O processo do trabalho como obstáculo à efetivação de direitos fundamentais e a importância do princípio da proteção

Resumo: Este estudo tem o objetivo de analisar as dificuldades enfrentadas pelo empregado no Processo do Trabalho. Para melhor compreensão do tema proposto, será abordado o princípio da proteção no Direito Material do Trabalho, para em seguida, discutir se tal princípio também teria aplicação no âmbito processual. Visa-se compreender se o princípio da proteção seria necessário para equilibrar as forças no embate processual entre trabalhador e empresa. Foram expostos exemplos de tratamentos diferenciados em benefício do trabalhador no processo. Igualmente, apresentou-se a responsabilidade civil objetiva como uma forma de acudir a dificuldade de produção de provas pelo empregado, por não ser necessário provar a culpa do empregador quando algum acidente acontece.

Palavras-chave: Princípio da proteção. Ônus da prova. Responsabilidade objetiva.

Abstract: This study aims to analyze the difficulties faced by the employee in the Brazilian Judicial Process. For a better understanding of the proposed theme, the principle of protection, normally used in favor of the employee before the discussion has become judicial, will be described. Then, the researchers tried to understand if such principle would also be applied during the judicial procedure. In other words: should the labor judge create a misbalanced treatment between employees and companies? Is the principle of protection necessary to balance the forces in the judicial procedure? In this article, it has been showed examples of differentiated treatments admitted by the Brazilian Labor Law Superior Court. Likewise, the researched pointed the objective civil liability (when the author of a lawsuit does not need to show that the company is guilty) as another example of how the employee can have an advantage in court.

Keywords: Principle of protection. Burden of proof. Objective responsibility.

Sumário: 1. A (in)aplicabilidade do princípio da proteção no processo do trabalho. 1.1. O sentido do Princípio da Proteção no Direito Material do Trabalho. 1.2. Posicionamento dos teóricos do Direito Processual do Trabalho. 2. Proteção ou adequação às peculiaridades do processo do trabalho? 2.1 Exemplos de tratamentos diferenciados em benefício do trabalhador. 2.2 A responsabilidade civil objetiva como forma de acudir a dificuldade de produção de provas pelo empregado. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa visa a compreender e analisar se a resposta que o Direito Material e Processual do Trabalho dá diante das dificuldades enfrentadas pelo reclamante nas ações trabalhistas é desejável e, em caso afirmativo, se é suficiente para garantir um equilíbrio, no âmbito do processo, entre partes que se singularizam em razão de suas desigualdades.

Sendo o empregado a parte mais frágil na relação trabalhista (e na relação processual trabalhista), devem ser dadas a ele melhores condições de provar que um acidente, por exemplo, não ocorreu devido a ato de sua responsabilidade. Além disso, considerando a hipossuficiência econômica do empregado que se projeta tanto na relação empregatícia quanto na relação processual, deverá o ordenamento jurídico lhe garantir meios realmente efetivos para a defesa de seus direitos frente ao empregador. Aqui vale a máxima “tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na exata medida de suas desigualdades.” (NERY JUNIOR, 1999, p. 42).

Dito isso, o presente estudo, no segundo capítulo, buscará demonstrar a importância do princípio da proteção no direito material do trabalho, utilizando-se do conhecimento jurídico de diversos autores da seara trabalhista para confirmar que, de fato, o princípio da proteção norteia todo o direito material do trabalho. Para que o objetivo dessa pesquisa seja alcançado, é necessário entender a fundo o conceito de proteção e a sua aplicação no direito material do trabalho.

Logo após, se discutirá a importância do princípio da proteção, mas agora no processo do trabalho. Vários entendimentos de autores da seara trabalhista vão ser debatidos, demonstrando o posicionamento de cada um de forma a ficar clara, no final, a conclusão acerca da aplicação ou não do princípio da proteção também no processo do trabalho.

No terceiro – e último – capítulo, apontar-se-ão hipóteses em que se vislumbram tratamentos diferenciados em favor do trabalhador no âmbito processual.

 Por fim, destacar-se-á a situação do acidentário do trabalho e a importância de se aplicar a teoria da responsabilidade civil objetiva.

1 A (in)aplicabilidade do princípio da proteção no processo do trabalho

Os princípios são de grande importância, pois fundamentam a construção do ordenamento jurídico. A definição do que venha a ser princípio e que melhor e mais completamente conceitua esse instituto, é a definição apresentada por Celso Antônio Bandeira de Mello, para quem o “princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.” (MELLO, 1983, p. 53)

Princípios são, ainda, segundo Cleber Lúcio de Almeida “[…] diretrizes. Eles apontam uma direção a ser seguida, servindo, neste contexto, de orientação para a conduta humana na vida social […] Princípio é aquilo que serve de base ou fundamento de uma coisa […] Princípios são diretrizes fundadas em valores, mas com estes não se confundem. Os valores indicam um estado de coisas que é bom ou melhor, isto é, uma qualidade do ser como tal (caráter axiológico), ao passo que os princípios estabelecem o que é devido, isto é, um dever-ser (caráter deontológico). O caráter determinante de comportamentos, presente nos princípios e ausente nos valores, é o que os distingue.” (ALMEIDA. 2014, p. 76- 77).

Maurício Godinho Delgado define o Direito Material do Trabalho como “o complexo de princípios, regras e institutos jurídicos que regulam a relação empregatícia de trabalho e outras relações normativamente especificadas.” (DELGADO, 2014, p. 55). Nessa definição o autor destaca a importância dos princípios, bem como a existência de princípios peculiares ao ramo jus trabalhista.

Em todo o direito comum, há uma preocupação constante em assegurar a igualdade jurídica entre os contratantes, mas aqui no direito do trabalho a maior preocupação é igualar as partes, no sentido de oferecer uma maior proteção à parte mais desfavorecida, com o objetivo de alcançar uma igualdade substancial e verdadeira entre as partes.

Nesse contexto, cumpre fazer o estudo do princípio da proteção, presente no Direito Material do Trabalho (ou apenas Direito do Trabalho) e no Processo do Trabalho, sendo este de fundamental importância, para que seja possível compreender melhor o tema que se discute nesta pesquisa.

1.1 O sentido do Princípio da Proteção no Direito Material do Trabalho

Na busca por sobrevivência, o trabalhador não tem opção, senão negociar sua mercadoria mais preciosa e vendê-la pelo preço e pela forma determinados pelo patrão. É nesse contexto de desigualdade que se firma o fundamento da proteção (em sentido amplo) conferida ao trabalhador pelo Direito do Trabalho.

Por ser o empregado a parte hipossuficiente da relação empregatícia, o princípio da proteção surge como forma de compensar a superioridade econômica do empregador em relação ao empregado, dando a este último superioridade jurídica. Assim, o princípio protetor pode ser uma forma de justificar desigualdades de pessoas que estão em situações diferentes.

Dessa forma, o Direito do Trabalho, segundo o princípio da proteção, estrutura, em seu interior, com suas regras, institutos, princípios e presunções próprias, “uma teia de proteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro –, visando a retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático do contrato de trabalho”. (DELGADO 2014, p. 196).

No contexto trabalhista, a hipossuficiência da pessoa do trabalhador já havia sido reconhecida em tempos mais remotos. Daí a consequente necessidade de protegê-lo e conferir-lhe tratamento desigual em face do empregador. Dessa forma, o Direito do Trabalho brasileiro ganha reforço após a Constituição Democrática que expressamente reconheceu a urgência da proteção à pessoa do trabalhador, e o fez por meio da elevação dos direitos trabalhistas ao status de normas fundamentais.

Neste momento, Américo Plá Rodriguez, importante autor da seara trabalhista, ensina que, “historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como consequência de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econômica desiguais conduzia a diferentes formas de exploração. Inclusive mais abusivas e iníquas. […] O legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa igualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável.” (RODRIGUEZ, 2003, p. 86).

Percebe-se, assim, que o princípio da proteção vigora e é aceito em todo o Direito do Trabalho sem estar ligado nem condicionado a determinada concepção ideológica ou mesmo política.

O Princípio da Proteção é de fato importante, e diversos autores renomados trazem a sua definição. Dentre eles, Américo Plá Rodriguez, aponta “o princípio da proteção se refere ao critério fundamental que orienta o Direito do Trabalho, pois este, ao invés de inspirar-se num propósito de igualdade, responde ao objetivo de estabelecer um amparo preferencial a uma das partes: o trabalhador.” (RODRIGUEZ, 2000, p. 83).

Destarte, o princípio da proteção, caso seja materializado (seu objetivo se torne realidade), tornará possível o cumprimento da função primordial do Direito do Trabalho que é a de proteger o empregado hipossuficiente na relação de emprego. Este, a propósito, é o fim imediato do ramo jurídico em comento. E, curiosamente, a realização de tal desiderato faz com que a função secundária ou mediata do Direito do Trabalho também acabe por ser alcançada, qual seja, conservar a ordem e a paz social.

Explica-se: a redução das desigualdades sociais por meio das normas de proteção do Direito do Trabalho faz com que a classe trabalhadora se torne mais dócil, ou melhor, mais conformada com a sua exploração, e isso permite que o sistema produtivo capitalista funcione mais harmoniosamente, conservando-se a ordem e a paz social.

Assim, o princípio da proteção é aplicado frente à inferioridade que o empregado tem em relação ao empregador, como forma de igualar as partes (ou de minorar a desigualdade entre elas) nessa relação que já nasce desigual e somente se torna relativamente isonômica a partir da atuação firme e concreta de um Direito do Trabalho vigoroso.

1.2 Posicionamento dos teóricos do Direito Processual do Trabalho

Como mencionado, diversos autores da área trabalhista trabalham com a ideia do princípio da proteção, por ser ele base fundamental desse ramo especializado do Direito. Seguindo os vários conceitos que a doutrina traz no que concerne à aplicação do princípio da proteção também no processo do trabalho, torna-se importante demonstrar qual é o posicionamento de alguns teóricos e qual é a decisão majoritária no que tange à aplicação do princípio da proteção também ao processo do trabalho.

Nessa toada, “o direito processual do trabalho deve ser estabelecido e aplicado considerando as particularidades do direito material que deve ser concretizado por meio do processo do trabalho.” (ALMEIDA, 2014, p. 42).

Mauro Schiavi sustenta que “o Direito Processual do Trabalho conceitua-se como o conjunto de princípios, normas e instituições que regem a atividade da Justiça do Trabalho, com o objetivo de dar efetividade à legislação trabalhista e social, assegurar o acesso do trabalhador à Justiça e dirimir, com justiça, o conflito trabalhista.” (SCHIAVI, 2014, p. 113).

Com isso, o autor entende que a aplicação do Princípio da Proteção deve se estender ao Processo do Trabalho, isso porque acredita que o processo é um instrumento que serve para dar ao trabalhador o que é seu, por direito. Portanto, a efetivação dos direitos trabalhistas, segundo referido autor, não pode ser afastada pelas regras do processo, que, assim como as regras do direito material do trabalho, servem como amparo ao trabalhador.

Nesse sentido, Carlos Henrique Bezerra Leite aduz ser “[…] de suma importância reconhecer e comprovar a existência, ou não, de princípios próprios do direito processual do trabalho, pois isso constitui um dos critérios para justificar a própria autonomia desse seguimento da ciência processual.” (LEITE, 2014, p. 81).

Desse modo, o autor coloca em xeque a questão do Processo do Trabalho ter ou não seus próprios princípios, ou se estes são apenas os mesmos princípios do direito processual civil. A dúvida paira nesse sentido e, durante o desenvolvimento de seu raciocínio, tentará chegar a uma resposta final sobre a questão.

Para tanto, o autor conceitua o Direito Processual do Trabalho sendo “[…] o ramo da ciência jurídica, constituído por um sistema de valores, princípios, regras e instituições próprias que tem por objeto promover a concretização dos direitos sociais fundamentais individuais, coletivos e difusos dos trabalhadores e a pacificação justa dos conflitos decorrentes direta ou indiretamente das relações de emprego e de trabalho, bem como regular o funcionamento dos órgãos que compõe a Justiça do Trabalho.” (LEITE, 2014, p. 95)

Referida passagem leva ao entendimento de que, para o autor, o processo do trabalho também deve ser norteado pelo princípio da proteção, isso porque deve ser garantida à parte hipossuficiente da relação empregatícia a proteção, não podendo tal proteção ser limitada apenas ao Direito Material do Trabalho. Confirma tal entendimento ao dizer que “[…] a desigualdade econômica, o desequilíbrio para a produção de provas, a ausência de um sistema de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural e o desnível cultural entre empregado e empregador, certamente são realidades transladadas para o processo do trabalho, sendo, portanto, imprescindível a existência de um princípio de proteção ao trabalhador, que é destinatário de direitos humanos sociais e fundamentais.” (LEITE, 2014, p. 83)

Com isso, a importância da aplicação do princípio da proteção também ao direito processual do trabalho é compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica entre empregado e empregador com uma igualdade jurídica em sentido oposto.

No Estado Democrático de Direito, que tem como um dos seus objetivos a redução das desigualdades sociais e regionais (CF/88, art. 3º, III), tal redução é efetivada por meio da proteção jurídica da parte fraca, tanto na relação de direito material quanto na relação de direito processual.

Diversos teóricos ainda trazem o entendimento de que o princípio da proteção se estende ao direito processual do trabalho. Dentre eles está Cleber Lúcio de Almeida que assim demonstra a importância dos princípios para o processo do trabalho: “[…] princípios do direito processual do trabalho são as suas diretrizes fundamentais, impositivas de deve-ser na relação jurídica processual trabalhista e orientadoras da criação, interpretação e aplicação das regras jurídicas que, ao seu lado, compõem o direito processual do trabalho.” (ALMEIDA, 2014, p. 89).

Continua o autor: “a relação meio e fim existente entre direito processual e material do trabalho exige que entre eles exista uma íntima conexão. E, para que esta íntima conexão seja possível, o processo do trabalho (que é o processo disciplinado pelo direito do trabalho) deve ser adaptação às particularidades do direito do trabalho, isto é, deve ser um processo equitativo.” (ALMEIDA, 2014, p. 90)

Dessa forma, “Direito do trabalho e direito processual do trabalho devem adotar e seguir uma mesma direção, o que exige que estejam em relação de íntima conexão […] Com isto, estabelece-se a relação entre o direito processual do trabalho e os fins do direito do trabalho: o direito processual do trabalho serve ao direito do trabalho e, este, à dignidade humana. Assim, o direito processual do trabalho se relaciona com a dignidade humana (fim do direito do trabalho).” (ALMEIDA, 2014, p. 91-92).

Outro teórico que defende o princípio da proteção também ser aplicado ao direito processual do trabalho é Renato Saraiva, que aponta: “pelo princípio da proteção, o caráter tutelar, protecionista, tão evidenciado no direito material do trabalho, também é aplicável no âmbito do processo do trabalho, o qual é permeado de normas, que, em verdade, objetivam proteger o trabalhador, parte hipossuficiente da relação jurídica laboral.” (SARAIVA, 2011, p. 44-45)

 Entretanto, há teóricos que sustentam que não se deve aplicar o princípio da proteção no processo do trabalho. Dentre eles, está Vólia Bomfim Cassar. Segundo a autora, aplicar o princípio da proteção também ao processo do trabalho corrobora o fato de o trabalhador ser o mais beneficiado da relação empregatícia. Assim, o princípio da proteção “por se tratar de um princípio de direito material, não se aplica ao processo do trabalho, salvo quando tiver caráter informativo para o legislador.” (CASSAR, 2014, p. 182).

A autora não acredita ser certo beneficiar mais ainda a parte que já é por si só beneficiada em todo o direito material do trabalho, qual seja, o trabalhador. De tal modo, seguindo o entendimento da autora, “a inspiração deve ser anterior ao processo e destina-se apenas ao legislador processual que, antes de confeccionar a lei, influencia-se pelo princípio da proteção ao trabalhador.” (CASSAR, 2014, p. 183).

Adiante, serão apresentados exemplos de tratamentos diferenciados em prol do obreiro na órbita processual. A análise das situações apresentadas auxiliará a formação do convencimento acerca da aplicabilidade do princípio da proteção ao processo. Afinal, será que os exemplos a seguir retratam um despropositado tratamento paternalista ao obreiro, ou, em verdade, tratam-se de adaptações próprias e específicas do processo do trabalho sem as quais o jogo processual não funcionaria?

2 PROTEÇÃO OU ADEQUAÇÃO ÀS PECULIARIDADES DO PROCESSO DO TRABALHO?

2.1 Exemplos de tratamentos diferenciados em benefício do trabalhador

Ao serem abordados os exemplos de tratamentos diferenciados em benefício do trabalhador, deve-se atentar à questão da inversão do ônus da prova, implementada no âmbito do processo laboral, que aproveita o trabalhador, bem como as prerrogativas que o trabalhador recebe quando este se ausenta da audiência trabalhista, correlacionando com o tratamento que recebe o empregador.

Todavia, faz-se necessário, primeiro, esclarecer o que é a prova e para que ela serve. A prova, segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, é […] aquilo que serve para estabelecer uma verdade por verificação ou demonstração, dando-nos a ideia de ensaio, experiência, provação, isto é, o ato de provar, de experimentar, por exemplo, o sabor de uma substância alimentar. Na linguagem da matemática, prova é a operação pela qual se verifica a exatidão de um cálculo. Do ponto de vista esportivo, prova é a competição entre esportistas, que consiste em corrida (a pé, de bicicleta, automóvel etc.), arremesso, salto, etc., e na qual buscam classificação. Nos domínios da ciência jurídica processual, a palavra “prova” também pode ser empregada com diversas acepções. Às vezes, concerne à atuação dos partes no processo com o objetivo de evidenciar a existência do fato que pretendem demonstrar em juízo. Nesse sentido, utiliza-se a expressão “produzir a prova”. O vocábulo “prova” também pode ser empregado no sentido de “meio de prova”, ou seja, o modo pelo qual a parte intenta evidenciar os fatos que deseja demonstrar em juízo. […] Finalmente, prova também pode ser utilizada como “convencimento do juiz”, de acordo com os elementos constantes dos autos do processo. Nesse sentido, fala-se, por exemplo, que determinado fato restou provado em função do convencimento do juiz sobre a sua existência ou inexistência.” (LEITE, 2014, p. 648).

Diante disso, entende-se que a prova, nos domínios do direito processual, é o meio lícito para demonstrar a veracidade ou não de determinado fato com a finalidade de convencer o juiz acerca da sua existência ou inexistência. Entretanto, no atual modelo constitucional do direito processual, qual seja, à luz do Estado Democrático de Direito, busca-se conceituar a prova fundada não mais na busca da verdade, mas sim na argumentação dos sujeitos que participam do processo.

O ônus probatório é matéria de relevante importância, pois o seu conhecimento pelas partes no processo indica quais serão as suas prioridades na instrução e a probabilidade de êxito em uma demanda. Assim, busca-se uma adequada distribuição do ônus da prova, que seja justa para as partes do processo. Ao juiz caberá determinar as regras de julgamento e indicar uma solução à lide quando faltarem provas quanto aos fatos controvertidos.

A esse respeito, Mauro Schiavi ensina que “o não atendimento do ônus de provar coloca a parte em desvantajosa posição para a obtenção do ganho de causa.” (SCHIAVI, 2014, p. 646).

Expondo o seu entendimento sobre o que vem a ser o ônus da prova, continua o autor: “[…] um dever processual que incumbe ao autor quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu quanto aos fatos modificativos, extintivos e impeditivos do direito do autor, que, uma vez não realizado, gera uma situação desfavorável à parte que detinha o ônus e favorável à parte contrária, na obtenção da pretensão posta em juízo.” (SCHIAVI, 2014, p. 646).

Carlos Henrique Bezerra Leite defende posição progressista a respeito da inversão do ônus da prova no sentido de que essa técnica processual pode ser adotada no processo do trabalho, seja pela aplicação analógica do art. 6º, VIII, do CDC, seja pela aplicação do art. 769 combinado com o art. 852-D, sempre em benefício do empregado, pois este, de modo semelhante ao consumidor, também costuma estar em situação de hipossuficiência. (LEITE, 2009, p. 505).

Vale citar os dispositivos que amparam o direito à inversão do ônus da prova:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor: […] VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; IX – (Vetado);” (BRASIL, 2016)

“Art. 769. Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.” (BRASIL, 2016)

“Art. 852-D. O juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, considerado o ônus probatório de cada litigante, podendo limitar ou excluir as que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias, bem como para apreciá-las e dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.” (BRASIL, 2016)

Ao se defrontar com o disposto no art. 818 da CLT, qual seja, “a prova das alegações incumbe à parte que as fizer” (BRASIL, 2016), percebe-se que o dispositivo não atende aos anseios do que propõe a Justiça do Trabalho e a sua realidade, uma vez que há fatos por demais difíceis para o empregado conseguir prová-los, em face de sua subordinação e distância da administração do empreendimento do empregador, bem como devido à sua hipossuficiência.

Renato Saraiva sustenta que “não obstante as regras atinentes à distribuição das provas entre as partes, doutrina e jurisprudência vêm, paulatinamente, admitindo, em alguns casos, a denominada inversão do ônus da prova, transferindo a prova que, inicialmente seria do obreiro, para a empresa, com o claro intuito de proteger a parte hipossuficiente da relação jurídica trabalhista.” (SARAIVA, 2011, p. 340).

Assim, não sendo possível à parte inicialmente onerada da produção de determinada prova, ou por não estar apta a produzi-la, ou por ter a parte contrária a prova já pré-constituída, ou mesmo melhores condições de produzi-la, esse ônus, que inicialmente era de quem alegou os fatos, será repassado (invertido ou redistribuído[1]) à parte contrária, de modo que seja factível a administração da justiça pelas partes, independente de qual delas tenha alegado determinado fato como garantia de uma decisão em bases democráticas.

Destarte, se há prova nos autos, não importando quem as produziu, as regras do ônus da prova são desnecessárias. Contudo, se não há prova, o juiz se valerá das regras da distribuição do ônus probatório, para que possa orientar a atividade jurisdicional, pois não lhe é permitido eximir-se de decidir sob a alegação de insuficiência de provas.

Sobre tal afirmativa, Mauro Schiavi argumenta que “[…] o juiz da atualidade, diante do princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF), não pode furtar-se a julgar, alegando falta de prova nos autos, ou impossibilidade de saber qual foi a melhor prova. Por isso, a aplicação da regra de ônus da prova como fundamento de decisão é uma necessidade do processo contemporâneo.” (SCHIAVI, 2014, p. 647).

No que concerne à prova da existência de vínculo empregatício, compete ao reclamante provar a prestação de serviços ao suposto empregador. Se por qualquer motivo a reclamada, em sua defesa, admitir a prestação de serviços, mas alegar se tratar de relação jurídica diversa da empregatícia (por exemplo: trabalho eventual, cooperativado, autônomo, de estágio, entre outros), atrairá para si o ônus de provar a existência de tal relação de trabalho diversa da tutelada pelo Direito do Trabalho.

Assim: “RELAÇÃO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. Incumbe àquele que nega a relação de emprego, mas admite a prestação de serviços, a prova de que esta constituía objeto de relação jurídica distinta do contrato de trabalho.” (TRT-1 – RO: 00005000820125010062 RJ, Relator: Valmir De Araujo Carvalho, Data de Julgamento: 02/09/2014,  Segunda Turma, Data de Publicação: 12/09/2014)

“RELAÇÃO DE EMPREGO. ÔNUS DA PROVA. Reconhecida a prestação de serviços e imputando a reclamada fato obstativo ao reconhecimento da relação de emprego, compete-lhe o ônus da prova.” (TRT-1 – RO: 00110943720145010054 RJ, Relator: RELATOR, Data de Julgamento: 19/01/2016,  Quarta Turma, Data de Publicação: 15/02/2016).

Com relação à perda do vínculo empregatício, o que se percebe é que a jurisprudência trabalhista tem fixado entendimento no sentido de que, se o empregador nega ter dispensado o empregado, cabe a ele, diante do princípio da continuidade da relação de emprego (conforme expõe a Súmula nº 212 do TST), provar que o autor tomou a iniciativa de pôr fim ao contrato de trabalho (pedido de demissão ou abandono de emprego).

Do contrário, caso o empresário não consiga demonstrar que a iniciativa da despedida partiu do empregado, haverá sempre a presunção de que a rescisão do contrato ocorreu de forma mais vantajosa para o empregado, ou seja, rescisão imotivada do contrato por iniciativa do empregador.

Nesse sentido: “Súmula 212. Despedimento. Ônus da Prova. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.” (BRASIL, 2016).

A regra de distribuição de ônus, segundo o art. 769 da CLT, indica que quem alega é que prova. Não obstante, quando a discussão em um processo envolve a falta de pagamento do vale-transporte, a Súmula 460 do TST inverte essa lógica: “É do empregador o ônus de comprovar que o empregado não satisfaz os requisitos indispensáveis para a concessão do vale-transporte ou não pretenda fazer uso do benefício.” (BRASIL, 2016).

“ÔNUS DA PROVA. VALE-TRANSPORTE. É do empregador o ônus de comprovar o oferecimento do vale-transporte ao empregado, já que o decreto regulamentador criou condição para a aquisição do direito (requerimento do empregado) não prevista em lei.” (TRT-1 – RO: 17997020115010283 RJ, Relator: Volia Bomfim Cassar, Data de Julgamento: 05/06/2012,  Segunda Turma, Data de Publicação: 2012-06-14) (RIO DE JANEIRO, 2012).

Assim, é o empregador que vai ter que demonstrar que o empregado não cumpria os requisitos para a concessão do vale-transporte. Esse é um exemplo de inversão do ônus da prova que favorece o empregado, por ser ele a parte hipossuficiente da relação empregatícia e por dispor de menos condições técnicas e financeiras.

No que tange às horas extras, a Súmula 338 do TST e o art. 74, §2º da CLT determinam que a empresa mantenha cartões de ponto, caso tenha mais de 10 empregados. Assim, o que se observa é que quando uma empresa, apesar de ter essa obrigação de ter cartão de ponto, não os apresenta no processo, vai haver uma punição para a mesma. Em relação à jornada do trabalho haverá uma confissão ficta; a jornada descrita na petição inicial apresentada pela parte autora (empregado) será considerada verdadeira.

Em outros termos: o Tribunal Superior do Trabalho admite a inversão do ônus da prova na hipótese de a empresa contar com mais de 10 (dez) empregados e se recusar, injustificadamente, a apresentar os controles de frequência, conforme previsto na Súmula 338 do TST. Originalmente, quem alega é que deveria apresentar a prova, portanto, nas horas extras, o trabalhador. Porém, nesse caso de ausência injustificada de cartões de ponto, o ônus de reverter a presunção de veracidade da jornada alegada será da empresa. Tal presunção corrige a dificuldade que o empregado possui, muitas vezes, de encontrar testemunhas e, consequentemente, produzir prova de que trabalhava além da duração máxima de labor permitida por lei.

Outro exemplo de tratamento diferenciado que beneficia o empregado nas ações trabalhistas está presente na Súmula 443 do TST. Mais uma vez inverte-se a lógica de que quem alega é quem prova, isso porque essa Súmula fala que se presumirá discriminatória a dispensa do empregado portador de AIDS, hepatite ou qualquer outra doença que gere um certo estigma ou preconceito.

 Eis o teor da súmula: “presume-se discriminatória a despedida do empregado portador do vírus HIV ou outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.” (BRASIL, 2016).

Diante disso, presume-se que o empregado que tenha doenças graves que acabem gerando algum tipo de preconceito, e que por esse motivo acionou a justiça alegando tais fatos, ele não tem que provar nenhum fato, uma vez que tal ônus é do empregador. A empresa é que vai ter que provar que a dispensa foi sem justa causa, e não discriminatória. Importante destacar ainda que os empregadores precisam ter ciência de que seu direito de dispensar sem justa causa não é ilimitado e que qualquer situação que possa ser entendida discriminatória poderá ser revertida pelo Judiciário e ainda haver condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

A Súmula 443 do TST acerta em criar presunção favorável ao obreiro, na medida em que consagra os princípios constitucionais da dignidade e não discriminação, bem como da vedação à dispensa discriminatória. Em inúmeros processos, tem-se decidido que as dispensas em tais casos são nulas, determinando a reintegração do empregado ao emprego.

Seguindo os exemplos de tratamentos diferenciados em benefício do trabalhador, chega-se à audiência trabalhista. A audiência é, talvez, o exemplo mais claro de tratamento mais favorável ao trabalhador. Isso porque, se o trabalhador faltar à audiência inicial, o processo é extinto sem resolução do mérito, sendo, portanto, arquivado. Por outro lado, se a empresa falta, há a revelia, e a consequência é a confissão ficta, ou seja, todos os fatos alegados pelo autor declinados na petição inicial serão considerados verdadeiros.

Nesse contexto, no Processo do Trabalho é obrigatória a presença das partes em todas as audiências no primeiro grau de jurisdição, isto é, nas varas do Trabalho, uma vez que a ausência gera as consequências processuais previstas no art. 844 da CLT.

Observa-se que, em referido artigo, o trabalhador foi diretamente beneficiado, visto que, caso o mesmo não compareça à audiência, ocorrerá tão somente o arquivamento da reclamação. Já o não comparecimento do empregador importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato, ou seja, o empregador estaria automaticamente confessando que tudo o que fora alegado pelo empregado era verdade.

Seguindo, chega-se ao depósito recursal. Como é sabido, a empresa, para interpor recurso trabalhista, precisa, além de pagar custas, pagar o depósito recursal. Normalmente o empregado não paga custas, isso porque é beneficiado pela justiça gratuita, sendo, portanto, isento. Para Mauro Schiavi “o depósito recursal consiste em valor pecuniário a ser depositado na conta do reclamante vinculada ao FGTS, devido quando há condenação em pecúnia, como condição para conhecimento do recurso interposto pelo reclamado.” (SCHIAVI, 2014, p. 839).

Para tanto, o depósito recursal é requisito de conhecimento do recurso ordinário de revista, embargos infringentes do TST e extraordinário para o STF, inclusive dos recursos interpostos na forma adesiva.

O depósito recursal serve para garantir, pelo menos em parte, a execução e quem é normalmente executado no processo do trabalho é a empresa (réu). Assim, visa a assegurar a satisfação de crédito pecuniário reconhecido em decisão judicial. Por esse motivo, o empregado nunca pagará, justamente por ser o beneficiário da decisão judicial. Assim, não faz sentido cobrar depósito recursal do empregado, a menos que ele esteja figurando no polo passivo. Nesse sentido, observa-se que referido tratamento não é discriminatório, tampouco visa a igualar as partes. O que há é uma peculiaridade do processo laboral, em que raramente, o trabalhador figura no polo passivo.

Assim, o art. 899 da CLT traz que: “os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. § 1º. Sendo a condenação de valor até 10 (dez) vezes o valor de referência regional, nos dissídios individuais, só será admitido o recurso, inclusive o extraordinário, mediante prévio depósito da respectiva importância. Transitada em julgado a decisão recorrida, ordenar-se-á o levantamento imediato da importância do depósito, em favor da parte vencedora, por simples despacho do juiz. […] § 4º O depósito de que trata o § 1º far-se-á na conta vinculada do empregado a que se refere o § 2º da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966, aplicando-se-lhe os preceitos dessa lei, observado, quanto ao respectivo levantamento, o disposto no § 1º.” (BRASIL, 2016).

Como pode ser observado, o § 4º do art. 899 afirma que o depósito far-se-á na conta vinculada do trabalhador: é a mesma em que são feitos os depósitos do FGTS. A interpretação, portanto, é que não há que se falar em depósito recursal feito por parte do empregado. O objetivo do dispositivo legal é garantir o cumprimento da condenação imposta ao empregador, de modo que após o trânsito em julgado da decisão, o depósito será imediatamente levantado pelo empregado.

A respeito disso, a súmula 128 do TST dispõe que: “Depósito recursal. (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais n. 139, 189 e 190 da SDI-1) I- É ônus da parte recorrente efetuar o depósito legal, integralmente em relação a cada novo recurso interposto, sob pena de deserção. Atingido o valor da condenação, nenhum depósito mais é exigido para qualquer recurso.” (BRASIL, 2016).

O penúltimo exemplo de tratamento diferenciado em benefício do trabalhador apresentado é a justiça gratuita. No Processo do Trabalho, quando o empregado apresenta declaração de pobreza presume-se a veracidade da mesma; não terá que provar, assim, que é pobre. O juiz considerará que o empregado é pobre no sentido legal e vai conceder a justiça gratuita. A menos que a outra parte, no caso, o empregador, se oponha. Nesse caso, o empregador terá que provar que o empregado dispõe de condições econômicas suficientes para arcar com os trâmites processuais.

A situação inversa não funciona, porque se a empresa fala que não tem condições de arcar com os trâmites processuais e apresenta declaração de pobreza, todas as suspeitas estarão em desfavor da empresa. Para o empregador conseguir justiça gratuita é muito mais difícil, pois terá que se valer de prova robusta.

Discute-se, no tópico a seguir, a questão dos acidentes de trabalho. Será que é fácil, para o empregado, demonstrar os requisitos da responsabilidade civil? Será que as dificuldades da prova nos acidentes de trabalho não inviabilizariam a conquista de danos materiais e morais? Afinal, quando o empregado precisará provar a culpa do empregador e quando ele não precisará fazê-lo?

Optou-se por descrever tal situação (a de acidentes), porque, apesar de não ser propriamente uma peculiaridade do processo do trabalho, a responsabilidade objetiva necessita de maior destaque pela doutrina especializada, de modo a motivar os advogados trabalhistas a exigirem a responsabilização sem culpa, tornando mais factível a condenação de empresas cujas atividades acentuam sobremaneira o risco de acidentes.

2.2 A responsabilidade civil objetiva como forma de acudir a dificuldade de produção de provas pelo empregado

O que se percebe hoje, com a complexidade da vida, o grande crescimento dos fatores de risco de acidentes de trabalho e com a revolução tecnológica é que diversos acidentes de trabalho acabam ficando sem a reparação devida, ou mesmo sem nenhum tipo de reparação, uma vez que na maioria dos casos a vítima não logra êxito em demonstrar a culpa do causador do prejuízo, ou seja, não consegue se desincumbir do ônus probatório quanto ao fato constitutivo do direito postulado. Assim, nos casos de acidentes do trabalho tem sido frequente o indeferimento do pedido por ausência de prova da culpa do empregador.

Com a CF/88, o ressarcimento dos danos decorrentes do acidente do trabalho pode situar-se nos dois campos da responsabilidade civil: o primeiro que exige dolo ou culpa do empregador na ocorrência de um acidente, e o segundo que obriga o empregador a reparar o dano causado independentemente de qualquer ideia de culpa. Neste o fundamento da reparação é o risco profissional.

A responsabilidade civil objetiva caracteriza-se com a demonstração de três requisitos: conduta (ação ou omissão), dano e nexo de causalidade, não sendo exigida, portanto, a demonstração da culpa do agente. Essa teoria, denominada teoria do risco, surgiu no final do século XIX e defende que os danos causados a outrem devem ser arcados por quem cria o risco.

O art. 927 do Código Civil é claro nesse sentido: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (BRASIL, 2016).

Com a responsabilidade civil objetiva, passou-se a exigir da vítima apenas os elementos nexo causal e dano, medida que muito facilitou a produção de prova por parte do empregado.

Sergio Cavalieri Filho sustenta que: “[…] temos, assim, por força de expresso dispositivo constitucional, duas indenizações por acidente do trabalho, autônomas e cumuláveis. A acidentária, fundada no risco integral, coberta por seguro social e que deve ser exigida do INSS. Mas, se o acidente do trabalho (ou doença profissional) ocorrer por dolo ou culpa do empregador, o empregado faz jus à indenização comum ilimitada. Noutras palavras, o seguro contra acidente de trabalho só afasta a responsabilidade do empregador em relação aos acidentes de trabalho que ocorrerem sem qualquer parcela de culpa; se houver culpa, ainda que leve (e esta deve ser provada), o empregador terá a obrigação de indenizar.” (FILHO, 2010, p. 148).

O que se vê no caso da responsabilidade civil objetiva é um imperativo de justiça social, observando-se, assim, um importante ponto de junção entre as ideias de justiça e de bem social ou de bem-estar da sociedade.

Acerca da responsabilidade civil subjetiva, será assim quando se basear na culpa do agente, que deve ser comprovada para gerar a obrigação indenizatória. Nessa modalidade, a responsabilidade do causador do dano somente se configura se ele agiu com dolo ou culpa.  Para tanto, Sebastião Geraldo de Oliveira sustenta que “a responsabilidade será subjetiva quando o dever de indenizar surgir em razão do comportamento do sujeito que causa danos a terceiros, por dolo ou culpa.” (OLIVEIRA, 2007, p. 93).

A responsabilidade civil subjetiva baseia-se na ideia de culpa, como consagra o art. 7º XXVIII da CF/88, que trata dos direitos sociais, dispondo serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais o “seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa” (BRASIL, 2016), amparada na teoria da culpa, não há responsabilidade sem a presença do elemento culpa, sendo pressuposto da pretensão indenizatória.

A ideia de responsabilidade civil objetiva se adequa perfeitamente ao Direito do Trabalho diante da necessidade de amparar o empregado nos casos de acidente de trabalho, em que a culpa do empregador era impossível ou muito difícil de ser provada.

De toda forma, será dispensada a comprovação da culpa somente se a atividade desempenhada pelo obreiro representar risco elevado de acidente para o obreiro. Com isso, caso o empregado sofra um acidente de trabalho e o risco do trabalho não for grande, utilizar-se-á da responsabilidade civil subjetiva, justamente por não apresentar risco ao empregado. Como exemplo, tem-se um empregado que exerce sua atividade laboral em uma área de pouco movimento. O risco de ocorrerem acidentes diminui e, por esse motivo, há de se falar na responsabilidade civil subjetiva, exigindo o cumprimento de três requisitos cumulativos e concomitantes, quais sejam: o dano, o nexo causal e a culpa. Uma vez que não estejam presentes tais requisitos, exclui-se a possibilidade de reparação. Entretanto, se a atividade laboral representa grandes riscos ao empregado, aplicar-se-á a teoria da responsabilidade civil objetiva, uma vez que ao autor cabe apenas demonstrar a relação entre o dano sofrido com a atividade exercida, sendo desnecessário provar a culpa.

A coexistência harmônica das duas teorias (responsabilidade objetiva e subjetiva) no âmbito laboral é reconhecida por Sebastião Geraldo de Oliveira: “[…] a responsabilidade objetiva não suplantou, nem derrogou a teoria objetiva, mas afirmou-se em espaço próprio de convivência funcional, para atender àquelas hipóteses em que a exigência da culpa representava demasiado ônus para as vítimas, praticamente inviabilizando a indenização do prejuízo sofrido. Não há dúvida, portanto, que continuará sendo aplicável a responsabilidade subjetiva, quando a culpa do infrator restar demonstrada, hipótese em que ficará mais fácil o êxito da demanda para o lesado e até com a possibilidade de obter indenização mais expressiva […]” (OLIVEIRA, 2007, p. 99).

 É por esse motivo que a responsabilidade objetiva é também denominada teoria do risco, uma vez que no exercício de sua atividade que quem cria um risco acentuado de dano a outrem responderá pela reparação dos prejuízos, mesmo quando não tenha incidido em qualquer culpa.

Porém, todos os afazeres humanos têm os seus riscos, sejam eles maiores ou menores, podendo chegar à conclusão de que em todos os ramos de atividades ocorrem acidentes. Assim, o direito de indenização deve ser analisado caso a caso, considerando a natureza da atividade do empregador, ou seja, o seu grau específico de risco.

Nesse sentido, a diretriz aprovada na Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal em 2002 indica um caminho de interpretação: “Enunciado nº. 38 – Art. 927: A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.” (BRASIL, 2002).

Seguindo o exposto por esse enunciado, para que haja indenização é necessário que se compare o risco da atividade que gerou o dano com o nível de exposição ao risco dos demais membros da coletividade, causando assim, prejuízos ou riscos para os direitos de outrem.

Acerca da aplicação da responsabilidade civil objetiva quando ocorrerem acidentes de trabalho cita-se o entendimento do autor Sebastião Geraldo de Oliveira, que diz: “A indenização baseada no rigor da culpa está cedendo espaço para o objetivo maior de reparar os danos, buscando amparar as vítimas dos infortúnios, mesmo sem a presença da culpa comprovada, em harmonia com o objetivo fundamental de construir uma sociedade livre, justa e solidária, com erradicação da pobreza e da marginalização, conforme exposto no art. 3º da Constituição da República. Além disso, os pressupostos da responsabilidade objetiva guardam maior sintonia e coerência como o comando do art. 170 da Lei Maior, determinando que a ordem econômica deve estar fundada na valorização do trabalho e a propriedade deve ter uma função social. […] Pode-se argumentar, e com razão, que a indenização representará um custo elevado para o empregador, sendo que, em alguns casos, poderá até inviabilizar o prosseguimento da sua atividade.” (OLIVEIRA, 2007, ps. 122-129)

Diante de todo o exposto, conclui-se que a responsabilidade civil objetiva deve ser utilizada quando a atividade desempenhada produzir elevadas chances de o empregado sofrer um acidente.

Nos casos limítrofes, quando não for possível afirmar categoricamente se a chance de determinada atividade produzir um acidente é ou não elevada, parece a esta pesquisadora que entre condenar o empregador inocente e desamparar a vítima, no caso, o empregado, também inocente, nada mais razoável que se decidir pela primeira opção, uma vez que quem dirige o negócio é que deve arcar com os seus riscos (princípio da alteridade). Nesses casos, portanto, para que haja responsabilização do empregador, basta que sejam demonstrados os elementos, nexo causal e dano à vítima, sendo irrelevante a culpa, o que facilita, no âmbito processual, que o empregado seja bem-sucedido em demandas desse tipo.

CONCLUSÃO

A parte da relação empregatícia que possui mais recursos financeiros (na grande maioria das vezes, o empregador) tem maior vantagem ao propor ou defender uma demanda e pode pagar para litigar, bem como suportar as delongas do litígio.

 Por essa razão, esta pesquisa buscou analisar se o Processo do Trabalho é sensível a essa questão e, consequentemente, trata de forma diferenciada autor-trabalhador e réu-empresa.

Mais do que isso: o intuito principal aqui era analisar se é possível afirmar categoricamente quanto a existência de uma “tutela trabalhista processual diferenciada”, ou seja, será que o processo do trabalho protege o trabalhador, impondo a essa parte regalias, facilidades e privilégios que não são estendidos à parte ré? Não seria isso uma violação ao princípio da isonomia?

 Como se pode observar, a inversão do ônus da prova é utilizada em alguns casos no processo do trabalho, que acabam por beneficiar o empregado, uma vez que este é a parte mais frágil da relação de emprego. Tal diferenciação se torna imprescindível para um melhor funcionamento do próprio processo do trabalho, visto que, sem ela, o empregador seria sempre beneficiado, e chegaria ao final da lide vencedor, pois o mesmo dispõe, em maioria maçante dos casos, de condições técnicas e financeiras superiores ao empregado.

 Não parece a esta pesquisadora que a presunção de veracidade quanto à jornada de trabalho que prejudicará o réu quando ele se negar a juntar aos autos os cartões de ponto possa ser considerado um tratamento anti-isonômico ou um tratamento que discrimine o réu sem justificativa.

 Ora, se a empresa tinha a obrigação de controlar os horários via cartões de ponto (CLT, art. 74, §2º) e não o faz (ou se apesar de controlar o ponto de seus empregados, não os junta aos autos por conveniência), nada mais justo que aplicar a ela uma consequência prejudicial (súmula 338 do TST).

 Isso não pode ser interpretado como um indício de que o processo do trabalho quebra a isonomia ou prestigia o trabalhador. Verdadeiramente, trata-se de peculiaridade do ramo laboral que serve, de fato, para tornar o processo mais equilibrado. Não fosse o entendimento sumulado do TST, o pêndulo de equilíbrio processual pesaria em favor do empregador, já que a duração da jornada é muito mais facilmente comprovada pelo empregador.

O fato de só o empregado contar com a presunção de veracidade quanto à miserabilidade para fins de concessão da Justiça Gratuita, mostra-se como outra conduta processual lógica. Ora, o simples fato de a parte ter condições de arcar com os custos de ter um empregado, com respeito às opiniões dissentes, evidencia que o empregador tem recursos para suportar o trâmite processual.

A responsabilidade civil objetiva, que vem diminuir o rol de fatos constitutivos do direito à indenização pleiteada pelo autor da ação, não tem aplicação exclusiva no Direito do Trabalho, apesar de favorecer ao trabalhador que resolve se valer da justiça para efetivar os seus direitos garantidos por lei.

Neste trabalho não se perceberam exemplos práticos de que as peculiaridades do Processo do Trabalho alteram a paridade de armas ou violam o princípio processual da isonomia. Pura e simplesmente servem para equilibrar partes que se apresentam e se comportam de maneira abissalmente desigual.

Parece ser de diminuta importância afirmar de forma taxativa se há no Processo do Trabalho um princípio próprio (princípio da proteção) que garantiria o funcionamento equilibrado do jogo processual. Se for esse o sentido atribuído ao princípio da proteção não há qualquer mal em admitir a sua aplicação.

 Nessa linha de raciocínio, a expressão “princípio da proteção” serviria como sinônimo de garantia à isonomia processual no ramo autônomo e especializado do processo chamado Processo do Trabalho.

Nesse sentido, o princípio da proteção é fundamental tanto no Direito Material do Trabalho, quanto no Direito Processual Laboral. É o que diferencia o processo comum do processo trabalhista. E, sem o princípio, o próprio direito processual do trabalho entraria em derrocada e perderia o seu sentido, pois, como salientado, a desigualdade entre trabalhador e empregador, que é notória durante o vínculo empregatício, reproduz-se no âmbito do processo.

Ao contrário do que se possa imaginar, o princípio da proteção não promove uma discriminação injusta em benefício do trabalhador. Tampouco viola a paridade de armas no processo laboral. Verdadeiramente, a aplicação do princípio em questão iguala o empregado ao empregador no âmbito processual. E permite que a dupla direito material e direito processual interajam harmonicamente.

 

Referências
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BRASIL. Código Civil. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. In: Vade mecum Saraiva. 21ª. edição. São Paulo: Saraiva, 2016.
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BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho. Processo: TRT-1 – RO 17997020115010283, Relator: Vólia Bomfim Cassar, Rio de Janeiro, Data de Julgamento: 05/06/2012, Segunda Turma, Data de Publicação: 2012-06-14; Disponível em: < http://trt-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24564721/recurso-ordinario-ro-17997020115010283-rj-trt-1> Acesso em: 06 out. 2016.
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SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. 8ª ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2011.
Notas
[1] Os autores deste trabalho monográfico optaram por não se aprofundar no que se entende como “a distribuição dinâmica do ônus da prova”. O subcapítulo, além e trazer noções introdutórias da prova e do ônus da prova, foca-se em apresentar hipóteses de inversão do ônus consagradas pela jurisprudência.

Informações Sobre os Autores

Anna Carolina de Almeida Cunha Bergmann

Acadêmica de Direito na PUC Minas

Rafael Chiari Caspar

Professor universitário. Advogado atuante nas áreas trabalhista e sindical


Equipe Âmbito Jurídico

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