em princípio, a sanção penal (descriminalização), suprimindo a infração, ou modificar ou atenuar a sanção existente (despenalização)” (RT 734/748, T.R.F. da 1ª Região, Ap. 95.01.31300-0/MG – 3ª T. – j. 25.03.1996 – Rel. Juiz Tourinho Neto, grifos nosso).
“III) PENAL – DESCAMINHO – IMPORTAÇÃO – EXCESSO DE COTA – ILUDIR – CONCEITO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – PRINCÍPIO WELZELIANO. Ementa: I – A entrada de mercadorias estrangeiras no País, licitamente, pressupõe o pagamento dos tributos; se o agente não declara o excesso de cota, evidentemente está iludindo o Fisco. II – Pelo princípio da insignificância se exclui do tipo os fatos de mínima perturbação social. A adequação social “leva a impunidade dos comportamentos normalmente admitidos ainda que formalmente realizem a letra de algum tipo legal”. III – “Não se pode castigar o que a sociedade considera correto” (Santiago Mir Puig)” (TRF, 1ª Reg., Apel. 95.01.01938-1-PI, Rel. Tourinho Neto, 10.05.1995, grifo nosso).
“IV) PROCESSO Nº 1998.148-3; RELATOR: DES. EVERARDS MOTA E MATOS. EMENTA: APELAÇÃO. FURTO QUALIFICADO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. PRIVILÉGIO. PEQUENO VALOR. ALCANCE E MEDIDA. SURSIS. O princípio da insignificância decorre do princípio da adequação social e não só do valor mínimo dos bens subtraídos, alcançando apenas os fatos que não correspondem às características subjetivas do tipo. – O pequeno valor dos bens subtraídos, para o privilégio do § 2º do art. 155 do CP, é benefício mensurável, também, pelo alcance subjetivo da vítima necessitada, e pelas circunstâncias do crime, no caso, praticado durante o repouso noturno, com escalada, em cada habituada e em concurso. – Pena superior a dois anos não comporta sursis. Negou-se provimento ao recurso do 1º apelante e deu-se provimento parcial ao do 2º apelante. Decisão unânime. DJU, Seção 3, pág. 10, de 07.04.99” (grifo nosso).
“V) Se o descaminho referiu-se a objetos de pequeno valor para comércio de sacoleiro, além do princípio da insignificância, aplica-se o da adequação social, pois a sociedade não considera a prática de tal comércio como ilícito penal” (TRF da 1ª Região, RT 727/601) – (Disponível em: <http://jus2.uol.com.Br/doutrina/texto.asp?id=8021>. Acesso em: 05 de fev. de 2006, grifo nosso).
“VI) Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os elementos compositivos da norma incriminadora, dado que bastaria para configurar o fato ilícito, inexistindo ameaça ou ofensa substancial ao bem jurídico protegido pela lei penal, determina-se o reconhecimento de improcedência da denúncia, por atipicidade do comportamento realizado, porque o Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir, para impor uma sanção, quando a ofensa ao bem jurídico protegido (relevante e essencial) for grave e intolerável, e mesmo assim, somente depois de esgotados outros meios não-penais de proteção” (TACrim. Apel. 1.008.943/3, Rel. Márcio Bártoli, 12.06.1996) (MAÑAS, 1994, p. 304).
“VII) Ainda que formalmente a conduta executada pelo sujeito ativo preencha os elementos compositivos da norma incriminadora, mas não de forma substancial, é de se absolver o agente por atipicidade do comportamento realizado, porque o Direito Penal, em razão de sua natureza fragmentária e subsidiária, só deve intervir, para impor uma sanção, quando a conduta praticada por outrem ofenda ao bem jurídico considerado essencial à vida em comum ou à personalidade do homem de forma intensa e relevante que resulte uma danosidade que lesione ou o coloque em perigo concreto” (TACrim. Apel. 998.073/2, Rel. Márcio Bártoli, 03.01.1996) (MAÑAS, 1994, p. 303-304).
Destarte, invocando as lições da atual conjuntura axiológica do direito sobre o advento da nova era do Pós-Positivismo ou Neoconstitucionalismo ou Novo Constitucionalismo Democrático de Direito, ultrapassada aquela visão de um Direito Penal completamente legalista, trazendo em primeiro plano a importância fundamental dos princípios no sistema jurídico atual; a mudança de paradigma das fontes do Direito Penal Constitucional, inclusive admitindo em determinados casos a aplicação do costume e jurisprudência contra legem; diante das considerações acerca da tipicidade que para ser completa, além de formal, precisa ser também material e; sob a ótica de um Direito Penal Constitucionalizado, Moderno, Mínimo, Fragmentário e Garantista, deve o Princípio Penal da Constituição da Adequação Social ser reconhecido no Brasil como um método de exclusão da tipicidade, como já vem sendo reconhecido o Princípio Penal Constitucional da Insignificância. Não tem sentido fazer tal distinção, pois como já visto, ambos trabalham com a concepção da tipicidade material do tipo penal. Além disso, como visto, há julgados no sentido de que o Princípio Penal Constitucional da Insignificância seria mera decorrência do Princípio Penal Constitucional da Adequação Social. Ainda, vale ressaltar que, já por ser o Princípio Penal Constitucional da Adequação Social um princípio, é evidente que serve como norte de interpretação para determinadas situações e casos concretos. Não é nenhuma novidade a sua utilização como princípio geral de interpretação (hermenêutica), pecando Welzel e seus seguidores ao considerá-lo apenas desta forma. O problema que a doutrina e jurisprudência brasileira no Direito Penal Constitucional se deparam em relação ao mencionado princípio, é de fazê-lo retornar ao entendimento que lhe deu origem: “voltar a ser ele considerado como método de exclusão da tipicidade”.
Afinal, “a questão pode ser resumida na óbvia, mas pouco aplicada, a conclusão de Mir Puig: ‘Não se pode castigar aquilo que a sociedade considera correto’” (LOPES, 2000, p. 34, grifo nosso), o que seria um contra-senso.
Delegado de Polícia Civil do Estado de Minas Gerais.
Especialista em Direito Processual Civil (Universidade Anhanguera – UNIDERP/LFG). Especialista em Direito do Estado (JusPodivm/Faculdade Baiana de Direito). Ex-Consultor Jurídico da Procuradoria Jurídica da Câmara Municipal de Salvador/BA. Ex-Advogado. Bacharel em Direito (FIB – Centro Universitário da Bahia)
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