Resumo: Conceito de Procedimento Administrativo Disciplinar Policial Militar e sua formação distinta em relação ao Processo Administrativo Disciplinar Policial Militar; o artigo apresenta conceitos técnicos e jurídicos sobre o tema, além de destacar reconhecida jurisprudência sobre o assunto.
Sumário: 1. Procedimentos administrativos; 1.1 – As Espécies de Procedimentos Administrativos; 1.1.1 – Procedimentos Administrativos Diretos; 1.1.1.1 – A Sindicância Regular; 1.1.1.2 – A Sindicância Sumária; 1.1.2 – Procedimentos Administrativos Indiretos; 1.1.2.1 – A Comunicação Disciplinar; 1.1.2.2 – A Queixa Disciplinar; 1.1.2.3 – O Relatório Reservado.
1 – PROCEDIMENTOS ADMINISTRATIVOS:
Antes de adentrarmos no âmbito dos sistemas defensivos utilizados nos processos e procedimentos disciplinares administrativos propriamente ditos, surge a necessidade de fazermos a definição do ato administrativo que gera todo o trâmite administrativo: a transgressão disciplinar.
Mesmo já tendo discutido o tema [Unidade III], cabe aqui uma nova conceituação para o termo; para o juiz militar de Minas Gerais Paulo Tadeu Rodrigues Rosa, a transgressão disciplinar pode ser:
“definida como sendo a prática de um ato de natureza administrativa contrário aos preceitos estabelecidos no Regulamento Disciplinar Militar e no caso do estado de Minas Gerais contrário aos estabelecidos no Código de ética e Disciplina dos Militares do Estado”[1].
A transgressão disciplinar pode ser de natureza leve, média e grave; gerando, como preceituado, o procedimento administrativo [Comunicação Disciplinar; Procedimento Sumário e Sindicância Regular], e/ou o próprio processo administrativo disciplinar. Face esse preceito, necessário também a distinção entre o Processo e a figura do Procedimento Administrativo.
Segundo Sérgio Ricardo Freire Pepeu – Procurador do Estado de Alagoas –, em seu “Processo Administrativo Disciplinar”:
“Processo é o método, é a junção de atos sucessivos com o intuito de conseguir um pronunciamento sobre determinada controvérsia, quer seja ela em área judicial, quer seja ela em área administrativa; já o Procedimento equivale a rito, ou seja como o processo se realiza em cada caso concreto”.[2]
Neste sentido é de se ressaltar, que existem procedimentos sem processos, mas não existe processo sem procedimento.
O Procedimento Administrativo Disciplinar, continuando nas lições de Hely Lopes Meirelles [Direito Administrativo Brasileiro, pág. 664, 27ª edição] é a: “sindicância administrativa, o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subsequente instauração de processo de punição ao infrator”.
O Procedimento Administrativo Disciplinar – Sindicância Regular, Procedimento Sumário, Queixa Disciplinar, Relatório Reservado e Comunicação Disciplinar –, deve ser equiparado, e tratado como Processo Administrativo Disciplinar, com a utilização do devido processo legal [Constituição Federal; Artigo 5º, Inciso LIV (principalmente no que diz respeito à Imparcialidade)], assim é a jurisprudência:
“A apuração de irregularidade praticada por policial militar pode ser feita por sindicância [procedimento administrativo, equivalente à comunicação disciplinar] ou processo administrativo, assegurado ao acusado o devido processo legal. O processo administrativo não pressupõe necessariamente a existência de uma sindicância [procedimento], mas, se esta for instaurada, é preciso distinguir: se dela resultar procedimento preparatório do processo administrativo disciplinar, é neste que será imprescindível assegurar o devido processo legal; se, porém, da sindicância [procedimento] decorrer a possibilidade de aplicação de penalidade, essa aplicação só poderá ser feita se for garantido, nesse procedimento, o devido processo legal”. [TJMG – Processo Nº 1.0000.00.332395-3/000(1) – Relator: Des. Pedro Henriques: 18/09/2003]
1.1 – As Espécies de Procedimentos Administrativos:
No nosso modesto entender, os procedimentos administrativos policiais militares, pelo tipo de formação, pela estrutura conceitual, pelo método expositivo e pela formação jurídica, se dividem em duas espécies distintas; quais sejam: os procedimentos administrativos direitos e os procedimentos administrativos indiretos:
1.1.1 – Procedimentos Administrativos Diretos:
São os procedimentos administrativos disciplinares que têm usas origens acusatórias ligadas diretamente à Administração Pública; isso de forma determinante; independe de manifestação. No Direito Administrativo Policial Militar, mesmo sendo levada em consideração uma nomenclatura de termos, claramente existem dois tipos de procedimentos administrativos diretos; que são as Sindicâncias Regulares e as Sindicâncias Sumárias.
1.1.1.1 – A Sindicância Regular:
Segundo o Manual de Processos e Procedimentos Administrativos das Instituições Militares do Estado de Minas Gerais [MAPPA], Sindicância é a:
“modalidade de Processo Administrativo utilizada na apuração de atos e fatos que envolvam servidores da Instituição, antecedendo eventual aplicação de sanção não demissionária ou reformatória, bem como para a adoção de outras providências cíveis, criminais ou administrativas mais gravosas”.
Veja, então, que, a Sindicância, como já demonstrado no Processo Nº 1.0000.00.332395-3/000, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, é, até pela sua formação jurídica, um tipo de Processo Administrativo Acusatório, isso em sua complementação originária.
Mesmo sendo um procedimento de complementação acusatória, a Sindicância Regular, tem origens apuratórias [onde pode se auto finalizar], e assim como o Processo Administrativo Disciplinar, na maioria das vezes, se divide em duas etapas:
“A] Etapa Apuratória: desenvolvida quando ainda não existem as circunstâncias preliminares que indiquem o fato, a autoria e a materialidade. É inquisitorial, tendo contexto destinado apenas a levantamentos, sem a exigência da ampla defesa ou do contraditório. Visa a busca do máximo de provas possíveis, que possam confirmar, ou não, a procedência da acusação.
B] Etapa Acusatória: é desenvolvida quando já existe fatos que confirmem as circunstâncias preliminares que indicam o fato, uma possível autoria [ou a autoria propriamente dita] e ainda uma materialidade. É conceito processual em sua essência, sendo obrigatório a ampla defesa e do contraditório”.
Para adentrarmos e exemplificar o sentido técnico de Sindicância Regular partimos dos ensinamentos doutrinários de Cretella, que simplifica o termo como:
"sindicância é o meio sumário de que se utiliza a administração pública brasileira para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público, as quais, confirmadas, fornecerão elementos concretos para a imediata abertura de processo administrativo contra o funcionário público responsável", além é claro de poder confirmar a própria punição administrativa”[3].
O conceito aludido, continuando procedente apenas para definir materialmente a função de sindicar, não guarda mais coerência com o nosso ‘jus positum’. Isso porque, como espécie de procedimento disciplinar, a sindicância, pelo menos em sentido estrito, não é mais esse meio aberto e sumário de apuração de irregularidades ocorridas nas repartições públicas.
A sindicância realmente tem prazo menor do que o Processo Administrativo, mas povoa o universo da processualística disciplinar, estando, por isso, sujeita às imposições oriundas do devido processo legal.
O procedimento disciplinar da sindicância, conquanto deva-se desenvolver, no prazo de trinta dias, prorrogável por igual lapso, se desdobra nas mesmas fases do processo ordinário, e destina-se a apurar faltas que ensejem penas de advertência e suspensão não superior a trinta dias.
Contudo, poderá a sindicância tomar três rumos:
A] arquivamento do procedimento;
B] aplicação das aludidas penalidades; e
C] instauração de processo disciplinar.
Daí se deduz que a sindicância, como procedimento disciplinar, se divide em duas espécies: autônoma e preparatória. Esta funciona como fase informativa do processo ordinário; enquanto que aquela se basta em si mesma como base processual para se infligir aquelas punições mais leves.
1.1.1.2 – A Sindicância Sumária:
Como já visto, a própria Sindicância Regular já é um procedimento sumário; porém, a Sindicância Sumária, propriamente dita, trata-se de um rito mais sucinto, mais rápido; sendo suprimidos algumas formalidades que demandariam tempo, em benefício de uma justiça mais acelerada e no interesse da apuração da verdade.
A Sindicância Sumária quase que não difere da Sindicância Regular nas suas etapas iniciais – podendo ser realizada apenas entrevistas –; tendo caráter de procedimento estritamente apuratório; inclusive, pode suprir a Etapa Apuratória da Sindicância Regular.
1.1.2 – Procedimentos Administrativos Indiretos:
São os procedimentos administrativos disciplinares que têm usas origens acusatórias ligadas diretamente a um administrado; isso de forma determinante; depende de uma manifestação.
Tais procedimentos deverão ser claros, precisos e sucintos; devem qualificar os envolvidos e as testemunhas que presenciaram os acontecimentos, bem como precisar, com clareza, todos os episódios que vão caracterizar as circunstâncias em que o fato foi cometido; isso sem tecer comentários ou opiniões pessoais.
Tem-se que, a falta de testemunhas não é fato que necessariamente implique no arquivamento do feito, porém, na falta dessas, deverá haver outros meios que venham a apontar claramente a transgressão. Neste prisma o Supremo Tribunal Federal decidiu:
“EMENTA: POLICIAL MILITAR. EXPULSÃO. Infração disciplinar. Necessidade de interpretação de contexto fático-probatório. Agravo regimental improvido. Precedentes”. [AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 255.495/SÃO PAULO – Relator: Ministro Cezar Peluso]
No Direito Administrativo Policial Militar, mesmo sendo levada em consideração uma nomenclatura de termos, claramente existem três tipos de procedimentos administrativos indiretos; que são as Comunicações Disciplinares, as Queixas Disciplinares e os Relatórios Reservados.
1.1.2.1 – A Comunicação Disciplinar:
O Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais, em seu Artigo 56, assim se posiciona sobre a Comunicação Disciplinar:
“A Comunicação Disciplinar é a formalização escrita, assinada por militar e dirigida à autoridade competente, acerca de ato ou fato contrário à disciplina”.
Já o MAPPA, em seu Artigo 28, determina que:
“Todo militar que presenciar ou tomar conhecimento da prática de transgressão disciplinar ou qualquer outro ato irregular deverá levar ao conhecimento da autoridade competente por meio de Comunicação Disciplinar ou Relatório Reservado, observando-se os requisitos legais de cada documento”.
Veja que, a legislação mineira, assim como boa parte da legislação dos demais estados da Federação, é “caolha” – isso é, enxerga apenas um lado da “moeda”.
A Comunicação Disciplinar é a forma procedimental administrativa com objetivo de dar conhecimento de ações ou eventos contrários à disciplina militar; gerando um Procedimento Administrativo, para se apurar e solucionar o fato. Do resultado deste Procedimento Administrativo poderá surgir outro Procedimento ou um Processo Administrativo. É uma ação vinculada.
É dever regulamentado de todo militar, dentro do princípio ético e hierárquico disciplinar, que presenciar, ou tomar conhecimento da prática de atos/fatos contrários à atitude ética, comunicar à devida autoridade competente. Ora, segundo o MAPPA, em seu Artigo 35, diz que “a Comunicação Disciplinar é a formalização escrita, feita e assinada por militar de precedência hierárquica em relação ao comunicado […]” “… acerca de ato contrário à disciplina militar”.
Por outro lado, o Relatório Reservado, apesar de ser um método a ser utilizado por militar sem precedência hierárquica para o Relatado, o mesmo é claro: apenas para “contrários à moralidade ou à legalidade”. Ora, então está se falando que, não há meios legais para comunicação de fato contrário a disciplina realizado por superior hierárquico, até mesmo porque, a Queixa Disciplinar é apenas para eventos em que o militar é diretamente atingido por ato pessoal IRREGULAR e INJUSTO… Neste passo, vem um questionamento pertinente: então não existe, nas instituições militares estaduais, meio legal para que um subordinado, que presencie um superior hierárquico praticar ato contrário à disciplina, comunicar o evento?
Bem, a questão não é simples, é complexa e merece um posicionamento mais detalhado. Primeiro, cabe esclarecer que, o fato de presenciar um ato contrário à disciplina militar, praticado por um superior hierárquico, não se relaciona com a fiscalização propriamente dita [que é prerrogativa de superior hierárquico]. Presenciar é, por mais lógico que pareça, simplesmente, estar presente, o que quebra a espinha dorsal do posicionamento de que um subordinado não pode fazer comunicado administrativo disciplinar.
Qual seria a solução à querela? – Ora, simples: veja que o legislador, ao aprovar o Artigo 56, do CEDM/MG, não proíbe a utilização da Comunicação Disciplinar para subordinados, em relação a superior hierárquico. Então, estamos falando em dois tipos de Comunicação Disciplinar? – Mais uma vez, na nossa modesta opinião, sim; existe dois tipos de Comunicação Disciplinar: uma Própria e outra Imprópria.
Comunicação Disciplinar Própria: de superior hierárquico para o subordinado.
Comunicação Disciplinar Imprópria: do subordinado para o superior hierárquico; levando em consideração que: não está relacionado à fiscalização, mas apenas o presenciar do fato em si. A comunicação Imprópria é na verdade uma Representação Disciplinar, prevista no Regulamento Disciplinar do Exército [Decreto 4346, de 26 de agosto de 2002]; mais precisamente em seu Artigo 12, que assim determina: “Todo militar que tiver conhecimento de fato contrário à disciplina, deverá participá-lo ao seu chefe imediato, por escrito”.
1.1.2.2 – A Queixa Disciplinar:
Queixa Disciplinar é a denominação técnica para a comunicação de fato ligado diretamente a ato pessoal que considerado irregular ou injusto. A Queixa deve estar revestida dos mesmos requisitos da Comunicação Disciplinar.
Veja que, este comunicado é a forma pela qual o administrado tem de levar ao conhecimento da Administração Militar, injusto ato, objetivamente sendo aquele direta e pessoalmente atingido.
Diante do exposto no Artigo em lide, a Queixa Disciplinar, além de ato de conexão administrativa, poderá servir a militar que, atingido por ato injusto por pessoa desvinculada da Instituição Militar, possa comunicar a irregularidade; assim, a Administração Militar, através de sua Assessoria Jurídica, deverá acionar judicialmente o suposto autor.
Por outro lado, nesta mesma conexão administrativa, a Queixa Disciplinar também diferencia-se da Comunicação Disciplinar a partir do momento em que ultrapassa os limites da Administração Militar e entra no âmbito pessoal do militar ofendido no fato.
1.1.2.3 – O Relatório Reservado:
É um conjunto de informações fundamentadas e reservadas, utilizado, para reportar uma determinada atividade que esteja finalizada ou em andamento, por “militar que presenciar ou tomar conhecimento de ato ou fato contrário à moralidade ou a legalidade praticado por outro militar mais antigo ou de maior grau hierárquico” […] devendo “inclusive” conter os “meios para demonstrar os fatos, ficando-lhe assegurado que nenhuma medida administrativa poderá ser aplicada em seu desfavor” [Artigo 95 – CEDM/MG], tendo a comunicação fundamentação legal. Nos os casos infundados deverá acarretar responsabilidade administrativa, civil e penal ao relator.
O Relatório Reservado é a informação administrativa, em que o comunicante repassa à Administração Militar o conhecimento verídico, de fato contrário as leis que regem o Estado e a moralidade ética do meio externo à disciplina militar. Tal ato administrativo, obrigatoriamente gerará outro meio apuratório, que poderá vir a instigar tanto os meios administrativos, como também, nos casos contra a legalidade penal, o sistema judiciário.
O Relatório não é ato obrigatório dentro da administração, contudo, o militar que tomar conhecimento ou presenciar um fato contrário à legalidade, e não o levar ao conhecimento a quem de direito, poderá, sendo comprovados os fatos e dentro dos prazos legais, ser acionado administrativamente e criminalmente, acusado, dependendo da óptica da análise, até mesmo por omissão, co-autoria ou partícipe.
Policial Militar da Polícia Militar de Minas Gerais. Bacharel em direito e filosofia – com especialização em processo civil e direito militar. Mestrando em Antropologia. Autor de livros jurídicos e artigos em revistas e sites especializados. Membro titular da Academia de Letras de Teófilo Otoni/MG
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