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O que é o Princípio da Consunção?

Você já ouviu falar do princípio da consunção? Ele é um princípio do direito penal que pode ser utilizado em favor do réu.

Mas qual é o significado do princípio da consunção? Onde está sua previsão legal? Ele está previsto no código penal? A sua aplicação pode resultar em absolvição? Em quais espécies de crimes ele é aplicável?

Confira tudo isso logo abaixo e fique por dentro de tudo o que você precisa saber sobre o Princípio da Consunção.

 

Contextualização: a defesa em um processo criminal

Antes de adentrar na definição do princípio da consunção, por se tratar de um princípio que impacta na defesa da ação penal, importante compreender como funciona tal defesa.

Muitas pessoas imaginam que o papel do advogado de defesa, em um processo criminal, é somente a busca pela absolvição de seu cliente.

Contudo, a verdade é que o papel da defesa técnica em uma ação penal é muito mais abrangente.

Não somente se busca a absolvição total do réu no curso de um processo criminal.

E isso se dá porque existem situações em que a acusação apresentada na ação penal não deixa possibilidade para a absolvição total.

A acusação é assim configurada quando possui um conjunto de provas que não deixa qualquer dúvida quanto à materialidade e autoria do crime.

E, aliado a isso, quando a acusação comprova a tipicidade, a ilicitude e a culpabilidade do ato.

Assim, uma vez configurada essa situação, tem-se uma acusação sem qualquer margem para a absolvição.

No entanto, mesmo que a condenação seja uma certeza, o réu tem e sempre terá o direito a uma defesa justa.

Portanto, quando uma situação assim se materializa, a defesa técnica agirá na busca por justiça na aplicação do ordenamento jurídico ao caso em questão.

Isso quer dizer que, uma vez que a condenação é uma certeza, o que o advogado de defesa buscará fazer é trabalhar em cima da pena e de seu regime de cumprimento.

Em outras palavras, a atuação da defesa irá objetivar a aplicação de uma pena que seja justa ao caso.

Além disso, buscará o reconhecimento de situações que possam vir a atenuar ou minorar essa pena, bem como requerer um regime inicial de cumprimento menos gravoso.

E qual é a relação disso com o princípio da consunção?

Bem, uma das maneiras de a defesa buscar justiça com relação à pena e ao regime de cumprimento é por meio de teses subsidiárias.

Teses subsidiárias de defesa são justamente aquelas que não resultam em absolvição, mas que visam melhorar a situação do réu na condenação inevitável.

E uma das possíveis teses defensivas subsidiárias é a aplicação do princípio da consunção.

 

O que é o Princípio da Consunção?

O Princípio da Consunção, também chamado de Princípio da Absorção, indica que, quando um crime é meio necessário para a execução de outro, mais abrangente, se aplica somente a norma referente a este crime.

Nas palavras do jurista Cezar Roberto Bitencourt:

Pelo princípio da consunção, ou absorção, a norma definidora de um crime constitui meio necessário ou fase normal de preparação ou execução de outro crime. Em termos bem esquemáticos, há consunção quando o fato previsto em determinada norma é compreendido em outra, mais abrangente, aplicando-se somente esta.

Assim, se observa que, quando um crime é meio necessário de outro, o réu não deve ser condenado pelos dois crimes.

De acordo com o princípio da consunção, a pena aplicada deve ser somente a do crime fim, mais gravoso e abrangente.

Portanto, em uma situação na qual a condenação é inevitável, se caso o réu esteja sendo acusado de dois crimes, um meio e um fim, o princípio da consunção é aplicável.

Desta forma, a defesa pode atuar, por meio do princípio, a fim de buscar a absolvição parcial, refletindo na diminuição da pena.

Essa diminuição de pena, por sua vez, pode interferir também no regime inicial de cumprimento de pena, configurando-o como menos gravoso.

Com relação à sua definição já apresentada, se diz que o Princípio da Consunção é uma solução para o conflito aparente de normas.

E isso se deve ao fato de que, por vezes, quando existem dois crimes ou mais, pode haver dúvida quanto a qual ou quais devem ser aplicados.

Em certas situações, o erro da acusação pode levar a condenações mais gravosas ao se aplicar dois delitos, quando na verdade somente um deveria ser considerado.

E este é justamente o caso tratado aqui e que enseja a aplicação do princípio da consunção.

 

Crime consuntivo X Crime consunto

Na aplicação do Princípio da Consunção, o crime fim e o crime meio possuem nomenclaturas específicas que os diferenciam.

Assim, quando se mencionar o Crime Consuntivo, a referência é ao crime fim, o de maior gravidade, o mais abrangente e que, portanto, absorverá o de menor gravidade.

Já quando for mencionado o Crime Consunto, se estará referindo ao crime que será absorvido pelo crime fim, ou seja, trata-se do crime meio, de menor gravidade.

 

Requisito para aplicação do Princípio da Consunção

Conforme consta na ementa da decisão do TJSC, no julgamento do Habeas Corpus Nº 338.613-SC (2015/0257928-7):

O princípio da consunção resolve o conflito aparente de normas penais quando um delito menos grave é meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro mais danoso. Nessas situações, o agente apenas será responsabilizado pelo último crime. Para tanto, porém, é imprescindível a constatação do nexo de dependência entre as condutas a fim de que ocorra a absorção da menos lesiva pela mais nociva ao meio social.

Esta definição do princípio da consunção é, também, a do entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conforme proferido pelo Ministro Jorge Mussi:

 O princípio da consunção é aplicado para resolver o conflito aparente de normas penais quando um crime menos grave é meio necessário ou fase de preparação ou de execução do delito de alcance mais amplo, de tal sorte que o agente só será responsabilizado pelo último, desde que se constate uma relação de dependência entre as condutas praticadas” (AgRg no AREsp 1515023/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 24/9/2019, DJe 10/10/2019).

O importante a se atentar nestas definições, diferentemente do apresentado na definição de Bitencourt, é o requisito para aplicação do princípio da consunção.

Conforme se pode depreender de ambas as jurisprudências, a aplicação está condicionada à constatação de uma relação de dependência entre as condutas praticadas.

Portanto, para a aplicação do princípio da consunção, imprescindível que haja um nexo de dependência entre a conduta fim e a(s) conduta(s) meio.

Somente com esse nexo é possível a absorção da(s) conduta(s) meio pela conduta fim.

 

Hipóteses de aplicação do Princípio da Consunção

            Segundo Asaú, existem cinco hipóteses para as quais a aplicação do princípio da consunção se faz possível, conforme será tratado abaixo:

 

1 – Quando as disposições se relacionam de imperfeição a perfeição (atos preparatórios puníveis, tentativa – consumação):

Neste caso, ocorre a aplicação do princípio da consunção quando os atos preparatórios de um crime são também puníveis.

Para compreender esta hipótese, basta imaginar a seguinte situação: A invade a residência de B para mata-lo durante a noite.

Neste caso, A está cometendo o crime de violação de domicílio, previsto no art. 150 do Código Penal Brasileiro (CP), como um crime meio.

Após invadir a residência de B, A tenta tirar-lhe a vida, mas sem sucesso, visto que B sobrevive.

Neste caso, A cometeu o crime de homicídio tentado, previsto no art. 121 combinado com o art. 14, II, do CP.

Contudo, ele também cometeu o crime de invasão de domicílio. Assim, qual crime será aplicado?

Incidindo o princípio da consunção, o crime de violação de domicílio será o crime consunto (o crime meio, menos gravoso).

Assim, o crime de homicídio na forma tentada será o crime consuntivo (o crime fim, mais gravoso) e, portanto, abrangerá o crime meio.

Portanto, somente o crime de homicídio na forma tentada será aplicado. Assim, os atos preparatórios criminosos são absorvidos pela tentativa, como o crime fim.

Da mesma forma, contudo, caso o crime fosse consumado, a tentativa seria absorvida pela consumação.

Assim, a hipótese tratada neste tópico trata justamente da aplicação do princípio da consunção que engloba estas três situações.

Portanto, por fim: os atos preparatórios são absorvidos pela tentativa e a tentativa é absorvida pela consumação.

 

2 – Quando há auxílio a conduta direta (participe – autor):

Neste caso, se trata da análise da conduta criminosa de quem está auxiliando o autor na concretização de seu crime fim.

Neste caso, o auxiliador, que comete uma conduta criminosa, será partícipe no crime fim ou estará apenas cometendo um crime isolado?

A exemplo: A comercializa uma arma ilegalmente a B. Em seguida, B comete homicídio com a arma adquirida de A.

Neste caso, qual é o crime cometido por A?

Seria o de comércio ilegal de arma de fogo? Ou seria A um partícipe de B no crime de homicídio?

Aqui se faz presente um conflito aparente de normas, de modo que se aplica o princípio da consunção, respeitando seu requisito.

Conforme já abordado, o requisito para a aplicação do princípio da consunção é o nexo de dependência entre as condutas praticadas – o que se observa neste caso.

Contudo, na hipótese, para saber se há a aplicação, ou não, da consunção parar A, importante observar se ele era partícipe ou não.

Neste caso, caso A tenha agido apenas como um prestador da arma de fogo, incide sobre ele apenas o delito previsto no art. 17 da Lei nº 10.826/2003.

Contudo, caso A estivesse ciente de que o empréstimo da arma era para a prática do crime de homicídio, será considerado como partícipe na ação homicida de B.

Neste último caso, A teria cometido os dois delitos, de comércio ilegal de arma de fogo e o de partícipe no crime de homicídio.

Contudo, em virtude do crime de consunção, aplica-se a pena do crime consuntivo (crime fim, de maior abrangência).

Além disso, importante atentar para o fato de que sobre B também se incidirá a aplicação do princípio da consunção.

Isso ocorre porque B adquiriu ilegalmente arma de fogo (crime meio) e cometeu o crime de homicídio (crime fim).

 

3 – Crime progressivo: quando se vai de minus a plus

O crime progressivo é aquele que ocorre quando o sujeito, para alcançar o crime fim, passa por uma conduta inicial que produz um evento menos grave que aquele.

Essa situação, do crime progressivo, não se trata de um ato preparatório, mas sim de uma conduta criminosa que necessariamente precede o crime fim.

Por exemplo: para cometer o crime de homicídio, a lesão corporal causadora da morte é um crime inevitável.

Assim, há o crime de lesão corporal (minus) e o crime de homicídio (plus).

Desta forma, mesmo que pouco se observe esta aplicação do princípio da consunção, ela existe, de modo que o crime de homicídio absorve o de lesão corporal.

 

4 – Crime complexo:

Há crime complexo quando a lei considera como elemento ou circunstância do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes.

Conforme previsão da ação penal no crime complexo, presente no art. 101 do Código Penal Brasileiro:

Art. 101 – Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público.

Assim, não se trata aqui de duas condutas típicas, cuja união acaba formando o tipo misto.

Trata-se de um crime que é formado pela reunião de dois ou mais tipos penais, ou seja, pela união de duas condutas criminosas.

O crime de roubo, por exemplo, é formado por dois outros crimes: o de furto e o de constrangimento ilegal.

Outro exemplo é o crime de extorsão mediante sequestro, que é um crime complexo formado pela união do crime de extorsão e do crime de sequestro.

Assim, nestes casos, aplica-se o crime da consunção de modo a considerar apenas o crime complexo, mais abrangente, que absorve as outras condutas criminosas.

 

5 – Progressão criminosa (consunção de fatos anteriores e posteriores):

A progressão criminosa ocorre quando a intenção inicial do autor é a de praticar o crime menor.

Contudo, no mesmo inter criminis, ou seja, durante o cometimento do crime menor, o autor resolve por cometer a infração mais grave.

Neste caso, o antefactum é não punível quando este o ato criminoso é precedido por um crime mais abrangente, conduta mais grave.

Isso ocorre quando a conduta menos gravosa ocorre antes de uma mais gravosa, como um meio necessário ou normal de realização da conduta mais abrangente.

Já o posfactum impunível acontece quando um fato posterior menos grave é praticado contra o mesmo bem jurídico e do mesmo sujeito.

Assim, mesmo havendo um ato posterior, sendo ele menos gravoso, se aplica o crime mais grave e abrangente, mesmo que tenha ocorrido antes.

 

Conclusão

Conforme visto, o princípio da consunção é uma das formas de teses subsidiárias que pode ser utilizada pela defesa quando a absolvição não é uma possibilidade.

Ademais, importante frisar que é uma forma de resolução de conflito aparente de normas.

Neste artigo, foram abordadas as cinco hipóteses previstas na doutrina para a sua aplicação.

Contudo, importante destacar que, genericamente, o princípio da consunção se aplica na situação de cometimento de dois ou mais crimes, quando um é absorvido pelo outro.

Assim, basicamente, o princípio se aplica quando um crime é englobado por outro, de acordo com a sua gravidade.

Trata-se, portanto, de um princípio bastante viável na resolução do conflito de normas, sendo uma excelente possibilidade de tese defensiva subsidiária.

Âmbito Jurídico

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