Resumo: O presente trabalho tem como objetivo demonstrar que o juiz deve se manter inerte na busca da prova no processo penal. Não cabe um juiz instrutor, como no sistema inquisitório, em que pese ter havido algumas mudanças no código de processo penal em relação à prova. Uma delas está inserida no artigo 156, do Código de Processo Penal, a qual faculta ao juiz, de ofício, a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, revelando os resquícios do sistema inquisitório no processo penal. Assim, quer-se um juiz garantidor dos direitos e garantias fundamentais e para isso necessita-se que as partes tragam as provas aos autos. Desse modo, o juiz, com base nelas, e, no seu conhecimento, decidirá de forma que traga segurança ao processo penal. Ou seja, deseja-se um sistema acusatório aplicado efetivamente como deve ser e especialmente no que diz respeito às provas. Sendo assim, o juiz cumprirá seu papel em relação à prova no sistema acusatório penal.
Palavras-chave: Sistemas processuais penais; Sistema de apreciação de provas; O princípio da busca da verdade real; Inovações quanto à prova no Brasil; O papel do juiz no sistema acusatório penal.
Abstract: The present work aims to demonstrate that the judge must remain inert in search of proof in criminal proceedings. It is not for an instructor judge, as the inquisitorial system, despite having been some changes in the Criminal Procedure Code in relation to the test. One of them is inserted in Article 156 of the Code of Criminal Procedure, which authorizes the judge from office, the production of evidence deemed urgent and relevant, revealing the remnants of the inquisitorial system in criminal proceedings. Thus, if one wants to judge guarantor of fundamental rights and guarantees and it is required that the parties bring evidence before the Court. Thus, the judge, based on them, and in your knowledge, so decide to bring security to the criminal proceedings. An accusatory system applied effectively as it should be, and especially with regard to evidence ie want to be. Thus, the judge will fulfill its role in relation to evidence in criminal accusatory system.
Keywords: criminal procedural systems; System appreciation of evidence, the principle of seeking the real truth; Innovations as proof in Brazil; The role of the judge in the criminal adversarial system.
Sumário: 1. Introdução. 2. Os Sistemas Processuais Penias: Acusatório, Inquisitório e Misto. 3. Das provas. 4. O princípio da Busca da Verdade Real e o Sistema Atual. 5. A posição do juiz frente às inovações em relação à prova no Código de Processo Penal. 6. O papel do Juiz no Sistema Acusatório. 7. Considerações Finais. 8. Bibliografia.
Introdução
O presente artigo tem por objetivo discorrer acerca do papel do juiz em relação à prova no sistema acusatório penal. Para isso, começa-se a dissertação abordando-se o sistema processual penal que se divide em acusatório, inquisitório e misto. Refere-se, por oportuno, que no sistema acusatório está nas mãos do juiz apenas a atividade de julgar; a atividade probatória é das partes. Já no sistema inquisitório, o juiz além de julgar, acusa e vai em busca da prova. Por fim, o sistema misto é baseado no fato de haver um sistema inquisitório na fase de investigação policial e um sistema acusatório na fase processual.
Logo após, pronuncia-se sobre o sistema de apreciação de provas no direito processual penal brasileiro. Tal sistema subdivide-se em Ordálico, da prova legal, da livre convicção e da persuasão racional. O sistema Ordálico baseava-se no fato de haver um Deus que intervinha no julgamento e por isso as penas eram supersticiosas e cruéis. Para contrapor ao sistema anterior, surge o sistema da prova legal, no qual a prova era tarifada, ou seja, o juiz já sabia anteriormente qual pena aplicar para determinado caso concreto. Ainda, tem-se o sistema da livre convicção que se dá pelo fato de o juiz decidir de acordo com o seu foro íntimo, com suas convicções, sem mesmo atentar-se para as provas trazidas aos autos. Logo em seguida, vê-se o sistema da persuasão racional em que o juiz vai julgar os casos que lhes são impostos de forma fundamentada com a prova constante nos autos.
No terceiro capítulo, fala-se a respeito do princípio da busca da verdade real e o sistema atual. Refere-se que para este princípio, consagrado no direito processual penal, além de o juiz ir em busca da prova, tem-se que a verdade por mais que se queira absoluta é sempre relativa, porque jamais o juiz poderá obter a verdade objetiva, isto é, aquela que verifica o que efetivamente ocorreu.
No quarto capítulo, relata-se sobre a posição do juiz frente às inovações em relação à prova no código de processo penal. Trata-se das mudanças em alguns artigos do Código de Processo Penal e, em especial, do artigo 156 do Código de Processual que facultou ao juiz, de ofício, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, pois tais artigos ferem o sistema acusatório penal no sentido que permitem um juiz instrutor da prova, o que se contrapõe ao papel do juiz, que é de garantir um processo seguro, com base nas provas trazidas aos autos e garantir os direitos e garantias fundamentais. Discorreu-se também acerca do fato de os juízes estarem proferindo suas decisões em relação ao artigo 156, do Código de Processo Penal com base no decurso de tempo, questão que foi sumulada pelo STJ, para haver decisão concretamente fundamentada.
Por fim, no quinto capítulo disserta-se também acerca do papel do juiz no sistema acusatório. Esse capítulo baseia-se no fato de que deve o juiz buscar a sua imparcialidade e para isso não pode buscar a prova. Isto é, deve ser um juiz espectador, tomando decisões de acordo com a prova trazida nos autos pelas partes. Entretanto, não pode ser neutro a ponto de não tomar uma posição. Ele tem que ser um construtor da realidade e fazer seus julgamentos de acordo com sua vivência e conhecimento.
1. Os sistemas processuais penais: acusatório, inquisitório e misto
1.1.Sistema acusatório
O sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo substituído no século XVIII pelo sistema inquisitório. (LOPES JR.,2014, p.93) dispôs que naquele vigora a participação direta do povo no exercício da acusação e como julgador. Diferentemente desse que a acusação e julgamento passam a ficar nas mãos do juiz.
Tal sistema foi evidenciado na Grécia e surgiu como uma conquista dos cidadãos gregos em face do autoritarismo que sofriam.
Assim, (KALHED JR, 2013,16) enfatizou que a verdade foi concebida como mecanismo de contenção do poder punitivo e não como recurso argumentativo apto a fundamentar práticas persecutórias arbitrárias.
Ainda, importante ressalvar que em Roma também se deu o sistema acusatório penal. Desse modo, (KALHED JR, 2013, 24) disse que de forma semelhante ao contexto grego, a insatisfação com a incidência arbitrária do poder punitivo potencializou uma abertura, criando espaço para o surgimento de um processo com características acusatórias: a accusatio.
Retirando bases da Grécia e da Roma, pode-se dizer que em relação às características do sistema acusatório tem-se:
“a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar; b) a iniciativa probatória deve ser das partes ( decorrência lógica da distinção entre as atividades) ;c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo; d) tratamento igualitário das partes(igualdade de oportunidade no processo); e)procedimento é em regra oral (ou predominantemente); f) plena publicidade de todo o procedimento ( ou de sua maior parte); g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa); h)ausência de uma tarifa probatória,sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional; i) instituição, atendendo a critérios de segurança pública (e social) da coisa julgada; j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição”. (LOPES JR., 2014, p.95)
Pode-se dizer que o sistema acusatório visa à imparcialidade do juiz que irá julgar, já que, conforme (COUTINHO, 2001, p.37) a gestão da prova está caracterizada por não estar nas mãos dos juízes, mas ser confiada às partes, fato esse que faz com que o juiz seja apenas destinatário da prova e não a produza, evitando a antecipação da formação do juízo.
Portanto, vê-se que tal sistema conduz a um processo penal democrático, porque o juiz não está comprometido com a prova, já que não tem conhecimento dela, o que inspira na sociedade uma base de confiança.
Ocorre que devido à inatividade das partes em relação a este exercício de acusação, os juízes começaram a tomar para si cada vez mais as atribuições das partes, originando o que veio a se chamar de sistema inquisitório.
1.2. Sistema inquisitório
O sistema inquisitório nasce no seio da Igreja Católica. Assim, para garantir a segurança, as populações amoldaram-se em feudos, estrategicamente estabelecidos em montanhas.
Segundo (KHALED JR, 2013, p.42) tratou-se do fenômeno de recepção e difusão do direito romano-canônico, do qual a Inglaterra foi a única exceção na Europa.
A vida medieval, como disse (COUTINHO, 2001, p.19) girava em torno do feudo e, nele, para além de suseranos e vassalos, contavam sobremaneira cavaleiros ( o braço armado do poder) e clérigos, a inteligência possível, dada a inacessibilidade aos meios de informação, por parte da população.
A Igreja passa a ser um dos meios mais importantes do poder e adota primeiramente tal sistema, pois como aliada do poder, acabava mantendo em suas mãos também as atividades do judiciário.
O juiz, portanto, abandona a função de ser imparcial e passa a ter a atividade de inquisidor.
Nesse sentido, cabe referir o que Coutinho relatou:
“O controle direto do processo penal pelos clérigos exclui, por conveniência, um órgão acusador: o actus trium personarum já não se sustenta. Ao inquisidor cabe o mister de acusar e julgar, transformando-se o imputado em mero objeto de verificação, razão pela qual a noção de parte não tem nenhum sentido. A superioridade do juiz, à evidência, é nítida ( mas lógica, na estrutura do sistema), até porque o desencadeamento e o impulso processual é atribuição sua, o que pode ser evidenciado, entre outras coisas, a partir do fato de fixar tanto o thema probandum quanto o thema decidendum. Estabelece-se, assim, uma característica de extrema importância a demarcar o sistema, enquanto puro, ou seja, a inexistência das partes, no sentido que hoje emprestamos ao termo.” (COUTINHO., 2001, p.23)
Ainda, no mesmo sentido, merece relato:
“Da mudança da lógica dos desafios de habilidade para a lógica de uma racionalidade interrogatória movida por anseios de persecução de acordo com interesses eclesiásticos e/ou régios nasceu a maior maquinaria sistêmico-processual de produção patológica da verdade que o mundo já conheceu: o processo inquisitório, cujas marcas se fazem sentir nas práticas penais até os dias atuais.” (KALHED JR , 2013, p.43)
No que se refere à gestão da prova, o juiz tem a função de recolhe-la, bem como de julgá-la. Há quem diga ser a vantagem desse sistema o fato de o juiz já saber de antemão a verdade dos fatos.
Transcreve-se por sua importância:
“Busca-se a verdade absoluta que não é construída, senão dada pelos concílios, encíclicas e outros instrumentos nascidos sob a assistência divina. Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição. A lógica inquisitorial está centrada na verdade absoluta e, nessa estrutura, a heresia era o maior perigo, pois atacava o núcleo fundante do sistema”. (LOPES JR, 2014, p.100)
Havia espaço para a tortura no interrogatório para a busca da confissão. O juiz não poderia absolver, mas sim dizer que nada foi provado contra o réu e a prisão cautelar passa a ser regra geral, pois o inquisidor precisa do corpo do indiciado..
Tal sistema, portanto, foi importante para a época pela qual foi imposto, mas acabou sendo contraditado, porque possibilidade de uma única pessoa, investigar, acusar, defender e julgar.
1.3. Sistema misto
Segundo (COUTINHO, 2001, p.39) os sistemas acusatórios e inquisitório não podem conviver.
Portanto, passou-se a haver a necessidade de dividir o processo em fases para que houvesse a titularidade absoluta do Estado no que se refere ao julgamento de processos e o domínio das atividades de acusar nas mãos dos particulares.
Então, surge o Ministério Público que segundo (LOPES Jr., 2014, p.104) é uma parte fabricada. Surge da necessidade do sistema acusatório e garante a imparcialidade do juiz.
Ora, por haver tamanha inatividade das partes privadas no ingresso de ações penais no sistema acusatório, surgiu o sistema inquisitório em que o juiz tinha todas as faculdades: de acusar, julgar, investigar e defender uma pessoa.
Então, necessário se fez o surgimento do Ministério Público como titular da ação penal pública, como também da ação penal subsidiária da pública para defender as partes e ingressar com ações, cujos crimes a elas pertinentes estão definidos em lei.
Em verdade, o que aconteceu foi a divisão do processo penal em duas fases: a pré-processual, que se daria no inquérito policial como fase inquisitiva e a processual que ocorreria no processo como fase acusatória.
( LOPES, JR, 2014, p.104) afirma que historicamente,o primeiro ordenamento jurídico que adotou esse sistema misto foi o francês no Code d’Instruction Criminalle de 1808, pois foi pioneiro na cisão das fases de investigação e juízo. Posteriormente, difundiu-se por todo o mundo e na atualidade é o mais utilizado.
Para alguns autores como Aury Lopes Jr o sistema peca, porque a divisão em fases é insufuciente para sua caracterização. Para o renomado autor somente com o juiz afastado do papel das partes, ou seja, da produção de provas é que temos a possibilidade de termos um juiz imparcial.
Criticando o sistema misto e o inquérito policial inquisitivo Coutinho dispôs que:
“O inquérito policial ao qual cabe dar conta a primeira fase da persecução penal. Sem embargo de não ser menos ruim que o chamado juizado de instrução (ambos são inquisitoriais: e aí está o defeito!), tem grande desvantagem de ser administrativo e, de consequência, inviabilizar a extensão , para si, do contraditório, até porque a CF de 88 só o impôs como um direito individual quando houvesse processo: art.5º,LV, o que não é o caso, a não ser que se force a situação , mesmo porque, na prática, não se precisa frequentar delegacias de polícia para se verificar sua inviabilidade.A solução, repito, parece estar na superação da estrutura inquisitória e, para tanto, há de se dar cabo do inquérito policial, não para introduzir-se (como ingenuamente querem alguns menos avisados)o chamado juizado de instrução (juízes ou promotores de justiça, como parece primário e demonstrou a história, não serão menos inquisidores que as autoridades policiais: basta estar naquela situação!, mas para, aproximando-se da essência acusatória, permirtir-se tão-só uma única instrução, no crivo do contraditório.” (COUTINHO, 2001, p.41)
Por isso, então, a crítica ao sistema, porque não basta a separação do processo em fases pré-processual e processual, mas deve haver a iniciativa probatória sempre na mão das partes ou do Ministério Público para se garantir a imparcialidade do juiz.
Nesse sentido, então, Coutinho propõe uma única fase em que haja a instrução com contraditório e ampla- defesa.
Diz (LOPES JR, p.92) predominar para a doutrina brasileira o sistema misto.
2. Das provas
2.1. Sistema de apreciação de provas
Como acima referido, as partes e o Ministério Público produzem as provas para que elas sejam valoradas pelo juiz. Deve o magistrado afastar pré-julgamentos para não incorrer em erro.
Ocorre que nem sempre na história o juiz valorava as provas com imparcialidade, ou seja, ao longo dos séculos o processo conheceu vários sistemas de valoração da prova dependendo dos diferentes costumes e circunstâncias históricas do povo.
2.1.1Sistema ordálico ou dos ordálios
Apregoa este sistema que os ordálios ou juízes de Deus se baseavam na crença de que o ente divino intercedia no julgamento. Baseava-se na ignorância ou superstição e unia à crueldade de várias de suas provas e à irracionalidade de todas elas.
Assim, temos como exemplos dessas provas:
“Havia a prova da água fria: jogado o indiciado à água, se submergisse, era inocente, se viesse à tona, era culpado. A do ferro em brasa: o pretenso culpado, com os pés descalços, teria de passar por uma chapa de ferro em brasa. Se nada lhe acontecesse, era inocente; se queimasse, sua culpa era manifesta”. (TOURINHO FILHO,2010, p.270)
O julgamento, portanto, era destituído de qualquer averiguação acerca dos fatos que constituíssem o delito imputado ao acusado.
Nesse sentido, cabe relatar:
“Tal sistema é evidentemente fundado em crenças supersticiosas e desvinculadas de racionalidade e da busca pela verdade dos fatos, relacionando-se historicamente ao período da Idade Média, em especial naquelas localidades da Europa Ocidental- a cujo desenvolvimento o direito brasileiro deve sua origem”. ( BONFIM, 2011, p.370)
2.1.2. Sistema da prova legal
Surgiu a necessidade da busca pela verdade para se evitar os absurdos dos julgamentos no sistema acima referido.
Observou-se, então, o sistema de prova tarifada em que o juiz já sabia de antemão como iria julgar.
Cabe relatar:
“Nesse sistema, o juiz não tinha qualquer liberdade na apreciação da prova, que era pré-valorada na própria lei. Assim a legislação processual fixava uma hierarquia entre os meios de prova. Nesse contexto, a confissão, por exemplo, recebia maior valor.” (BONFIM, 2011, p.371)
Ainda, valorava-se o maior número de testemunhas. Quanto maior, melhor e não poderia se levar em conta provas que não estivessem nos autos.
2.1.3. Sistema da livre convicção (prova livre ou íntima convicção)
Trata-se de um sistema contrário ao das provas legais, pois aqui o juiz pode julgar com bases eminentemente pessoais, não se valendo de provas trazidas aos autos. Ele decide com a sua convicção íntima, sem necessidade de fundamentar a sua decisão. No Brasil, temos este tipo de julgamento nos tribunais do júri.
2.1.4. Sistema da persuasão racional (livre convencimento motivado)
Vale lembrar que este sistema é o adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro à exceção do tribunal do júri, como acima relatado.
A Constituição Federal dispõe que todos os julgamentos do poder judiciário serão públicos e fundamentadas todas as suas decisões.(ART,93,IX, CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
O código de processo penal da mesma forma refere que:
“O juiz firmará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”. (ART.155, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL)
Portanto, vê-se que nesse sistema o juiz vai fundamentar suas decisões de acordo com a prova constante nos autos, de forma independente de qualquer tarifação legal.
Ainda, poderá fundamentar suas decisões com base em prova colhida na fase de investigação policial sem o contraditório, desde que não de forma exclusiva.
3. O princípio da busca da verdade real e o sistema atual
Este princípio diz que o Ius puniendi só pode ser exercido contra aquele que praticou a infração penal e nos limites de sua culpa.
Cabe referir que (NUCCI,2011,p..55) disse ser a análise desse princípio iniciada pelo conceito de verdade, que é sempre relativa, até findar com a conclusão de que há impossibilidade real de se extrair, nos autos, o fiel retrato do crime.
Ainda, no mesmo sentido:
“Jamais o processo pode assegurar o juiz ter alcançado a verdade objetiva, aquela que corresponde perfeitamente com o acontecido no plano real. Tem, isto sim, o magistrado uma crença segura na verdade que transparece através de provas colhidas e, por tal motivo, condena ou absolve”. (NUCCI, 2011, P.55)
Ou seja, buscar a verdade real faz com que o juiz fique contrário à passividade.
Nesse sentido, importante asseverar:
“(…) a verdade correspondente não pode ser demonstrada através da atividade probatória, pois a correspondência está para além das forças dos rastros analógicos do passado; Ser-como e Não ser não expressam correspondência, mesmo sob a forma relativa. Por outro lado, quando o ideal de correspondência é conjugado com a concessão de poderes para que o juiz persiga a verdade, temos a expressão mais violenta da noção de verdade correspondente que nos propomos a desconstruir no presente estudo, uma vez que permite fundamentar toda uma concepção autoritária de processo penal que opera a partir de uma epistemologia nitidamente inquisitória.(…)” ( KHALED JR, 2014, p.372) .
O princípio da verdade real que predomina no processo penal significa que o juiz deve buscar as provas tanto quanto as partes, o que não ocorre à verdade formal que baseia o processo civil em que o magistrado fica inerte esperando as provas carreadas nos autos para poder decidir.
Temos como exemplo no processo penal o seguinte: o juiz, quando julgar necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes ( ART.209, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL); se o juiz tiver notícia da existência de documento relativo a ponto relevante da acusação ou da defesa, providenciará, independentemente de requerimento de qualquer das partes, para sua juntada aos autos, se possível ( ART.234, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL); a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado, ao juiz de ofício: I- ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II- determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir a sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante ( ART.156, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL e INCISOS)
Com isso, vê-se que embora o mais democrático seja haver um sistema acusatório penal em que a gestão da prova está na mão das partes e do ministério público, tem-se com os artigos acima relatados e pela busca da verdade real no processo penal, que o direito processual penal está perpretado por um juiz inquisidor, o que vai de encontro com que se busca.
Nesse sentido:
“A partir da adoção dessas premissas, um paradigma oriundo da filosofia da consciência e de sua crença desmedida na capacidade do homem para aprender a essência do real continua oferecendo a possibilidade de legitimação do ilegitimável: a continuidade velada da epistemologia inquisitória de busca de verdade e persecução do inimigo nas práticas punitivas contemporâneas”. (KHALED JR, 2014, p.374)
Trago à colação o entendimento de (NUCCI, 2011, p.57)
“(…) Não questionamos que a verdade é una e sempre relativa, consistindo busca inviável, no processo, encontrar a realidade dos fatos tal como ocorreram. A verdade é apenas uma noção ideológica da realidade, motivo pelo qual o que é verdadeiro para uns não o é para outros. O que a distinção almeja atingir é a demonstração de finalidades diversas existentes nos âmbitos civil e penal do processo. Enquanto na esfera cível o magistrado é mais um espectador da produção da prova, no contexto criminal, deve atuar como autêntico coparticipe na busca dos elementos probatórios”.
4. A posição do juiz frente às inovações em relação à prova no código de processo penal
O Código de processo penal em relação à prova previu que a prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juíza de ofício: I- ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida. (ART.156, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL).
“(…) O artigo 366, do Código de Processo Penal refere que se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada de provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disosto no art.312”. (ART.366, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL).
Além dos artigos supracitados, houve alterações segundo à lei 11.690/08 nos artigos 155,157,158,201,210,212 e 217. (GIACOMOLLI, 2008, p.18) assevera que continuou, o legislador de 2008, a trilha do modelo inquisitorial que serviu de base ao processo penal da década de quarenta.
Ademais, (GIACOMOLLI, 2008, p.22) disse que o art.155 do CPP, ao permitir que o magistrado fundamente sua decisão, mesmo que subsidiariamente, em atos de investigação, e não em atos de prova, representa uma afirmação de inspiração inquisitorial de processo penal.
Entretanto, sabe-se que mesmo o juiz atuando na fase pré-processual ou de ofício deve exercer a sua jurisdição de maneira muito limitada.
Segundo (LOPES JR, 2014, 281) o perfil ideal do juiz não é como investigador ou instrutor, mas como controlador da legalidade e garantidor do respeito aos direitos fundamentais.
Desse modo, não poderá também se utilizar do interrogatório como meio de prova na fase de inquérito, pois não é de sua competência este procedimento.[1]
Nesse sentido, importa referir:
“Pensando no contexto contemporâneo, Morais da Rosa afirma que “a pseudoprova produzida no Inquérito Policial” somente pode servir para análise da condição da ação, ou seja, dos elementos necessários para o juízo de admissibilidade positivo da ação penal. Parece claro que o conhecimento produzido na etapa preliminar não passou pelo crivo do contraditório; seu destinatário é o órgão acusador e juiz sequer deve tomar contato com ele. No entanto, apesar dessas considerações, os resquícios de signo autoritário do sistema misto ainda permeiam o processo contemporâneo, permitindo que os elementos da etapa preliminar valham para a formação de convicção do magistrado e fundamentação da sentença.” (KHALED JR, 2013, p.130)
Portanto, para que haja independência do poder judiciário o juiz deve ser garantidor dos direitos e garantias fundamentais inseridas na Constituição Federal de 1988.
Assim, em que pese haja as inovações nesses artigos que permitem que o juiz atue de ofício, como no caso da prova, que ordene a produção de provas consideradas urgentes e relevantes, deve invocar sua atuação à prévia invocação do MP, da própria polícia ou do sujeito passivo.
Portanto, não pode ele também realizar como meio de prova o interrogatório na fase de inquérito policial.
Nesse sentido, importa acrescentar:
“(…) Nenhum problema existe na produção antecipada de provas na fase pré-processual, mas desde que o juiz atue como julgador, mediante prévia e fundamentada invocação do Ministério Público. Não como juiz inquisidor, atuando de ofício e produzindo sua própria prova!” (LOPES JR, 2014, p.282)
Cabe referir que com base na produção antecipada da prova os juízes vinham proferindo decisões justificando-as com base no mero decurso do tempo.
Então, o STJ sumulou a questão, através da súmula 455, decidindo que a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art.366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando o mero decurso do tempo.
Alguns julgados serviram de base para a súmula acima citada[2].
Desse modo, tem-se que a posição do juiz frente às inovações do código de processo penal é de garantidor. Deve, ainda, utilizar-se do MP e das partes para tomar suas decisões e ainda deve fundamentá-las de forma concreta.
5. O Papel do juiz no sistema acusatório
Como já verificado no sistema acusatório o juiz não pode instruir o processo, ou seja, não está em suas mãos o poder de acusação, mas somente o decisório.
Ou seja, o sistema inquisitório é contrário à democracia e mesmo que seja considerado compatível com o sistema acusatório, assim como citado anteriormente nos artigos que admitem tal desiderato no processo penal, não pode viger no atual sistema.
Portanto, a função do juiz é a de julgar.
O juiz não pode ter uma atividade proativa em busca da prova, senão estaria comprometida toda sua imparcialidade.
Nesse sentido:
“Não podemos considerar as posições que toleram o comprometimento da imparcialidade do juiz dentro de um sistema acusatório- seja qual for a nomeclaura atribuída- como mais do que eufemismos para uma estrutura de caráter majoritariamente inqusitório e, logo,antidemocrático.” (KHALED JR, 2013, p.155)
A busca da prova pelo juiz seria danosa ao acusado.
Isso porque como afirma (KHALED, 2013, p.151) a atividade de busca da prova desconsidera completamente o in dúbio pro reo, uma vez que na dúvida o juiz parte em busca de provas, que só podem ter a finalidade de obter a condenação do réu.
O juiz não poderá em busca da verdade real trazer a prova ao processo.
Assim, merece transposição:
“(…) Concebemos a prova como uma exigência imposta ao acusador, sobre o qual recai a carga de provar a culpa; ao acusado não cabe carga alguma, assim como ao juiz, que deve zelar pelo devido processo legal, como é esperado de uma estrutura de contenção do poder punitivo.” (KHALED JR, 2013, p.152)
Ou seja, a prova deve ser trazida aos autos pelas partes e há necessidade de demonstração inequívoca, robusta e convincente ao juiz para que ele emita seu juízo.
O objetivo da prova no processo é das partes demonstrarem a veracidade de suas alegações e convencer o julgador da sua razão ou falta de razão diante da inexistência de provas.
Cabe referência o seguinte:
“A situação processual penal informa a existência de várias hipóteses no processo (máquina retrospectiva, segundo Cordero), formuladas desde a fase pré-processual, as quais necessitam de comprovação nos autos. A decisão se origina da demonstração das hipóteses (hypothesis – hypo e thesis), das suposições, do que foi cogitado nos autos, mas conforme a crença do julgador; a decisão contempla aquilo que o julgador acreditou ser o mais provável. Não há um juízo de verdadeiro ou falso, de verdade, mas de probabilidade (probabilem). Há a emissão de um juízo de aprovação de determinada hipótese, em detrimento de outras, não críveis ou menos críveis, com afastamento dos argumentos probatórios menos seguros. Por isso, o juízo condenatório há de afastar todas as hipóteses (thesis, teses) na reação (defesa), para ser validamente fundamentada (art.93, IX, CF) e republicanamente aceita (art.1º da CF).” (GIACOMOLLI, 2008, p.24).
O juiz, portanto, deve manter-se afastado da atividade probatória. Conforme ( LOPES JR, 2014, p.172), a figura do juiz-espectador em oposição à figura inquisitória do juiz-ator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório. A contaminação resultante dos “pré-juízos” conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva.
Salienta-se que a imparcialidade subjetiva é aquela que se dá entre juiz e as partes e a imparcialidade objetiva é aquela constituída quando o juiz ainda não formou nenhum juízo prévio sobre a causa em questão seja no processo em debate ou em qualquer outro.
Assim, vê-se que o artigo 156, do Código de Processo Penal e os outros já citados em capítulos anteriores no que dizem respeito à prova são problemáticos, porque não comprometidos com o sistema acusatório.
Ainda, menciona-se que o juiz diante da imparcialidade não pode apenas ser a boca da lei, ele deve julgar também de acordo com as provas e com sua base de conhecimento.
Desse modo, salienta-se:
“O juiz não é mero “sujeito passivo” nas relações de conhecimento. Como todos os outros seres humanos, também é construtor da realidade em que vivemos, e não mero aplicador de normas, exercendo atividade simplesmente recognitiva. Além do mais, como parece sintomático, ele, ao aplicar a lei, atua sobre a realidade, pelo menos, de duas maneiras: 1º, buscando reconstruir a verdade dos fatos no processo e, 2º, interpretando as regras jurídicas que serão aplicadas a esse fato ou, em outras palavras, acertando o caso que lhe é posto a resolver”. (COUTINHO, 2001, p.46)
O juiz, assim, deve ser imparcial, mas também tem que assumir com fundamentação o seu ponto de vista.
Ademais, merece relato:
“Em outras palavras: democracia –a começar a processual- exige que os sujeitos se assumam ideologicamente. Por esta razão é que não se exige que o legislador, e de consequência o juiz, seja tomado completamente por neutro, mas que procure, à vista dos resultados práticos do direito, assumir um compromisso efetivo com as reais aspirações das bases sociais. Exige-se não mais a neutralidade, mas a clara assunção de uma postura ideológica, isto é, que sejam retiradas as máscaras hipócritas dos discursos neutrais, o que começa pelo domínio da dogmática, apreendida e construída na base da transdiciplinariedade. O novo juiz, ciente das armadilhas que a estrutura inquisitória lhe impõe, mormente no processo penal, não pode estar alheio à realidade; precisa dar uma “chance” ( questionando pelo seu desejo) a si próprio, tentando realizar-se; e a partir daí aos réus, no julgamento dos casos penais. Acordar para tal visão é encontrar-se com seu novo papel.O juiz não é mero “sujeito passivo” nas relações de conhecimento”. (COUTINHO, 2001, pags.46,47 e 48)
Desse modo, vê-se que o juiz, no processo penal, deve ser imparcial como base do sistema acusatório penal e não pode jamais ir em busca da prova a fim de que não se retire sua imparcialidade, mas deve sim atuar com base em seus preceitos e não ficar inerte, neutro em relação às suas bases de conhecimento, porque o juiz é um “construtor da realidade”.
Considerações finais
Pelo acima exposto, foi possível constatar que o Direito Processual Penal necessita de mudanças no que se refere às questões de prova. Em que pese necessário prevalecer no Direito Brasileiro o sistema processual acusatório, mostrou-se durante este artigo que há muitos resquícios nas questões que dizem respeito à prova do sistema inquisitorial no direito processual brasileiro.
Desse modo, vê-se que o papel do juiz em relação à prova no ordenamento jurídico brasileiro está deturpado, uma vez que ele não consegue se manter apenas inerte na busca da prova. Assim, verifica-se o artigo 156 do referido diploma lhe faculta de ofício a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes. Além de alguns entenderem que ele pode se utilizar das provas colhidas em inquérito policial na fase processual.
Consequentemente, não se necessita de um novo sistema processual penal, mas da efetiva aplicação do sistema acusatório para que mantenhamos o juiz na condição de imparcialidade, porque um juiz que busca a prova não é imparcial.
Ademais, refere-se que em busca da verdade real não deve o juiz ir atrás da prova a qualquer custo, mas sim ficar na sua posição de garantidor dos direitos e garantias fundamentais.
Portanto, foi perquirido com o presente trabalho que para que um juiz imparcial necessita-se de sua inércia a fim de que ele possa decidir através das provas trazidas aos autos pelas partes, como também em seus conhecimentos, agindo como um juiz construtor da realidade.
Advogada desde 2005. Especialista em Direito Processual Civil pela UNIDERP
Advogados desde 2003.Trabalha na empresa Vellinho Soares Signorini e Moreira advogados associados. Especialista em Direito do Trabalho pela Faculdade de Ciências Sociais de Florianópolis e CETRA
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