O significado da expressão “relação de trabalho” no art. 114 da CF e a competência da Justiça do Trabalho


Publicada em 08/12/2004 e com vigência a partir de 31 do mesmo mês e ano, a Emenda Constitucional n° 45 provoca grandes discussões em razão da amplitude que teria (ou não) ocasionado, a nova redação do art. 114.


Diversos foram os preciosos estudos publicados e teses jurídicas debatidas nos calorosos congressos e encontros até hoje realizados.


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Não se pode desvincular, no entanto, numa análise preliminar, que houve grande pressão das Associações de Magistrados Trabalhistas para lograr a amplitude da competência que originariamente detinha a Justiça do Trabalho. Arion Sayão Romita nos lembra no prefácio de sua obra Competência da Justiça do Trabalho, (Curitiba: Genesis, 2005, p. 09) que na tramitação do projeto de Emenda Constitucional, discutiu-se acerca da extinção da Justiça do Trabalho, então, “as associações de magistrados trabalhistas reagiram vigorosamente a essa idéia e propugnaram, em contrapartida, a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, que não deveria restringir-se às ações oriundas da relação de emprego (trabalho subordinado), mas deveria abarcar todas as formas de trabalho humano, fosse qual fosse a natureza do vínculo, contratual ou estatutário, subordinado ou autônomo”. Conclui o autor, que tal atuação foi coroada com êxito, pois entende que a reforma permitiu que se processasse, agora, toda relação de trabalho humano não importando a natureza do vínculo que unisse as partes, salvo, aquelas decorrentes da vínculo estatutário.


Citamos o posicionamento deste autor, mas poderíamos fazê-lo de muitos outros, que seguem o mesmo diapasão entendendo que, a Emenda Constitucional permitiu que toda relação de trabalho lato sensu pudesse ser processada na instância trabalhista.


O questionamento que fazemos, na verdade, é se a intenção do legislador Constitucional foi exatamente esta ou se, na verdade, tudo não passa do resultado da empolgação por uma luta que teve determinado alcance mas, de fato, não todo aquele que se esperou depois de todo o investimento político realizado no empenho pela defesa da manutenção do Judiciário Trabalhista.


Façamos, pois, uma análise absolutamente jurídica e divorciada de qualquer pretensão politizada, adotando critérios meramente científicos no estudo da norma. Observo, ainda, que a análise será limitada ao inciso primeiro do art. 114 da Constituição Federal no que diz respeito a relação de trabalho.


Peço vênia, portanto, para apresentar um quadro comparativo entre o texto anterior e o novo texto:






EC n° 45/2004


“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:


I as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;


II as ações que envolvam exercício do direito de greve;


III as ações sobre representação sindical, entre sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e empregadores;


IV os mandados de segurança, habeas corpus e habeas data , quando o ato questionado envolver matéria sujeita à sua jurisdição;


V os conflitos de competência entre órgãos com jurisdição trabalhista, ressalvado o disposto no art. 102, I, o ;


VI as ações de indenização por dano moral ou patrimonial, decorrentes da relação de trabalho;


VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho;


VIII a execução, de ofício, das contribuições sociais previstas no art. 195, I, a , e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir;


IX outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei.


§ 1º ………………………………………………….


§ 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente.


§ 3º Em caso de greve em atividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público, o Ministério Público do Trabalho poderá ajuizar dissídio coletivo, competindo à Justiça do Trabalho decidir o conflito.” (NR)



Constituição Federal-1988


Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.


§ 1º – Frustrada a negociação coletiva, as partes poderão eleger árbitros.


§ 2º – Recusando-se qualquer das partes à negociação ou à arbitragem, é facultado aos respectivos sindicatos ajuizar dissídio coletivo, podendo a Justiça do Trabalho estabelecer normas e condições, respeitadas as disposições convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho.


 



Primeiramente cumpre observar que o art. 114 trata da competência da Justiça do Trabalho, estabelecendo um critério de competência absoluta em razão da matéria, daí a necessidade de se fixar o conceito Constitucional (ou intenção do legislador Constitucional) quanto a relação de trabalho, espécie do gênero, relação jurídica .


O primeiro estudioso a fixar o conceito de relação jurídica foi  Windscheid estabelecendo que seria o vínculo  que une duas pessoas, nascendo assim, a teoria personalista da relação jurídica, pois toda ela deveria ter, necessariamente um sujeito passivo. A. Von Thur desenvolveu tais conceitos, para concluir, mais tarde, que as relações jurídicas poderiam ser estabelecidas entre pessoas e coisa; entre pessoas, somente; ou entre uma pessoa e determinado lugar (Gomes, Orlando. Introdução ao Direito Civil, Rio de Janeiro: Forense,  6° ed. 1979, p. 118).


Nem todo laço social é uma relação jurídica. Esta se caracterizará desde que determinada ação humana, ou mesmo evento natural, possa produzir efeitos que estejam previstos num estatuto jurídico ou sejam por ele tutelados. Observe, a título de exemplo, que o Código Civil de 2002 tutelou o direito daquele que contrata preliminarmente ou  intenciona declarar, em momento posterior, a pessoa que irá adquirir direitos e assumir obrigações após a conclusão do contrato (art.462 a 471).


Toda relação jurídica, tem, portanto, como elementos, o sujeito, o objeto e o fato propulsor. Em sendo o caso de contrato com pessoa a declarar, não se diga que o sujeito não existe e, por isso, a relação não haveria por falta de um elemento. Sua ausência é provisória e, por isso, a relação que se forma é válida. Assim, toda relação jurídica pode ser entendida como uma relação social que vincula duas ou mais pessoas, repousando sobre uma hipótese fática legal.


A existência do sujeito é necessária, pois, “se todo direito pressupõe a faculdade de agir, e somente a pessoa tem esse poder, não é admissível a ausência do sujeito na relação, até porque toda relação pressupõe dois termos e, em só havendo um, relação não há…. Objeto é o bem no qual incide o poder do sujeito ou a prestação exigível” (Gomes, Orlando. opus cit., p.127).


Fato propulsor  concerne ao fato jurídico causado ou não por uma ação humana e que tem o condão de criar, modificar ou extinguir direitos. Quando causado por ação humana tendente a produzir efeitos jurídicos, dá-se o nome de negócio jurídico. A categoria mais importante dos negócios jurídicos são os contratos, tidos como encontro de vontades exercido de forma livre, limitada e em razão, no entanto, a função social (art. 421, CC).


A relação de trabalho, que dá origem ao contrato de trabalho, deve ser entendida, em sentido lato, como toda relação cujo objeto é a prestação de um trabalho, seja realizado por pessoa física ou jurídica, em qualquer dos polos daquela relação. Se, por exemplo, uma entidade bancária contrata uma empresa coletora de recicláveis para recolher seu lixo, a relação entre elas é de trabalho, pois esta empresa está realizando um trabalho para aquela entidade.


Podemos assim representar tal situação:



Todavia, como dissemos, a relação supramencionada, concerne a relação de trabalho no seu sentido mais amplo. Quando se quer estudar o trabalho subordinado, forçoso se faz que busquemos a regulamentação desse tipo de situação jurídica e que, no direito nacional, é nominada de contrato de trabalho e vem conceituado e regulado na Consolidação das Leis do Trabalho que assim dispõe:


Art. 442 – Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.


Desta forma, o negócio jurídico que ora se estuda, corresponde à relação de emprego, ou seja, a relação jurídica entre sujeitos que tem como objetivo produzir conseqüências jurídicas, vinculando-se tais sujeitos a posição ativa e passiva que assumem. Daí se entender que a relação de emprego é tipicamente uma relação subjetiva, espécie de relação de trabalho que, por sua vez, é espécie de relação jurídica.


Conforme se denota do quadro comparativo observa-se que o legislador Constitucional trazia na redação anterior que competia a justiça do trabalho processar e julgar ações entre trabalhadores e empregadores; a redação atual, refere-se a ações oriundas das relações de trabalho. Ambas conservaram a competência para processar e julgar outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma estabelecida na lei.  O art. 114 trata de regra atinente à competência absoluta, daí a necessidade de se fiar o conceito de relação de trabalho a fim de não ferir um pressuposto processual na tramitação da ação que se vá intentar.


O trabalho é um direito social, assim definido no art. 6° da Constituição Federal, mas, conforme lembra José Afonso da Silva não há norma que confira o direito ao trabalho. Prossegue o autor, ensinando que “este, porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art. 1°, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho, e o art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1°, III). E aqui se entroncam o direito individual ao livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,  com o direito social ao trabalho, que envolve o direito ao acesso a uma profissão, à orientação e formação profissionais, à livre escolha do trabalho, assim como o direito à relação de emprego (art. 7°, I) e ao seguro-desemprego, que visam, todos, entre outros, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores (Curso de Direito Constitucional Positivo, 6° ed., São Paulo: RT,  1990, p. 256).


Cumpre frisar que, não obstante a Constituição se refira em diversos pontos ao trabalho, seja como direito social ou individual, não traz, acertadamente, qualquer conceito acerca do que entende por relação de trabalho ou contrato de trabalho.


O art. 7° da Constituição Federal ao tratar de direitos típicos de relação de  emprego, referindo-se a relação de trabalho garante o trabalho como um direito social fundamental e elenca quais os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 6° e 7°). No rol que apresenta, os direitos Constitucionais garantidos são tipicamente atinentes à relação de emprego, valendo-se o legislador, ora do termo relação de emprego, ora relação de trabalho, indistintamente.


Daí, caminhou bem o legislador em tratar genericamente do tema, mas, especificamente, no art. 7°, lançou a proteção Constitucional a relação em que o desnível entre as partes, principalmente, no momento e no curso da contratação, qual seja, à relação de emprego.


Tão evidente a intenção do legislador em tratar como sinônimos os termos relação de emprego e de trabalho no art. 7°, que no inciso XXIX regulou o instituto da prescrição, disse que os créditos resultantes da relação de trabalho prescrevem em cinco anos para trabalhadores urbanos e rurais , até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho. Assegurou-se, ainda, aos trabalhadores domésticos direitos afetos ao trabalhador rural e urbano; a proibição de discriminação no tocante ao trabalho manual, técnico e intelectual e entre outros profissionais respectivos; os trabalhadores têm direitos a jornada de trabalho máxima e a ultrapassagem do limite lhe dá direito a horas extras; têm direito a hora noturna para trabalho realizado nesta condição; a descanso semanal remunerado, enfim, direitos que são inerentes ao contrato de trabalho, isto é, ao contrato de emprego.


Perceba que o legislador se refere a trabalhador e contrato de trabalho, cujo conceito está na Consolidação das Leis do Trabalho, vinculado a prestação de trabalho subordinado.


Não se pode, no entanto, entender que outros tipos de relações não são de trabalho. A prestação de serviços regida pelos arts. 593 e seguintes do Código Civil e a representação comercial regida por lei especial,  são, tipicamente, relações de trabalho. Assim como, o mandato (art. 653 e ss., CC), a comissão (art. 693 e ss., CC), a agência e distribuição (art. 710 e ss., CC), a corretagem (art. 722 e ss. CC),vg, são contratos que podem ter num ou nos dois polos pessoas jurídicas e, igualmente, são relações de trabalho que se estabelecem entre os contratantes.


Relação de trabalho, portanto, é toda aquela em que, alguém se obrigada a determinada prestação com objetivo de atingir uma finalidade esperada pelo outro. Se o trabalho desenvolvido for subordinado e decorrer de uma relação de emprego, será tipicamente um contrato de trabalho; caso contrário, poderá ser uma relação de natureza civil ou de consumo.


Ensina Amauri Mascaro Nascimento que o “vértice do direito do trabalho não é todo trabalhador, mas um tipo especial dele, o empregado. Há vários tipos de trabalhadores que não estão incluídos no âmbito de aplicação do direito do trabalho… O trabalhador subordinado típico é o empregado” (Iniciação ao Direito do Trabalho, 26° ed., São Paulo: LTr, 2006, pp. 93-94).


Devemos, assim entender, que a intenção do Constituinte foi proteger a relação de trabalho em sentido amplo, em virtude  da necessidade fundamental de se garantir a dignidade humana. Quando trouxe a regra a respeito da competência do Judiciário para conhecer e julgar determinadas ações, quis manter a competência da justiça do trabalho para conhecer e julgar o que originariamente a fundou, ou seja, a relação de emprego, mantendo a possibilidade de se abrir, por intermédio de lei infraconstitucional, a competência para conhecer e julgar de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei, texto este existente na redação anterior ao art. 114, mesmo porque é de grande importância em nosso País a garantia do chamado trabalho formal, ou seja, aquele onde o trabalhador mantém o vínculo de subordinação.


 Não havia, aqui, discussão quanto a competência da justiça do trabalho  para conhecer e julgar relação de trabalho, entendida esta, como contrato de trabalho, relação subordinada disciplinada pelo art. 7° da Constituição Federal e pela Consolidação das Leis do Trabalho . As exceções poderiam vir dispostas na lei infraconstitucional e não feririam a norma Maior em razão daquela permissão para se julgar outras  controvérsias decorrentes da relação de trabalho na forma da lei e da opção do Constituinte em utilizar indistintamente o termo relação de trabalho.


É óbvio que a Constituição Federal não poderia descer a minúcias, deixando isso para a lei ordinária, lugar comum onde se deve dar toda a regulamentação acerca da matéria. Daí a expressão relação de trabalho trazida na exceção referir-se a outros contratos que não de natureza trabalhista e  que poderiam, segundo o critério legislativo, ser discutidos na justiça do trabalho, originariamente, mais célere e informal que a justiça comum.


A relação de trabalho, trazida no caput do art. 114 e tida como regra geral, referia-se ao contrato de trabalho, conceituado no art. 442 da CLT, referente a relação de emprego e, necessariamente,  atinente a uma relação onde uma das partes estaria sujeita a subordinação e prestasse o trabalho com pessoalidade, habitualidade, onerosidade e não eventualidade (art.  3° da CLT). A outra parte contratual, era alguém que assumia os riscos da atividade econômica, admitia, assalariava e dirigia a prestação pessoal de serviços (art. 3° da CLT). Observe-se que o contrato de trabalho tem como característica partes  em situações específicas que ocupam uma posição especial, típica ao contrato em que há subordinação.


A redação atual do art. 114 da Constituição Federal nada mudou com relação a isso.  Tão somente se refere a relação de trabalho, ao invés de trazer o termo dissídios entre trabalhadores e empregadores. A exclusão do termo dissídio veio em boa hora, pois não restringe  os processos a feitos de jurisdição contenciosa, onde há existência de lide, permitindo, assim, que se processe questões inerentes a jurisdição voluntária.


Não podemos aceitar, ainda, que fosse a intenção do legislador, abrir as portas do Judiciários trabalhista para receber ações de toda e qualquer natureza de prestação de serviços. A um, porque devemos reconhecer que a Justiça do Trabalho não possui estrutura para isso; a dois, porque devemos considerar a realidade do nosso País em que o próprio Governo luta para findar com o trabalho informal e criar condições para que todos trabalhem dentro do sistema da formalidade, ou seja, da velha CTPS, contribuindo assim, para o sistema previdenciário.


Para a grande massa trabalhadora brasileira, o “trabalho com registro” (trabalhador fichado) é de grande importância, e para as inúmeras violações a direitos desses trabalhadores há a justiça do trabalho. Entender-se o contrário é permitir que eles, que reclamam créditos de natureza alimentar, passem a disputar o espaço no judiciário para suas ações com contratantes que atuam no mesmo pé de igualdade ou, até, situações em que aquele que contrata a prestação de serviços depende mais do trabalhador do que este daquele. Não se pode ignorar as razões sociais e a gravidade que alterar tal situação pode representar para a grande massa.


Andou bem o legislador em trazer para o Judiciário trabalhista as ações relativas ao dano moral acidentário, pois aqui é seu melhor lugar ante as razões acima expostas. Assim, não se justificava a permanência de tais ações na justiça comum uma vez que decorrentes de uma relação empregatícia.


Por fim, tão clara é a posição do legislador que tramita projeto de lei para regulamentar o art. 114 da CF e tratar do que seriam as outras ações que poderiam ser conhecidas e julgadas pela Justiça do Trabalho em razão da sua competência material.


Certamente tal projeto é Constitucional, porque relação de trabalho, como se disse, é gênero, mas o legislador  Constitucional ora tratou do tema como de fato o é, ora como sinônimo de relação de emprego, que, obviamente, o que se regular que pode ser aqui decidido o será, ainda, que isso venha a ferir mortalmente aquele privilégio  que se tinha de uma justiça mais célere para relações que tratassem da relação subordinada.


Assim reza o projeto:


V – PROJETO SOBRE A COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR DA


JUSTIÇA DO TRABALHO


PROJETO DE LEI N° 6542, DE 2005


Regulamenta o inciso IX do art. 114 da Constituição Federal, para dispor sobre competências da Justiça do Trabalho referentes à relação de trabalho, e dá outras providências.


O CONGRESSO NACIONAL decreta:


Art. 1° O art. 652 do Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, que aprova a Consolidação das Leis do Trabalho, passa a vigorar acrescido da seguinte alínea f:


“Art. 652 …………..


…………….


f) compete ainda ao juiz do trabalho processar e julgar os litígios decorrentes de relações de trabalho que, não configurando vínculo empregatício, envolvam, dentre outras, as ações:


I – de cobrança de crédito resultante de comissões de representante comercial ou de contrato de agenciamento e distribuição, quando o representante, agente ou distribuidor for pessoa física;


II – de cobrança de quota-parte de parceria agrícola, pesquera, pecuária, extrativa vegetal e mineral, em que o parceiro outorgado desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, admitida a ajuda da família;


III – decorrentes de execução e de extinção de contratos agrários, entre o proprietário rural e o parceiro outorgado, quando este desenvolva seu trabalho direta e pessoalmente, ainda que com a ajuda dos membros da família;


IV – de cobrança de honorários decorrentes de exercício de mandato oneroso, exceto os que se qualifiquem como relação de consumo, nos termos da Lei n° 8.078, de 1990;


V – de cobrança de créditos de corretagem, inclusive de seguro, em face da corretora, em se tratando de corretor autônomo;


VI – de cobrança de honorários de leiloeiros, em faca da casa de leilões;


VII – entre trabalhadores portuários e operadores portuários ou o Órgão Gestor de Mão-Obra – OGMO; (sic)


VIII – entre empreiteiro e subempreiteiro, ou qualquer destes e o dono da obra, nos contratos de pequena empreitada, sempre que os primeiros concorrerem pessoalmente com seu trabalho para a execução dos serviços, ainda que mediante o concurso de terceiros;


IX – entre cooperativas de trabalho e seus associados;


X – de conflitos envolvendo as demais espécies de trabalhadores autônomos, tais como encanador, eletricista, digitador, jardineiro, dentre outros;


XI – decorrentes de assédio moral.


…………


Art. 2.° Ficam revogados os incisos III e V da alínea a do art. 652 do Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943.


Art. 3° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Sala da Comissão,


Diante da nossa sistemática constitucional, forçoso pois, concluir, que relação de trabalho na âmbito Constitucional tem, primeiro, o mesmo conceito de relação de emprego, ou seja, origina-se  do contrato de trabalho, conceituado como contrato onde há subordinação, isto é, onde um uma das figuras contratantes é o empregado, e a outra o empregador. Permite o legislador que, excepcionalmente, outras relações possam ser processadas na Justiça do Trabalho, desde que prevista na lei ordinária.


Não se pode aceitar, data maxima vênia, outros entendimentos que vem surgindo e que tem partido para uma aplicação totalmente subjetiva, a ponto de o intérprete concluir que somente se pode processar na Justiça do Trabalho questões em que haja pessoa física ou que relações de consumo devem ser discutidas aqui. É criar fundamento legal onde ele não existe.


Podemos concluir, que o legislador Constitucional utilizou o termo relação de trabalho, ora como sinônimo de relação de emprego, ora com  o significado de relação de trabalho em sentido lato, justamente para proteger e garantir o direito ao trabalho, que é fundamento do Estado democrático (art. 1°) e princípio da ordem econômica (art. 170). Competência é norma de ordem processual, e processo efetivo deve servir ao direito material. Portanto,  deve-se partir do entendimento de relação jurídica para se definir o órgão jurisdicional que estará incumbido de processá-la e julgá-la e não o inverso. As reformas visando a agilidade da resposta jurisdicional não pode servir para prejudicar aquele que reclama a tutela estatal.


Não se pode conviver com a insegurança jurídica e com os vários entendimentos que não permitem se ter uma uniformidade quanto a questão tão série que é a competência em razão da matéria. Devemos, pois, ser coerentes com a norma Constitucional e interpretá-la sem as paixões que movem nossa luta pela manutenção do Judiciário trabalhista.



Informações Sobre o Autor

Thereza Christina Nahas

Juíza do Trabalho Titular da 61ª Vara do Trabalho de São Paulo, Mestra em Direito Processual Civil pela PUC/SP e Doutora em Direito do Trabalho pela mesma Universidade. Professora Universitária em Direito Processual Civil na Fundação Álvares Penteado, Professora de Cursos de Pós-Graduação. Membro do Instituto Paulista de Magistrados. Membro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Membro da Asociación Iberoamericana de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social e do Instituto de Direito do Trabalho do Mercosul. Autora de livros publicados pelas editoras Atlas, LTr e Campus/Elsevier; Doutoranda em direito social pela Universidade Castilla de la Mancha (Espanha) e Pos Graduanda em Direito do Trabalho pela Universidade Clássica de Lisboa (Portugal).


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