Resumo: O art. 85 do Novo Código de Processo Civil Brasileiro atribui expressamente ao advogado a titularidade dos honorários de sucumbência, em sintonia com o que já estatuía o art. 23 do Estatuto da Advocacia, com clara feição remuneratória. Assim também é em relação aos advogados públicos, já que o art. 85, § 19, do NCPC tratou de a eles estender tal direito. A parte final do dispositivo remete a matéria ao princípio da reserva legal, o que impõe, para elaboração do texto normativo. O presente artigo se propõe a enfrentar alguns questionamentos sobre as possíveis implicações da edição de lei sobre a matéria, de modo que tanto se promova a segurança jurídica do ente público e dos advogados públicos, como sejam evitados possíveis questionamentos pelos órgãos de controle interno e externo sobre as implicações do exercício desse direito, que, apesar de positivado, não traz linhas para a sua efetivação.
Palavras-chave: honorários advocatícios, sucumbência, advogados públicos, Fazenda Pública, regulamentação legal.
Abstract: Article 85 of the New Civil Procedure Code expressly reserved to the Brazilian lawyer ownership of attorney fee in line with what is already established in Article 23 of the Statute of Law, with clear remunerative feature. So also in relation to public lawyers, since Article 85, § 19, NCPC tried to extend to them that right. The final part of the device refers the matter to the principle of legal reserve, which calls for drafting the regulatory text. This article aims to address some questions about the possible implications of the law editing on the matter, so much to promote the legal certainty of the public entity and public attorneys, as are avoided possible questioning by the organs of internal an external control on the implications of this right, which, although despite constant in the law, does not bring lines to its effectiveness.
Keywords: attorneys' fees, succumbing, public lawyers, Public Treasury, legal regulation.
Sumário: Introdução. 1. Honorários advocatícios de sucumbência: da concepção original à redação do art. 85, § 19, do NCPC. 2. Extensão e limites da atividade legislativa para a percepção de honorários sucumbenciais por advogados públicos. 3. Compatibilização do recebimento de honorários sucumbenciais por advogados públicos com a remuneração do cargo: natureza da parcela, cumulação com subsídio e teto remuneratório. 4. Quem é o titular dos honorários sucumbenciais em processos em que a Fazenda Pública é vencedora: todos os advogados públicos, apenas os advogados públicos com atribuição funcional de representação judicial ou exclusivamente os que atuaram no processo do qual decorrem os honorários? 5. A Administração Pública como canal de pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência e as implicações relativas ao orçamento público, à responsabilidade fiscal e as obrigações tributária e previdenciária incidentes sobre a parcela. 6. A operacionalização do pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no texto normativo do projeto de lei. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Introdução
O art. 85 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil (NCPC), sucede o art. 20 da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, regulando os critérios para fixação dos honorários de sucumbência, que devem ser arbitrados em toda sentença, seja de mérito ou não. O NCPC regula pormenorizadamente a competência do juiz para o arbitramento dos honorários de sucumbência, bem como os critérios para a sua fixação, previstos basicamente nos §§ 2º e 3º do art. 85, o momento de definição da verba, quem é o seu beneficiário (advogado da parte vencedora) e quem é o seu devedor (parte vencida). Em síntese, a norma consubstancia o princípio da sucumbência, de acordo com o qual aquele que perde a causa judicial tem o dever de pagar custas e honorários de advogado ao vencedor.
O caput do art. 85 do NCPC atribui expressamente ao advogado a titularidade dos honorários de sucumbência, em sintonia com o que já estatuía o art. 23 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, lei especial que retirou a feição reparatória à parte vencedora, como era até 1994. Os honorários de sucumbência têm, portanto, clara feição remuneratória.
Assim também é em relação aos advogados públicos, já que o art. 85, § 19, do NCPC tratou de a eles estender tal direito ao estabelecer que “Os advogados públicos perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei”. A parte final do dispositivo remete a matéria ao princípio da reserva legal, o que impõe, para elaboração do texto normativo que será sugerido em sede de projeto de lei, o enfrentamento de uma série de questões que tem implicação direta tanto para o órgão público ao qual o advogado público está vinculado, como para este, considerando-se o cargo e a carreira pública a que está subordinado.
Uma primeira questão, que orientaria uma série de outras, é sobre a natureza dos honorários de sucumbência: são verbas públicas ou privadas? E a partir da resposta que se dê a essa primeira provocação, então seria preciso definir a extensão e os limites da atividade legislativa do ente federado. Se é verba pública, qual a natureza desta parcela? O seu pagamento interfere nas questões relativas à remuneração do cargo e à carreira? Poderiam percebê-la os advogados públicos que são remunerados na forma de subsídio, cuja principal característica é ser fixado em parcela única, como determinam os §§ 4º e 8º do art. 39 da Constituição? Estaria o seu pagamento adstrito ao teto remuneratório do inciso XI do art. 37 da Constituição? Haveria incidência de contribuição previdenciária e retenções tributárias sobre esse pagamento? Por outro lado, se for entendida como verba privada, qual o conteúdo desta lei? O ente público poderia definir, por exemplo, quem teria direito ao recebimento da parcela – se apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial ou se todos os advogados públicos, inclusive os assessores jurídicos? Poderia constituir um fundo público para fins de divisão dos valores relativos aos honorários entre os advogados públicos? Poderia, ainda, disciplinar a natureza de tais pagamentos?
Frente a todos esses questionamentos, é necessário refletir sobre as possíveis implicações da edição de lei sobre a matéria, de modo que tanto se promova a segurança jurídica do ente público e dos advogados públicos, como sejam evitados possíveis questionamentos pelos órgãos de controle interno e externo sobre as implicações do exercício desse direito assegurado pelo art. 85, § 19, do NCPC, que, apesar de positivado, não traz linhas para a sua efetivação.
1. Honorários advocatícios de sucumbência: da concepção original à redação do art. 85, § 19, do NCPC
Etimologicamente, honorários deriva do latim honorarius, que por sua vez vem de honor, significando, na acepção original, aquilo que é feito ou dado por honra. Juridicamente, tem conotação econômica para designar aquilo que é dado ou pago em retribuição a certos serviços, com a ideia de prêmio ou estipêndio, distinguindo-se das noções de salário[1] ou de vencimentos[2], que têm o sentido de remuneração ajustada entre empregado e empregador, sendo paga por esse àquele como compensação ou em troca do seu trabalho, sem subordinar-se a qualquer outra condição. Diferentemente, os honorários são pagos a quem realiza determinados serviços profissionais, como uma forma de compensação, podendo ser previamente estabelecido ou estimado a posteriori.
Os honorários advocatícios são assegurados aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil – OAB pela prestação de serviço profissional, sejam convencionados, fixados por arbitramento judicial ou sucumbenciais, de acordo com o art. 22 da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, o Estatuto da Advocacia. A norma trata, portanto, de três modalidade de honorários. Os honorários convencionados, mais comumente chamados de honorários contratuais, decorrentes de acordo pré-estabelecido entre as partes, ou seja, o titular do direito que moverá a ação para vê-lo satisfeito (contratante) e o profissional advogado que estará prestando o seu serviço (contratado) para, por representação, acompanhar o processo com zelo, dedicação e cuidado necessários, cuja celebração do contrato de honorários tem a finalidade de estabelecer as condições dessa relação jurídica, especialmente quanto ao preço dos serviços. Os honorários arbitrais, estabelecidos pelo juiz em decisão de mérito quando não houver um contrato entre o cliente e o advogado, como ocorre, por exemplo, quando é constituído defensor dativo para patrocínio da causa judicial. Por fim, os honorários de sucumbência, estabelecidos em ação judicial pelo juiz ao prolatar a sua decisão, condenando a parte vencida ao pagamento em favor do advogado da parte vencedora.
Neste ponto, convém salientar que essa afirmação, de que os honorários de sucumbência serão estabelecidos em favor do advogado da parte vencedora, a serem pagos pela parte vencida, deve ser entendida à luz da evolução doutrinária e jurisprudencial acerca do ônus de sucumbência, cuja condenação decorre do fato objeto de derrota no processo, cabendo, conforme decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 886.178-RS, “ao juiz condenar, de ofício, a parte vencida, independentemente de provocação expressa do autor, porquanto trata-se de pedido implícito, cujo exame decorre da lei processual civil”[3]. Logo, se as verbas de sucumbência decorrem da derrota processual, é lógico supor que possuem natureza ressarcitória, dado o seu propósito de indenizar a parte vencedora das despesas havidas no curso do processo para ver satisfeito seu direito.
Assim foi, aliás, durante muito tempo, a interpretação do art. 20 do revogado Código de Processo Civil de 1973 (instituído pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973)[4]. Os honorários sucumbenciais eram entendidos como uma forma de ressarcimento à parte vencedora do processo das despesas advocatícias a que se viu obrigada a suportar contratando um advogado para defesa de seus interesses e patrocínio do seu pedido, que ao fim era declarado na sentença, pelo julgador. Esse entendimento foi alicerçado a partir da edição do Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939, que institui o Código de Processo Civil de 1939, que trouxe critérios relativos à condenação da parte vencida aos honorários de sucumbência, que até então não existiam na legislação e na jurisprudência pátrias. Os arts. 63 e 64 do CPC/1939 consagravam o princípio da sucumbência, conferindo à verba honorária uma natureza sancionatória, pois era condicionada à ocorrência de culpa ou dolo da parte derrotada. Neste sentido, o caput do art. 63 determinava que “…a parte vencida que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado”, complementando esse dispositivo o art. 64, que na redação original previa que “Quando a ação resultar do dolo ou culpa, contratual ou extra-contratual, a sentença que julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária”. A exigência de dolo ou culpa, prevista no art. 64, acabou suprimida pela Lei nº 4.632, de 18 de maio de 1965, passando a determinar, enfim, que a sentença final do processo condenaria a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencedora.
Essa regra vigorou até a edição do CPC/1973, que dispôs sobre a matéria no art. 20, mas manteve a ideia de que os honorários de sucumbência visavam ao ressarcimento da parte vencedora com a contratação de advogado para o patrocínio dos seus interesses. Contudo, havia uma dificuldade prática, que era satisfazer o exato valor despendido para a contratação dos serviços advocatícios, já que se pretendia o restabelecimento da condição patrimonial da parte que precisara contratar um advogado para ver seu direito satisfeito.
Em decorrência disso, ao ser editado o Estatuto da Advocacia, em 1994, o art. 22 dispôs expressamente que a titularidade dos honorários contratuais, arbitrais e de sucumbência seria do advogado, e não da parte. Para reforçar tal ideia, o art. 23 determinou que “Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor”. Como o Estatuto da Advocacia é lei especial em relação ao Código de Processo Civil, a regra do art. 20 do CPC/1973 passou a ser interpretada de forma consonante. Neste sentido, é ilustrativa a posição do Superior Tribunal de Justiça no julgado do Recurso Especial nº 1.347.736-RS:
“[…] 1. No direito brasileiro, os honorários de qualquer espécie, inclusive os de sucumbência, pertencem ao advogado; e o contrato, a decisão e a sentença que os estabelecem são títulos executivos, que podem ser executados autonomamente, nos termos dos arts. 23 e 24, § 1º, da Lei 8.906/1994, que fixa o estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil.
2. A sentença definitiva, ou seja, em que apreciado o mérito da causa, constitui, basicamente, duas relações jurídicas: a do vencedor em face do vencido e a deste com o advogado da parte adversa. Na primeira relação, estará o vencido obrigado a dar, fazer ou deixar de fazer alguma coisa em favor do seu adversário processual. Na segunda, será imposto ao vencido o dever de arcar com os honorários sucumbenciais em favor dos advogados do vencedor.
3. Já na sentença terminativa, como o processo é extinto sem resolução de mérito, forma-se apenas a segunda relação, entre o advogado e a parte que deu causa ao processo, o que revela não haver acessoriedade necessária entre as duas relações. Assim, é possível que exista crédito de honorários independentemente da existência de crédito "principal" titularizado pela parte vencedora da demanda.
4. Os honorários, portanto, constituem direito autônomo do causídico, que poderá executá-los nos próprios autos ou em ação distinta.
5. Diz-se que os honorários são créditos acessórios porque não são o bem da vida imediatamente perseguido em juízo, e não porque dependem de um crédito dito "principal". Assim, não é correto afirmar que a natureza acessória dos honorários impede que se adote procedimento distinto do que for utilizado para o crédito "principal". […]”[5]
Na esteira dessa posição, o STJ também fixou entendimento de que os honorários advocatícios sucumbenciais, assim como os contratuais, possuem natureza alimentar, destinando-se ao sustento do advogado e de sua família[6], pois constituem a remuneração do serviço prestado pelo profissional que atuou regularmente no processo. Deste modo, “a titularidade do direito a seu recebimento deve ser atribuída a todos os advogados que em algum momento, no curso processual, desempenharam seu mister”[7].
Já tendo estes parâmetros jurisprudenciais para interpretação da legislação, entrou em vigor, em 18 de março de 2016, o Novo Código de Processo Civil Brasileiro, instituído pela Lei Federal nº 13.105, de 17 de março de 2015, que revogou a Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e tratou dos honorários sucumbenciais no art. 85, determinando, já no caput, que “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”, acrescentando, o § 1º, que estes serão devidos na reconvenção, no cumprimento de sentença provisório ou definitivo, na execução resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente. O § 14 positiva o que a jurisprudência já reconhecia: os honorários constituem direito do advogado e têm natureza alimentar, com os mesmos privilégios dos créditos oriundos da legislação trabalhista, sendo vedada a compensação em caso de sucumbência parcial. E como se não estivesse suficientemente clara a questão relativa a titularidade dos honorários advocatícios, o § 19, especificamente em relação aos advogados públicos, reafirma que perceberão honorários de sucumbência, nos termos da lei.
A primeira questão suscitada na introdução deste estudo, sobre se os honorários de sucumbência são verbas públicas ou privadas, parece, assim, estar respondida: são verbas privadas, de titularidade dos advogados que atuaram na ação judicial patrocinando os interesses da parte vencedora, e tanto lhe são próprias que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou sobre o valor atualizado da causa será realizada atendendo o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço, a natureza e a importância da causa e o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço – ou seja, todos critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios.
2. Extensão e limites da atividade legislativa para a percepção de honorários sucumbenciais por advogados públicos
Se é possível concluir, ao examinar legislação e jurisprudência, que a natureza dos honorários de sucumbência é privada, porque pertencem ao advogado da parte vencedora da ação, inclusive dos advogados públicos quando o êxito é da Fazenda Pública, não seria lógico cogitar que bastaria que os próprios advogados se organizassem para o levantamento, o rateio e o recebimento da parcela? Qual é o sentido da expressão constante na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, que determina que a percepção de honorários de sucumbência por advogados públicos ocorrerá “nos termos da lei”? De qual ente federado é a competência legislativa para satisfazer essa reserva legal? Qual a extensão e os limites dessa atividade legislativa?
Considerando-se que os honorários advocatícios fazem parte do ônus sucumbencial decorrente do princípio da causalidade[8], de acordo com o qual aquele que deu causa à propositura da ação judicial ou à instauração de incidente processual deve responder pelas despesas daí decorrentes, em razão da sua injustificada resistência à pretensão de direito material aduzida pela parte adversa, é possível concluir que a matéria amolda-se ao direito processual civil, cuja competência legislativa é privativa da União, na esteira no inciso I do art. 22 da Constituição da República, sendo adequada, portanto, a disciplina do art. 85 do CPC/2015.
Por outro lado, a matéria também diz respeito às condições do exercício profissional, especificamente da advocacia, cuja competência legislativa segue sendo privativa da União, a teor do inciso XVI do art. 22 da Constituição. Neste particular, com efeito, tal competência foi exercida com a edição do Estatuto da Advocacia que, no art. 3º restringe o exercício da atividade de advocacia no território nacional e a denominação de advogado aos inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), acrescentando, no § 1º, que “Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional”.
Como se verifica, o Estatuto da Advocacia determinou expressamente que, além do seu regime, aos advogados públicos também se aplica o regime próprio a que estiverem subordinados, sendo este, geralmente, o estatutário ou institucional, que diversamente da relação contratual, estabelece o liame da função pública por meio do poder de disciplina legislativa do ente federado, inexistindo qualquer garantia de que permanecerão sempre disciplinados pelas disposições vigentes quando de seu ingresso, de modo que eventuais direitos não se incorporam integralmente, de imediato, ao patrimônio jurídico do servidor, como ocorreria se a relação fosse contratual, mas dependem do preenchimento de determinados pressupostos. Em contrapartida, tanto a Constituição quanto a legislação ordinária asseguram aos servidores públicos um conjunto de proteções e garantias com vistas ao exercício imparcial, autônomo e técnico das atribuições próprias dos seus cargos, o que inclui a exclusão de possíveis ingerências que os transitórios agentes políticos poderiam pretender exercer, fosse para obtenção de benefício próprio, de terceiro ou das conveniências políticas partidárias de suas ideologias[9].
Disso decorre que uma série de aspectos organizacionais da Administração Pública, nas diferentes esferas federativas, no que diz respeito à atividade da advocacia, tem implicações ou reflexos no regime próprio a que os servidores ocupantes dos cargos respectivos estiverem subordinados. Uma delas, por exemplo, são as questões relativas à carreira profissional em que estão organizados. Outra diz respeito à organização do órgão público responsável pela representação judicial do ente federado, denominado como Procuradoria Jurídica, Departamento Jurídico ou similar. Uma terceira, também intrigante para o tema em análise, é quanto ao sistema remuneratório dos advogados públicos, se por vencimento ou por subsídio, e as eventuais implicações que a percepção dos honorários sucumbenciais poderia ter sobre ela – o que será visto adiante[10].
Assim, em respeito à forma federativa de organização estatal adotada pela Constituição da República, já declarada no caput do art. 1º e alçada à condição de cláusula pétrea inabolível a teor do inciso I do § 4º do art. 60, que confere autonomia para organização político-administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e considerando, ainda, que o art. 39 estabelece a necessidade de os entes federados instituírem, no âmbito de suas competências, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da Administração Pública Direta, das autarquias e das fundações públicas, é que a reserva legal constante na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação do pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, compatibilizando o recebimento dessa parcela com as questões remuneratórias e com as regras relativas à carreira profissional, sem prejudicar a organização do órgão público ao qual estiverem vinculados.
3. Compatibilização do recebimento de honorários sucumbenciais por advogados públicos com a remuneração do cargo: natureza da parcela, cumulação com subsídio e teto remuneratório
A primeira conclusão deste estudo, como visto, é que os honorários de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados que atuaram na ação judicial patrocinando os interesses da parte vencedora – o que inclui os advogados públicos. A segunda conclusão é que a parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação da matéria. Evidentemente, o fato de ser necessária a edição de lei não transmuta a natureza jurídica dos honorários advocatícios, transformando-os em verba pública e dando-lhes caráter remuneratório ou indenizatório, como ocorre com os pagamentos realizados com recursos oriundos do erário.
Os honorários sucumbenciais são verbas privadas pagas pelo vencido judicialmente. O ente federado pode funcionar como um canal de pagamento, intermediando essa relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo. Ainda assim, é preciso reconhecer que o pagamento desses valores tem fundamentação legal própria (art. 85 do CPC/2015 e arts. 22 e 23 do EOAB) e origem em fonte diversa da dos cofres públicos. Por essa razão, além de não haver previsão legal que sustente a apropriação dos honorários sucumbenciais pelo erário, para posterior pagamento a título remuneratório aos advogados públicos, há de se reconhecer o caráter autônomo, incerto e variável do seu pagamento, que não encontra óbice constitucional ou legal a sua cumulação com a remuneração do cargo.
Neste ponto é relevante distinguir o sistema remuneratório por vencimento e por subsídio: o primeiro é a designação técnica da retribuição pecuniária legalmente prevista como correspondente a um cargo público[11], enquanto o segundo é a retribuição estipendial percebida por determinados agentes públicos em razão do exercício de função, cargo ou mandato eletivo que desempenham junto à Administração Pública[12].
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998, a denominada Reforma Administrativa, reestruturou-se os sistemas de vencimentos dos servidores e dos detentores de mandatos eletivos, bem como fixou-se um teto salarial para todos os cargos, empregos e funções públicas[13]. A redação dada ao § 4º do art. 39 pela Emenda Constitucional nº 19/1998 determinou, então, que o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais passariam a ser remunerados por subsídio fixado em parcela única, vedando, expressamente, o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, inciso X, que trata da revisão geral anual da remuneração e dos subsídios dos servidores públicos e agentes políticos e que impõe que qualquer fixação ou alteração se dê por lei, como também no XI, que fixou o teto remuneratório para os agentes públicos. A Emenda Constitucional nº 19/1998 ainda incluiu o § 8º ao art. 39, para prever que “A remuneração dos servidores públicos organizados em carreira poderá ser fixada nos termos do § 4º”, do que decorre que muitos advogados públicos estão vinculados a carreiras organizadas legalmente pelos órgãos públicos aos quais vinculados e são remunerados por subsídios.
Ainda que o subsídio seja em parcela única, não se verifica constituírem, os honorários sucumbenciais, alguma forma de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória paga pela Fazenda Pública aos advogados públicos. Constituem, em verdade, um pagamento efetuado por particular, fonte diversa do orçamento público, que não é obstada pela Constituição ou pela legislação ordinária. Por esse motivo é que se afirmou anteriormente que o seu pagamento é compatível com o sistema remuneratório de vencimento, assim como entende-se também conciliável com o de subsídio.
Resta discutir sobre a aplicação do teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição, quanto ao recebimento dos honorários sucumbenciais pelos advogados públicos. Na linha de raciocínio apresentada, a conclusão lógica seria o afastamento da aplicação do teto em relação ao pagamento desta parcela, por todas as razões já expostas, mantendo-se a regra em relação à remuneração paga pela Fazenda Pública.
Contudo, a posição do Supremo Tribunal Federal, antes da edição do CPC/2015, era diversa, como se pode observar dos Embargos de Declaração no Recurso Extraordinário nº 380.538 – SP: “Os honorários advocatícios devidos aos procuradores municipais, por constituírem vantagem conferida indiscriminadamente a todos os integrantes da categoria, possuem natureza geral, razão pela qual se incluem no teto remuneratório constitucional”[14]. Tal orientação foi adotada pelo Plenário da Corte Suprema em 1998, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 220.397, em que se discutia se dispositivo de lei do Município de São Paulo, que incluía no cálculo bruto do teto remuneratório constitucional as parcelas de gratificação de gabinete, adicional de função e honorários advocatícios de procuradores municipais era ou não constitucional. Em conclusão, ficou assente que tais vantagens, por serem relativas a categoria funcional e não pessoais, relacionadas a situação funcional própria do servidor ou que representem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho, estariam incluídas[15]. E o que o relator, Ministro Ilmar Galvão, sustentou, à época, em relação aos honorários advocatícios, para fundamentar a sua decisão, é que constituiria "…vantagem conferida, indiscriminadamente, a todos os integrantes da categoria funcional de procuradores municipais, não podendo, por isso, ser considerada vantagem pessoal".
A menos que haja uma mudança de posição na jurisprudência do STF, a questão passa, então, pelo que dispuser a lei do ente federado acerca da forma de pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos: se os valores serão rateados igualmente entre todos os advogados, inclusive, porventura, os inativos (como no caso dos precedentes indicados) ou se apenas para aqueles que tiverem atribuição de representação judicial do ente federado, atém mesmo restringindo-se o pagamento para os que efetivamente atuarem no processo do qual decorrem os honorários.
4. Quem é o titular dos honorários sucumbenciais em processos em que a Fazenda Pública é vencedora: todos os advogados públicos, apenas os advogados públicos com atribuição funcional de representação judicial ou exclusivamente os que atuaram no processo do qual decorrem os honorários?
Certamente, um dos aspectos mais espinhosos acerca do recebimento de honorários advocatícios de sucumbência pelos advogados públicos é relativo à sua titularidade, ou seja, quem, dentre todos os causídicos vinculados à Fazenda Pública vencedora em ação judicial, está apto a receber a parcela advinda do êxito profissional.
No âmbito privado, quando dois ou mais advogados convencionam a forma de distribuição ou rateio dos honorários de sucumbência dos quais todos são credores, o objeto desta contratação é regido pela lei civil, e não pelo Estatuto da Advocacia, pois a matéria de fundo não tem identidade com a prestação de serviços de advocacia, presente na relação entre advogado e cliente. Trata-se, em verdade, da obrigação que os advogados assumem mutuamente de pagar ao seu colega um percentual dos honorários advocatícios recebidos de terceiros, o que pressupõe, a toda evidencia, uma obrigação de dar, como direito pessoal. Esse raciocínio tem apoio no que dispõe o art. 593 do Código Civil Brasileiro, de acordo com o qual “A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”. O contexto se modifica se resolverem instituir uma sociedade de advogados, atraindo, então, a disciplina da legislação especial, art. 15 e seguintes do Estatuto da Advocacia, o que acarreta vantagens, sendo a divisão e racionalização dos serviços, com atendimento especializado e interdisciplinar, de modo mais célere ao cliente, as principais delas. Em qualquer dos dois formatos, o que se verifica diuturnamente no campo das parcerias profissionais e sociedades de advocacia em âmbito privado é uma constante negociação sobre a distribuição dos honorários, contratuais ou sucumbenciais, a partir do acordo de vontades particulares.
Na Administração Pública, a ideia de organização dos quadros administrativos em assessorias e procuradorias jurídicas, também com o escopo de aproveitar vantagens como as existentes nas organizações privadas, associado ao fato de o patrocínio e o trabalho jurídico ser permanente, exigem a criação de cargos públicos, por lei, contemplando as atribuições próprias a serem desempenhadas pelos seus titulares. E neste contexto começam a surgir as indagações, quando se cogita da percepção dos honorários advocatícios de sucumbência por esses advogados: todos os advogados públicos, por comporem, em geral, um quadro de pessoal especializado e interdisciplinar, para solução integrada dos problemas da Fazenda Pública, mediante trabalho complementar daqueles que representam judicialmente o ente público com os que assessoram e opinam sobre os direcionamentos administrativos, teriam igual direito ao recebimento dessa parcela, independentemente de atribuição de representação judicial? Ou apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial teriam tal direito, inobstante terem ou não atuado no processo judicial em defesa da Fazenda Pública? Ou seria mais justo que apenas os advogados públicos com atribuição de representação judicial que tenham atuado no processo, contribuindo com a tese vencedora da ação judicial, rateasse os honorários sucumbenciais? Poderia a legislação do ente federativo dispor acerca destas questões, ou o apropriado seria deixar a definição dos critérios de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência a cargo dos próprios advogados públicos, a exemplo do que ocorre na iniciativa privada?
Adotando a primeira linha, ou seja, distribuindo a verba honorária de sucumbência entre todos os advogados públicos, é a Lei Federal nº 13.327, de 29 de julho de 2016, que, dentre outras providências, dispõe sobre honorários advocatícios de sucumbência das causas em que forem parte a União, suas autarquias e fundações. A disciplina legal da matéria abrange, por exemplo, os ocupantes de cargos de Advogado da União, de Procurador da Fazenda Nacional, de Procurador Federal e de Procurador do Banco Central do Brasil. O art. 32 determina que os valores dos honorários devidos serão calculados segundo o tempo de efetivo exercício no cargo, para os ativos, e pelo tempo de aposentadoria, para os inativos, obtidos pelo rateio nas seguintes proporções: para os ativos, 50% (cinquenta por cento) de uma cota-parte após o primeiro ano de efetivo exercício, crescente na proporção de 25 (vinte e cinco) pontos percentuais após completar cada um dos 2 (dois) anos seguintes, e para os inativos, 100% (cem por cento) de uma cota-parte durante o primeiro ano de aposentadoria, decrescente à proporção de 7 (sete) pontos percentuais a cada um dos 9 (nove) anos seguintes, mantendo-se o percentual fixo e permanente até a data de cessação da aposentadoria. Deste modo, o rateio é feito sem distinção de cargo, carreira, órgão ou entidade de lotação, contando-se o tempo de exercício efetivo em qualquer dos cargos abrangidos pela regulamentação, desde que não haja quebra de continuidade com a mudança de cargo. As regras instituídas em âmbito federal excluem desse rateio os pensionistas, aqueles que estiverem em gozo de licença pessoal (seja para tratar de interesses particulares, para acompanhar cônjuge ou companheiro ou para o desempenho de atividade política), os que estiverem em afastamento para exercer mandato eletivo e os servidores cedidos ou requisitados para entidade ou órgão estranho à Administração Pública Federal direta, autárquica ou fundacional. Por outro lado, todos os advogados públicos em atividade, tendo ou não atribuição de representação judicial, como, por exemplo, assessores jurídicos, são beneficiados com a distribuição da verba honorária de sucumbência. Pode-se cogitar, para tanto, uma motivação lógica e até razoável: enquanto parte dos advogados públicos atuam no contencioso, desdobrando-se entre prazos, audiências e peças processuais, tantos outros estudam e opinam diariamente sobre os encaminhamentos administrativos, por vezes emitindo orientações que são determinantes para o desfecho de ações judiciais em tramitação. Logo, por não ser possível determinar qual função própria da advocacia pública é mais importante para a Fazenda Pública, utiliza-se, como critério razoável para a distribuição dos honorários de sucumbência, a divisão dos valores entre todos os advogados integrantes do quadro administrativo. Até mesmo a distribuição da verba honorária sucumbencial, pela Lei Federal nº 13.327/2016, com os inativos parece obedecer uma lógica, já que o fato de terem se aposentado não afasta a contribuição que tenham dado à Fazenda Pública com o seu trabalho técnico intelectual enquanto estiveram em atividade, fosse na assessoria ou na procuradoria. Neste ponto é que parece ter, a Lei Federal nº 13.327/2016, pretendido equalizar a participação dos inativos na distribuição dos honorários, pois ao passo que lhes atribui, no primeiro ano de aposentadoria, 100% de uma cota-parte, culmina, após passados 9 (nove) anos, em apenas 37% do seu montante original.
Uma segunda alternativa seria estabelecer o rateio dos honorários advocatícios de sucumbência apenas entre os advogados públicos que tenham como atribuição própria do cargo a representação judicial da Fazenda Pública, observando, assim, o disposto nos incisos I a IV do art. 75 do CPC/2015, de acordo com os quais a representação judicial, ativa e passivamente, será feita da seguinte forma: da União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; do Estado e do Distrito Federal, por seus procuradores; do Município, pelo seu Prefeito ou procurador; e da autarquia e da fundação de direito público, por quem a lei do ente federado designar. Esta hipótese talvez seja a que mais se compatibiliza com a primeira conclusão apresentada neste estudo, de acordo com a qual os honorários de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos, a qual é fixada de acordo com critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. Assim, todos os advogados que atuam em ações judiciais patrocinando os interesses da Fazenda Pública fariam jus aos honorários de sucumbência, mediante rateio do montante percebido pela procuradoria, que englobaria, de um lado, tanto os decorrentes das execuções fiscais, que, em geral, rendem interessantes valores aos cofres públicos, quanto aquelas derivadas de ações judiciais relativas ao direito à saúde e à moradia, nas quais, quando há êxito para o Poder Público, geralmente este é parcial e advindo de lide em que a parte adversa litiga ao abrigo da assistência judiciária gratuita.
Este critério de distribuição dos honorários sucumbenciais pode, eventualmente, por conveniência e oportunidade, não atender aos interesses da Administração Pública, sendo viável, ainda, a definição de rateio exclusivamente entre os advogados públicos que atuaram no processo. Esta hipótese poderia se valer dos argumentos da ratio decidendi do Recurso Especial nº 1.222.194-BA, julgado pela 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 9 de junho de 2015, ou seja, quando já conhecido o texto do CPC/2015, embora ainda em vigor o CPC/1973. No caso, tratava-se de irresignação contra decisão de segundo grau de jurisdição que determinou a divisão dos honorários advocatícios sucumbenciais entre diferentes procuradores que representavam partes diversas no processo, no âmbito da advocacia privada. Os recorrentes, in casu, afirmavam que a verba honorária de sucumbência deveria ser conferida apenas aos advogados da parte vencedora que estivessem atuando no processo no momento da constituição do crédito, quando da prolação da sentença ou acórdão. Como um dos advogados que seriam beneficiados com o rateio renunciou ao mandato que lhe fora outorgado antes da prolação da sentença, alegava-se que não deveria ser contemplado com os referidos honorários. Em sentido diverso, o Relator, Ministro Luis Felipe Salomão, após detalhado estudo acerca dos honorários advocatícios e argumentando que essa verba se constitui na remuneração do serviço prestado por aquele que regularmente atuou no processo, decidiu que a sua titularidade deve ser atribuída “a todos aqueles que em algum momento desempenharam seu mister”, ou seja, “a cada um dos procuradores que patrocinaram a defesa da parte vencedora, na medida de sua atuação”. Ainda de acordo com o Relator, a sentença, ao declarar a sucumbência e o direito ao recebimento dos honorários, trata da remuneração do trabalho técnico desempenhado pelo advogado, considerando o grau de zelo e o valor intelectual demonstrado pelo profissional, a complexidade da causa e as dificuldades enfrentadas, o que é considerado no momento da fixação do quantum. Para tanto, todos os profissionais que atuaram no processo contribuem e é por isso o entendimento de que todos devem ser beneficiados, na medida de sua atuação. A referida decisão foi assim ementada:
“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. DIVERSIDADE DE ADVOGADOS EM ATUAÇÃO SUCESSIVA. NATUREZA REMUNERATÓRIA DOS HONORÁRIOS. DIREITO QUE TEM COMO TITULAR O PROFISSIONAL QUE DESENVOLVEU SEUS TRABALHOS NO PROCESSO.
1. A regra da responsabilidade pelos encargos do processo não se vincula necessariamente à sucumbência, mas sim ao princípio da causalidade, mais abrangente que o da sucumbência, segundo o qual aquele que litiga o faz por sua conta e risco e se expõe ao pagamento das despesas pelo simples fato de sucumbir.
2. Os honorários são, por excelência, a forma de remuneração pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, vital a seu desenvolvimento e manutenção, por meio do qual provê o seu sustento. Com o advento da Lei n. 8.906 de 1994 – Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, os honorários sucumbenciais passaram a se configurar exclusivamente como paga pelo trabalho desenvolvido pelo advogado, perdendo a natureza indenizatória para assumirem a feição retributória.
3. A constatação da natureza alimentar da verba honorária e mais especificamente dos honorários sucumbenciais, tem como pressuposto a prestação do serviço técnico e especializado pelo profissional da advocacia, que se mostra, ao mesmo tempo, como fundamento para seu recebimento.
4. Os honorários são a remuneração do serviço prestado pelo profissional que regularmente atuou no processo e a titularidade do direito a seu recebimento deve ser atribuída a todos os advogados que em algum momento, no curso processual, desempenharam seu mister.
5. A verba honorária fixada em sentença deve ser dividida entre todos os procuradores que patrocinaram a defesa da parte vencedora, na medida de sua atuação.
6. Recurso especial a que se nega provimento.[16]
A breve demonstração do raciocínio jurídico utilizado na referida decisão judicial, para aplicação do direito ao caso concreto – que, frise-se, não diz respeito à divisão dos honorários sucumbenciais entre advogados públicos, mas, sim, entre privados –, permite, de certa forma, uma universalização da norma jurídica, com potencial força para influenciar decisões futuras. No que interessa ao presente estudo, a dificuldade subjacente à hipótese é relativa à operacionalização da distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação. Como definir a proporção da atuação de cada procurador público para o êxito da Fazenda representada na ação judicial? Poderia a lei do ente federado dispor sobre um critério específico ou uma forma de cálculo para tanto? Ou tal qual ocorre na advocacia privada, tais definições devem ser deixadas ao arbítrio dos próprios advogados públicos?
Em verdade, se a opção do ente federado for por esse modelo, qualquer das alternativas é passível de validade jurídica, mas não pouparia os advogados, tampouco o próprio órgão público ao qual vinculados, de eventuais desgastes relacionados ao acerto e à equidade na distribuição de tal parcela, o que certamente provocaria consequências deletérias ao serviço público e aos interesses da Fazenda Pública nas ações judiciais em que for parte.
Talvez por essa razão, o Conselho Superior da Procuradoria-Geral do Estado do Rio Grande do Sul acolheu, em 13 de janeiro de 2016, as conclusões do Parecer nº 16.670, de autoria da Procuradora do Estado Juliana Riegel Bertolucci, datado de 4 de dezembro de 2015, no qual foram recomendadas condutas à Administração Pública Estadual em face do disposto no § 19 do art. 85 do CPC/2015. Após referir o desenvolvimento dos entendimentos de órgãos administrativos e judiciais acerca da titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, culminando na conclusão de que a discussão restou superada pela regra processual em comento, o Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 refere que a determinação de de que os advogados públicos recebam os honorários de sucumbência “nos termos da lei” remete a prescrições legais já em vigor, cujo conteúdo possa validar o cumprimento do dispositivo e conferir eficácia à regra instituída. Assim, diz a parecerista, o § 19 do art. 85 do CPC/2015 obriga os advogados públicos a “…congregarem-se organizadamente, de acordo com as regras legais vigentes, em pessoas jurídicas de direito privado habilitadas a reunir e a regular a distribuição dessa verba, já que não se ajusta à carreira pública, especialmente a dos Procuradores do Estado, a figura da ‘sociedade de advogados’ para esse efeito prevista no § 15 do artigo 85 do novo Código”. De acordo com essas premissas, a partir da entrada em vigor do CPC/2015, os advogados públicos passaram a titular os honorários advocatícios sucumbenciais, de acordo com critérios de natureza privada que organizadamente venham a estipular, segundo os preceitos legais. Em 14 de janeiro de 2016, as conclusões do Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 foram aprovadas pelo Governador do Estado, que lhes conferiu caráter jurídico-normativo, com efeitos cogentes para a Administração Pública Estadual, nos termos do art. 82, inciso XV, da Constituição Estadual. Entretanto, esse ato teve os efeitos suspensos pelo Governador do Estado, em 17 de março de 2016, conforme determinação publicada no Diário Oficial do Estado, página 5, em razão de questionamentos suscitados pelo Procurador-Geral de Justiça.
O mérito do Parecer PGE/RS nº 16.670/2016 é ter enfrentado o tema antes mesmo da entrada em vigor do CPC/2015, constituindo um dos primeiros estudos sobre o assunto. Contudo, não considerou, dentre todas as premissas suscitadas, a garantia fundamental de todo cidadão, afirmada pelo inciso XX do art. 5º da Constituição da República, segundo a qual “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Sendo assim, como compatibilizar a conclusão do aludido Parecer PGE/RS nº 16.670/2016, de que agora os advogados públicos são titulares de honorários sucumbenciais, de acordo com critérios de natureza privada que organizadamente venham a estipular nos termos da legislação civil, se ninguém pode ser compelido a associar-se? Hipoteticamente, se fosse criada uma “associação dos procuradores estaduais” e algum procurador não quisesse integra-la, como ficariam as decisões relativas à distribuição da verba honorária de sucumbência? Os órgãos deliberativos, previstos no estatuto social da pessoa jurídica de direito privado, deveriam abrir espaço para voto de pessoas naturais que não fariam parte dos seus quadros? Ou os advogados públicos não integrantes dessas organizações deveriam submeter-se às suas decisões, adotadas na forma dos seus estatutos?
Como se verifica, nenhuma das alternativas é integralmente satisfatória para a Administração Pública e os advogados públicos, considerando os diferentes interesses a serem compatibilizados no regramento da matéria pelo ente federado. Enfrentando-se a problemática sob a ótica das conclusões do terceiro capítulo deste estudo, assentes no sentido de que, além dos honorários de sucumbência constituírem verba privada de natureza alimentar, são compatíveis com o sistema remuneratório de subsídios e para não constituírem vantagem de categoriza funcional, que acarretaria a aplicação do teto remuneratório constitucional, precisariam ser disciplinados como vantagem pessoal destes servidores, a única solução que pareceria compatível é a distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação, nas ações judiciais, o que acarretaria problemas de ordem operacional, como o estabelecimento de critérios para aferição da atuação proporcional de cada causídico nas demandas em que é parte a Fazenda Pública e a clara distorção na distribuição dos honorários entre advogados que atuam em execuções fiscais e outros que patrocinam causas relacionadas a questões em que a Fazenda é rotineiramente vencida, como as das prestações positivas relacionadas aos direitos sociais da saúde, educação e moradia. Por outro lado, se o rateio dos honorários de sucumbência se der igualmente para todos os advogados públicos, inclusive os inativos, será juridicamente inviável afastar a caracterização da vantagem como funcional e, portanto, de acordo com a atual orientação do STF, a aplicação do teto remuneratório constitucional. A segunda via, intermediária entre estas, em que referida a distribuição dos valores apenas entre os advogados públicos com atribuição de representação judicial precisaria, ainda, de uma leitura flexibilizada, à vista do entendimento da Corte Suprema, para que permita o enquadramento da parcela como vantagem pessoal destes servidores, com a efetiva aplicação do § 19 do art. 85 do CPC/2015, que é regra existente, válida e eficaz, que, enquanto em vigor, outorga aos advogados públicos a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência.
Em síntese, no atual contexto jurídico, nenhuma dessas alternativas é integralmente compatível com a noção de remuneração privada, própria dos honorários advocatícios de sucumbência, nos termos do § 19 do art. 85 do CPC/2015, se cotejadas com a jurisprudência. Evidente que as decisões judiciais referidas foram adotadas em outro momento, no qual a interpretação prevalente era de que os honorários de sucumbência constituíam verba pública, muito em razão do disposto no art. 4º da Lei Federal nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997, que, dentre outras disposições, alterou a Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, autarquias e fundações federais, e previu, no art. 4º, que as regras do Capítulo V do Título I do Estatuto da Advocacia, que tratam do advogado empregado, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federa e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista. Dentre as regras inaplicáveis, está a do art. 21 do Estatuto da OAB, segundo o qual “Nas causas em que for parte o empregador, ou pessoa por este representada, os honorários de sucumbência são devidos aos advogados empregados”. Como há aparente antinomia jurídica entre as regras do § 19 do art. 85 do CPC/2015 e do art. 4º da Lei nº 9.527/1997, é necessário resolver o problema, afastando-se de plano, para tanto, o critério hermenêutico da hierarquia (lex superior), por se tratarem, ambas, de leis ordinárias qualificadas como regras gerais, passíveis, portanto, de solução pelos critérios cronológico (lex posterior) e de especialidade (lex specialis). Sendo assim, como o § 19 do art. 85 do CPC/2015 é norma posterior e especial, em relação às regras de sucumbência em processo judicial, especificamente o civil, supletivamente nos que a legislação extravagante determinar a sua aplicação, resta ab-rogado o art. 4º da Lei nº 9.527/1997, dada a impossibilidade de execução da norma processual recente sem a abolição da mais antiga,[17] reclamando dos órgãos de controle jurisdicional uma renovação da jurisprudência, condizente com o novo direito em vigor.
5. A Administração Pública como canal de pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência e as implicações relativas ao orçamento público, à responsabilidade fiscal e as obrigações tributária e previdenciária incidentes sobre a parcela.
Assente neste trabalho que os honorários advocatícios de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos que patrocinam os interesses da Fazenda Pública, quando vencedora, e tanto lhe são próprias que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação se dará de acordo com critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios. Por que, então, tratar de questões relativas ao orçamento público, à responsabilidade fiscal e as obrigações tributárias e previdenciárias incidentes sobre essa parcela? Porque a depender de como for regulamentada, diferentes efeitos poderão advir dos procedimentos estabelecidos pelo ente federado, tais como a incorporação dos valores ao orçamento público, a aplicação do limite de despesa com pessoal do art. 18 e seguintes da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a Lei de Responsabilidade Fiscal, e a necessidade de retenções e pagamentos tributários ou previdenciários. Este é o ponto que será examinado.
O orçamento público é uma ferramenta de ligação entre o sistema de planejamento e o de finanças, tornando possível a operacionalização de planos, dado que permite ao administrador público equacionar as ações futuras em termos realísticos, por meio da projeção equilibrada das despesas em função das receitas públicas. É um instrumento que, por um lado, autoriza a ação pública, e por outro, dá início ao processo de controle da mesma. A receita pública tem origem tanto no poder de império estatal, como na competência material de gerenciamento do patrimônio econômico-administrativo, podendo, por isso, ser compreendida em sentido amplo, como um conjunto de entradas financeiras oriundas de fontes diversificadas que integram o patrimônio, conquanto possam existir reivindicações de terceiros sobre esses valores, ou em sentido estrito, como um conjunto de recursos financeiros obtidos de fontes próprias que integram o patrimônio e que produzem acréscimos financeiros sem a geração de obrigações, reservas ou reivindicações de terceiros. Nesta última acepção tem-se toda aquela que resulta de autorização legislativa, contratos, convênios, tributos de lançamentos diretos, dentre outros.[18] A integração da receita pública ao orçamento, caracterizando a receita orçamentária, está discriminada na Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços dos entes federados, especialmente nos arts. 9º ao 11, com destinação exclusiva para programas e ações governamentais. Há, porém, receitas que não fazem parte do orçamento público, tais como as derivadas de cauções, fianças, consignações em folha de pagamento, retenções na fonte e outras, cujo ingresso nos cofres públicos não depende de autorização legislativa, nem a sua realização está vinculada à execução de programas e ações orçamentariamente planejadas. Tais receitas não constituem renda estatal, sendo, o ente público, apenas um depositário destes valores. São as chamadas receitas extra-orçamentárias, conceito no qual se enquadra a verba honorária de sucumbência, no caso de trânsito pelas contas públicas, pois pertencem a terceiros (os advogados públicos) e a sua arrecadação pela Fazenda pode ser feita exclusivamente para posterior repasse aos seus titulares.
Tendo em vista tais premissas, é possível cotejar as duas alternativas mais recorrentes para operacionalização financeira do rateio dos honorários de sucumbência: a primeira, prevista na Lei Federal nº 13.327/2016, especificamente no inciso V do art. 34, que atribui ao Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA), vinculado à AGU, a competência para “contratar instituição financeira oficial para gerir, processar e distribuir os recursos a que se refere este Capítulo” (que dispõe sobre o valor do subsídio, o recebimento de honorários advocatícios de sucumbência e outras questões que envolvem os ocupantes dos cargos) e, a segunda, que consiste na constituição de um fundo especial destinado à distribuição dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, em geral convertendo-se os antigos fundos especiais de reaparelhamento da procuradoria, para os quais tais parcelas eram repassadas. A primeira situação, viável para os entes federados detentores de instituições financeiras oficiais, para as quais podem realizar delegação de competências ou a contratação de operações financeiras que inovem suas atividades, verifica-se uma interessante solução para que estes recursos não precisem transitar pela conta única do tesouro (como se vê do art. 35 da Lei Federal nº 13.327/2016) mantendo hígida a natureza privada dos honorários sucumbenciais, muito embora cause estranheza a determinação de que a própria instituição financeira deva reter os valores correspondentes ao imposto sobre a renda devido em razão do recebimento dos honorários (§ 7º do art. 34 da Lei Federal nº 13.327/2016), ao invés de determinar aos advogados públicos a obrigação de realizar o pagamento do imposto mediante carnê-leão ou no ajuste realizado na declaração anual. A segunda, que observa o disposto no art. 71 da Lei nº 4.320/1964, implica na constituição de um fundo público como unidade contábil e orçamentária constituída do produto de receitas especificadas que, por lei, se vinculam à realização de determinados objetivos, podendo adotar normas peculiares de aplicação, controle, prestação e tomada de contas. Ainda que juridicamente viável tal alternativa, acarreta a incorporação da receita extra-orçamentária ao orçamento público, transitando pela conta do tesouro, o que implica em determinadas consequências, como a caracterização da parcela como remuneratória, adicionada à remuneração dos advogados públicos, a sua soma à despesa com pessoal e a necessidade de sobre ela incidir a contribuição previdenciária (afastada no primeiro modelo, conforme prevê o art. 32 da Lei Federal nº 13.327/2016) e a retenção tributária.
A caracterização como parcela remuneratória, neste quadro, derivaria do fato de, incorporando-se o recurso privado ao orçamento público, haveria uma transmutação da natureza do recurso, passando a derivar do próprio cofre estatal. Assim, as conclusões apresentadas no terceiro capítulo deste estudo precisariam ser todas, invariavelmente, revistas, pois a natureza da parcela passaria a ser remuneratória e integrada à remuneração do cargo, submetida, como tal, ao teto remuneratório constitucional, sendo necessária a reanálise da compatibilidade com o sistema remuneratório de subsídio que, na hipótese, tenderia a não se verificar. Além disso, o montante pago, nestas condições, acresceria no cálculo da despesa com pessoal, dada a definição apresentada no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal[19] – efeito que, certamente, não é desejado por nenhum gestor público, haja vista que o aumento do percentual dessa despesa acarreta a vedação das condutas de gestão previstas no art. 22, todas tendentes a reconduzir o montante gasto aos limites legalmente estabelecidos. Além disso, haveria a necessidade de contribuição previdenciária sobre a parcela, dada a condição dos advogados públicos serem segurados obrigatórios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, conforme estabelece a alínea “a” do inciso I do art. 11 da Lei Federal nº 8.213, de 24 de julho de 1991 – se tais servidores forem vinculados a Regime Próprio de Previdência do ente federado, será indispensável verificar o que determina a legislação que o instituiu. É importante lembrar, em relação ao RGPS, que a contribuição previdenciária se dá em parte por obrigação legal imposta ao segurado obrigatório, em outra por dever do empregador, a chamada cota patronal. A primeira não teria maiores entraves em ser paga com recursos do fundo público instituído pelo ente federado, dado que incidente sobre a própria remuneração do segurado obrigatório. Mas, quanto a cota patronal, em sendo obrigação do empregador, poderia ser debitada da conta do fundo público de honorários de sucumbência pertencentes aos advogados públicos, se para tanto houvesse autorização na lei de criação do fundo? Se a resposta a essa pergunta for negativa, então o pagamento dessa obrigação deveria ocorrer com recursos próprios do ente federado, gerando despesa pública não prevista antes da vigência do CPC/2015. Por fim, essa hipótese também geraria a obrigação de retenção de Imposto de Renda, conforme determina o inciso I do art. 43[20] c/c inciso I do art. 45[21], ambos do Decreto Federal nº 3.000, de 26 de março de 1999, que estabelece o regulamento do Imposto de Renda.
Então, como o ente federado poderia dispor sobre a forma de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos sem a criação de obrigação legal a instituição financeira oficial para gerir, processar e distribuir os recursos – a qual certamente precisaria ser contratada por licitação pública para essa finalidade, obedecendo ao disposto no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República – e, ao mesmo tempo, sem a incorporação de tais verbas ao orçamento público, mediante a criação de um fundo público específico? Funcionando como um canal de pagamento, intermediando essa relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo, tal como ocorre, por exemplo, nos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública por meio de consignação em folha, de mútuos bancários contratados pelos seus servidores junto a instituições financeiras.
Evidentemente, para tanto seria necessária autorização legislativa, na mesma lei que dispuser sobre o pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, disciplinando, inclusive, que os pagamentos a título de contribuição previdenciária e imposto sobre a renda, em tal caso, ficariam a cargo dos próprios advogados públicos. Ademais, operacionalmente, seria necessária a abertura de conta bancária específica para a movimentação e o gerenciamento desses recursos, mantendo-se a natureza extra-orçamentária da receita, que seria apenas arrecadada pela Fazenda Pública para posterior repasse aos seus titulares.
É necessário ponderar, nesta hipótese, que, embora tal pagamento, de origem privada e natureza remuneratória, não exija do ente federado a retenção previdenciária e até possa ser dispensado da própria incidência desta contribuição, se já atingido, no mês, o limite máximo do respectivo salário-de-contribuição, na forma dos arts. 198, 199 e 214, §§ 3º e 5º do Decreto Federal nº 3.048/1999, será fato gerador de Imposto de Renda, na forma do inciso VIII do art. 45 do Decreto Federal nº3.000/1999. Ocorre que, conforme entendimento firmado pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda na Solução de Consulta nº 129, de 20 de julho de 2007[22], ou o imposto de renda incidente sobre os honorários advocatícios de sucumbência, em cumprimento de decisão judicial, é retido na fonte pela pessoa jurídica obrigada ao seu pagamento, portanto, o vencido na ação judicial, ou tal será objeto de ajuste na declaração anual, pelo próprio advogado público, não cabendo à Administração Pública vencedora, no caso de funcionar como canal de pagamento dos honorários advocatícios de sucumbência, retenção do imposto devido.
6. A operacionalização do pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no texto normativo do projeto de lei
A partir das considerações apresentadas ao longo deste estudo e tendo em vista a necessidade de implementar a norma jurídica de reserva legal prevista na parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, duas soluções parecem operacionalmente mais adequadas, diante das inúmeras possibilidades legislativas e consequências daí advindas: a edição de lei que determine aos advogados públicos se organizarem para o recebimento dos honorários de sucumbência, com a instituição de instância deliberativa própria da classe, dentro do quadro administrativo da Administração Pública, para que, tal qual fazem as sociedades de advogados e os profissionais liberais que trabalham em parceria, decidam os critérios de rateio e pagamento da verba, responsabilizando-se por providenciar o saque dos alvarás judiciais, com a prestação de contas aos colegas, a distribuição do valor e os encargos legais incidentes; ou, também por lei, definir-se o papel da Fazenda Pública na intermediação dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos, para que funcione como canal de pagamento, com a determinação dos critérios de divisão da verba, datas de repasse aos seus titulares, forma de pagamento, regras de transparência etc.
Em qualquer das alternativas, é importante que o órgão público estruture o texto normativo que será encaminhado ao Poder Legislativo mediante diálogo e, tanto quanto possível, consenso dos advogados públicos, que são os titulares dos recursos, garantindo assim não só a observância da lei que será editada, mas principalmente a coesão do corpo jurídico integrante do quadro administrativo em relação à divisão dos honorários de sucumbência.
Juridicamente, a primeira alternativa é a que melhor atende as premissas enfrentadas neste artigo, mantendo a natureza privada da parcela, mais próxima de caracterizar vantagem pessoal dos servidores, sem apropriação da receita pelo orçamento público e, assim, sem incidência do teto remuneratório constitucional e no cálculo de despesa com pessoal, mantendo a responsabilidade dos próprios advogados públicos pelos encargos legais, previdenciários e tributários, incidentes sobre os valores recebidos. Entretanto, é também a opção mais complicada, sob o ponto de vista operacional, pois ao passo que permitiria a organização independente dos advogados públicos, criaria entraves práticos, pela ausência da figura institucional coordenando o processo de arrecadação, cálculo, rateio e pagamento dos valores. Isso obrigaria os próprios advogados a contratarem terceiro que o fizesse, ou a constituírem uma instância de coordenação para tanto, ou, ainda, se nenhum acordo fosse feito neste sentido, permitiria que qualquer advogado com procuração nos autos da ação judicial pudesse sacar os honorários advocatícios de sucumbência, com obrigação de prestar contas aos demais que, se não fosse cumprida, exigiria a propositura, pelos prejudicados, da respectiva ação de exigir contas, prevista no art. 550 e seguintes do CPC/2015.
A segunda hipótese, entretanto, pode demandar um esforço legislativo maior, dado que seria necessário disciplinar não só o direito dos advogados públicos receberem os honorários de sucumbência dos processos judiciais em que a Fazenda Pública for vencedora, mas também os critérios de divisão dos valores e as datas em que tal seria feito, as datas de pagamento das cotas-partes dos honorários aos seus titulares, a forma de pagamento, a autorização para que a Administração Pública funcione como canal de pagamento, as responsabilidades em relação à contribuição previdenciária e incidências tributárias, os meios de transparência e prestação de contas dos valores geridos pelo ente público etc. Em que pese todo esse trabalho na fase de elaboração do anteprojeto de lei, em especial visando a observância dos precedentes jurisprudenciais referidos, tal solução demanda uma flexibilização de alguns conceitos de direito público, para que funcione adequadamente.
Em qualquer das alternativas apresentadas, uma questão que resta indefinida diz respeito à expedição dos alvarás judiciais. Será feito em nome do Procurador-Geral, de todos (ou a maioria) dos advogados públicos pertencente ao quadro administrativo ou atuantes na ação judicial ou no nome de qualquer dos advogados públicos, gerando para os ocupantes dos respectivos cargos a responsabilidade por prestar contas posteriores. Neste aspecto, a legislação do ente federado não poderá criar obrigações ao Poder Judiciário, haja vista o princípio da segregação e harmonia entre os Poderes, previsto no art. 2º da Constituição, sendo recomendável que, após a edição da lei dispondo sobre os honorários sucumbenciais dos advogados, seja remetida uma cópia ao Poder Judiciário, requerendo que a expedição dos alvarás judiciais observe a norma do ente federativo.
Considerações finais
6.1. Os honorários advocatícios de sucumbência são verbas privadas, de titularidade dos advogados públicos que patrocinam os interesses da Fazenda Pública vencedora. Tanto lhe são próprios que o § 2º do art. 85 do CPC/2015 estabelece que a sua fixação sobre critérios intrínsecos à prestação de serviços advocatícios.
6.2. A parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015 exige a edição de lei específica da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para a regulamentação da matéria, compatibilizando o recebimento dessa parcela com as questões remuneratórias e com as regras relativas à carreira profissional, sem prejudicar a organização do órgão público ao qual estiverem vinculados. Evidentemente, o fato de ser necessária a edição de lei não transmuta a natureza jurídica dos honorários advocatícios, transformando-os em verba pública e dando-lhes caráter remuneratório ou indenizatório, como ocorre com os pagamentos realizados com recursos oriundos do erário.
6.3. Os honorários advocatícios de sucumbência possuem natureza remuneratória, mas, em regra, não são incompatíveis com o sistema remuneratório de subsídio, nem estão limitados ao teto remuneratório constitucional, porque constituem pagamento efetuado por particular, ou seja, fonte diversa do orçamento público – não havendo nenhum impedimento constitucional ou legal para tanto.
Assim, não constituem forma alguma de gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória paga pela Fazenda Pública aos advogados públicos, sendo conciliável tanto com o sistema remuneratório de vencimento, como também com o de subsídio.
Especificamente em relação ao teto remuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da Constituição, na linha de raciocínio apresentada, a conclusão lógica é pelo afastamento da sua aplicação em relação ao pagamento dos honorários sucumbenciais. Contudo, a posição do Supremo Tribunal Federal, antes da edição do CPC/2015, era diversa, se tais vantagens se caracterizassem como relativas a categoria funcional, não sendo pessoais, relacionadas assim à situação funcional própria do servidor ou que representassem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho. Deste modo, a menos que haja uma mudança de posição na jurisprudência do STF, a questão passa pelo que dispuser a lei do ente federado acerca da forma de pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos: se os valores serão rateados igualmente entre todos os advogados, inclusive, porventura, os inativos ou se apenas para aqueles que tiverem atribuição de representação judicial do ente federado, até mesmo restringindo-se o pagamento para os que efetivamente atuarem no processo do qual decorrem os honorários.
6.4. Quanto a titularidade dos honorários advocatícios de sucumbência, ou seja, quem, dentre todos os causídicos vinculados à Fazenda Pública vencedora em ação judicial, está apto a receber a parcela advinda do êxito profissional, enfrentando-se a problemática sob a ótica das conclusões do terceiro capítulo deste estudo, a única solução que pareceria compatível seria a distribuição dos honorários de sucumbência entre os advogados públicos, na medida de sua atuação, nas ações judiciais, o que acarretaria problemas de ordem operacional, como o estabelecimento de critérios para aferição da atuação proporcional de cada causídico nas demandas em que é parte a Fazenda Pública e a clara distorção na distribuição dos honorários entre advogados que atuam em execuções fiscais e outros que patrocinam causas relacionadas a questões em que a Fazenda é rotineiramente vencida, como as das prestações positivas relacionadas aos direitos sociais da saúde, educação e moradia. Por outro lado, se o rateio dos honorários de sucumbência ocorresse igualmente para todos os advogados públicos, inclusive os inativos, seria juridicamente inviável afastar a caracterização da vantagem como funcional e, portanto, de acordo com a atual orientação do STF, a aplicação do teto remuneratório constitucional do inciso XI do art. 37. A via intermediária entre estas, em que a distribuição dos valores ocorreria apenas entre os advogados públicos com atribuição de representação judicial precisaria, ainda, de uma leitura flexibilizada, à vista do entendimento da Corte Suprema, para que permita o enquadramento da parcela como vantagem pessoal destes servidores, com a efetiva aplicação do § 19 do art. 85 do CPC/2015.
6.5. Operacionalmente, o ente federado poderia dispor sobre a forma de distribuição dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos funcionando como um canal de pagamento, intermediando a relação entre devedor e credor, para alcançar a verba a esse segundo, tal como ocorre, por exemplo, nos pagamentos efetuados pela Fazenda Pública por meio de consignação em folha, de mútuos bancários contratados pelos seus servidores junto a instituições financeiras. Para tanto é necessária autorização legislativa, que pode constar na mesma lei que dispuser sobre o pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, disciplinando, inclusive, que os pagamentos a título de contribuição previdenciária e imposto sobre a renda, em tal caso, ficariam a cargo dos próprios advogados públicos. Essa solução manteria a natureza extra-orçamentária da receita, que seria apenas arrecadada pela Fazenda Pública para posterior repasse aos seus titulares.
6.6. Diante das inúmeras possibilidades legislativas e consequências daí advindas para se conferir concretude à parte final do § 19 do art. 85 do CPC/2015, duas soluções parecem operacionalmente mais adequadas, a serem devidamente sopesadas pelo ente federativo no exercício da sua competência legislativa: a edição de lei que determine aos advogados públicos se organizarem para o recebimento dos honorários de sucumbência, para que, tal qual fazem as sociedades de advogados e os profissionais liberais que trabalham em parceria, decidam os critérios de rateio e pagamento da verba, responsabilizando-se por providenciar o saque dos alvarás judiciais, com a prestação de contas aos colegas, a distribuição do valor e os encargos legais incidentes; ou, como segunda opção, definir-se legalmente o papel da Fazenda Pública na intermediação dos honorários advocatícios de sucumbência aos advogados públicos, para que funcione como canal de pagamento, com a determinação dos critérios de divisão da verba, datas de repasse aos seus titulares, forma de pagamento, regras de transparência etc.
Em qualquer das hipóteses, a estruturação do projeto de lei deverá ocorrer mediante diálogo e consenso dos advogados públicos, evitando-se a imposição dos interesses (e da vontade) da Administração Pública sobre os dos titulares destes recursos. Não só pelo bom senso isso é importante, mas para garantir a observância da lei que será editada, com a coesão do corpo jurídico integrante do quadro administrativo em relação à divisão dos honorários de sucumbência.
Advogada Mestre em Direito e Pós-graduada em Direito do Estado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS Graduada em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos UNISINOS
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