O problema da quantificação indenizatória

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Já chegou a hora, no Brasil, do problema da quantificação indenizatória — nas condenações por dano moral —, receber um tratamento legislativo. Do contrário, nossa já congestionada justiça ficará ainda mais sobrecarregada. Cresce, como imensa onda, o número de ações requerendo indenização em razão de abusos sofridos pelo consumidor.


Felizmente, o judiciário já percebeu as duas diferentes finalidades da reprimenda judicial contra quem causou dano não materialmente apurável, como é o caso do chamado dano moral. A indenização deve, primeiramente, levar em conta a conduta e situação da vítima e do réu, isto é, a dor física e moral da vítima, a repercussão do fato vexatório, a condição financeira das partes envolvidas, o grau de culpa do réu, etc. E também, ou principalmente, o efeito educativo, corretor — de certa forma “corregedor” — da decisão, desestimulando iguais ou assemelhados erros futuros. Nesse item, pelo menos, a justiça americana age com sabedoria quando fixa altas indenizações contra fabricantes que relaxam no controle de qualidade, preferindo indenizar o dano quando ele surge. Se a indenização for alta, o fabricante fará o máximo possível para que seus produtos saiam da fábrica sem fortes riscos de prejudicar o cliente. O juiz americano, certa ou erradamente, presume que é pensando nas conseqüências financeiras que as pessoas agem desse ou daquele modo. E a presunção é correta.


Só a título de exemplo, será ridícula a condenação de um banco a pagar dois mil reais ao cliente que teve de esperar duas horas para pagar uma conta que só poderia ser paga naquele banco. Uma condenação de valor tão baixo não estimulará o banco réu a contratar novos funcionários para trabalhar no caixa porque essa contratação causará uma despesa muito superior à quantia que pagará na demanda que perdeu (após, talvez, anos de demora). Condenação desse tipo não terá qualquer valor educativo, uma das principais utilidades da condenação por dano moral. Pelo contrário, terá valor “deseducativo” porque o banco, levando em conta o custo/benefício, preferirá manter poucos caixas trabalhando, pagando novas condenações, se houver, pelo mesmo fato,.


No caso mencionado na notícia, o valor fixado, dois mil reais, é baixo demais, levando em conta que o processe subiu até o STJ, demorando, certamente, vários anos. O autor ficou prejudicado, não foi indenizado, porque, provavelmente, teve que pagar a seu advogado mais do que recebeu a título de indenização.


O STJ age com sabedoria ao estabelecer jurisprudência que lhe permita intervir no valor da indenização quando esta for excessivamente baixa ou alta. A “teratologia” indenizatória, para cima ou para baixo. Mas isso traz um problema: torna as demandas dessa natureza um autêntico jogo de loteria, porque há juízes “liberais”, propensos a fixar valores altos (embora não teratológicos) e juízes “mãos fechadas”, inclinados a fixar quantias quase ridículas (também não teratológicas). A sorte das partes vai ficar dependendo apenas dos azares na distribuição dos processos. E não será absurdo prever que, conforme a orientação dos juízes cíveis, o autor desista da ação, logo após a distribuição do feito, ao saber que o juiz sorteado é um “restritivo”, notório adepto de indenizações baixas. Desistindo da ação, ingressa com outra (a mesma) na esperança do seu caso cair nas mãos de um juiz mais “mão pesada” nas indenizações por dano moral.


Se o legislador não estabelecer uma tabela indenizatória para casos de descuido de bancos, Serasa e órgãos assemelhados, a já congestionada justiça ficará ainda mais intransitável, por falta de espaço, por mais que os juízes e funcionários trabalhem.


A vantagem de um tratamento legislativo sobre a matéria é que, no caso de um simples engano (sem dolo, como acontece na maioria dos casos) dos bancos, do Serasa, ou do estabelecimento vendedor, será mais fácil a obtenção de um acordo extra-judicial, porque ambas as partes sabem que a condenação será em “x”, e não qualquer soma entre o zero e o infinito. Essa incerteza quanto ao montante financeiro das ações é que estimula a litigiosidade, a grande quantidade de recursos e o afogamento do já afogado judiciário brasileiro.



Informações Sobre o Autor

Francisco César Pinheiro Rodrigues

Advogado, Desembargador aposentado e escritor. É membro do IASP – Instituto dos Advogados de São Paulo


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Equipe Âmbito Jurídico

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