Bastou a legislação prever a possibilidade de os pré-candidatos darem entrevistas e expressarem suas plataformas políticas na mídia em geral -desde que sem pedido de votos, diz a lei- para que as campanhas fossem escancaradas nas ruas, e com elas todos os seus abusos, os quais anteriormente só conhecíamos depois de 5 de julho. Não falo aqui de qualquer caso individualizado, mas de uma verdadeira epidemia de propaganda eleitoral antecipada e mal disfarçada que está contaminando todo o país, passando pela utilização da máquina e de recursos públicos, conforme nos informam os veículos de comunicação.
A idéia em si não era ruim. A introdução do art. 36-A no estatuto das eleições, que veio com a Lei nº 12.034/2009, objetivava possibilitar ao eleitorado conhecer melhor, com mais tempo, os personagens da cena política nacional, regional e local, de modo a não ser surpreendido nos três meses anteriores à eleição com uma enxurrada de candidatos, partidos e coligações, em um emaranhado que pouco permitia o verdadeiro conhecimento e a reflexão a respeito das propostas de cada um, e mesmo de sua trajetória até ali construída. Talvez a influência legislativa tenha vindo dos Estados Unidos, onde os futuros candidatos são apresentados à sociedade mais de um ano antes das eleições, e com isso sua vida pregressa e suas plataformas de governo são realmente vasculhadas pela mídia e pela opinião pública. A isso se chama pré-campanha.
No Brasil, o novo dispositivo legal estabelece que não será considerada propaganda eleitoral antecipada a participação de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet (esquecidos foram os jornais e revistas), inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, desde que não haja pedido de votos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico. Da mesma forma, não é ilegal a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se mencione a possível candidatura, ou se faça pedido de votos ou de apoio eleitoral (como é bela a letra da lei….). Para muitos, foi dado o sinal verde para a deflagração da campanha eleitoral, mesmo antes da realização das convenções partidárias, que devem ocorrer entre 10 e 30 de junho.
A atuação da Justiça Eleitoral, até o momento, não tem sido suficiente para coibir a ânsia abusiva que move os pré-candidatos e seus marqueteiros. A lei estabelece multa de 5 a 25 mil reais, sem fazer distinção do cargo almejado -o que chega a ser irrisório especialmente numa eleição a governador ou a presidente da república-, e ainda assim têm sido aplicadas no grau mínimo, parecendo que o crime realmente tem compensado. É necessário mais rigor. O pedido de votos não precisa ser expresso, na maioria das vezes é subliminar, disfarçado. Já se disse no próprio TSE que não estamos mais nos tempos da compra de votos inocente e romântica, hoje as artimanhas e a tecnologia disponíveis apontam para a necessidade de se perscrutar as entrelinhas das mensagens midiáticas, e ali localizar e coibir com severidade os exageros e a captação de votos, sob pena de reinstalar-se a desordem eleitoral vigente no país até a década de 30 do século passado.
A situação se agrava em muito com a possibilidade da reeleição, quando costumeiramente a máquina pública é utilizada na campanha eleitoral do mandatário, ou mesmo com a utilização indevida desta mesma estrutura na campanha de correligionários dos atuais detentores do poder. Aí não dá para ter condescendência, achar que as eleições são apenas “uma festa cívica”, como considerou o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, e deixar a casa por conta dos convivas. Está na hora de colocar a pré-campanha em seu devido lugar, para o bem do eleitor, dos cofres públicos e do próprio processo eleitoral.
Bacharel em Direito pela Universidade do Estado do Mato Grosso. Pós-Graduado em Direito Público
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