O processo administrativo de trânsito em perspectiva: a autuação

Resumo: A Constituição Federal de 1988 trouxe importante avanço no tocante à defesa da dignidade da pessoa humana ao assegurar a garantia do contraditório e ampla defesa aos litigantes em sede de processo administrativo, com os meios e recursos a ela inerente. Essa disposição constitucional contribuiu significativamente para a redução da desigualdade existente na relação administrado x Administração Pública, permitindo ao cidadão o direito de ser ouvido, produzir provas e de contrapor-se a sanha arrecadatória do Poder Público. Note-se, entretanto, que essa garantia constitucional foi negligenciada durante muito tempo no âmbito do Direito de Trânsito, sendo esta assegurada em sua plenitude somente após a edição da Resolução nº 149/2003 do Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN). Insta pontuar, nesse intróito, o desconhecimento da imensa maioria de nossos condutores acerca de seus direitos e das garantias que lhe são ofertadas para tal desiderato, o que lança por terra todo o arcabouço jurídico erigido para a limitação da atuação estatal. Assim, buscando sedimentar a doutrina acerca de tema tão contagiante, traremos à lume conhecimentos úteis à educação e conscientização de nossos condutores.[1]


Palavras-chave: Direito de trânsito. Poder de Polícia. Sanção de Polícia. Autuação. Processo Administrativo para imposição de penalidade.


I – DAS INFRAÇÕES


O processo administrativo de trânsito foi considerado tão importante para o legislador que fez por merecer capítulo próprio no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Dividido em duas seções, ele descreve minuciosamente todos os procedimentos a serem observados pelas autoridades e agentes da autoridade de trânsito no caso de infração à legislação de trânsito, a fim de que o Estado, por meio dos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional de Trânsito (SNT), na esfera de suas competências, exerça o jus puniendi e aplique a penalidade cabível ao infrator.


Prescreve o artigo 161 do CTB que a inobservância a qualquer preceito do Código, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN constitui infração de trânsito, sendo o infrator sujeito às penalidades e medidas administrativas cabíveis indicadas em cada artigo, além das punições previstas como crimes automobilísticos.


Insta salientar, entretanto, que não é todo preceito contido no CTB que será tipificado como infração, mas tão somente aqueles indicados no Capítulo XV (Das Infrações). Explica-se: o Capítulo III trata das normas gerais de circulação e conduta e elenca uma série de mandamentos a serem observadas pelos usuários das vias públicas, porém um sem número delas não apresenta preceito sancionador em caso de desobediência. Neste passo deve se registrar que muitas infrações de trânsito são previstas em legislação complementar, como, por exemplo, aquelas dispostas no Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos (Decreto nº 96.044, de 18 de maio de 1988).


Questão polêmica surge quando o intérprete se debruça sobre o § único do artigo 161, o qual prescreve, ipsis literis, que “as infrações cometidas em relação às resoluções do CONTRAN terão suas penalidades e medidas administrativas definidas nas próprias resoluções”. É consabido que àquele órgão, coordenador do SNT e instância máxima normativa e consultiva, o CTB concedeu atribuição para estabelecer as normas regulamentares referidas no Código, necessárias a sua melhor execução (inciso I do artigo 12 c.c artigo 314).


Para introdução da presente questão mister se faz relembrar o insígne Pontes de Miranda, em cujo escólio assevera que:


“Regulamentar é editar editar regras que se limitem a adaptar a atividade humana ao texto e não o texto à atividade humana – cria meios que sirvam à atividade humana para melhor se entender o texto. Tanto assim que, se os casos apontados não esgotam o conteúdo da regra legal, os intérpretes, judiciários e administrativos, não ficam adstritos à taxatividade intrusa. Onde se estabelecem, alteram, ou extinguem direitos, não há regulamentos – há abuso de poder regulamentar, invasão da competência do Poder Legislativo. O regulamento não é mais do que auxiliar das leis, auxiliar que sói pretender, não raro, o lugar delas, mas sem que possa, com tal desenvoltura, justificar-se e lograr que o elevem à categoria de lei.”[2]


O nosso legislador foi imensamente infeliz e laborou em erro crasso ao admitir que uma simples resolução do CONTRAN possa criar uma nova infração, originalmente não prevista no CTB. O que se observa atualmente é um abuso desse poder regulamentar, com a elaboração de resoluções regulamentando assuntos já perfeitamente delineados no CTB e para o qual não se verifica remissão à necessidade de regulamentação por aquele órgão.


Interessante se frisar que o Chefe do Poder Executivo à época, por meio da Mensagem nº 1.056, de 23 de setembro de 1997, nos termos do § 1º do artigo 66 da Constituição Federal, vetou parcialmente, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, o Projeto de Lei n° 3.710, de 1993 (n° 73/94 no Senado Federal), que instituiu o CTB. A mensagem de veto do § 2° do art. 256 está assim descrita:


Art. 256…


§ 2° As infrações para as quais não haja penalidade específica serão punidas com a multa aplicada às infrações de natureza leve, enquanto não forem tipificadas pela legislação complementar ou resoluções do CONTRAN. (…)


Razões do veto:


“A parte final do dispositivo contraria frontalmente o princípio da reserva legal (CF, art. 5°, II e XXXIX), devendo, por isso, ser vetado (grifo meu). [3]


O que não se pode olvidar, entretanto, é que igual orientação não se observou no tocante ao contido no artigo 161, o qual, de igual forma e pelos mesmos motivos, deveria ser vetado parcialmente. Nesse sentido alinho-me com o pensamento do inigualável Waldyr de Abreu, que em brilhante lição destaca:


Se os regulamentos estão infra legem, quanto mais as resoluções, açodadamente produzidas ao sabor das circunstâncias e interesses às vezes pouco claros. Quando chegam à veleidade de criar infrações, mesmo administrativas de trânsito, ferem, no mínimo, o item II do art. 5º da Constituição Federal: Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”. Até mesmo dentro dos limites legais de sua competência, a proliferação desordenada de resoluções, como já vem ocorrendo e ameaça agravar-se, aumentará as incertezas no trânsito, fora do alcance necessário do grande público e insuficientemente conhecidas do próprio CONTRAN e seus conselheiros. Ninguém é capaz de dizer hoje quantas estão em vigor e em que limites. É expressiva a disposição transitória ao art. 314 do novo Código.


Pela ampla argumentação alinhada, todas as infrações de trânsito pretensamente criadas por resoluções do CONTRAN, que não sejam meros desdobramentos não exorbitantes das impostas no código, por manifesta inconstitucionalidade não resistirão à apreciação judiciária. Fomentam a balbúrdia viária, a arbitrariedade e minam o prestígio da autoridade pública.” [4]


Com a sucinta finalidade de arrematar o assunto, a fim de exemplificar o acima exposto, trago à lembrança as infelizes iniciativas da Carteira Nacional de Habilitação com faixa dourada (Resolução nº 121/01) e, mais recentemente, a autuação do motorista que conduz veículo com a Permissão para dirigir vencida há mais de 30 dias como incurso nas sanções do inciso V do artigo 162 (Resolução nº 168/04).


II – DA AUTUAÇÃO


Finda a polêmica acerca da tipificação das infrações, passemos a estudar o procedimento de autuação das infrações de trânsito. O CTB prescreve que, ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, do qual deverá constar:


Art. 280 (…)


I – tipificação da infração;


II – local, data e hora do cometimento da infração;


III – caracteres da placa de identificação do veículo, sua marca e espécie, e outros elementos julgados necessários à sua identificação;


IV – o prontuário do condutor, sempre que possível;


V – identificação do órgão ou entidade e da autoridade ou agente autuador ou equipamento que comprovar a infração;


VI – assinatura do infrator, sempre que possível, valendo esta como notificação do cometimento da infração”. [5]


Os elementos acima indicados são os dados mínimos que deverão fazer parte do auto de infração, sendo que a estes ainda se somam as informações constantes dos Anexos I e II da Portaria nº 28/07 [6] do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), cujas disposições serão explanadas abaixo. Oportuno trazer a lembrança que a infração de trânsito comprovada mediante a utilização de sistemas automáticos não metrológicos, por força de interpretação do contido no § 2º do artigo 280 do CTB, deve trazer em seu auto de infração a imagem gerada pelo referido equipamento, a qual deve observar os requisitos previstos na Resolução nº 165/04 do CONTRAN e nas Portarias nº 16/04 e 27/05 do DENATRAN. Igual assertiva se dirige à infração por excesso de velocidade, cuja imagem captada deve atender ao disposto na Resolução nº 146/03 do CONTRAN.


Importa consignar que por meio da Resolução nº 217/06, de 14 de dezembro de 2006, o CONTRAN delegou competência ao DENATRAN para estabelecer os campos das informações mínimas que devem constar do auto de infração, além da incumbência de definir o tipo e número de caracteres de cada campo para fins de processamento dos dados, os códigos de enquadramento que deverão ser utilizados, os campos que deverão ser de preenchimento opcional e os campos obrigatórios para infrações específicas, nos termos estabelecidos em normas complementares.


Nesse sentido em 29 de maio de 2007 foi expedida a Portaria nº 28/07 do DENATRAN, a qual estabelece os campos para as informações mínimas que deverão constar do auto de infração e define a formatação, codificação e preenchimento do auto de infração para fins de determinar a sua regularidade e consistência, em virtude do disposto no inciso I do § único do artigo 281 do CTB.


Muito se discute sobre as diferenças entre a consistência e a regularidade do auto de infração. O Conselho Estadual de Trânsito de Santa Catarina (CETRAN/SC), por meio do Parecer nº 057/07, que trata da consistência do auto de infração quando nele constar mais de uma infração, traz interessante fundamentação acerca do conteúdo teórico relacionado à análise da consistência do auto de infração, buscando, inicialmente, a doutrina de Nei Pires Mitidiero, para quem:


“Logo Após lavrado o auto de infração (art. 280, “caput”, CTB) pelo agente da autoridade de trânsito e notificado o possível infrator desta autuação para contrastar, via defesa, o conteúdo e/ou a forma do auto infracional (arts. 280, VI; 281, parágrafo único, II, CTB), obviamente transcorrido o prazo de defesa, deve a autoridade de trânsito julgar a consistência (materialidade) e regularidade (formalidade) da peça inicial do processo administrativo. Nota-se, o legislador viário utilizou o termo “julgar”, que traz ínsita a idéia de sopesar argumentos e dar as razões de convencimento. Portanto, não basta a mera homologação do auto de infração (ou seja, mera ratificação do apregoado antanho pelo agente): é de mister que se julgue, efetivamente, os articulados acusatórios e defensivos, enfim, julgue-se o conteúdo do auto infracional.” [7]


As explanações acima ofertadas indicam que o julgamento do auto de infração é tarefa que envolve a apreciação dos elementos formais e materiais do referido ato administrativo, distante, portanto, da mecanização e informatização que assistimos atualmente na lavratura dos autos e na imposição de penalidades. Segundo entendimento do CETRAN/SC, externado no supracitado Parecer:


“[…] Infere-se da leitura do dispositivo legal e da manifestação doutrinária acerca do assunto, que a lei impõe à autoridade de trânsito o julgamento material, formal e sistêmico não de um documento singular denominado Auto de Infração de Trânsito, mas sim do ato administrativo por ele exteriorizado, ou seja, do Ato Administrativo de Autuação, até mesmo por que a validade do Auto de Infração depende não só das informações nele contidas (indicadas nos incisos do art. 280), como também da observância pela autoridade de trânsito das normas administrativas impostas para a fiscalização do tipo infracional, v.g. nos casos em que para a comprovação da infração, imprescindível a aferição através de equipamento ou instrumento hábil, assim entendido aqueles reconhecidos e aferidos pelo INMETRO ou homologados pelo DENATRAN (Embriagues, Resolução nº 109/00; Velocidade: Resolução nº 146/2003; Som/alarme/buzina: Resoluções 204/2006 e 35/98 respectivamente; etc…).


[…] Portanto, conclui-se que a análise de consistência do Auto de Infração preconizada no artigo 281, encontra-se vinculada não ao documento singular Auto de Infração de Trânsito, mas sim ato integrante de um conglomerado exteriorizador do Ato Administrativo de Autuação. Ato este que é vinculado à infração flagrada pelo agente, consoante depreende-se da exegese do caput do artigo 280, onde: “Ocorrendo infração prevista na legislação de trânsito, lavrar-se-á auto de infração, …”.[8]


Aprofundando-se sobre a diferenciação entre a consistência e regularidade, colha-se a magistral lição do jurista Alessandro Samartin de Gouveia, para quem, antes de se julgar a consistência e regularidade do auto, mister se faz analisar sua existência, ou seja, verificar a presença de três elementos essenciais, quais sejam, a lavratura por autoridade de trânsito ou por seu agente, uma conduta possivelmente infratora e a forma escrita. Assim, sua existência depende de agente competente, que a conduta do infrator se subsuma na legislação vigente e o auto de infração tenha forma escrita. Quanto a consistência e regularidade propriamente dita, impende transcrever o escorreito ensinamento ofertado pelo supracitado jurista, que nos apresenta as seguintes definições:


“4.1 – (IN)CONSISTÊNCIA DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO [….] Logo, ser consistente o AIT implica, necessariamente, em ser, o auto de infração, existente, pela concreção dos elementos nucleares do suporte fático e que as informações nele contidas sejam absolutamente verdadeiras.


Destarte, podemos afirmar que um auto de infração de trânsito será consistente, sempre que as informações nele narradas, desde a competência da autoridade ou agente da autoridade de trânsito até a infração, forem absolutamente verdadeiras. Por exemplo, um cidadão estaciona o seu veículo em um local proibido, o agente da autoridade de trânsito competente, descreve no auto de infração aquela conduta e a tipifica. Todos os elementos do auto de infração que estão presentes são verdadeiros, logo, o auto de infração será consistente, porém, mesmo sendo consistente ele poderá ser irregular, porque, nesta, o que se exige é a presença do elemento e naquela é necessária a verdade da informação trazida pelo elemento presente.


4.2 – DA (IR)REGULARIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO
A irregularidade do auto de infração diz respeito à ausência dos requisitos de validade do AIT, que são os previstos no art. 280, do CTB. Ser irregular é não dispor das informações essenciais para que o infrator exerça, regularmente, seu direito de defesa. Noutras palavras, é suprimir os elementos prescritos pelos incisos I, II, III, IV, V e VI, do Art. 280, do CTB.


Notemos que não dispor da informação impede, logicamente, que se possa exercer um juízo adequado de valor sobre a veracidade ou inverdade da declaração presente no auto de infração de trânsito, porque o elemento simplesmente não existe.


[…] O AIT inconsistente possui um vício decorrente da concreção defeituosa dos elementos complementares, pois não retrata a verdade. Entretanto, um auto de infração irregular, que traga consigo a notícia do cometimento de uma infração de trânsito, não terá seu efeito produzido porque a concreção dos elementos complementares não foi completa, por não estarem presentes todos os elementos do suporte fático.”[9]


Findas as considerações acima, passemos ao estudo pormenorizado do Anexo II da Portaria nº 28/07, o qual elenca os campos de informações do auto de infração cujo preenchimento é obrigatório ou opcional. Passemos a analisá-los detidamente.


O código do órgão autuador e o número do auto de infração são informações obrigatórias que dizem respeito à identificação do órgão estatal responsável pela autuação, cuja competência é delimitada pela Resolução nº 66/98 do CONTRAN. Optou-se, no auto de infração, apenas pela descrição do órgão autuador, assim como faculta o inciso V do artigo 280 do CTB, diferentemente da notificação da autuação e da penalidade, onde a autoridade de trânsito pode optar entre a identificação do órgão ou da entidade, conforme já asseverou o CETRAN/SC no Parecer nº 17/05. [10]   


Para perfeita identificação do veículo, deverá o auto de infração conter os caracteres da placa de identificação, sua marca e espécie, de preenchimento obrigatório, além do código do país, cujo preenchimento é opcional. Convém fazer remissão ao inciso III do artigo 280 do CTB, in finne, que, sendo silente a referida Portaria, permite a inserção de outros elementos julgados necessários à sua identificação, como, por exemplo, a sua cor ou a numeração do chassis, este último no caso de veículos que ainda não tenham sido registrados. O CETRAN/SC, por meio do Parecer nº 14/05 [11], anterior à edição da Portaria nº 28/07, assentou entendimento no sentido de que a menção ao tipo do veículo e não à espécie não gera a nulidade do auto, desde que não traga prejuízo à identificação do veículo e conseqüentemente à defesa do condutor infrator.


Apesar da identificação do condutor não ser de preenchimento obrigatório, entendo que, em sendo possível a autuação em flagrante do condutor infrator, essa providência deva ser obrigatória por parte do agente da autoridade de trânsito, visando, sobretudo, opor embaraços a proprietários de veículos que, por questão social ou econômica, escapam ilesos ao sistema de pontuação estipulado pelo CTB ao se utilizarem de subterfúgios na indicação de outros condutores.


As circunstâncias de local e de tempo devem ser descritas a seguir, obrigatoriamente, discriminando-se a via pública, o numeral ou ponto de referência onde ocorreu a infração, além da data e do horário de seu cometimento. O código do município deixou de ser de preenchimento obrigatório, sendo exigido tão somente o nome do município e a sigla da Federação a que pertence.


A tipificação da infração consiste na descrição do dispositivo legal violado, acompanhado do respectivo código de enquadramento e de seu desdobramento, no caso de tipos infracionais com múltiplas condutas, a exemplo do artigo 193 do CTB. A tipificação da infração, além de obrigatória, deve ser feita de forma clara, a fim de permitir que o infrator tenha possibilidade de conhecer a imputação que lhe está sendo feita e para que possa se defender adequadamente, conforme assentado no Parecer nº 22/01 do CETRAN/RJ [12].


Igualmente obrigatória é a identificação da autoridade ou do agente da autoridade de trânsito e do equipamento que comprovar a infração. Conforme já defendi em posicionamento anterior [13], mister se faz necessário que o agente de trânsito tenha presenciado a infração, ainda que a tenha comprovado por meio de equipamento eletrônico. Esta situação ganha maiores contornos ao se observar as explanações constantes dos campos 4, 5, 6 e 7 do bloco 5 (identificação da infração), os quais fazem remissão à obrigatoriedade de preenchimento para infrações verificadas por equipamentos “operados” por agentes de trânsito, ou seja, distintamente do que hoje se verifica no tocante aos radares (fixos, estáticos e móveis) e aos sistemas automáticos não metrológicos, os quais são operados, em sua grande maioria, por meio de contratos firmados com empresas particulares.


O § 4º do artigo 280 prescreve que o agente da autoridade de trânsito competente para lavrar o auto de infração poderá ser servidor civil, estatutário ou celetista, ou policial militar designado pela autoridade de trânsito com jurisdição sobre a via no âmbito de sua competência. Referida norma estabelece, cristalinamente, que o servidor civil deva ser nomeado para exercer a referida função, ou seja, trata-se de provimento originário a ser efetuado por meio de concurso público para um cargo específico, o que afasta, por via de conseqüência, o servidor celetista. Igualmente, com arrimo na Deliberação nº 01/05 do Conselho Estadual de Trânsito (CETRAN) de São Paulo, em Parecer do DENATRAN e na regra inserta no § 8º do artigo 144 da CF/88, diga-se o mesmo a respeito das Guardas Municipais [14].


Conforme prescrito nos incisos IV e VI, o número de registro e a assinatura do condutor deverão ser colhidas, sempre que possível, sendo que no caso de impossibilidade esta circunstância deverá ser obrigatoriamente relatada no próprio auto de infração pelo agente de trânsito, em campo próprio do documento (observações), local onde ficará assentada a razão pela qual não foi possível a abordagem do veículo infrator. Essa assertiva também é defendida por Waldyr de Abreu, para quem:


“O § 3º exige certa reflexão. Parece-nos que se refere ao infrator ausente, mas nem sempre também o veículo, como em geral ocorre no estacionamento irregular; ou quando o infrator advertido da infração, num avanço de sinal, por exemplo, não pára em atendimento aos silvos regulamentares do agente de trânsito e foge. Enfim, uma terceira hipótese, com tendência a crescer, é a de a infração ser surpreendida e provada, por meio eletrônico e outros, sem a presença do guarda no momento. Então, com os dados constantes dos incisos I, II e III do artigo ora em apreço e os esclarecimentos acima, o auto irá à autoridade competente, para seu julgamento, na forma do art. 28.” [15]


Igual orientação externou o CETRAN/SC, ao nos ofertar o Parecer nº 032/05, de lavra do eminente Conselheiro Rubens Museka Junior, por meio do qual assentaram entendimento no sentido de que, se não for possível a autuação em flagrante, o agente da autoridade de trânsito tem o dever de mencionar tal fato no corpo do auto de infração, sem o qual a insubsistência do registro é latente. Para um melhor esclarecimento, asseveraram que:


“[…] A conjugação do disposto no § 3º do artigo 280 com o que prevê o inciso VI do mesmo dispositivo legal, com clareza inobjetável, deixa transparecer que a regra consiste na necessidade de se promover a autuação em flagrante. A exceção, ou seja, quando não for possível a autuação em flagrante, impõe ao agente de trânsito o dever de relatar o fato à autoridade no próprio auto de infração, informando os dados a respeito do veículo, tipificação da infração, bem como local, data e hora do ocorrido, para que esta promova o julgamento da autuação e, conforme o caso aplique a penalidade cabível.


[…] Em diversas oportunidades, este Conselho já se manifestou no sentido de que o agente da autoridade de trânsito tem o dever de envidar os esforços necessários para, sempre que possível, promover a autuação em flagrante do infrator, sob pena de desvirtuar sua atuação, que deve ser sempre ostensiva, não podendo desviar-se da sua real finalidade que outra não é senão garantir a segurança pública e a fluidez do trânsito viário. Assim, não sendo levada a efeito a autuação em flagrante e não sendo mencionado o fato na própria peça acusatória, a teor do que dispõe o §3º do art. 280 do CTB, a insubsistência do registro é latente[16].


Na seqüência o auto será encaminhado à autoridade de trânsito, a qual, na esfera de sua competência e dentro de sua circunscrição, julgará a consistência do auto de infração e aplicará a penalidade de multa ou de advertência por escrito, essa última desde que se trate de infração de natureza leve ou média da qual o infrator não seja reincidente nos últimos 12 (doze) meses, tratando-se de direito público subjetivo do infrator, sujeito tão somente à análise pela autoridade dos seus requisitos objetivos.


Todavia, caso a autoridade de trânsito não expeça a notificação da autuação no prazo máximo de 30 (trinta) dias ou considere o auto de infração inconsistente ou irregular, este será arquivado e seu registro julgado insubsistente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS


Vimos que o processo administrativo de trânsito se inicia com a inobservância, pelo infrator, de qualquer preceito do Código de Trânsito Brasileiro, da legislação complementar ou das resoluções do CONTRAN constitui infração de trânsito, sujeitando-se às penalidades e medidas administrativas cabíveis indicadas em cada artigo, além das punições previstas como crimes automobilísticos. O cometimento da infração faz nascer para o Estado o direito de exercer seu jus puniendi, tornando-se um ato vinculado para o agente da autoridade de trânsito, o qual, ato contínuo, irá registrar o fato por meio da lavratura do auto de infração, cuidando para que estejam presentes os requisitos elencados no artigo 280 do CTB e na Portaria nº 28/07 do DENATRAN, além do previsto em legislação complementar.


Assim, a existência do auto restará preenchida se os seus três elementos essenciais se encontrarem insertos: a lavratura por autoridade de trânsito ou por seu agente, uma conduta possivelmente infratora e a forma escrita. Sendo a resposta afirmativa, deve a autoridade de trânsito, efetivamente, julgar a consistência e a regularidade do auto de infração, observando a concreção dos seus elementos formais e materiais, a fim de possa expedir validamente a notificação da autuação.


Os órgãos colegiados (CETRAN) tem se manifestado contrários à nulidade dos autos de infração que contenham irregularidades formais, sob o entendimento de que é necessária a efetiva demonstração de prejuízo à defesa do recorrente, fato que ouso discordar. Bem sabemos que a lei não traz disposições inúteis, o que nos leva a concluir que se o legislador erigiu como requisitos obrigatórios do auto de infração aqueles elencados no artigo 280 do CTB, complementados pela Portaria nº 28/07 do DENATRAN, não cabe ao intérprete da norma pretender que o ato administrativo se complete sem que estes se façam presentes, ou seja, ou são de preenchimento obrigatório e tornam nulo o auto ou se deixe de criar disposições para não serem observadas. 


 


Notas

[1] * Texto adaptado e atualizado do artigo “Processo administrativo de trânsito: da autuação à cassação da CNH

[2] Apud ABREU, Waldyr de. Código de trânsito brasileiro: infrações administrativas, crimes de trânsito e questões fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 246.

[3] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm.

[4] Código de trânsito brasileiro: infrações administrativas, crimes de trânsito e questões fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 252.

[5] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9503.htm.

[6] Disponível em: www.denatran.gov.br.

[7] Parecer nº 57/07. Relator: José Vilmar Zimmermann. Disponível em: www.cetran.sc.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2007.

[8] Parecer nº 57/07. Relator: José Vilmar Zimmermann. Disponível em: www.cetran.sc.gov.br. Acesso em: 11 ago. 2007.

[9] Do julgamento do auto de infração de trânsito. Jus Vigilantibus, Vitória, 1º nov. 2004. Disponível em: http://jusvi.com/doutrinas_e_pecas/ver/889. Acesso em: 31 jan. 2007.

[10] Disponível em: www.cetran.sc.gov.br.

[11] Disponível em: www.cetran.sc.gov.br.

[12] Disponível em: www.cetran.rj.gov.br.

[13] Comprovação da infração de trânsito: necessidade da presença do agente de trânsito. Disponível em vários sites e na Revista L&C – Revista de Administração Pública e Política, ed. 101, nov. 2006, p. 17-21.

[14] A esse respeito confira: Guardas Municipais como agentes de trânsito – Estudo de Caso – Inconstitucionalidade. Disponível em vários sites e na Revista L&C – Revista de Administração Pública e Política, ed. 102, dez. 2006, p. 19-23 (Parte I) e ed. 103, jan. 2007, p. 23-25 (Parte Final).

[15] Op. cit. p. 125.

[16] Disponível em: http://www.cetran.sc.gov.br. Acesso em 27 set. 2006.

Informações Sobre o Autor

Benevides Fernandes Neto

Oficial da Polícia Militar de São Paulo. Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pela UNORP


Equipe Âmbito Jurídico

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