Resumo: Neste presente estudo, procurar-se-á tratar das minúcias que compõem o refúgio, instituto este tão pouco mencionado em trabalhos acadêmicos atualmente. Iniciaremos o estudo com algumas considerações acerca do refúgio, como sua evolução histórica e legislativa; posteriormente, trataremos acerca dos requisitos para sua concessão, bem como das possibilidades da perda do status de refugiado.
Palavras-chave: Refúgio. Asilo Político. Definição. Requisitos.
Resume: In this present study, we will address the details composing the refuge, an institute sparsely mentioned in recent academic work. We will start this discussion making some considerations about the refuge, like historical and legislative evolution; after, we will deal about the criteria for receiving, and thepossibilitiesthat lead to thelossofrefugee status.
Keywords: Refuge. Politicalasylum. Definition. Requirements.
Sumário: 1 Considerações Iniciais. 2 O instituto do refúgio. 2.1 Evoluções Histórica e Legislativa. 3. Definição e Cláusulas de Exclusão. 4. Cessação e Perda da Condição de Refugiado. 5. Conclusão6. Referências Bibliográficas.
1 Considerações iniciais
A acolhida de refugiados é um ato humanitário, de solidariedade, sendo que o refúgio vem sendo constituído desde a segunda metade do século XX. Desde que falamos na existência de guerras, podemos falar na existência de refugiados, indivíduos estes que são “produtos” de guerras, de perseguições, de regimes totalitaristas e desrespeitosos, de perseguições arbitrárias, seja em razão de sua raça, religião ou opinião política.
Rotineiramente, utiliza-se o termo refugiado para designar todo e qualquer indivíduo que foge de seu país, seja em virtude do temor de perseguições preconceituosas, por motivos econômicos, pela escassez de água, alimentos e outros produtos essenciais à vida humana etc.
No entanto, perante o cenário do direito internacional, a definição de refugiado é bem mais limitada. A primeira definição jurídica de refugiado foi trazida no ano de 1951, juntamente com a Convenção de Genebra, primeiro documento internacional a tratar sobre este tema. Foi a partir desta Convenção que o instituto do refúgio consolidou-se, haja vista que esta, além da primeira definição do termo, previu ainda diversos direitos, garantias e princípios que, ainda atualmente, constituem bases, pilares do refúgio.
Inicialmente, será estudado o refúgio no âmbito internacional e, posteriormente, a sua aplicação no Brasil. Para que possamos proceder ao estudo do refúgio da maneira como trata a legislação pátria, torna-se necessário tratar deste instituto na ordem internacional.
Primeiramente, trataremos do refúgio, trazendo suas evoluções histórica e legislativa, passando então ao conceito adotado atualmente. Posteriormente passaremos, então, à análise das chamadas cláusulas de exclusão, requisitos que, se presentes, obstam totalmente o reconhecimento do status de refugiado. Derradeiramente, trataremos das hipóteses de perda e cessação da condição de refugiado.
2. O instituto do refúgio
Aurélio Buarque de Holanda[1] conceitua refúgio como “asilo, abrigo, apoio, amparo”. O refúgio, juridicamente falando, não possui conceito diferente deste trazido pelo dicionário. O ato de concessão de refúgio consiste, realmente, em conceder abrigo, amparo, apoio, enfim, consiste em conceder proteção àquele que foge de seu país porque lá não lhe é conferida a proteção que necessita.
O instituto do refúgio, atualmente, encontra-se bem consolidado; contém regras próprias, princípios próprios e, em alguns países, v.g. o Brasil, possui até mesmo legislação específica, além das normas trazidas em documentos internacionais com os quais os Estados soberanos se comprometem.
No entanto, para que possamos estudar o instituto do refúgio tal como se encontra hoje, faz-se necessário um breve estudo acerca de suas origens, de sua evolução histórica e também de sua evolução legislativa.
2.1 Evoluções histórica e legislativa
Refugiar-se significa “retirar-se (para um lugar seguro), procurar refúgio, abrigar-se”[2]. Desde a época em que surgiram as primeiras guerras, podemos falar na existência de refugiados, que são aquelas pessoas que se vêem obrigadas a fugir de seus países de origem em virtude de perseguições. A temática dos refugiados existe desde o século XV, quando houve a expulsão dos judeus da região da atual Espanha, em razão da política de europeização do reino unificado de Castela e Aragão.
A denominação “refugiados”, inicialmente, foi aplicada ao grupo dos chamados “huguenotes” franceses que fugiram para a Inglaterra após a revogação do Édito de Nantes de 1685, o que significou o fim da tolerância religiosa para com o protestantismo.
No período entre as duas Grandes Guerras, o fenômeno da “desnacionalização” foi amplamente utilizado como arma política dos Estados Totalitários (nazistas, fascistas e socialistas), com o fito de expulsar e perseguir comunidades ou classes políticas inteiras que pudessem colocar seus regimes políticos em perigo. Nesta época, os Estados Liberais eram incapazes de fazer valer a proteção dos direitos humanos destes que haviam perdido seus direitos, além do fato de que estas “comunidades apátridas” eram vistas como “refugos da terra”, subprodutos da guerra.
Desta maneira, restaram ineficazes as medidas utilizadas para resolver o problema dos refugiados, quais sejam a repatriação e a naturalização. Nenhum governo nacional aceitava admitir que tais pessoas indesejáveis entrassem em seu território, inviabilizando as repatriações; também não foi possível proceder à naturalização, pois os países europeus não estavam preparados para os pedidos maciços de naturalização e suas legislações eram focadas em seus nacionais, e não em estrangeiros, ainda mais estrangeiros apátridas, sem nacionalidade alguma. A única medida plausível a ser tomada era a manutenção dos campos de refugiados.
Não obstante, a proteção jurídica dos refugiados teve seu início somente na segunda metade do século XX, época em que reinava a crença de que tal problemática fosse pontual, passageira. A Segunda Grande Guerra foi o evento histórico que gerou o maior número de refugiados, grande parte destes, judeus, que foram deportados para além das fronteiras alemãs, sendo ainda despojados de sua nacionalidade, tornando-se apátridas[3]. Havia ainda outros, não em todo, mas em sua maioria também judeus, que abandonaram voluntariamente seus países de origem em razão de perseguições. Transcrevendo um pequeno trecho da obra “A história inumama”: “A Segunda Guerra Mundial teria provocado a morte de 20 a 25.000.000 de pessoas; só à sua conta, os alemães terão exterminado na URSS 1.050.000 de judeus”[4].
Resultaram diretamente do contexto pós-Segunda Guerra Mundial o Tratado Internacional da ONU, o Estatuto de Refugiados de 1951 e o próprio Auto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). Foi também em razão deste contexto que surgiu a preocupação em regular medidas visando a melhoria e solução em relação aos refugiados, que só vinham aumentando cada vez mais.
Dispondo, também, acerca do contexto histórico pós Segunda Guerra Mundial, afirma Jacob Dolinger:
“O sofrimento inenarrável vivenciado por milhões de criaturas humanas que sobreviveram à grande catástrofe do século XX – a Segunda Guerra Mundial (que ceifou a vida de cinqüenta milhões de pessoas) – levou as Nações Unidas a elaborarem a Convenção que regula a situação jurídica dos refugiados, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 28 de julho de 1951, vigendo a partir de 21 de abril de 1954”[5].
Elaborada num contexto histórico em que era supervalorizado o Princípio da Soberania dos Estados, a Convenção de 51, em seu art. 1º definia refugiado como aquela pessoa que:
“(…) temendo ser perseguida por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, se encontra fora do país de sua nacionalidade e que não pode ou, em virtude desse temor, não quer valer-se da proteção desse país no qual tinha sua residência habitual em conseqüência de tais acontecimentos, não pode ou, devido ao referido temor, não quer voltar a ele.”
O problema deste documento internacional consiste em restringir o conceito de refugiado aos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951 na Europa, ou seja, havia duas limitações: a limitação temporal (acontecimentos ocorridos antes de 1951) e a limitação geográfica (acontecimentos ocorridos na Europa).
Desta maneira, não havia como reconhecer a condição de refugiado daquelas pessoas que estivessem fugindo de outros continentes que não a Europa e/ou em virtude de acontecimentos posteriores a 1951. Por tal motivo, o conceito de refugiado trazido pela Convenção de 51, por ser muito restrito, não conferia efetiva proteção a todos aqueles que fugissem de seus países em virtude perseguições arbitrárias. Somente obteria a proteção jurídica de um terceiro Estado o indivíduo que se enquadrasse no conceito de refugiado contido no art. 1º da Convenção de Genebra de 1951, com suas reservas temporal e geográfica.
Entretanto, tais limitações trazidas pela Convenção de 51 não impedem que possamos enxergar os aspectos positivos deste documento internacional. Além de trazer a primeira definição de refugiado, uniformizando os requisitos para reconhecimento da condição de refugiado em âmbito global, trouxe ainda princípios de suma importância ao Direito Internacional dos Refugiados, exempli gratia, o princípio do non-refoulement,uma das bases do instituto do refúgio,que nas palavras de Liliana Lyra Jubilut pode ser conceituado como aquele:
“(…) pelo qual os indivíduos não podem ser mandados contra a sua vontade para um território no qual possam ser expostos a perseguição ou onde corram risco de morte ou ainda para um território do qual se sabe que serão enviados a um terceiro território do qual se sabe que serão enviados a um terceiro território no qual pode sofrer perseguição ou tenham sua integridade física ou vida ameaçada”[6].
Afirma, com sapiência, Jacob Dolinger, com relação ao contexto histórico do Protocolo de 1967:
“Com a passagem do tempo e em decorrência de outras convulsões políticas no cenário mundial, que causaram mais desastres e sofrimentos, criaram-se novas ondas de refugiados, levando à aprovação pela ONU do “Protocolo de 1967 sobre o Status de Refugiados”, a fim de eliminar a restrição que limitava a Convenção às situações ocorridas até 1º de janeiro de 1951”[7].
Não obstante tais avanços, o Protocolo de 67 não abordou a discussão sobre a definição de refugiados, mantendo o requisito da violação dos direitos civis e políticos. O Protocolo de 67 foi aprovado como um documento curto e que se limitou a revogar somente as reservas temporal e geográfica.
A Convenção da Organização da Unidade Africana (OUA) de 1967 visou conferir proteção a todas as pessoas que são compelidas a cruzar as fronteiras nacionais em razão de desastres causados pelo homem, independentemente da existência de temor de perseguição.
Com a Declaração de Cartagena (1984), foi estabelecido um vínculo claríssimo entre o Direito Internacional dos Refugiados e o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Esta Declaração é aplicável aos países da América Latina e estendeu o conceito de refugiado, abrangendo pessoas que fugiram de seus países de origem porque sua vida, segurança ou liberdade foram ameaçadas pela violência generalizada, pela agressão estrangeira, pelos conflitos internos, pela violação maciça dos direitos humanos ou por outras circunstâncias que hajam perturbado gravemente a ordem pública.
Utilizando, novamente, as palavras de Dolinger:
“O Brasil, que ratificara a Convenção sobre Refugiados pelo Decreto Legislativo n º 000011, de 7 de julho de 1960, promulgado pelo Decreto Executivo n º 050215, de 28 de janeiro de 1961; também ratificou o Protocolo de 1967, mediante o Decreto Legislativo n º 93, de 30 de novembro de 1971, promulgado pelo Decreto Executivo n º 70.946, de 7 de agosto de 1972. Em 22 de julho de 1997 foi aprovada a Lei n º 9.474, que define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados, dispondo no artigo 48 que os seus preceitos deverão ser interpretados em harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948, com a Convenção sobre o Estatuto dos Refugiados de 1951, com o Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados de 1957 e com todo dispositivo pertinente de instrumento internacional de proteção de direitos humanos com o qual o governo brasileiro esteja comprometido”[8].
Esta lei brasileira representou um grande avanço na temática do refúgio, trazendo normas específicas e regulamentando ainda o procedimento que deve ser seguido no Brasil quando da concessão do refúgio.
A lei brasileira sobre refugiados, qual seja a Lei 9.474 de 1997, seguindo o disposto na Convenção da Organização da Unidade Africana de 1967 e na Declaração de Cartagena de 1984, também estendeu a definição de refugiado, considerando como tal também os indivíduos que “devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país”[9]. Tal ampliação mostra um grande avanço ao garantir aos indivíduos o efetivo gozo de seus direitos humanos; entretanto, por ter sido trazida por documentos regionais, tal ampliação não possui abrangência global.
Indubitavelmente, podemos afirmar que, hodiernamente, o instituto do refúgio encontra-se bem consolidado tanto em termos de documentos internacionais quanto em termos de legislações internas. Existem diversas medidas para conferir proteção efetiva àqueles protegidos juridicamente por meio da concessão do refúgio. Entretanto, a legislação sobre refugiados que temos atualmente não confere proteção efetiva a todos aqueles que sofrem perseguições arbitrárias.
Existem, também, os chamados deslocados internos, que se diferem dos refugiados pelo fato de, não obstante também sofrerem perseguições por motivos de raça, cor, religião, opinião política etc., não chegam a cruzar as fronteiras de seu país de origem, ou seja, não buscam proteção num terceiro Estado. Por não buscarem proteção em outro Estado Soberano, pois não chegam a cruzar as fronteiras do seu país de origem, tais indivíduos não podem ser considerados como refugiados e, em tese, não estariam abrangidos pela proteção conferida pelos documentos internacionais e legislações específicas sobre refugiados.
Ademais, existem também os refugiados ambientais, que cruzam as fronteiras de seu país de origem a fim de buscar proteção alhures, mas não por motivo de perseguições e/ou violações de direitos humanos, mas sim em razão de catástrofes, eventos da natureza, escassez de produtos da natureza essenciais à vida, e.g., água e alimentos. Consoante se depreende da definição de refugiados adotada internacionalmente e também a definição contida na lei brasileira, os “refugiados ambientais” não se encaixam em nenhuma dessas definições e, assim como os deslocados internos, em tese, não poderiam se beneficiar da proteção jurídica conferida aos refugiados propriamente ditos.
Transcrevendo as sábias palavras de Hanna Arendt :
“Duas guerras mundiais em uma geração, separadas por uma série ininterrupta de guerras locais e revoluções, seguidas de nenhum tratado de paz para os vencidos e de nenhuma trégua para os vencedores, levaram à antevisão de uma terceira guerra mundial entre as duas potências que ainda restavam. O momento de expectativa é como a calma que sobrevém quando não há mais esperança. Já não ansiamos por uma eventual restauração da antiga ordem do mundo com todas as suas tradições, nem pela reintegração das massas, arremessadas ao caos produzido pela violência das guerras e revoluções e pela progressiva decadência do que sobrou. Nas mais diversas condições e nas circunstâncias mais diferentes, contemplamos apenas a evolução dos fenômenos – entre eles o que resulta no problema de refugiados, gente destituída de lar em número sem precedentes, gente desprovida de raízes em intensidade inaudita”[10].
3. Definição e cláusulas de exclusão
Após um estudo sobre a evolução histórica, importante analisarmos a definição atual de refugiado adotada pelo Brasil. Dados trazidos em publicações do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados) afirmam o seguinte:
“O termo “refugiado” é frequentemente utilizado pela comunicação social, pelos políticos e pelo grande público para designar uma pessoa que foi obrigada a abandonar o seu local habitual de residência. Normalmente, quando a palavra é utilizada em sentido geral, pouca distinção se faz entre as pessoas que tiveram de deixar o seu país e aquelas que se deslocaram no interior do seu país. Também não se dá grande atenção às causas de fuga. Quer estes homens e mulheres tenham fugido de perseguição, violência política, conflito comunitários, catástrofe ecológica ou da pobreza, presume-se que todos têm o direito à designação de refugiado”[11].
Todavia, juridicamente, a definição de refugiado contém um sentido mais específico. A primeira definição foi trazida pela Convenção de 51, mas a definição adotada pelo Brasil é mais ampla e foi trazida pela Lei 9.474 de 22 de julho de 1997, tal como as chamadas cláusulas de exclusão, que impedem que, em determinados casos, seja reconhecida a condição de refugiado.
O art. 1º da Lei 9.474 traz a definição atual de refugiados; in verbis:
“Art. 1.º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:
I – devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;
II – não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;
III – devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.”
Ademais, o art. 2º desta mesma lei prevê a extensão do status de refugiados ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que dependam economicamente do refugiado, desde que se encontrem em território nacional.
Nota-se que a Lei 9.474 ampliou não somente o conceito de refugiado contido na Convenção de 51, como também aquele contido no Protocolo de 1967, reconhecendo também como refugiados aqueles que não têm seus direitos humanos respeitados pelo seu país de origem. Ademais, ao considerar como refugiado também aquele indivíduo que se vê obrigado a deixar seu país de nacionalidade devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, a lei brasileira trouxe uma maior aproximação entre a temática dos refugiados e os direitos humanos.
A partir dessa ampliação, a violação de quaisquer direitos humanos pode ensejar a proteção do indivíduo na condição de refugiado, e não somente a violação de direitos civis e políticos; assegurou-se, desta maneira, que os indivíduos gozem efetivamente de seus direitos humanos.
Em análise ao texto deste artigo 1.º, constata-se que este traz requisitos objetivos para o reconhecimento da condição de refugiado. Em razão destes requisitos objetivos, não podemos falar que a concessão de refúgio constitui um ato discricionário do país concessor, haja vista que, quando presentes os requisitos, o Estado soberano tem o dever de reconhecer o status de refugiado e, ou acolher a pessoa perseguida ou encaminhá-la a um terceiro país que se comprometa a não devolvê-la ao seu país de origem. A vedação da devolução do refugiado materializa-se no princípio do non refoulement, que significa “não-devolução”. Tal princípio, norteador do Direito dos Refugiados, traz a proibição, dirigida aos Estados Soberanos, de devolver o refugiado ao seu país de origem ou no qual mantinha sua residência habitual.
Isto é decorrência do fundamento e da função do instituto do refúgio; o refúgio constitui ato humanitário, de proteção aos direitos fundamentais de todo e qualquer ser humano. A positivação e regulamentação do refúgio em Tratados Internacionais, Convenções e legislações internas procurou conferir maior segurança a tal instituto, assim como maior efetividade. Se a concessão do refúgio fosse um ato discricionário e as causas do reconhecimento da condição de refugiado fossem extremamente subjetivas, não teríamos segurança jurídica e nem uma proteção efetiva.
Além do conceito, a lei brasileira que trata do refúgio traz também as cláusulas de exclusão, previstas no artigo 3º e seus incisos, que são condições negativas da concessão de refúgio, ou seja, condições que, se existirem, obstam de maneira absoluta a concessão, por parte do Estado Brasileiro, de proteção por meio do refúgio. As cláusulas de exclusão, então, retratam situações em que fica vedada a concessão do refúgio. Assim dispõe o artigo 3.º:
“Art. 3.º Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que:
I – já desfrutem de proteção ou assistência por parte de organismos ou instituição das Nações Unidas que não o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR;
II – sejam residentes no território nacional e tenham direitos e obrigações relacionadas com a condição de nacional brasileiro;
III – tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas;
IV – sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.”
Desta maneira, ainda que alguém esteja sofrendo perseguições, não poderá ser considerado refugiado caso incida em alguma(s) destas cláusulas de exclusão.
O inciso I do artigo 3º dispõe que aqueles que já desfrutarem de proteção ou assistência por parte de organismos ou instituições das Nações Unidas que não o ACNUR não poderão gozar da proteção conferida por meio da concessão do refúgio; isto se dá em razão de a pessoa já gozar de uma proteção, não fazendo sentido buscar proteção por meio do refúgio, pois não há necessidade.
O inciso II traz também previsão bem lógica. É claro que residentes no território nacional que tenham direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro ficam obstados de receber proteção jurídica por meio do refúgio, haja vista que, por já terem reconhecidos direitos e obrigações relacionados com a condição de nacional brasileiro, já gozam de proteção por parte da República Federativa do Brasil, assim como todos os outros nacionais aqui residentes; torna-se ilógica, desta maneira, a concessão de refúgio a tais pessoas.
Ademais, não são reconhecidos como refugiados aqueles indivíduos que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas, bem como aqueles que sejam considerados culpados de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.
Assim sendo, para que se encontre a definição completa e correta de refugiados, devem ser analisados em conjunto os artigos 1º ao 3º da Lei 9.474/97. A partir da análise conjunta destes três artigos, podemos formular o seguinte conceito: refugiado é todo indivíduo que se vê obrigado a fugir de seu país de origem ou no qual mantinha residência habitual, em virtude de fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, bem como em virtude de grave e generalizada violação de direitos humanos, desde que não desfrute de proteção ou assistência por parte de organismos ou instituição da ONU, não seja residente no território nacional e não tenha direitos e obrigações relacionadas com a condição de nacional brasileiro, não tenha cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas, bem como não seja considerado culpado de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas. Ademais, o reconhecimento da condição de refugiado estende tal status ao cônjuge, aos ascendentes e descendentes, assim como aos demais membros do grupo familiar que dependam economicamente do refugiado, desde que se encontrem em território nacional.
4. Cessação e perda da condição de refugiado
Uma vez reconhecido o status de refugiado de determinado indivíduo, este gozará da proteção jurídica conferida pelo Estado Brasileiro e será regido pelo Estatuto do Refugiado. Entretanto, uma vez reconhecido o status de refugiado de determinado indivíduo, este status não perdurará ad infinitum; o indivíduo não mais receberá a proteção conferida aos beneficiários do refúgio caso perca a sua condição de refugiado ou caso esta seja cessada.
Obviamente, como falamos em cessação e perda da condição de refugiado, para que esta ou aquela ocorra, é necessário que o indivíduo já ostente a condição de refugiado, afinal, não há como perder o que não se possui. Sendo assim, nestas hipóteses, o indivíduo, à época em que requereu a concessão do refúgio, obteve uma decisão positiva e foi reconhecido como refugiado, entretanto, por incorrer em alguma das causas de perda ou de cessação, não mais será considerado refugiado.
Tanto a perda quanto a cessação da condição de refugiado só ocorrem nas hipóteses expressamente previstas em lei, ou seja, trata-se de rol taxativo, numerusclausus.
O art. 38 da lei brasileira sobre refugiados traz as causas da cessação da condição de refugiado. In verbis:
“Art. 38. Cessará a condição de refugiado nas hipóteses em que o estrangeiro:
I – voltar a valer-se da proteção do país de que é nacional;
II – recuperar voluntariamente a nacionalidade outrora perdida;
III – adquirir nova nacionalidade e gozar de proteção do país cuja nacionalidade adquiriu;
IV – estabelecer-se novamente, de maneira voluntária, no país que abandonou ou fora do qual permaneceu por meio de perseguição;
V – não puder mais continuar a recusar a proteção do país de que é nacional por terem negado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como refugiado;
VI – sendo apátrida, estiver em condições de voltar ao país no qual tinha sua residência habitual, uma vez que tenham deixado de existir as circunstâncias em consequência das quais foi reconhecido como refugiado.”
Em todas essas hipóteses, o sujeito, ao requerer o reconhecimento do status de refugiado, tinha os requisitos necessários para tal e, ao final, obteve a concessão do refúgio; entretanto, por algum dos motivos supra, não mais será considerado refugiado, tendo sua condição cessada.
Já as causas da perda da condição de refugiado estão no art. 39. In verbis:
“Art. 39. Implicará perda da condição de refugiado:
I – a renúncia;
II – a prova de falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da condição de refugiado ou a existência de fatos que, se forem conhecidos quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa;
III – o exercício de atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública;
IV – a saída do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro.”
Consoante diferenciação trazida por Liliana Lyra Jubilut[12], a diferença entre a cessação e a perda da condição de refugiado consiste no fato de que:
“(…) naquela, a condição de refugiado não é mais necessária, pois o indivíduo passou novamente a contar com a proteção de seu Estado de origem e/ou residência habitual (por exemplo, se o motivo do refúgio foi uma guerra civil e ela acabou), e essa tem um caráter punitivo, ou seja, o Brasil por algum ato do refugiado (por exemplo, a prática de ato contrário à segurança nacional) não quer mais oferecer a sua proteção a ele.”
Essas hipóteses de cessação da condição de refugiado decorrem do fato de o reconhecimento da condição de refugiado ocorrer em virtude de situação objetiva do país de origem ou em que este mantinha residência habitual. Havendo alteração, como no caso de melhora da situação que implique no término das causas que fundamentaram a concessão do refúgio, não mais subsiste razão para haver a proteção por um terceiro Estado, pois esta não mais é necessária.
Já as hipóteses de perda da condição de refugiado, diferentemente das hipóteses de cessação, não ocorrem em virtude de não mais ser necessária a proteção por parte de um terceiro Estado; a perda da condição de refugiado, em possuindo caráter punitivo, tem cabimento quando o refugiado pratica algum dos atos previstos nos incisos do artigo 39 da lei 9.474 e, em razão da prática deste ato reprovável, o Brasil não mais deseja oferecer proteção a este indivíduo por meio da concessão de refúgio.
A decisão acerca da perda ou cessação da condição de refugiado é proferida, em primeira instância, pelo Comitê Nacional para Refugiados (CONARE), órgão de deliberação coletiva presidido pelo representante do Ministério da Justiça e vice-presidido pelo representante do Ministério das Relações Exteriores, também responsável pelo reconhecimento do status de refugiado. A decisão sobre a perda ou cessação da condição de refugiado é passível de recurso, no prazo de 15 dias a contar da data em que houve a notificação da decisão ao solicitante, e deve ser dirigido ao Ministro de Estado da Justiça.
Acerca da possibilidade de se proceder à expulsão de pessoa com status de refugiado, afirma, com sapiência, o renomado autor Jacob Dolinger:
“A expulsão do refugiado só é admitida em hipótese de “segurança nacional ou ordem pública”, sendo-lhe facultado o direito de se defender e tempo suficiente para encontrar outro país que queira abrigá-lo, proibida terminantemente a expulsão ou a devolução para um país em que sua vida ou liberdade possam estar ameaçadas por causa de sua raça, religião, nacionalidade, vinculação a determinado grupo social ou opinião política”[13].
É fácil notar que, mesmo que não mais ostente a condição de refugiado e as proteções conferidas em razão de tal status, o indivíduo, ainda assim, goza de determinados direitos e garantias inerentes à condição de ser humano, quais sejam o devido processo legal, o direito ao contraditório e ampla defesa, acesso ao judiciário etc., preservando, de maneira total, a sua dignidade.
Os refugiados que perderem permanentemente tal status em virtude de terem renunciado a tal condição ou por terem saído do território nacional sem prévia autorização do Governo brasileiro serão enquadrados no regime geral de permanência de estrangeiros no território nacional. Já aqueles que perderem o status por motivo de prova de falsidade dos fundamentos invocados para o reconhecimento da condição de refugiado ou a existência de fatos que, se fossem conhecidos quando do reconhecimento, teriam ensejado uma decisão negativa ou por exercer atividades contrárias à segurança nacional ou à ordem pública, estarão sujeitos às medidas compulsórias previstas na Lei n. 6815/80, quais sejam a deportação[14], a expulsão[15] e a extradição[16].
5. Conclusão
Diante de todo o exposto, pode-se concluir que o refúgio foi criado com o fito de proteger todo e qualquer ser humano que não goze da devida proteção jurídica em seu país de origem.
A fim de conferir maior segurança jurídica, diversos documentos internacionais, bem como, no caso do Brasil, legislações internas, traçaram as principais características do refúgio, prevendo, além do seu conceito, os requisitos para sua concessão, as causas de perda e cessação da condição de refugiado, assim como o procedimento a ser seguido para a sua concessão.
Desta feita, trata-se de um instituto de suma importância, em razão do seu caráter humanitário e de sua proximidade com a temática dos Direitos Humanos.
Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlndia. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp. Advogada do Município de Uberlândia
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