O reflexo da violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo na fixação do quantum indenizatório

Resumo: O presente trabalho tem por objetivos estudar o reflexo da violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo na fixação do quantum indenizatório, analisar os principais fundamentos jurídicos sustentados pela doutrina brasileira e eventuais divergências, examinar como ocorre a concretização da mitigação do próprio prejuízo, em que momento, a quem incumbe prová-la, bem como a razoabilidade das condutas mitigadoras esperadas do credor. A pesquisa é do tipo descritiva, o método abordagem é de pesquisa qualitativa, a partir de uma análise indutiva, o procedimento é monográfico com obtenção de dados pela pesquisa bibliográfica e documental de fontes secundárias. Com o trabalho, verificaram-se resultados positivos do ônus de mitigar o próprio prejuízo, por traduzir o cumprimento da boa-fé objetiva, o intuito de superar o caráter individualista da codificação civil anterior, a valorização das condutas éticas por todos os envolvidos em uma relação jurídica, maior efetividade na resolução dos conflitos. Especificamente no quantum da indenização, constata-se que a violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo implica na redução da indenização devida ao credor, na hipótese de não efetuar as medidas mitigadoras que lhe eram, razoavelmente, possíveis, bem como no ressarcimento ao credor das despesas efetuadas com a adoção de medidas mitigadoras.

Palavras-chave: mitigação, razoabilidade, fixação de indenização.

Abstract: The objective of the present study is to study the violation of the burden of mitigating one's own damages in determining the indemnity quantum, analyzing the main legal bases supported by Brazilian doctrine and possible divergences, examining how the mitigation of own damage occurs, where To prove it, as well as the reasonableness of the creditor's expected mitigating behavior. The research is of the descriptive type, the approach method is qualitative research, from an inductive analysis, the procedure is monographic with obtaining data by the bibliographic and documentary research of secondary sources. With the work, there were positive results of the burden of mitigating one's own loss, by translating the fulfillment of objective good faith, the intention to overcome the individualistic character of the previous civil codification, the valorization of ethical conduct by all involved in a Relationship, greater effectiveness in resolving conflicts. Specifically in the quantum of the indemnity, it is verified that the violation of the burden of mitigating the own damage implies in the reduction of the indemnification due to the creditor, in the hypothesis of not taking the mitigating measures that were reasonably possible to him, as well as in the indemnification to the creditor Of the expenses incurred with the adoption of mitigating measures.

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Keywords: mitigation, reasonableness, indemnity fixation.

Sumário: Introdução. 1. O ônus de mitigar o próprio prejuízo. 1.1 Noções introdutórias. 1.2 Principais fundamentos jurídicos. 1.2.1 Dever anexo decorrente da boa-fé objetiva. 1.2.2 Repressão ao abuso de direito. 1.2.3 Venire contra factum proprium. 2. Reconhecimento do ônus de mitigar o próprio prejuízo. 2.1. Dever, ônus ou encargo de evitar o próprio dano. 2.2 Causa e mitigação. 2.3 Ônus da prova da mitigação. 3. Razoabilidade e efeitos no quantum indenizatório. 3.1 A razoabilidade das condutas mitigadoras. 3.2 Efeitos na fixação do quantum indenizatório. 3.3 O ônus de mitigar na jurisprudência brasileira. Conclusão.

INTRODUÇÃO

A diversidade de situações que ensejam a responsabilidade civil demonstra ser pertinente e necessária reflexão acerca da existência de um ônus para o credor de mitigar os danos decorrentes de ação/omissão ilícita ou abuso de direito de outrem, na medida em que lhe for possível razoavelmente mitigá-los, com base na cláusula geral da boa-fé objetiva, no lugar de ficar inerte vendo acumular os prejuízos.

Nesse contexto, analisando-se os fundamentos jurídicos do ônus de mitigar o próprio prejuízo, sustentados pela doutrina brasileira, buscar-se-á saber de que forma e em que medida a violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo reflete na fixação do quantum indenizatório.

Para tanto, inicialmente, serão analisados os principais fundamentos jurídicos do ônus de mitigar o próprio prejuízo, sustentados pela doutrina brasileira, verificando-se eventuais divergências existentes quanto a esse aspecto. Em seguida, será discutido o reconhecimento do ônus de mitigar o próprio prejuízo, especialmente sua natureza jurídica, em que momento devem ser adotadas medidas mitigadoras e a quem incumbe provar a mitigação do próprio prejuízo. Por fim, será apreciada a razoabilidade das condutas mitigadoras esperadas do credor e os efeitos da violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo na fixação do quantum indenizatório na jurisprudência brasileira.

1 O ÔNUS DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO

1.1 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

A cláusula geral da boa-fé objetiva é um dos pilares do Código Civil de 2002 que, ao lado da operalidade e da socialidade, originaram importantes construções e regras jurídicas, sendo uma destas construções inovadoras a mitigação do próprio prejuízo pelo credor (TARTUCE).

A mitigação do próprio prejuízo pelo credor, também tratada como duty to mitigate the loss, compreende a ideia de o credor buscar mitigar suas perdas, ou seja, o prejuízo que sofreu por conta de um ato ou omissão ilícita do devedor (TARTUCE, 2013, p. 563).

Menciona-se como exemplo de violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo citado pela doutrina a inércia do autor de uma ação que obtém uma tutela antecipatória, com fixação de multa diária para o devedor, que deixa assomar um volume considerável de partes para requerer providências, prejudicando o devedor (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 767-768).

Igualmente no caso de uma locação, haveria um dever por parte do locador de ingressar tão logo seja possível com a competente ação de despejo, não permitindo que a dívida atinja valores excessivos, bem como nos contratos bancários, não pode a instituição financeira permanecer inerte, aguardando que, diante da alta taxa de juros prevista, a dívida alcance montantes astronômicos (TARTUCE, 2007, p. 208)

Ilustrativa, ainda, a situação em que, numa colisão de veículos, a vítima percebe que uma pequena chama surge no motor de seu veículo. Porém, mesmo podendo apagá-la com o extintor de incêndio e evitar o agravamento do dano, opta a vítima por nada fazer para, com a propagação do fogo, vir a ser indenizada com um veículo novo (GAGLIANO, 2010, p. 1).

O tema vem recebendo maior atenção da doutrina brasileira primordialmente a partir da aprovação do Enunciado n. 169 do Conselho da Justiça Federal na III Jornada de Direito Civil: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.” A proposta do referido enunciado foi elaborada por Vera Maria Jacob de Fradera com inspiração no art. 77[1] da Convenção da ONU sobre contratos de compra e venda internacional de mercadorias de Viena de 1980, aludindo a referida autora ao artigo 422[2] do Código Civil como dispositivo legal nacional que se aproxima do assunto.

1.2 PRINCIPAIS FUNDAMENTOS JURÍDICOS[3]

1.2.1 Dever anexo decorrente da boa-fé objetiva

Segundo as razões expostas por Vera Maria Jacob de Fradera quando da proposta do Enunciado 169 da III Jornada de Direito Civil, com fundamento no artigo 422 do Código Civil de 2002, a mitigação do próprio prejuízo poderia ser considerada “um dever acessório, derivado do princípio da boa fé objetiva, pois nosso legislador, com apoio na doutrina anterior ao atual Código, adota uma concepção cooperativa de contrato.” (FRADERA apud TARTUCE).

Ao tratar de deveres anexos ou laterais de conduta decorrentes da boa-fé objetiva, necessário ter em mente que são exigências de conduta leal por parte dos contratantes, no campo da responsabilidade negocial, deveres ínsitos a qualquer negócio jurídico, sem necessidade de previsão no instrumento contratual (TARTUCE, 2013, p. 550).

Além disso, também no âmbito da responsabilidade civil extranegocial o entendimento de que a vítima de dano titulariza dever acessório fundado na boa-fé de não agravar o próprio prejuízo possui vasto reconhecimento. (DIAS, 2011, p. 27).

Por isso, entende-se que os deveres anexos de cooperação e lealdade fundamentam a imposição ao credor do ônus de atuar concretamente para não piorar a situação do devedor (FARIAS; ROSENVALD, 2011, p. 767).

1.2.2 Repressão ao abuso de direito

O ônus de mitigar o próprio prejuízo também é fundamentado como forma de repressão ao abuso de direito, considerando-se que o credor tem diversos direitos, dentre os quais, de exigir o total cumprimento da obrigação e o atendimento ao seu interesse creditício, porém, se o credor se comportar de maneira excessiva no exercício de seus direitos, comprometendo e agravando a situação jurídica do devedor, caracterizado está o abuso de direito (FARIAS; ROSENVALD, 2011, 766).

Não obstante, destaca-se ponto de vista de doutrinadores que afirmam não ser possível a fundamentação da mitigação do próprio prejuízo na teoria do abuso de direito e, simultaneamente, também como um dever anexo, porque os significados de abuso de direito e de dever são contraditórios entre si: enquanto abuso de direito pressupõe uma faculdade de exercer um direito, o dever pressupõe uma vinculação, uma obrigação. O abuso não se identificaria na conduta do credor que agrava o próprio prejuízo, o que configura violação do dever acessório de mitigação, mas na contradição entre esta conduta e o posterior exercício do direito à indenização em que postula reparação por todos os danos sofridos. (DIAS, 2011, p. 31).

Em posicionamento mais harmônico, Christian S. B. Lopes afirma ser possível a fundamentação da mitigação dos danos apenas na concepção objetiva de abuso de direito, aquela prevista no artigo 187 do Código Civil, já mencionado, que prescinde da demonstração da culpa e prevê como abuso de direito exceder os limites impostos pelo fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, porém o fundamento da mitigação dos prejuízos seria apenas a boa-fé. (LOPES, 2011, p. 157-158).

Assim, para o referido autor, havendo possibilidade de evitar prejuízos, a conduta esperada da pessoa de boa-fé é que aja de forma a que tais danos não ocorram e se violar tal norma e posteriormente pretender reparação pelos danos, o exercício desse direito à indenização seria abusivo, por exceder os limites da boa-fé (op. cit., p. 158).

1.2.3 Venire contra factum proprium

Como fundamento jurídico do ônus de mitigar o próprio prejuízo, a noção do venire contra factum proprium é identificada na contradição entre a negligência do credor em não evitar o próprio dano (o factum proprium) e a posterior pretensão de requerer a indenização pelos prejuízos sofridos que poderiam ter sido evitados, havendo, assim, um exercício abusivo do direito à indenização (op. cit., p. 168).

Ao analisar os fundamentos jurídicos da mitigação, Vera Maria Jacob de Fradera menciona que a jurisprudência francesa utiliza o conceito do venire contra factum proprium como justificativa para sancionar o comportamento do credor faltoso, referindo-se ao caso em que um locador permaneceu durante 11 anos sem cobrar os alugueis e, ao invocar a cláusula resolutória, acabou sendo privado de exercer o seu direito com fundo na proibição da vedação ao comportamento contraditório (FRADERA apud TARTUCE, p. 5).

Todavia, há críticas ao reconhecimento da referida proibição como fundamento da mitigação do próprio prejuízo, sob o argumento de que a conduta da vítima que não mitiga o próprio prejuízo “não é apta a gerar no ofensor a confiança de que ele não irá pleitear a indenização integral pelos danos sofridos, elemento fundamental para a aplicação do venire contra factum proprium.” (DIAS, 2011, p. 32)

Nesse sentido, Christian S. B. Lopes também argumenta não haver contradição no ato de requerer indenização por danos que poderia o credor ter evitado e na negligência, ao deixar que prejuízos ocorram a partir do inadimplemento, ou seja, a primeira conduta não inspira confiança de que o titular continuará a agir desta forma, não se adequando aos elementos essenciais do venire contra factum proprium (2011, p. 168).

2 RECONHECIMENTO DO ÔNUS DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO

2.1 DEVER, ÔNUS OU ENCARGO DE EVITAR O PRÓPRIO DANO

Há divergências entre doutrinadores quanto à natureza jurídica da mitigação do próprio prejuízo, criticando-se a expressão “dever de mitigar”, porquanto o devedor não possui meios para impor que o credor adote medidas razoáveis para evitar os prejuízos, ou seja, a conduta mitigadora não é exigível do credor, pois, se o credor não adotá-la, a consequência será a impossibilidade de ser indenizado pelos danos que poderiam ser evitados (LOPES, 2011, p. 179). Por tal raciocínio, “Não se pode dizer que a mitigação é uma prestação devida pelo credor ao devedor e, portanto, este não poderá demandar que o credor adote esforços razoáveis para reduzis os danos (…)” (op. cit., p. 181).

Não configurando um dever, há quem trate a mitigação como um encargo, porque a noção de encargo significa estruturalmente um dever, mas um dever de comportamento que, funcionando embora também no interesse de outras pessoas, não possa, por estas, ser exigido no seu cumprimento, o que se identifica com a ideia da mitigação dos próprios prejuízos (DIAS, 2011, p. 33).

Nesse sentido, a mitigação também é tratada como um ônus jurídico imposto sobre o credor, um dever para consigo mesmo, de modo que, se o credor agir, terá direito à reparação de todos os prejuízos sofridos; se não agir, não terá direito à indenização pelos danos que poderiam ter sido evitados (LOPES, 2011, p. 184).

Denota-se que a principal diferença entre dever e encargo ou ônus é que o descumprimento de um dever causa danos a outrem, já o descumprimento de um encargo ou ônus causa prejuízos para si próprio.

No entanto, ainda se evidencia distinção entre ônus e encargo, sendo o ônus mais amplo que o encargo, porque o encargo é associado a um negócio jurídico gratuito e a definição de ônus parece abarcar toda e qualquer hipótese em que se está diante de uma conduta que, caso não seja tomada, levará ao enfraquecimento de uma posição jurídica favorável (ARAÚJO, 2013, p. 20).[4]

2.2 CAUSA E MITIGAÇÃO

Ao tratar do momento em que é admitido falar em mitigação do próprio dano, evidencia-se necessária distinção entre causa e mitigação, pois há doutrinadores que sustentam haver equívocos frequentes por parte de juristas que reconhecem situação pertinente à causa como hipótese de mitigação dos danos, ou seja, situação em que aquele dano foi causado pela própria vítima, não se originando da falta em mitigar o próprio prejuízo.

Nesse sentido, afirma-se que o exemplo antes mencionado de uma colisão de veículos, em que a vítima vê uma pequena chama que surgiu no motor de seu veículo, enquanto o motorista do outro veículo sai do local para contatar um guincho, mas nada faz para apagar a chama com seu extintor, pensando em receber um veículo novo, não é hipótese de reconhecimento de violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo, mas culpa exclusiva da vítima (PINHEIRO, p. 13)

Também quanto ao exemplo do credor que deixa de comunicar o descumprimento de determinação judicial para a qual multa coercitiva foi fixada em decisão antecipatória de tutela, com a finalidade de permitir assomar o montante devido, a referida autora afirma ser hipótese de culpa exclusiva da vítima (op. cit.).

Por certo, a culpa exclusiva da vítima exclui o nexo de causalidade entre o agente aparente causador e o dano, compreendendo hipóteses em que a conduta da própria vítima unicamente deu causa ao evento, como o exemplo da vítima que se atira sob as rodas do veículo dirigido pelo agente (CAVALIERI FILHO, 2014, p. 86).

Porém, necessário notar que, nos exemplos questionados acima, não se trata de culpa exclusiva da vítima, mas culpa concorrente da vítima, pois se verifica claramente que a vítima concorre com sua conduta para o evento juntamente com aquele que é apontado como único causador do dano, o que não afasta o entendimento de se tratar de exame do nexo de causalidade.

Também afirmando se tratar de hipóteses de culpa da vítima, Daniel Pires Novais Dias afirma que os exemplos acima referidos se encontram regulados pelo art. 945[5] do Código Civil e não pelo reconhecimento do ônus de mitigar o próprio prejuízo, não havendo lacunas no ordenamento jurídico para tais situações (DIAS, 2011, p. 23-24). Nesse aspecto, Denise Pinheiro sustenta “a tese de que devem ser reservadas para o duty to mitigate the loss somente as situações não sanadas pelo exame da causalidade.” (op. cit.)

Depreende-se, pelo pensamento exposto, que somente seria possível a análise da mitigação do próprio prejuízo após a consolidação do nexo de causalidade, ou seja, estabelecida a causa do dano, passar-se-ia a verificar se era possível à vítima adotar medidas mitigadoras.

Contudo, acredita-se que tal aferição é de difícil distinção concretamente e demanda maior aprofundamento da doutrina, pois os conceitos se confundem: na medida em que a vítima poderia ter adotado medidas mitigadoras para evitar ou diminuir danos e deixa de agir, obviamente está causando ou concorrendo para esses danos. O que defendem os referidos doutrinadores, de fato, é a desnecessidade da utilização da construção da mitigação do próprio dano em situações já resolvidas na análise do nexo de causalidade, ainda que não afastem a importância do instituto para auxiliar o exercício de apuração do nexo de causalidade (VALDESOIRO, 2013, p. 67).

2.3 ÔNUS DA PROVA DA MITIGAÇÃO

Na busca por saber a quem incumbe o ônus de provar a mitigação dos danos, observam-se posicionamentos diversos, mas que não se excluem, em princípio.

Um entendimento é no sentido de que, muito embora quem deva adotar as medidas mitigadoras possíveis seja o credor, o ônus de provar o descumprimento do encargo de mitigar deve recair sobre o devedor, refletindo-se que não seria razoável se exigir que o credor, ao formular sua demanda, tivesse de demonstrar que todas as medidas imagináveis para mitigar seu dano seriam irrazoáveis (ARAÚJO, 2013, p. 29-30).

Outra visão é de que o credor afetado tomará a iniciativa de propor ação judicial para cobrar a indenização e deverá demonstrar os danos que sofreu e o nexo causal, bem como, se realizou medidas para minimização dos danos, deverá relacionar, dentre os prejuízos sofridos, aquelas despesas que incorreu com a mitigação, de modo que o ônus dessa prova cabe ao credor (LOPES, 2011, p. 52-53).

Refletindo sobre o ponto, tem-se que ambos, devedor e credor, possuem o ônus da prova da mitigação em perspectivas diferentes. Por certo que se o credor providenciou medidas mitigadoras terá o maior interesse em provar as despesas como prejuízos para obter a indenização, demonstrando a razoabilidade das medidas tomadas (ARAÚJO, 2013, p. 30). Da mesma forma, o devedor terá interesse em comprovar que determinados prejuízos do credor poderiam ter sido evitados por ele, se pretender reduzir a indenização, ou seja, será do devedor o ônus de provar que o credor não empregou esforços razoáveis para reduzir os danos (LOPES, 2011, p. 53).

Além do mais, observa-se o entendimento acerca da possibilidade de reconhecimento ex officio pelo julgador da situação em que houve ou não mitigação dos danos, “se presentes elementos objetivos que possam levar o juiz a concluir pela existência de medidas razoáveis de mitigação disponíveis ao credor.” (ARAÚJO, 2013, p. 31)

3 RAZOABILIDADE E EFEITOS NO QUANTUM INDENIZATÓRIO

3.1 A RAZOABILIDADE DAS CONDUTAS MITIGADORAS

A definição da razoabilidade das medidas mitigadoras esperadas por parte do credor é ponto essencial no presente estudo, pois é o que determinará o limite até onde a parte pode ir, na tentativa de mitigar seus danos (ARAÚJO, 2013, p. 27).

Há quem considere conduta razoável “aquela que pessoa com normal diligência adotaria diante das circunstâncias do caso concreto”, tendo-se em conta as suas particularidades pessoais (DIAS, 2011, p. 36 e 52). A razoabilidade consistiria em investigar se a vítima se valeu de medidas adequadas para limitar a propagação da extensão do dano, levando-se em conta nessa análise a exigência de um padrão médio de comportamento (PINHEIRO, P. 28).

A noção de razoabilidade deve ser aferida sob uma perspectiva de ponderação de interesses recíprocos: de fatores objetivos, como a natureza da lesão, se patrimonial ou pessoal, a possibilidade de intervenção, a probabilidade de êxito, o custo pessoal e econômico da intervenção em face do benefício gerado; e de fatores subjetivos: como idade, estado psíquico e nível intelectual da vítima (DIAS, 2011, p. 36-37).

Há quem discorde da consideração de características da personalidade da vítima na análise da razoabilidade das medidas mitigadoras, por conta da subjetividade provocada ao se afastar do padrão médio de comportamento (PINHEIRO, p. 23).

Nesse ponto, Christian S. B. Lopes fornece diversas balizas, não exaustivas, para identificar quais medidas são razoáveis ou não. Menciona, por exemplo, que se o inadimplemento do devedor ocorreu quando o credor ainda não havia concluído a sua contraprestação, seria razoável a interrupção imediata por parte do credor, para evitar incorrer em custos desnecessários, a não ser que a contraprestação consista na fabricação de produto que possa, depois de pronto, ser vendido a terceiros, sendo este resultado melhor para mitigar os danos que interromper a fabricação (2011, p. 189).

Afirma que, ainda que seja razoável que o credor tenha despesas com medidas de mitigação, tais esforços não serão razoáveis se implicarem dispêndio de um montante que o credor não dispõe ou excessivo em vista dos danos que pretende evitar (op. cit., p. 189-190).

Além disso, ressalta o referido autor que a avaliação da razoabilidade das medidas deve ser efetuada “à luz das informações disponíveis e demais circunstâncias (inclusive o grau de conhecimento do credor naquela situação e, em certos casos, a necessidade de se tomar uma decisão rápida)” (op. cit., p. 41).

De fato, a doutrina adverte sobre a necessidade de conferir maior precisão ao conceito de razoabilidade e, a partir do exame de julgados, afirma-se que o prejudicado: a) não está obrigado a arriscar demasiadamente seu dinheiro; b) não está obrigado a proceder a uma cirurgia excessivamente arriscada; c) não necessita tomar um risco de um litígio incerto contra terceiro; d) não está obrigado a prejudicar sua reputação comercial; e e) não deve padecer por sua incapacidade financeira em adotar as medidas necessárias à eliminação ou mitigação do dano (ZANETTI, 2012, p. 35).

Necessário ressaltar, ainda, que “se as iniciativas de mitigação forem muito especulativas ou remotas, suas despesas não serão indenizadas.” (LOPES, 2011, p. 52). Como orienta o autor, a apreciação da conduta do credor deve ser feita com certa “boa vontade”, a fim de fomentar o comportamento de adotar medidas de minimização dos danos (op. cit., p. 52).

Depreende-se das lições expostas que a análise da razoabilidade das medidas mitigadoras deve ser feita caso a caso e levar em consideração a adequação das medidas mitigadoras adotadas aos fins almejados: evitar ou diminuir danos, bem como a necessidade dessas medidas, a fim de que não sejam tomadas providências dispensáveis e descomedidas.

3.2 EFEITOS NA FIXAÇÃO DO QUANTUM INDENIZATÓRIO

Após o exercício de aferição da razoabilidade das medidas mitigadoras que foram ou poderiam ter sido adotadas pelo credor, tem-se que, em caso de descumprimento, o credor não terá direito à indenização dos danos que lhe era possível razoavelmente evitar ou diminuir; em havendo cumprimento, terá o credor direito ao ressarcimento das despesas efetuadas com as medidas mitigadoras adotadas (DIAS, 2011, p. 36).

Afirma-se que, de forma geral, os efeitos compreendem os seguintes: a) o credor não será indenizado pelos danos decorrentes do inadimplemento que poderiam ter sido evitados ou reduzidos com o emprego de medidas ou esforços razoáveis de sua parte; b) a indenização devida ao credor deverá ser reduzida do montante dos ganhos por ele obtidos que não seriam auferidos se não fosse pelo inadimplemento; c) o credor deverá ser indenizado pelas despesas razoáveis feitas na tentativa de evitar ou reduzir os danos decorrentes do inadimplemento (LOPES, 2011, p. 187).

Interessante ressaltar a possibilidade de, ao tomar medidas mitigadoras, o credor auferir ganhos maiores, além de evitar os danos, o que conduz à inexistência de indenização, pois o credor obteve lucro com as medidas mitigadoras adotadas em razão do descumprimento do devedor.[6]

A determinação da medida em que se dará a perda ou diminuição da indenização é indicada conforme a natureza do dano que poderia ter sido evitado ou diminuído, decorrendo dos critérios legais nas seguints hipóteses: no caso de perdas e danos, a perda será integral, nos termos dos artigos 402 e 403 do Código Civil; no caso de dano extranegocial, em se tratando de culpa concorrente e não exclusiva da vítima, a perda do direito à indenização será parcial apenas, pois ainda fará ela jus à indenização, que será fixada com base no confronto da gravidade da sua culpa com a do autor do dano, conforme artigo 945 do Código Civil, supracitado.

Percebe-se que em ambas as possibilidades: cumprimento ou descumprimento do ônus de mitigar os próprios prejuízos, haverá uma redução do valor da indenização, apenas com o custeio das despesas havidas no caso de terem sido efetivadas medidas de mitigação, o que denota a economia de recursos de forma geral para todos os envolvidos, concretizando o princípio da eficiência (op. cit., p. 50).

3.3 O ÔNUS DE MITIGAR NA JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Em pesquisa no acervo jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se a expressão duty to mitigate the loss, o julgado cível mais recente é o Recurso Especial n. 1.325.862/PR, que cuida de ação de indenização por danos morais ajuizada por Procurador do Estado do Paraná em face da Escrivã da 1ª Vara da Fazenda Pública, Falências e Concordatas da Comarca de Curitiba, em razão de ter sido publicado resumo da sentença de embargos à execução com menção errônea à condenação por litigância de má-fé, o que não foi acolhido pela sentença, e a publicação teria causado graves danos de ordem moral ao Procurador.

Confirmando a sentença de improcedência, o Min. Rel. Luis Felipe Salomão reconheceu ter sido manejado recurso de embargos de declaração contra a sentença sem nada mencionar quanto ao erro, o que também não se fez na apelação e nem foi requerida administrativamente a correção da publicação, de modo que, se houvesse algum dano indenizável cabia ao próprio autor “mitigar as consequências do fato, por força de evidente imperativo ético ancorado na boa-fé objetiva que deve permear todas as relações sociais, sejam elas contratuais, extracontratuais ou com o Poder Público.”

O julgado precursor da utilização expressa do duty to mitigate the loss pelo STJ foi o Recurso Especial n. 758518/PR, em que se analisou situação do promitente-comprador que deixou de efetuar o pagamento das prestações do contrato de compra e venda em 1994, abandonando, posteriormente, o imóvel em setembro de 2001, porém o credor só realizou a defesa de seu patrimônio em 17 de outubro de 2002, data do ajuizamento da ação de reintegração de posse cumulada com pedido de indenização.

Extrai-se do voto o reconhecimento da violação do ônus de mitigar o próprio prejuízo, porque a promitente-vendedora deixou o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidenciando a ausência de zelo com o seu patrimônio e o agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano, conforme assinalou o Min. Rel. Vasco Della Giustina, confirmando o acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná que excluiu 1 (um) ano de indenização, correspondente aos meses de inércia da compromitente vendedora em ajuizar ação de reintegração de posse.

Em pesquisa à jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, utilizando-se a expressão duty to mitigate the loss como termo de busca, encontram-se quatro julgados.

A Apelação Cível n. 2013.076194-0 trata de pedido de indenização por danos morais com fundamento em restrição ao crédito, porém como houve prévia intimação acerca da iminência do apontamento a protesto, considerou-se que havia a possibilidade de a demandante mitigar os próprios prejuízos, o que não foi por ela observado no caso. Na hipótese, o Tribunal minorou a indenização fixada pela magistrada de 1º grau em R$ 8.000,00 pela metade, ou seja, R$ 4.000,00.

A Apelação Cível n. 2013.035089-5 cuida de ação de cobrança por serviços médico-hospitalares ajuizada por hospital, com fundamento em contrato firmado pelo réu, o qual afirmava não ter validade o documento apresentado, porque o assinou no intuito de autorizar procedimentos médicos em benefício de seu cunhado e não com o fito de assumir o pagamento de despesas. Confirmando a sentença de improcedência prolatada em 1º grau, o Tribunal reconheceu a quebra dos deveres de lealdade e boa-fé por não ter o hospital informado ao demandado os custos e procedimentos, bem como ter permanecido inerte em transferir o paciente ao atendimento público, de modo que teria o hospital descumprido o ônus de mitigar o próprio prejuízo, aproveitando-se da situação de fragilidade do demandado.

A Apelação Cível n. 2012.036092-7 versa sobre ação de rescisão contratual locatícia cumulada com entrega de chaves e pedido de reembolso de valores, em que a locatária deixou de comunicar previamente o locador acerca de danos estruturais surgidos no imóvel objeto do contrato, o que levou o Tribunal a considerar contraproducente, após anos convivendo com os alegados danos surgidos, pretender a locatária, calcada nas referidas deteriorações, ser ressarcida pelo agravamento da situação, confirmando a sentença de improcedência.

A Apelação Cível n. 2010.022856-8 trata de ação de nunciação de obra nova, em que os autores buscaram embargar a edificação de cortina de contenção na linha divisória entre dois imóveis e que teria implicado risco à segurança do muro já existente, ocasionando prejuízos à propriedade dos autores. Porém, foi reconhecido abuso no direito de reparação dos autores, pois, de forma intransigente, não permitiram a entrada do réu na propriedade dos autores para realizar serviços de escoramento, considerando-se que era dever dos autores mitigar os danos advindos da obra e, por tal razão, a indenização foi limitada estritamente aos danos decorrentes da má execução da obra edificada.

CONCLUSÃO

A partir do estudo efetivado, depreende-se que o ônus de mitigar o próprio prejuízo denota o intuito de superar o caráter individualista que imperava na codificação anterior, pautando-se na valorização de condutas éticas por todos os envolvidos em uma relação jurídica, o que possibilita maior efetividade na resolução dos conflitos e, por consequência, o alcance da paz social, finalidade maior do Direito.

A par das divergências doutrinárias quanto à fundamentação jurídica, indiscutível que tanto o dever acessório quanto o abuso de direito e o venire contra factum proprium se conectam a cláusula geral da boa-fé, de modo que mais aconselhável se mostra considerar a fundamentação da mitigação dos prejuízos na boa-fé objetiva.

Observou-se ser mais adequado o tratamento da norma de mitigação do próprio prejuízo como um ônus, por não ser exigível pelo devedor, bem como por abranger negócios jurídicos gratuitos e onerosos.

Especificamente quanto ao momento em que é possível reconhecer a incidência do instituto, há entendimentos que sustentam apenas ser cabível falar em mitigação dos danos após a consolidação do nexo de causalidade, a fim de não haver equívocos com situações pertinentes à causa do dano.

A razoabilidade das condutas mitigadoras é o cerne do instituto que determinará até que ponto podem ser exigidas medidas do credor, o que a doutrina afirma ser avaliado a partir de fatores objetivos de cada caso, conforme o padrão médio de conduta, além de circunstâncias pessoais do credor, não obstante haja quem discorde nesse aspecto.

Por fim, verificou-se que os efeitos na fixação do quantum indenizatório dependerão da natureza do dano evitado ou diminuído ou que poderia ter sido evitado ou diminuído, mas que, tanto no cumprimento quanto no descumprimento do ônus de mitigar os próprios prejuízos, haverá uma redução do valor da indenização, apenas com o custeio das despesas havidas no caso de terem sido efetivadas medidas de mitigação, conforme análise de casos da jurisprudência, o que denota a economia de recursos de forma geral para todos os envolvidos.

Pelo estudo realizado, já se vislumbram efeitos positivos e concretos da mitigação dos danos, por valorizar a boa-fé objetiva, de forma geral, dos envolvidos em uma relação jurídica, ressaltando-se que o tema da mitigação dos danos necessita maior aprofundamento, especificamente quanto às divergências evidenciadas.

 

Referências
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______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2013.035089-5, de Santa Cecília, Quinta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Jairo Fernandes Gonçalves, J. 28/11/2013, D.J. 09/12/2013.
______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Apelação Cível n. 2012.036092-7, de Palhoça, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Ronei Danielli, J. 07/11/2013, D.J. 14/11/2013.
______. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível n. 2010.022856-8, da Capital, Sexta Câmara de Direito Civil, Rel. Des. Ronei Danielli, J. 18/10/2012, D.J. 26/10/2012.
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Notas
[1] Art. 78. A parte que invoca a quebra do contrato deve tomar as medidas razoáveis, levando em consideração as circunstâncias, para limitar a perda, nela compreendido o prejuízo resultante da quebra. Se ela negligencia em tomar tais medidas, a parte faltosa pode pedir a redução das perdas e danos, em proporção igual ao montante da perda que poderia ter sido diminuída.
[2] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
[3] Observa-se com maior frequência menção à boa-fé objetiva, à repressão ao abuso de direito e ao venire contra factum proprium, o que não exclui a existência de outras fundamentações, porém, restringe-se a esses fundamentos, pela maior discussão doutrinária no seu entorno.
[4] Por essa última distinção, optou-se por tratar da construção como um ônus no presente trabalho, não desconhecendo ser mais frequentemente reconhecida e tratada como dever.
[5] Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano.
[6] Exemplo mencionado por Christian S. B. Lopes, de um contrato de fornecimento de motores para o metrô de Londres, em que a fabricante descumpriu o contrato ao entregar equipamentos defeituosos e, então, a compradora obteve outros motores melhores junto a outro fornecedor e requereu em juízo as perdas e danos contra a fabricante inadimplente. Todavia, a indenização foi reduzida a zero, porque os novos motores adquiridos eram mais modernos e eficientes, economizando significativa quantidade de carvão em seu funcionamento, de modo que a economia proporcionada mais que compensou as perdas e danos sofridos pelo descumprimento inicial (LOPES, 2011, p. 26-27).

Informações Sobre o Autor

Lillian Pfleger

Graduada em Direito pelo Centro Universitário para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí – UNIDAVI (2012). Possui pós-graduação lato sensu em Direito Civil (2014) e em Direito Constitucional (2016) pela Universidade Anhanguera. Atualmente é analista jurídico do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, na Comarca de Taió


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Equipe Âmbito Jurídico

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