Resumo: O presente artigo apresenta algumas noções gerais sobre o termo “comércio” e “comércio internacional”, bem como um breve apanhado em torno de dois importantes acordos na história do desenvolvimento do comércio internacional: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) e o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS). Posteriormente, se trabalha especificamente com os conceitos de barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias, trazendo-se alguns exemplos de aplicações mascaradas e também de superações de barreiras no comércio internacional pela República Federativa do Brasil. Se demonstra que, apesar de o livre comércio ser objetivo a ser alcançado pelo Brasil, esse objetivo deve estar sempre caminhando ao lado de uma agenda para o desenvolvimento sustentável onde se contemplem verdadeiramente os interesses de países desenvolvidos e em desenvolvimento com base na equidade.
Sumário: Introdução. 1. Noções gerais sobre comércio e comércio internacional. 1.1. Do acordo geral sobre tarifas e comércio – gatt. 1.2. Do acordo geral sobre o comércio de serviços. 2. Apontamentos sobre as barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias. Considerações finais. Considerações finais
INTRODUÇÃO
É possível definir a expressão liberdade de comércio, tomando-se o caminho inverso, ou seja, questionando-se sobre o que seria o oposto dessa realidade? A resposta é simples: não existe plena liberdade de comércio quando as nações envolvidas nas transações comerciais adotam barreiras.
Assim sendo, esse é o pressuposto básico que orienta o desenvolvimento do presente artigo que tem por objeto trazer considerações sobre o sistema multilateral de comércio e a questão do protecionismo através das barreiras que obstaculizam o livre comércio, desde a perspectiva brasileira.
1. NOÇÕES GERAIS SOBRE COMÉRCIO E COMÉRCIO INTERNACIONAL
Antes de adentrar no estudo das barreiras comerciais tarifárias e não tarifárias, faz-se necessário proceder a um apanhado geral quanto ao conceito e aspectos gerais do comércio e do comércio internacional no mundo globalizado.
Segundo Requião (1991, p. 4), o comércio é fato social e econômico, que consiste na atividade humana de colocar em circulação a riqueza produzida, aumentando a sua utilidade.
É fato social, pois, além da circulação de riquezas – com caráter eminentemente econômico – o comércio pressupõe uma aproximação humana, a oportunidade de se aprender sobre a cultura alheia e a necessidade de se respeitar as diferentes normas de conduta, de acordo com cada cultura. Por isso, Say (apud NAKAYAMA, 2005, p. 140) já afirmava que comércio é “troca e aproximação”.
O comércio pode envolver a circulação de mercadorias (bens corpóreos destinados ao comércio) ou, como vem se intensificando desde a década de 80, contemplar a circulação de serviços (bens incorpóreos). Neste sentido, recorde-se que a nomenclatura “comércio de serviços” surgiu pela primeira vez no relatório de peritos da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (1972) em substituição à expressão “transações com invisíveis”, até então utilizada.
Por outro lado, entende-se por “comércio internacional”, o conjunto das operações de comércio externo, ou seja, daquelas operações que envolvem a circulação de bens ou serviços, entre agentes econômicos localizados em diferentes Estados ou em espaços econômicos integrados. (NAKAYAMA, 2005).
Assim sendo, o comércio internacional, este desenvolveu-se especialmente, a partir do final da segunda guerra mundial com as negociações travadas no âmbito do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT), tendo por objeto, essencialmente, a circulação de bens corpóreos, sujeitos à passagem física transfronteiriça. A estes efeitos, ensina Amaral (2005, p. 119) que:
Sob essa ótica, nasceu, em Bretton Woods, poucos anos após o final do mais sangrento conflito da história humana, o Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT) 1947, voltado à liberalização do comércio de mercadorias, em um mundo então acostumado a lastrear o seu desenvolvimento econômico em bens corpóreos – sujeitos, portanto, à passagem física pelas fronteiras.
Com o final da segunda guerra mundial, que resultou dentre outras perdas à humanidade, em um continente devastado e dividido, algumas teorias liberalistas ocidentais foram se desenvolvendo, considerando o comércio internacional e a integração dos mercados, como um eficiente instrumento para a pacificação das relações entre os países e para o crescimento econômico dos países europeus, sem a necessidade de processos bélicos altamente destrutivos (AMARAL, 2005).
Devido às suas tendências de aproximação, como já referido, o comércio internacional foi visualizado como um instrumento hábil a proporcionar a pacificação das relações entre os países e para o crescimento econômico.
Conforme se analisa o processo de reconstrução da Europa destruída, Jean Monnet, conhecido mundialmente como o pai da unificação européia, defendeu a derrubada de barreiras comerciais entre os países como fator imprescindível para o desenvolvimento econômico e social da Europa ocidental, chegando a sustentar que “não haveria paz na Europa se os Estados fossem reconstituídos, ao final da guerra, com base na soberania nacional concebida à luz do envelhecido Estado-nação” (apud AMARAL, 2005, p. 118).
Por outro lado, recorde-se igualmente que o pacto federativo da Constituição Americana de 1.789 também serviu de suporte para o alastramento de ideais liberais, favoráveis à ampliação de mercados e eliminação das barreiras ao trânsito de pessoas e capitais, abertura que em grande parte, foi responsável pela ampliação do domínio econômico dos Estados Unidos nos séculos XIX e XX (AMARAL, 2005, p. 119).
Na mesma época, a divisão de mercados de acordo com interesses comuns resultou na regionalização das economias, na formação de blocos comerciais e, via de conseqüência, intensificou a chamada globalização (AMARAL, 2005, p. 119).
Por sua parte, Nogueira (2000, p. 6-13), trata da globalização como um conceito incerto e desconhecido, que se identifica mais pelos efeitos do que pelas suas causas ou origens. Sem prejuízo das diferentes concepções sobre o fenômeno da globalização, parte das abordagens doutrinárias, diagnosticam na globalização “uma nova espécie de dominação, em escala mundial, que surge acima das instituições tradicionais, em especial do próprio Estado: a ditadura do mundo financeiro internacional” (NOGUEIRA, 2000, p. 10).
Já outros autores, anota Nogueira (2000, p. 27), sustentam que o profetizado “declínio do generalizado do Estado” seria um mito, recusado-se a aceitar a idéia de que predominaria no mercado global empresas “transnacionais” que operam sem lealdades nacionais, acima das fronteiras”.
Independentemente da abordagem adotada quanto à problemática da globalização, é assente o entendimento de que na atualidade, grande parte do comércio internacional se faz entre empresas vinculadas e que, a partir das transformações no comércio mundial, o Estado assume uma nova configuração, diversa do modelo nacional: “Esses novos estados, impulsionados e controlados pelos grandes grupos econômicos e financeiros, transpõem suas fronteiras e passam a exercer seu domínio sobre outros Estados, notadamente os classificados como subdesenvolvidos, emergentes e periféricos” (NOGUEIRA, 2000, p. 29).
Amaral (2005, p. 119) vislumbra na globalização uma opção política de eliminação das fronteiras nacionais e das barreiras comerciais, decorrente do entendimento de que a integração e cooperação internacional das nações são mais favoráveis no cenário de interdependência do mundo atual. Logo, é inquestionável a importância do comércio internacional, principalmente para os países em desenvolvimento, pois conforme assevera Requião (apud KAKAYAMA, 2005, p. 141), o comércio “civiliza as nações, enriquece os povos e constitui poderosas as monarquias, que se arruínam com a sua decadência e abatimento de cultura; mas é preciso que nele se pratique com mútua fidelidade. A alma do comércio consiste na liberdade”.
De conformidade com este entendimento internacional, importantes tratados e acordos multilaterais foram firmados a partir do pós-segunda guerra, visando reduzir as barreiras comerciais e garantir as práticas comerciais livres e leais entre as nações.
1.1. Do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT
Assim sendo, com vistas a sistematizar e institucionalizar o comércio internacional através da criação de uma organização que se encarregasse da contínua liberalização em escala mundial, foi lançada a idéia da criação da Organização Internacional do Comércio.
Resumidamente, registre-se que tal organização internacional não viu juridicamente a luz, pois as tratativas internacionais resultaram em um Acordo paradigmático que norteou o comércio internacional até o surgimento da atual Organização Mundial do Comércio (OMC) em 1995.
Desta maneira, o citado acordo denominado de Acordo Geral de Tarifas e Comércio (traduzido para o inglês: General Agreement on Tariffs and Trade, GATT), foi assinado em 1947, entre os Governos da Comunidade da Austrália, do Reino da Bélgica, dos Estados Unidos do Brasil (atual República Federativa do Brasil), da Birmânia, do Canadá, do Ceilão, da República do Chile, da República da China, da República Cuba, dos Estados Unidos da América, da República Francesa, da Índia, do Líbano, do Grão Ducado de Luxemburgo, do Reino da Noruega, da Nova Zelândia, do Pakistan, do Reino dos Paises-Baixos, da Rodésia do Sul, do Reino-Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, da Síria, da República Tchecoslovaca e da União Sul-Africana. Entrou em vigor em 1º de janeiro de 1948.
As principais convenções inseridas no GATT (1947) diziam respeito: ao tratamento geral de nação mais favorecida e provisões sobre as concessões tarifárias (lista de concessões); tratamento nacional no tocante à tributação e regulamentação internas; e não-discriminação, sendo que todas foram incorporadas quando da criação da OMC.
Note-se que o GATT foi assinado entre os 23 países fundadores, visando alcançar a “redução substancial das tarifas aduaneiras e de outras barreiras às permutas comerciais e à eliminação do tratamento discriminatório, em matéria de comércio internacional” (GATT, 1947). Como se percebe dos termos do Acordo, tratava-se, à época, de objetivos de liberalização do comércio de mercadorias.
Amaral (2005, p. 123) esclarece que, apesar de diversas falhas estruturais e de inúmeras válvulas de escape que permitiam fugir do enquadramento de suas cláusulas, o GATT surtiu importante efeito na abertura do comércio internacional, visto que em 1950, a carga tributária incidente sobre as importações de produtos manufaturados despencaram de 40% (alíquota média), para aproximadamente 25% e, em 1995 (no quadro da OMC) para 5%.
Desde 1947 até 1994, ocorreram oito ciclos de negociações multilaterais do GATT (Rodadas do GATT), sendo que em 1994 se encerrou a longa Rodada do Uruguai (1986/1994) em Marrakech, com o acordo de criação da OMC. Cumpre esclarecer ainda, que a grande maioria das negociações realizadas sob a moldura do GATT versavam sobre concessões tarifárias.
Entretanto, apesar das inegáveis vantagens comerciais alcançadas pelo GATT, as práticas protecionistas seletivas por parte dos países desenvolvidos não foram neutralizadas. Assim, Lafer (apud AMARAL, 2005, p. 124) afirma que no final dos anos 50 já se identificava no âmbito do GATT sérios problemas enfrentados pelos países mais pobres, dentre os quais:
“a) discriminação quanto à origem; b) discriminação quanto ao grau de processamento industrial dos produtos; c) discriminação quanto a restrições quantitativas; d) discriminação quanto ao nível das alíquotas dos tributos internos dos países desenvolvidos incidentes sobre produtos tropicais (como chá, café e cacau); e) discriminação em função de práticas restritivas de órgãos governamentais de países desenvolvidos encarregados de certos monopólios e/ou atividades de importação e comercialização (como fumo).”
Vale destacar que com o surgimento da OMC, esta organização internacional incorporou os principais princípios do GATT, avançando em direção à regulamentação do comércio internacional, pois além de abarcar uma maior complexidade de temas, igualmente é dotada de um organismo institucionalizado e de um órgão de solução de controvérsias.
Ainda merece destaque, desde a perspectiva brasileira e dos países em desenvolvimento em geral, o fato de que embora o discurso seja liberalizante, os países ricos ainda estabelecem barreiras quase intransponíveis à abertura de mercado, especialmente em se tratando de setores-chave das políticas protecionistas, como é o caso do comércio agrícola. E complementa neste sentido Amaral (2005, p. 133) quando recorda que:
O protecionismo, via de regra, protege os mais ricos e fortes, longe de fornecer uma malha de legítima proteção social às populações mais carentes, que muito se beneficiariam se o comércio mundial fosse, de fato, livre, justo, harmônico e equilibrado.
Considerando-se as particularidades do caso brasileiro, atualmente, um dos principais entrave à exportação dos produtos agrícolas brasileiros são as barreiras comerciais não-tarifárias, que serão tratadas mais adiante.
1.2. Do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços – GATS
Já no quadro da OMC, portanto a partir de 1995, é que o setor de serviços revestiu-se de juridicidade internacional, sendo importante lembrar que devido à inexpressiva exportação de serviços no mundo durante décadas – limitada que era aos serviços de transporte maritmo e aéreo – somente após diversas experiências e rodadas do GATT é que o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) foi firmado.
Assim, o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços foi incluído no Anexo 1B do Acordo de estabelecimento da OMC, ao final da Rodada do Uruguai do Gatt, em 1994. A finalidade do GATS é a liberalização progressiva do setor com o maior crescimento nas últimas décadas.
Nakayama (2005, p. 145) revela que “no geral, as indústrias de serviço têm sido, em grande parte, de caráter interno e o comércio internacional em serviços, relativamente pequeno”. Não obstante, a autora confirma que se trata de um ramo de importância crescente no comércio internacional.
Outro fator relevante para a demora na aprovação de regras multilaterais de livre comércio de serviços é porque se trata de um setor que interfere no mercado de trabalho e em áreas delicadas, como saúde, telecomunicações e transportes (KINOSHITA; SANTOS, 2008).
Apenas no Brasil, Kinoshita e Santos identificaram a possibilidade de importação de serviços nas seguintes áreas, relacionadas com os segmentos supramencionados:
i) à participação estrangeira quanto a Assistência à Saúde, de acordo com o artigo 199, parágrafo 3°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 23 da Lei 8080/90;
ii) à Navegação de Cabotagem, de acordo com o artigo 178, parágrafo único, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e os artigos 1º e 2º do Decreto Lei 2784/40;
iii) às Empresas Jornalísticas e de Radiodifusão Sonora e de Sons e Imagens, de acordo com os artigos 12, parágrafo 1° e 222 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 12, parágrafo 2º, inciso I do Decreto 70436;
iv) às Empresas de Serviço de TV a Cabo, segundo o artigo 7º, incisos I e II da Lei 8977;
v) às Empresas de Mineração e Energia Hidráulica, de acordo com o artigo 176, parágrafo 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;
vi) às Empresas de Transportes Rodoviários de Carga, de acordo com os artigos 22, inciso VII e 178 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 1º, incisos I a II e parágrafos 1º e 2º da Lei 6813/80.
Importante mencionar ainda, que o GATS tem como princípios norteadores: a transparência; o status de nação mais favorecida; a não-discriminação; o acesso a mercado (cronograma de compromissos dos membros); e o tratamento nacional. Conforme ensinamento de Kinoshita e Santos (2008), o respeito às suas regras é juridicamente obrigatório para todos os membros da OMC.
Um argumento favorável à regulamentação da prestação de serviços internacionais, além da melhoria do comércio e das condições de investimento, é a diminuição ou, pelo menos, maior controle dos riscos inerentes aos serviços que envolvem a utilização de novas tecnologias (NAKAYAMA, 2005, p. 148).
De acordo com o artigo I:2, do GATS, o fornecimento de serviços internacionais se dá pelas seguintes formas: I) prestação transfronteira (ex. telecomunicações, internet, correios, consultorias, telemedicina, treinamento à distância, etc); II) consumo no exterior (ex. hotelaria e restaurante prestados ao turista, educação para estudantes estrangeiros, etc); III) presença comercial: prestador é um afiliado, subsidiária ou representante de investidor estrangeiro (ex. escritórios multinacionais, etc); IV) movimento temporário de pessoas físicas: prestador do serviço pessoa física vai temporariamente ao país consumidor (ex. médico, consultor jurídico, etc.).
Importante destacar também, que o comércio de serviços, via de regra, não é objeto de barreiras tarifárias expressivas, diversamente do que ocorre com o comércio de bens, o que constitui uma vantagem em face ao comércio internacional de mercadorias, autorizando a conclusão de que se trata de um ramo bastante promissor.
2. APONTAMENTOS SOBRE AS BARREIRAS COMERCIAIS TARIFÁRIAS E NÃO TARIFÁRIAS
Feitas as considerações necessárias sobre o comércio em geral e o comércio internacional de bens e serviços, bem como uma visão panorâmica sobre a institucionalização do comércio internacional desde 1947 e que culminaram com o surgimento da OMC, o estudo passará a apresentar a problemática das barreiras tarifárias comerciais e não-comerciais, e sua interferência no livre comércio internacional.
Quanto às barreiras comerciais tarifárias, estas foram o mecanismo historicamente empregado para barrar a entrada de produtos estrangeiros (Nakayama, 2005, p. 142). Trata-se, simplificadamente, da imposição de tributos na importação (incorporação da mercadoria estrangeira na economia nacional), na exportação (saída da mercadoria nacional para incorporação na economia estrangeira) e/ou no trânsito de mercadorias e pessoas (ingresso ou saída, sem incorporação).
Quanto aos objetivos da utilização de barreiras tarifárias, Nakayama (2005, p. 143) explica que:
“A utilização dos tributos alfandegários tem a finalidade de protecionismo ou de obtenção de receitas fiscais. Caso exista um aumento dos tributos com a finalidade de atingir o ponto máximo protecionista, em termos de um imposto sobre a importação, ter-se-á uma redução das importações e, por conseguinte, um baixo nível de receitas. Se ocorrer uma diminuição dos tributos com a finalidade de atingir o ponto máximo na arrecadação de receitas, ter-se-á um aumento das importações e, por conseqüência, um baixo nível de proteção.”
No passado, via de regra os Estados adotavam uma política de super-oneração da importação em carga não incidente sobre as mercadorias nacionais (em média 40%), desestimulando a importação. Por outro lado, desoneravam a exportação, visando atingir novos mercados. Nesse jogo sem regras, somente suportavam o peso das barreiras tarifárias os países fortes, com uma economia capaz de subsidiar o produto nacional.
Não obstante, como já mencionado anteriormente, após a assinatura do GATT, os níveis tarifários despencaram de 40% para 25% (1950) e posteriormente para 5% (1995 – OMC). Vale ressaltar que, apesar da redução da carga tributária incidente sobre o comércio internacional de modo geral, mesmo após a assinatura do GATT (1947), tal fator não implicou na extinção das barreiras comerciais, como adverte Nakayama (2005, p. 142):
“Em perspectiva, entretanto, pode-se verificar que à redução de barreiras tarifárias sempre correspondeu o aumento de barreiras não-tarifárias. Ou seja, o protecionismo não é o oposto do livre-comércio, mas sim uma decorrência natural, motivada normalmente por pressões políticas internas, do aumento da concorrência de produtos estrangeiros.”
No Brasil, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, em Capítulo destinado ao Sistema Tributário Nacional[1], adotou como instrumentos de equalização da tributação no comércio exterior (barreiras comerciais tarifárias): a) o Imposto de Importação (art. 153, I), b) o Imposto sobre a Exportação (art. 153, II) e c) o Imposto sobre Produtos Industrializados incidentes na importação (art. 153, IV), todos de competência da União.
Diante da função eminentemente extrafiscal do tributo, a própria Constituição Federal (em seu §1º, art. 153) previu que as alíquotas destes tributos podem ser alteradas por decreto do Chefe do Poder Executivo. Não obstante tal dispositivo, o legislador infra-constitucional vem adotando indevidamente uma barreira comercial tarifária diferente dos tributos mencionados acima, em afronta à Constituição Federal e em prejuízo ao livre-comércio.
Tal irregularidade seria decorrente de uma leitura literal e superficial do texto da Emenda Constitucional 42/2003[2], que estabeleceu uma nova regra de competência tributária, conferindo poderes à União para instituir contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre a importação de bens ou serviços estrangeiros.
Apesar do aspecto material da hipótese de incidência estar relacionado ao ingresso de bens ou serviços estrangeiros no território nacional, não se pode deixar de lado o traço fundamental que caracteriza e diferencia as contribuições das demais espécies tributárias, ou seja, a finalidade qualificada, pois a finalidade constitucional das contribuições não é outra senão a de financiar a seguridade social, ou seja, possuem finalidade eminentemente fiscal que condiciona a instituição do tributo.
Ocorre que a Medida Provisória nº 164/04, convertida na Lei 10.865/04, instituiu o PIS-Importação e a COFINS-Importação como tributo eminentemente extrafiscal, com o objetivo de impor uma nova barreira comercial tarifária. O item “12” da Exposição de Motivos da Medida Provisória o deixa bastante claro:
“12. Por fim, justifica-se a edição de Medida Provisória diante da relevância e urgência em equalizar, mediante tratamento isonômico, principalmente após a instituição da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS não-cumulativa e da EC nº 49, de 2003, a tributação dos bens e serviços produzidos no País com os importados de residentes ou domiciliados no exterior, sob pena de prejudicar a produção nacional, favorecendo as importações pela vantagem comparativa proporcionada pela não incidência hoje existente, prejudicando o nível de emprego e a geração de renda no País.” (Grifou-se)
Ora, a justificativa expressa no sentido da necessidade de equalização da tributação dos bens e serviços produzidos no País com os importados de residentes ou domiciliados no exterior evidenciaria que o tributo, que tem a finalidade constitucionalmente definida de financiamento da seguridade social (finalidade fiscal), estaria sendo impropriamente utilizado como uma barreira fiscal ao comércio internacional, prejudicando os importadores e comprometendo inclusive a posição do Brasil frente aos tratados multilaterais de abertura do comércio.
Esse é um exemplo de utilização irregular de uma barreira comercial tarifária que, no caso concreto, viola diretamente a ordem jurídica interna do Estado. Não obstante, a Medida Provisória 164/04 e a Lei 10.865/04 ainda não tiveram a inconstitucionalidade reconhecida pelo STF, estando em plena vigência.
Quanto às barreiras não-tarifárias, o Anexo I do Tratado de Assunção[3], em seu artigo 2º, alínea b, define as barreiras comerciais não-tarifárias como “qualquer medida de caráter administrativo, financeiro, cambial ou de qualquer natureza, mediante a qual um Estado Parte impeça ou dificulte, por decisão unilateral, o comércio recíproco”. Com efeito, inserem-se nessa classificação todos os regulamentos e normas técnicas aplicados sobre bens produzidos internamente e sobre importados para garantir padrões de qualidade e de segurança, proteção à saúde dos consumidores e ao meio ambiente, e que tenham por finalidade ou conseqüência a restrição ao comércio internacional (Nakayama, 2005, p. 143).
Pode-se mencionar, a título exemplificativo, os subsídios, medidas sanitárias, medidas antidumping, restrições ambientais, entre outros.
Até o momento, não se verifica a incidência de barreiras comerciais não-tarifárias sobre o comércio de serviços, o que corrobora a afirmação anteriormente feita, no sentido da vantagem desses setores sobre o comércio internacional de mercadorias. Entretanto, diversos exemplos de utilização irregular de barreiras não-tarifárias podem ser encontrados nos registros da OMC, os quais foram objeto de julgamento perante o órgão de solução de controvérsias, tendo alguns resultado em aplicação de sanções ao Estado que adotou as práticas protecionistas[4]. Logo, embora seja importante a redução de barreiras comerciais não-tarifárias para o desenvolvimento do comércio internacional, o desenvolvimento buscado deve ter seus limites na sustentabilidade, sob pena de gerar riscos e desequilíbrios ambientais, sociais, e econômicos.
Considerações finais
O comércio exerce importante papel social, econômico, político, cultural, científico-tecnológico, ambiental e até mesmo espiritual em uma sociedade. O comércio internacional potencializa essas funções, diante do intercâmbio multidimensional que proporciona.
Visando o desenvolvimento do comércio internacional, após a Segunda Guerra Mundial, as nações do mundo firmaram tratados multilaterais, regulamentando o comércio de bens e, posteriormente, o comércio de serviços entre os países. As barreiras comerciais não-tarifárias, por outro lado, possuem crescimento inversamente proporcional ao aumento da carga tributária sobre o comércio internacional e são freqüentemente adotadas pelos países desenvolvidos para a proteção de setores específicos.
No Brasil, os tributos constitucionalmente previstos para atuar como barreiras tarifárias são o Imposto de Importação, o Imposto de Exportação e o Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre a Importação, todos de competência da União Federal.
Quanto às barreiras comerciais não-tarifárias, há diversos exemplos de adoção dessas barreiras de maneira nociva ao comércio internacional. Não obstante, tal análise deve ser feita de forma rigorosa, sob pena de se prejudicar a contínua liberalização do comércio internacional que deve contemplar o acesso dos países em desenvolvimento aos mercados com base na equidade e nos imperativos essenciais para uma sociedade global mais democrática, includente e solidária com o desenvolvimento sustentável dos bilhões de seres humanos que vivem nos países em desenvolvimento.
Doutor em Direito Internacional e Comunitário pela Universidad Pontificia Comillas, Espanha; Professor dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina; Pesquisador do CNPq e CAPES; Consultor em Direito Público Interno e Internacional, Cooperação e Negócios Internacionais.
Mestranda em Direito, Estado e Sociedade pela UFSC. Bolsista do CNPQ. Integrante do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco –GPDA, coordenado pelo Professor Dr. José Rubens Morato Leite. Especialista em Direito do Estado e Direito Tributário pela UFRGS
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