Sumário: 1. Introdução – 2. O standard do custo econômicamente aceitável: uma noção ameaçadora à proteção do meio ambiente – 2.1 – A diminuição do efeito de proteção de certas noções do direito ambiental pela aplicação do standard do custo econômicamente aceitável – 2.1.1 – A relação conflituosa entre o standard do custo econômicamente aceitável e a noção de desenvolvimento sustentável – 2.1.2 – A melhor tecnologia disponível (MTD) subordinada ao custo econômicamente aceitável – 2.2 – As restrições impostas pelo standard do custo econômicamente aceitável a certos princípios de proteção ao meio ambiente – 2.2.1 – A submissão do princípio de prevenção ao standard do custo econômicamente aceitável – 2.2.2 – O princípio de precaução face ao standard do custo econômicamente aceitável – 2.2.3 – O enfraquecimento do conteúdo do princípio do poluidor-pagador pelo standard do custo econômicamente aceitável – 3 – O standard do custo econômicamente aceitável: motor para a proteção ambiental? – 3.1 – O princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável: duas noções estreitamente ligadas em favor da proteção do meio ambiente – 3.1.1 – O princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável: duas normas de ponderação – 3.1.2 – O standard do custo econômicamente aceitável em favor do meio ambiente: o controle de proporcionalidade aplicado pelo juiz – 3.2 – Os efeitos positivos do standard do custo econômicamente aceitável sobre o princípio de correção, por prioridade à fonte, dos atentados ao meio ambiente – 3.2.1 – A influência positiva do standard do custo econômicamente aceitável sobre o princípio de correção, por prioridade à fonte, nos atentados ao meio ambiente: as MTD – 3.2.2 – Análise da política comunitária de gestão de resíduos: a utilização do standard do custo econômicamente aceitável em favor do meio ambiente? – 4. Conclusão
Resumo: O presente estudo tem a finalidade de esclarecer alguns aspectos concernentes ao standard do custo econômicamente aceitável no âmbito do Direito Internacional e Comunitário Ambiental. Buscar-se-á delinear o seu conceito, apontar os textos normativos internacionais e comunitários que lhe dão suporte, esclarecer as ambiguidades relativas à sua aplicação e enfocar o papel do Juiz comunitário na sua aplicação.
Palavras-chave: Direito Ambiental Internacional – Direito Ambiental Comunitário – standard do custo econômicamente aceitável – análise custo-benefício – ambiguidade
Resumé: Cette étude a la finalité de mettre en lumière quelques aspects concernant le standard du coût économiquement acceptable dans le domaine du Droit International e du Droit Communautaire de l’environnement. L’objectif sera présenter une définition, indiquer les textes normatifs internationaux et communautaires que soutien cette notion, montrer les ambiguïtés de son application pratique et mettre au point l’importance du juge communautaire dans sa définition.
Mots-clés: Droit International de l’environnement – Droit Communautaire de l’environnement – standard du coût économiquement acceptable – analyse coût-avantage – ambiguïté
1. Introdução
Durante muito tempo o homem acreditou que os recursos naturais do planeta eram inesgotáveis. Sem dúvida, o impacto de suas atividades sobre o meio ambiente foi negligenciado, prevalecendo, a princípio, o entendimento segundo o qual crescimento econômico e proteção ambiental seriam dois conceitos paradoxais.
A partir do início da revolução industrial, ao descobrir que a capacidade da natureza de se regenerar não era infinita, o homem se conscientizou de que a busca pelo crescimento econômico é incompatível com as ameaças crescentes causadas ao meio ambiente. Os objetivos do crescimento econômico e os de proteção ambiental não são antagônicos, e o homem deve tentar reformar o modelo econômico dominante, segundo o qual o crescimento é o motor das políticas de meio ambiente, da mesma forma que das políticas sociais: é necessário, portanto, que a proteção do meio ambiente não se faça de modo a implementar o crescimento (indústria da despoluição), afigurando-se essencial, ainda, a geração de riqueza pela sociedade a fim de que possa se ocupar da qualidade do meio ambiente.
A controvérsia ganhou notoriedade a partir das décadas de sessenta e setenta com as discussões levadas ao seio da OCDE e da ONU. Ela se concretizou na Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (CNUMAD), no início da década de noventa, onde será proposta a necessidade de uma melhor gestão do meio ambiente, com o surgimento do conceito de “desenvolvimento sustentável”, que visa a um crescimento mais cuidadoso das geraçôes futuras e uma utilizaçâo mais econômica dos recursos naturais.
Com o desenvolvimento sustentável, que implica em um equilíbrio entre os objetivos de eficiência econômica, de desenvolvimento social e de proteção do meio ambiente, a adoção de uma abordagem econômica na tomada de decisões relativas ao meio ambiente se torna essencial.
Uma das principais causas da degradação do meio ambiente é a existência de custos ambientais externos. Levando-se em consideração que o homem tem livre acesso a numerosos recursos naturais, considerados como um bem coletivo pelos agentes econômicos, estes últimos não são incitados a levar em conta integralmente os custos da degradação do meio ambiente. Ora, esses custos tendem a aumentar ao passar dos anos, na medida em que os recursos tendem a se degradar ou a se esgotar, tornando-se, dessa forma, mais raros.
O comportamento descrito nesse parágrafo anterior é considerado como uma externalidade. O termo externalidade se refere às situações ou às ações de um agente, produtor ou consumidor, afetando o bem-estar de outros agentes. A poluição é um exemplo clássico de externalidade. É o caso, por exemplo, de uma empresa cuja atividade gera o derramamento de substâncias poluentes em um rio. Essa atitude pode, de um lado, afetar as possibilidades de produção de outras empresas instaladas no mesmo curso d’água, e de outro, deteriorar a capacidade de pesca do rio. Nas duas situações, a empresa poluente causa uma redução no bem-estar ou um aumento nos custos para esses agentes.
Mas o que entendemos exatamente por poluição?
De acordo com a Resolução adotada pelo Conselho da OCDE, de 14 de novembro de 1974, contendo declaração de princípios relativos à poluição transfonteiriça:
“… entendemos por poluição, a introdução pelo homem, diretamente ou indiretamente, de substâncias ou de energia no meio ambiente, que causem consequências prejudiciais na natureza, que possam colocar em perigo a saúde humana, prejudicar os recursos biológicos e os sistemas ecológicos, atentar contra atrativos ou prejudicar outras utilizações legítimas do meio ambiente”.
Essa definição foi repetida em diversos textos internacionais e comunitários relativos à poluição em geral, depois de ter sofrido algumas modificações.
Se a poluição conduz a um esgotamento dos recursos naturais, consequentemente dá ensejo à limitação do desenvolvimento econômico face à redução do potencial de consumo.
A questão é que, para eliminar ou reduzir a poluição e frear a degradação ambiental, as medidas a serem adotadas revelam-se custosas, além de causarem redução da produção e do consumo. Por outro lado, é necessário levar em consideração que as condições ambientais variam: os custos de controle da poluição flutuam em relação às condições climáticas, da tecnologia disponível. E em relação aos benefícios, a distribuição de preferência entre o desenvolvimento industrial e um nível elevado de qualidade ambiental pode variar de um país a outro. Isso significa que os custos suportados pela indústria e pela sociedade em geral para eliminar a poluição não são equivalentes de um país a outro. Existe, então, entre os custos e as vantagens, uma arbitragem que merece ser examinada de maneira mais aprofundada.
A consideração da análise custo-benefício na tomada de decisões relativas à proteção do meio ambiente fez surgir o standard do custo econômicamente aceitável. Trata-se de uma norma jurídica de caráter flexível, cujo conteúdo indeterminável insufla no sistema jurídico certas normas não jurídicas. Para entender um standard jurídico, é necessário observar uma série de elementos que não são próprios ao sistema jurídico.
P. Orianne[1] define o standard jurídico como sendo “um termo ou uma locução inseridas numa regra de direito, em referência a um estado ou uma qualidade da qual a identificação exige uma avaliação ou uma apreciação. O standard jurídico é uma noção de conteúdo variável que é intencionalmente utilisada pelo legislador para formular uma regra de direito. Desta maneira, o conteúdo de uma norma volontariamente indeterminada será precisado em função das circunstâncias próprias a cada situação, tendo em vista responder às exigências de uma dinâmica social”.
Com o standard, o legislador deixa ao administrador a aplicação da regra contendo o standard a cada caso. Para cada aplicação, os administradores deverão perscrutar os parâmetros conceituais da “normalidade”. A circunstância de haver diferenciação entre que os custos e os benefícios da luta contra a poluição nos diversos países, explica a razão de ser do standard do custo econômicamente aceitável, uma vez que a determinação do limite aceitável/inaceitável está sob a responsabilidade do administrador. Além disso, as preferências entre o desenvolvimento industrial e um nível elevado de qualidade ambiental também pode ser diferente de um país a outro.
O standard do custo econômicamente aceitável em direito ambiental representa uma análise custo-benefícios, mas não somente econômica, porque os bens ambientais e sua utilização tem um custo social que deve ser também levado em consideração.
Desse ponto de vista, podemos acreditar que o standard do custo econômicamente aceitável é extremamente benéfico para proteção do meio ambiente, já que tal metodologia leva a uma adaptação da política de proteção ambiental à realidade local. Há de se acentuar, ainda, que o standard concita os legisladores e administradores a questionarem se a proteção ambiental deve ser feita a qualquer custo, impedindo, assim, a uniformização das normas de proteção ambiental. Por outro lado, a noção de custo econômicamente aceitável pode igualmente ter efeitos perversos sobre as normas ambientais, limitando a aplicação de certos princípios e normas de proteção ambiental.
Nosso objetivo com o presente trabalho é mostrar quais são as influências do standard do custo econômicamente aceitável no direito ambiental no plano internacional e comunitário. O foco foi colocado diretamente sobre o plano internacional e comunitário em razão de suas influências nas políticas mundiais.
Dessa forma, a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável esconde uma ambiguidade. Em um primeiro momento, veremos como ele pode colocar em xeque a proteção do meio ambiente ao limitar a aplicação de certas noções e princípios de proteção ambiental. Logo em seguida, mostraremos a existência de uma sincronia entre o standard do custo econômicamente aceitável com outros princípios que auxiliam na proteção do meio ambiente.
2. O standard do custo econômicamente aceitável: uma noção ameaçadora à proteção do meio ambiente
O standard do custo econômicamente aceitável é uma noção de conteúdo vago. Sua aplicação varia a cada caso segundo a avaliação que é feita. Seu objetivo, como para os outros standards jurídicos, é de orientar a política ambiental.
Desta maneira, cada vez que um industrial ou um Estado constata que os custos de proteção ao meio ambiente são superiores à vantagem perseguida, eles podem fazer apelo ao standard do custo econômicamente aceitável, com a finalidade de se esquivar da aplicação de certas normas de proteção ambiental (como a adoção das melhores técnicas disponíveis, por exemplo), mas também para evitar os objetivos do desenvolvimento sustentável: crescimento econômico ligado à proteção do meio ambiente, uma vez que a aplicação dessas noções pode levar a um atraso no crescimento econômico (2.1).
Ao mesmo tempo, a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável pelo legislador e pelo administrador pode limitar a proteção do meio ambiente a partir do momento que ele se opõe a certos princípios de proteção ao meio ambiente, como o princípio de prevenção, o princípio de precaução e o princípio do poluidor-pagador (2.2).
2.1 – A diminuição do efeito de proteção de certas noções do direito ambiental pela aplicação do standard do custo econômicamente aceitável
A noção de desenvolvimento sustentável se tornou rapidamente uma referência incantatória nos documentos jurídicos internacionais e comunitários. Hoje é quase impossível fazer referência ao termo desenvolvimento sem ser acompanhado do termo sustentável. Os dois conceitos principais da noção de desenvolvimento sustentável que são o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente podem ser combinados diferentemente, e dessa forma, a hierarquia de prioridades pode se encontrar abalada. De fato, a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável causa um certo desequilíbrio nessa balança (2.1.1).
Da mesma maneira, a noção de melhores técnicas disponíveis pode também sofrer uma influência negativa de tal standard, a partir do momento que, a aplicação das melhores técnicas pela indústria com o objetivo de controlar e diminuir a poluição é subordinado a custos não excessivos (2.1.2).
2.1.1 – A relação conflituosa entre o standard do custo econômicamente aceitável e a noção de desenvolvimento sustentável
A noção de desenvolvimento sustentável é uma noção jurídica vaga porque ela não é definida nem em direito internacional, nem em direito comunitário. O sucesso dessa expressão vem justamente desse fato. Ela é frequentemente invocada nos textos de direito internacional e direito comunitário, inclusive no Tratado da União Européia que, após ter sido modificado pelo Tratado de Amsterdã, institui essa noção como um de seus objetivos.
Usualmente, a definição de desenvolvimento sustentável é aquela do relatório “Nosso futuro a todos”, publicado em 1987 pela Comissão mundial sobre meio ambiente e desenvolvimento[2]: “um desenvolvimento que responde às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras a responder aos seus”. Mas se trata muito mais de um conceito do que de uma definição.
Não é impressionante que esta noção seja objeto de diversos estudos que levantem mais interrogações do que respostas sobre a sua função e a substância. Os pesquisadores tem se esforçado a dar corpo a diferentes definições do desenvolvimento sustentável.
Para atingir o desenvolvimento sustentável é necessário conciliar ecologia, economia e social, instaurando um círculo virtuoso entre estes três pólos: desenvolvimento econômico eficaz, socialmente igualitário e ecologicamente sustentável. Aqui, a interdependência reina. A noção de desenvolvimento sustentável conduz à impor a todos, um certo número de custos econômicos em nome de uma visão particular de meio ambiente.
E seria aqui que as noções de desenvolvimento sustentável e custo econômicamente aceitável deveriam se cruzar.
A maior parte das políticas de conservação de meio ambiente geram normalmente custos elevados aos agentes econômicos. E se esses custos são maiores que as vantages que eles proporcionam, essas políticas tem poucas chances de terem sucesso. Além disso, assim que o nível de vida é ameaçado, os homens estão sempre prontos a sacrificar a qualidade de seu meio ambiente em nome das vantagens econômicas.
O raciocínio permitindo qualificar o “desenvolvimento” de “sustentável” deve ser fundado em diferentes interesses de causa, notamente os interesses econômicos e ecológicos, em estabelecendo uma verdadeira balança custos-benefícios.
O problema colocado pela aplicação do standard do custo econômicamente aceitável na aplicação prática do desenvolvimento sustentável vem do fato que os valores ligados à proteção do meio ambiente e os interesses econômicos não tem o mesmo peso na balança pois a proteção do meio ambiente não pode ser imposta se ela prejudica o crescimento econômico.
O Tratado instituíndo a Comunidade Européia, depois de ter definido o desenvolvimento sustentável como um de seus objetivos, determina em seu art. 174-3[3] as condições que as políticas de proteção ao meio ambiente devem levar em consideração. Na prática comunitária, as quatro condições representam um papel secundário. Seus impactos jurídicos são dificilmente medidos, a não ser nos casos de vantagens e custos que possam resultar da ação e da ausência de ação, o que é geralmente invocado pelos atores econômicos para se oporem à tomada de medidas que internalisem os custos ambientais ou que façam o poluidor pagar.
Este é o caso, por exemplo, da decisão proferida pela CJCE e que condena Portugal pela omissão na adoção de medidas necessárias ao tratamento de óleos usados, assim que limitações de ordem técnica, econômica e organizacional o permitam[4]. Portugal argumenta que “as quantidades de óleos usados coletados, em particular aqueles de boa qualidade, não atingem o limite mínimo de rentabilidade econômica”, e se recusa então a aplicar as disposições da diretiva 75/439/CEE do Conselho, de 16 de junho de 1975, relativo à eliminação de óleo usados, por regeneração, medida que permite economisar os recursos naturais e diminuir a poluição.
No nível internacional, ao mesmo tempo que os texto fazem referência ao desenvolvimento sustentável como um objetivo que deve ser perseguido pelos Estados, eles fazem igualmente referência às limitações econômicas como uma forma de limitação à aplicação dos instrumentos de proteção ambiental.
A convenção-quadro das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, assinada em 1992, à ocasião da Cúpula Mundial pelo Desenvolvimento Sustentável mostra claramente essa contradição. O objetivo é a estabilização das concentrações de gazes a efeito estufa, de forma que o desenvolvimento econômico possa continuar de maneira durável[5]. Em seguida, o artigo 3-3[6] relativo aos princípios, afirma que as medidas e políticas de precaução que serão adotadas pelos Estados devem apresentar uma boa relação custo-benefício. Essa relação custo-benefício que deve ser levada em consideração, deixa uma grande margem de manobra aos Estados Partes, que podem utilisar essa condição como uma maneira de se esquivar da adoção de medidas que são necessárias.
2.1.2 – A melhor tecnologia disponível (MTD) subordinada ao custo econômicamente aceitável
A noção de melhor tecnologia disponível é intimamente ligada à luta contra a poluição. Durante um longo período, os industriais pensaram que era preferível poluir e depois indenizar as vítimas da poluição. Esse comportamento lhes permitia continuar a possuir o direito de poluir e ter grandes ganhos econômicos, pois eles não estavam obrigados a adotar as tecnologias necessárias a diminuir ou evitar a poluição, e que poderiam ser extremamente custosas.
Felizmente, esse comportamento mudou com o passar dos anos, graças à pressão exercida pelas mídias e pela população. O industrial começou a investir em tecnologias menos poluentes.
Dentro do quadro das legislações da União Européia e dos diversos tratados internacionais, encontraremos diferentes definições de melhores tecnologias disponíveis.
A definição de MTD é intimamente ligada à idéia de normas de qualidade ambiental, normas que muitas vezes não existiam formalmente, mas que aparecem lentamente. Na aplicação da diretiva 76/464/CEE, a União Européia define os objetivos de qualidade para as águas de superfície e, um certo número de anexos da diretiva fixa os objetivos de qualidade para certas substâncias.
Na diretiva 80/779/CEE sobre as emissões atmosféricas em proveniência de fontes fixas, a União Européia utilisa o conceito de MTD na forma de BATNEEC (best available technique not entailing excessive costs), que significa “melhor tecnologia disponível sem custo excessivo”. O conceito de BATNEEC está presente também na diretiva sobre ar 84/360/CEE de 28 de junho de 1984. Mas, depois de uma série de diretivas que tratavam das poluições provenientes de fontes específicas, a União Européia elaborou a diretiva IPPC “Integrated pollution prevention control”, que trata da poluição derivada de fontes diversas, onde ela dá uma definição global de MTD, a qual é completada por 12 considerações específicas enumeradas em um anexo. A sigla BATNEEC utilizada nos antigos textos se torna BAT (best available technique) e a noção de custo aceitável vai se tornar um elemento da noção de melhor tecnologia disponível.
De acordo com a presente diretiva, em seu artigo 2.11, a definição de melhores tecnologias disponíveis é “o estado de desenvolvimento mais eficaz e avançado das atividades e de seus modos de exploração, demonstrando a aptitude prática de tecnologias particulares a constituir, em princípio, a base dos valores limites de emissão visando a evitar e, quando isso se mostra impossível, a reduzir de maneira geral as emissões e o impacto sobre o meio ambiente no seu todo. Por: – “tecnologias”, entendemos também as tecnologias empregadas à maneira como a instalaçao é concebida, construída, entretida, explorada e suspensa,
“disponíveis”, entende-se as tecnologias colocadas numa escala permitindo de aplicá-las dentro de um contexto do setor industrial envolvido, em condições econômicamente e tecnicamente viáveis, levando em consideração os custos e as vantages, quer sejam essas tecnologias utilizadas ou produzidas ou não em território do Estado membro interessado, contanto que a exploração envolvida possa ter acesso dentro de condições razoáveis,
– “melhores”, entende-se as tecnologias mais eficazes para atingir um nível geral elevado de proteção ao meio ambiente como um todo.
Na determinação de melhores tecnologias disponíveis, é conveniente levar-se em consideração particularmente os elementos enumerados no anexo IV;”.
No contexto internacional, diversos textos fazem referência às MTD. A Convenção OSPAR para a proteção do meio marinho do Atlântico Nordeste determina, em seu artigo 2, que se deve levar em conta as MTD como uma das obrigações gerais das partes contratantes. Mas, é a Comissão de Paris-Oslo para a proteção do Mar do Norte e do Atlântico Norte (OSPARCOM), que através das recomendações e de outros documentos oficiais, como nas publicações das estratégias da comissão por 2003, que dá a definição de MTD. Da mesma maneira, a comissão HELCOM, criada pela Convenção de Helsinki para a proteção do meio marinho do Mar Báltico, publicou a recomendação 12-3, para dar uma definição de melhor tecnologia disponível. Nós podemos citar também, a Convenção sobre a proteção e a utilização dos cursos de água transfronteiriços e dos lagos internacionais de 1992, Convenção sobre a cooperação pela proteção e utilização durável do Danúbio de 1994 e o Protocolo à Convenção sobre a poluição atmosférica transfronteiriça de longa distância de 1979, relativo aos poluentes orgânicos persistentes de 1998.
O PNUMA publicou, em 2000, um relatório[7], encomendado pelo Comité intergovernamental responsável de elaborar um instrumento internacional juridicamente restritivo, para a aplicação de medidas internacionais a certos poluentes orgânicos resistentes, fundado na questão de qual seria o sentido da expressão “melhores tecnologias disponíveis” nas quatro convenções já citadas anteriormente.
A análise das diferentes definições de MTD encontradas nos diversos textos existentes revela sempre a consideração das condiçoes econômicas. Essa consideração revela a fraqueza da noção de MTD, porque ela demonstra a promoção da análise custos-benefícios em detrimento do objetivo de prevenção contido dentro da noção.
Essa afirmação se explica assim que possam existir certas tecnologias permitindo que se atinja os melhores resultados em matéria de níveis de consumo ou de emissão mas que em razão dos custos apresentados não podem ser consideradas como as melhores tecnologias disponíveis. A aplicação da noção de MTD impõe, às vezes, uma escolha entre as tecnologias que contribuem a melhorar a qualidade ambiental e aquelas que são viáveis à indústria.
Um outro problema ligado à aplicação do standard do custo econômicamente aceitável às MTD é a dificuldade de defini-lo, uma vez que um custo pode ser aceitável para uma grande unidade e não para uma pequena. Por outro lado, o custo da proteção ambiental reune-se a outros custos que variam em função das localizações geográficas na Europa e no mundo, como por exemplo o fato que certos Estados são mais preocupados com seu meio ambiente que outros.
O peso acordado pela União Européia ao critério de viabilidade econômica na definição de melhores tecnologias disponíveis é tao importante que em uma comunicação de 19 de junho de 2003[8], ela afirma “se as tecnologias são julgadas muito custosas pelo setor no seu todo, então elas não são as melhores tecnologias disponíveis”.
Para os economistas, como Jean-Pierre Barde, economista na Direção do meio ambiente da OCDE, os objetivos ambientais não podem ser atingindos a qualquer custo. Para ele, uma norma cientificamente ideal, como as MTD, podem levar a uma falta de senso econômico. O fato de que os legisladores levaram em conta as limitações econômicas na formulação da noção de MTD para ele se justifica, pois, “as medidas de proteção do meio ambiente não deverão colocar em perigo o desenvolvimento regional, o emprego e o crescimento”[9].
Para as empresas, as ponderações econômicas em volta das MTD vai lhes dar uma grande margem de manobra. Em efeito, desde que o custo de novas tecnologias pareça muito elevado, as empresas se recusam a consentir em tais investimentos arguíndo que o esforço que lhes é imposto é desproporcional em relação aos ganhos ambientais.
Esse tipo de mentaliade inspira os industriais na escolha do tipo de tecnologia aplicada na prevenção da poluição: as tecnologias “end of pipe” (tratamento de final de tubo) e as tecnologias e serviços de despoluição ou tecnologias integradas.
Nas tecnologias “end of pipe”, normalmente o problema ambiental é deslocado de um dado meio ou biótopo a outro. Elas são orientadas em direção ao ponto de emissão. Equipamentos ou dispositivos especiais são juntados aos processos de produção existentes com a finalidade de transformar emissões brutas em outras substâncias mais facéis a manipular ou a controlar. Mas, as emissões brutas não são reduzidas: elas são apenas transformadas pelas tecnologias aplicadas. O processo de produção não é modificado. É por isso que é relativamente fácil para as empresas responder às novas normas ambientais em recorrendo às tecnologias “end of pipe”.
As tecnologias ditas integradas tem uma visão centrada na redução à fonte, visando eliminar ou limitar as emissões e os rejeitos via redução dos fluxos energéticos e de materiais induzidos por processos de produção e de consumo. As tecnologias ambientais integradas se interessam a reduzir as emissões e os rejeitos ao longo do processo, limitando o consumo de energia e de outras fontes dentro dos métodos de fabricação como nos produtos em si.
Do ponto de vista da proteção ambiental, as tecnologias integradas são mais vantajosas que as tecnologias “end of pipe”, uma vez que as primeiras permitem economizar os recursos e, ao mesmo tempo, de reduzir as emissões brutas, não somente no seu estado de fabricação, mas também nos estados anteriores de extração e de transformação dos recursos. As tecnologias “end of pipe”, ao contrário, necessitam de um excesso de energia e de recurso para o funcionamento de dispositivos de controle de emissões; além disso, as tecnologias integradas permitem de sair do impasse que constitui em um puro e simples deslocamento dos problemas ecológicos de um meio a outro.
Apesar disso tudo, as tecnologias “end of pipe” restam predominantes dentro do domínio da proteção ambiental porque a utilização de tecnologias integradas esbarra, na maioria dos países ocidentais, em barreiras à inovação e ao investimento, porque elas pressupõem despesas de investimentos superiores. Os custos de adoção de tecnologias integradas incluem gastos relativos à necessidade de recrutar mão-de-obra especializada para colocar em aplicação e explorar essas tecnologias além de gastos fixos irrecuperáveis, na hipótese de uma usina ou parte de uma usina ter que fechar prematuramente para satisfazer às novas normas.
2.2 – As restrições impostas pelo standard do custo econômicamente aceitável a certos princípios de proteção ao meio ambiente
Uma análise mais aprofundada da aplicação dos princípios de prevenção, de precaução e do poluidor-pagador demonstra seu caráter ambíguo, porque esses princípios contêm de uma certa maneira o standard du custo econômicamente aceitável.
Na verdade, a visão conciliadora entre a economia e a proteção ambiental que os poderes públicos tentam dar a esses princípios deixa claro suas fraquezas.
Na presente seção, demonstraremos como a incidência do standard do custo econômicamente aceitável pode retringir o conteúdo protetor dos princípios de prevenção(2.2.1), de precaução(2.2.2) e do poluidor-pagador(2.2.3).
2.2.1 – A submissão do princípio de prevenção ao standard do custo econômicamente aceitável
Existem dois tipos de abordagem dos problemas ambientais: a abordagem curativa e a abordagem preventiva. A ação curativa consiste em adotar certas medidas assim que os danos se tornam certos. A abordagem preventiva, quanto a ela, consiste em impedir, desde o início, que um dano se produza. Uma ação curativa seria, sem dúvida, aquela que provocaria menos pertubações, mas seria provavelmente também aquela que comportaria mais riscos, sua aplicação arriscando ser muito tardia para evitar certas consequências custosas. Mesmo se as medidas tomadas para restaurar o meio ambiente pudessem impedir a repetição do dano no futuro, elas seriam consideradas curativas e não preventivas.
O princípio de prevenção é uma das regras de ouro do direito ambiental. Uma parte da doutrina[10] menciona a sentença do Tribunal arbitral de 11 de março de 1941, que foi pronunciada no caso da Fundição de Trial como a primeira aparição do princípio de precaução no direito internacional. Desta decisão, nasceu uma regra de direito internacional, que consiste em obrigar os outros Estados a prevenir as poluições transfronteiriças[11]. Essa regra seria retomada na Declaração de Stockholmo, como o princípio 21, e depois em termos mais precisos na Declaração de Rio de 1992, e ela será evocada por quase todas as convenções e tratados de direito internacional ambiental.
No direito europeu, antes que esse princípio fizesse parte do tratado da Comunidade Européia, ele teve um papel importante na concepção e na aplicação do segundo e terceiro Programa de Ação da Comunidade Européia em matéria ambiental. Hoje, ele figura no artigo 174-2 do Tratado, sem mencionar o número de legislações dos quais ele faz parte.
O sucesso do adágio “melhor prevenir do que remediar” em direito ambiental se explica pelo fato que prevenir um dano écologico é preferível à sua reparação, primeiro porque a reparação às vezes é extremamente custosa e, segundo, porque os danos muitas vezes são irreparáveis. Mas, a questão que os poderes públicos se colocam é: deve-se prevenir os danos a qualquer preço? E a resposta é não, as medidas preventivas tomadas pelo poder público serão sempre subordinadas ao standard do custo econômicamente aceitável: os responsáveis pela tomada de decisão verificam primeiro a probabilidade da ocorrência do dano e avaliam, em seguida, o custo de ordem ecológica relativo à ausência de medidas preventivas em face do custo sócio-econômico das medidas preventivas.
Essa subordinação do princípio de precaução ao standard do custo econômicamente aceitável está presente tanto em direito internacional, como por exemplo nos Acordos de 26 de abril de 1994 relativo à proteção do Escaut e da Meuse, quanto no direito europeu, artigo 174-3, do Tratado da CE.
O problema dessa subordinação é a dificuldade em se atribuir um valor econômico aos bens ambientais, que muitas vezes é fixado de forma módica ou nula. Desta maneira, os custos da redistribuição dos recursos em detrimento de outras necessidades conduz inegavelmente a que a adoção de uma medida preventiva exceda facilmente os benefícios procurados por essa medida. É o caso clássico do custo econômico-social que implica o fechamento de determinada indústria, altamente poluidora mas vital para a economia de determinada região. Os custos sócio-econômicos podem fazer facilmente objeto de uma avaliação monetária enquanto que os custos ecológicos não podem ser objeto de tal avaliação. De acordo com Nicolas Sadeleer[12], “em se focalizando de preferência sobre os impactos imediatos, as análises custo-benefício omitem o aumento das vantagens a longo prazo que poderiam oferecer a norma preventiva”.
Por outro lado, a interdição pelos poderes públicos de todas as atividades prejudiciais ao meio ambiente tornariam a vida em sociedade impossível. A solução encontrada é autorizar as atividades prejudiciais ao meio ambiente, com a condição de se respeitar os limites, a partir dos quais as faculdades naturais de absorção dos meios receptores são esgotados. Os rejeitos autorizados não podem, então, exceder o nível anteriormente estabelecido pela regulamentação.
O problema se coloca a partir do momento onde a técnica do limite estando fundada em considerações puramente econômicas, se torna incapaz de impedir as degradações ambientais. Desta maneira, as normas de rejeito são estabelecidas de acordo com as capacidades econômicas ou técnicas do poluidor e não em razão das capacidades de absorção do meio receptor, demonstrando que sua relação com os objetivos de qualidade ambiental são mais uma coincidência do que uma política bem planificada.
2.2.2 – O princípio de precaução face ao standard do custo econômicamente aceitável
O princípio de precaução apareceu em direito internacional há algumas décadas, e é um dos princípios mais reconhecidos em direito ambiental. Ele é mencionado em inúmeros tratados internacionais, no tratado instituíndo a União Européia e mesmo nas legislações nacionais.
Uma de suas primeiras aparições remonta à declaração ministerial à época da segunda conferência internacional sobre a proteção do mar do Norte (1987)[13]. Ele é citado também na Declaração do Rio de 1992 como o princípio 15 dos direitos e obrigações gerais das autoridades nacionais[14].
O princípio de precaução pode ser definido como “pode ser justificado (versão fraca) ou é imperativo (versão forte) limitar, enquadrar ou impedir certas ações potencialmente perigosas sem esperar que esse perigo seja cientificamente estabelecido de forma certa”[15]. Mas o próprio princípio de precaução é impregnado de incertezas. As condições de sua aplicação são incertas. O recurso à abordagem econômica revela uma vontade de sistematizar o princípio ao se tentar fixar as condições objetivas de aplicação, de criar limites de liberação do princípio. Para Estelle Brosset[16], essa vontade de muito delimitar o princípio de precaução determina o risco “de ir ao encontro da própria filosofia do princípio de precaução, a saber, a filosofia da dúvida”.
A maior parte dos textos que invocam o princípio de precaução dão uma definição muito vaga de tal princípio que faz referência somente à incerteza das provas científicas do risco e de suas consequências. Por outro lado, qualquer característica comum em matéria de liberação do princípio de precaução parece poder ser retirado dos diversos textos. Essas condições de aplicação do princípio são as seguintes: falta de certeza científica absoluta, riscos de danos graves e irreversíveis, medidas de precaução respeitando uma boa relação custo-eficácia. Entretanto, a maior parte das definições dadas ao princípio de precaução não fazem referência à essa terceira condição, que é o standard do custo econômicamente aceitável. Por exemplo, fazem referência a esta condição a Convenção sobre as mudanças climáticas em seu artigo 3.3[17], a Convenção de Barcelona para a proteção do mar Mediterrâneo contra a poluição e, implicitamente, a Declaração do Rio que faz referência às capacidades respectivas de cada Estado considerado.
Levar em consideração as condições econômicas na aplicação do princípio de precaução parece viciada uma vez que a incerteza envolvendo o risco cria um desequilíbrio entre os diferentes parâmetros do cálculo custo-benefício. Além disso, a adoção de tal método pode impedir as autoridades de tomar as medidas de precaução desde que elas comprometam a viabilidade econômica de seus destinatários. Com a presença da incerteza, é difícil medir os benefícios a longo prazo da adoção da medida de precaução, uma vez que é mais fácil calcular os custos econômicos imediatos de tal medida. Ora, tal desequilíbrio pode conduzir a fazer prevalecer sistematicamente os custos econômicos certos sobre os benefícios simplesmente presumidos.
A questão é que se recusar de correr um risco significa aceitar em contrapartida outros riscos. O dirigente pode se encontrar perante um dilema, onde os cenários são difíceis a hierarquizar, como nos explica Nicolas de Sadeleer[18], com o caso da Bulgária e da Ucrânia, onde os dirigentes devem escolher entre fornecer eletricidade às suas populações, expondo-as a perigo de radiações consideráveis, ou evitar o risco de acidente nuclear, fechando as suas centrais nucleares obsoletas.
2.2.3 – O enfraquecimento do conteúdo do princípio do poluidor-pagador pelo standard do custo econômicamente aceitável
O princípio do poluidor-pagador, originado da teoria econômica, foi mencionado pela primeira vez em 1972 pela OCDE na recomendação do Conselho sobre os Princípios diretores relativos aos aspectos econômicos das políticas de meio ambiente. De acordo com esse princípio, os custos das medidas de prevenção e de luta contra a poluição tomadas pelo poder público devem ser suportadas pelo poluidor.
Depois da sua adoção pela OCDE e pela CEE, ele foi adotado pelo Conselho Europeu, através da Conferência pela segurança e cooperação européia, depois pela Comissão econômica européia das Nações Unidas e pelo PNUMA.
Assim como os princípios de precaução e prevenção, ele foi consagrado de maneira expressa em diversos tratados e convenções internacionais. Uma de suas formulações mais simples se encontra na Convenção do 22 de setembro de 1992 sobre a proteção do meio ambiente marinho do Atlântico nordeste[19]. Ele é invocado também no princípio 16 da Declaração do Rio de 1992[20], que lhe dá uma formulação mais abstrata e um caráter mais de um objetivo econômico do que de uma regra de direito internacional.
Na Comunidade Européia, ele apareceu pela primeira vez no primeiro programa de ação em matéria de meio ambiente (1973-1976). Ele foi retomado em seguida em todos os outros programas de ação em matéria de meio ambiente com ligeiras variações no significado adotado. Ele foi inserido no Tratado instituindo a Comunidade Européia pelo Ato único europeu.
Como explica Valérie David, Sophie Mairesse e Philippe Maître[21], “o princípio do poluidor-pagador é endereçado às autoridades públicas – quer elas sejam nacionais, comunitárias ou internacionais – devendo integrar os custos ambientais não monetários, corrigindo os preços de mercado através de impostos ou de contribuições compensatórias, e/ou determinar normas destinadas a interditar ou limitar os processos de produção geradores desses custos”.
Na esfera comunitária, o princípio do poluidor-pagador se impõe às instituições da Comunidade, como a Comissão, o Conselho, o Parlamento europeu, o Comité econômico e social, os Comités regionais e aos Estados membros. Mas, no parágrafo 5 do artigo 175, o Conselho conserva a faculdade de derrogar temporariamente as regras que ele impõe aos Estados membros e pelas medidas comunitárias que implicariam custos julgados desproporcionais[22]. Nessa disposição, nós estamos diante da aplicação do standard do custo econômicamente aceitável, implícita na expressão “custos julgados desproporcionais”. Então, a partir do momento que o Conselho define uma regra fundada sobre o princípio do poluidor-pagador e que o poder público de um Estado membro julgar que ela induzirá a custos desproporcionais, a medida pode ser derrogada temporariamente pelo Conselho.
Mesmo se nós não encontramos em nenhuma de suas definições a consideração dos aspectos econômicos no momento de sua aplicação pelas autoridades públicas, ao contrário dos princípios de prevenção e precaução, na formulação das políticas ambientais, o standard do custo econômicamente aceitável vai ser aplicado. Mais uma vez, a questão “devemos prevenir os danos a qualquer preço?” vai ser colocada pelas autoridades públicas.
Os instrumentos econômicos permitem a modificação da estrutura de produção, modificando os custos e os preços relativos, de maneira que os mecanismos do mercado orientem os recursos para utilizações menos prejudiciais ao meio ambiente. As modificações de custos e de preços influem manifestamente sobre a competitividade de certos setores, e seus efeitos podem ser mais sensíveis para certos grupos de investimento ou para certas regiões que para outras. As perdas de competitividade são particularmente sensíveis nos setores voltados à exportação.
Essa perda de competitividade incita certos setores a reclamar uma isenção, ou no mínimo, um regime particular, tomando principalmente a forma de uma diminuição dos impostos. O pedido de isenção é baseado justamente no fato de que os esforços que são exigidos são superiores às vantagens procuradas, uma vez que essa perda de competitividade influencia de maneira negativa o crescimento econômico.
O problema é que as isenções enfraquecem as incitações a reduzir as emissões nos setores interessados, que é o objetivo subentendido pelo princípio do poluidor-pagador, fazendo assim repousar sobre outros setores todo o peso da realização de um certo objetivo, e por consequência, um aumento do custo econômico global. Além disso, os setores favorizados são precisamente aqueles que possuem as maiores emissões por unidade produzida, onde as reduções menos custosas poderiam ser realizadas.
Desta maneira, a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável, que implica que as medidas não podem ter um custo desproporcional, ao princípio do poluidor-pagador enfraquece gravemente o conteúdo incitativo deste princípio.
Um estudo realizado pela OCDE[23] nos países membros, demonstra que em certos setores econômicos as políticas ambientais não são bem coordenadas com os objetivos ambientais. A agricultura, por exemplo, apresenta sérios problemas pois na maior parte dos países da OCDE, as políticas agrícolas prevêem o pagamento de importantes subvenções com a finalidade de manter a produção a um nível elevado. Mas a agricultura é um setor que causa muitos problemas ambientais porque ela modifica a natureza e a paisagem, utiliza insumos e pesticidas que podem contaminar o lençol freático e poluir as águas de superfície. Os sistemas de subvenção à agricultura são normalmente concebidos de tal maneira que ele se torna irrealista, pois se torna mais custosa a tentativa de proteger o meio ambiente que de corrigir a ineficiência da agricultura.
Neste exemplo, nós podemos ver claramente o efeito perverso do standard do custo econômicamente aceitável sobre o princípio do poluidor-pagador, uma vez que o objetivo ambiental não é atingido por razões puramente econômicas. Desta maneira, na balança custo-benefício, os valores ligados à proteção do meio ambiente tem um peso menor que os interesses econômicos.
3 – O STANDARD DO CUSTO ECONÔMICAMENTE ACEITÁVEL: MOTOR PARA A PROTEÇAO AMBIENTAL?
O fato que a noção de standard do custo econômicamente aceitável seja uma noção vaga lhe dá um caráter ambíguo. Desta maneira, assim como ele pode limitar o conteúdo protetor de certos princípios e noções do direito ambiental, ele pode também se alinhar a outros princípios e contribuir para a proteção do meio ambiente.
Nessa segunda parte, nosso objetivo é mostrar como a relação estreita entre o princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável (3.1), e a influência positiva deste standard sobre o princípio de correção à fonte (3.4), podem contribuir para a proteção ambiental.
3.1 – O princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável: duas noções estreitamente ligadas em favor da proteção do meio ambiente
O princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável são duas normas de ponderação porque as duas irão colocar em uma balança a medida e os objetivos perseguidos. Na verdade, o standard do custo econômicamente aceitável vai aparecer como uma das facetas do princípio de proporcionalidade e os sujeitos do direito irão mesmo tentar utilizá-lo para escaparem a certas normas de proteção ambiental. Com uma análise das jurisprudências da Corte de justiça da Comunidade Européia, nós veremos o importante papel do juiz comunitário, que define os contornos do controle de porporcionalidade e do standard do custo econômicamente aceitável.
3.1.1 – O princípio de proporcionalidade e o standard do custo econômicamente aceitável: duas normas de ponderação
O princípio de proporcionalidade conseguiu se impor em praticamente todas as ordens jurídicas, como o direito internacional, comunitário e nacional, assim que em todas as ramificaçoes do direito, como o direito penal, administrativo e o direito ambiental. Ele constitui uma norma de ponderação, se encontrando no interior de instituiçoes jurídicas determinadas. Quer dizer que ele implica em uma condição de legalidade, que irá apreciar os efeitos e objetivos das restrições colocadas a serviço de uma ou outra norma (direito subjetivo ou simples interesse). Ele autorisa o controle dos meios empregados em relação ao objetivo perseguido com a finalidade de “ajeitar” o melhor possível os outros interesses legítimos.
Entretanto, o standard do custo econômicamente aceitável é fundado sobre o princípio de proporcionalidade, uma vez que ele vai colocar na balança a perseguição de um objetivo e os interesses gerais ou privados que se encontram ameaçados. De fato, ao aplicar o standard do custo econômicamente aceitável, a administração vai fazer valer o princípio de proporcionalidade.
Da mesma forma que o standard do custo econômicamente aceitável, o princípio de proporcionalidade é revestido de um caráter ambíguo.
As políticas de meio ambiente, por causa de seu caráter transversal, podem, às vezes, confrontar vários interesses gerais e privados. Da mesma maneira que toda política pública limitando os direitos e as liberdades, elas se encontram submetidas a um controle de proporcionalidade que pode limitar seu conteúdo. Desta forma, o princípio de proporcionalidade pode privilegiar os interesse públicos e privados em prejuízo de uma aplicação estrita das regras destinadas a garantir a proteção ambiental. Essas últimas seriam então sacrificadas em nome da proteção dos interesses gerais ou privados. Esse caráter limitativo do princípio de proporcionalidade foi demonstrado na primeira parte deste estudo com a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável a certas noções e princípios de proteção ambiental.
Entretanto, o princípio de proporcionalidade pode ser favorável na proteção ambiental. A proteção do meio ambiente pertence ao interesse geral e, em consequência, se beneficia, em princípio, de uma proteção tão rigorosa quanto aquela que é dispensada a outras categorias de interesses. Em consequência, as lesões que lhe são causadas deveriam ser toleradas somente na medida em que elas seriam realmente proporcionais a seus objetivos.
O standard do custo econômicamente aceitável, por ser uma das facetas do princípio de proporcionalidade, possui esse caráter ambivalente. De fato, aplicá-lo a uma norma de proteção ambiental significa submeter essa norma ao princípio de proporcionalidade.
Em um primeiro tempo, como já exposto, temos a tendência de olhar essa submissão das normas ao princípio de proporcionalidade como uma restrição à proteção do meio ambiente.
Devemos analisar a balança custo-benefícios não como um cálculo no vazio destinado a saber se a medida “vale a pena” investir o dinheiro por esse ou aquele objetivo. É necessário, ao contrário, avaliar os custos em relação aos efeitos para evitar medidas custosas e pouco úteis. A eficiência deve estar compreendida no contexto de um sistema aos recursos limitados.
Na verdade, a questão deveria ser colocada da seguinte maneira: “qual é o ganho mais importante que podemos realizar com uma soma determinada?”.
Uma outra maneira de ver os aspectos positivos do controle de proporcionalidade, e por consequência do standard do custo econômicamente aceitável, é analisar a incidência dos princípios de direito ambiental sobre a adequação da medida em relação ao objetivo perseguido. Para Nicolas Sadeleer[24], os recursos aos princípios do direito ambiental podem colocar em evidência a relação entre a medida e o objetivo presumidamente perseguido. Nós podemos imaginar, por exemplo, a construção de uma instalação nuclear. Os danos a longo prazo são incertos, mesmo se os riscos são certos. Os ecologistas terão uma tendência a invocá-los (os riscos) contra o projeto. Ao contrário, os representantes de interesses econômicos ou os defensores do emprego se valerão justamente do caráter de simples risco dos danos. O único critério de decisão possível seria então comparar a importância do risco levantada pelos primeiros aos custos econômicos sofridos pelos segundos. Mas, os dados possuídos seriam comparáveis? Trata-se de uma outra questão que o princípio de precaução permite resolver, orientando sua arbitragem.
Além disso, as normas de proteção ambiental são formuladas intencionalmente com o conteúdo impreciso para que elas possam se adaptar às diferentes situações que elas encontram. Os custos e os benefícios não são homogêneos, eles vão variar em cada país e mesmo em regiões dentro de um mesmo país. E é aí que o controle de proporcionalidade, através do standard do custo econômicamente aceitável, tem um papel importante: uma técnica que é econômicamente aceitável em um país pode ser inaceitável em um outro. Esse último deverá, então, procurar uma outra técnica que seja econômicamente viável, operacionalizando-a para atingir os objetivos da norma visada.
3.1.2 – O standard do custo econômicamente aceitável em favor do meio ambiente: o controle de proporcionalidade aplicado pelo juiz
O princípio de proporcionalidade permite ao juiz resolver um conflito opondo duas regras de direito concorrentes e aplicar concomitantemente os princípios jurídicos que se opõe. Ele tenta, através da aplicação deste princípio, fazer com que eles coexistam, arredondando as arestas existentes.
Às vezes, os Estados e os industriais utilizam o conteúdo impreciso do standard do custo econômicamente aceitável como um meio de escapar à aplicação de certas regras de proteção do meio ambiente. Nestes casos, é o juiz, através do controle de proporcionalidade, que vai definir os contornos do standard do custo econômicamente aceitável.
Na jurisprudência da CJCE (Corte de Justiça das Comunidades Européias), por exemplo, o juiz verifica se a situação escolhida pelo Estado membro acionado é a mais sólida e a mais eficaz em relação a seu custo (a maneira menos custosa de atingir o objetivo de uma regulamentação).
Nos casos relativos à retirada da autorização de utilização de certos antibióticos, como aqueles usados como aditivos na alimentação dos animais[25], o Tribunal de primeira instância da Comunidade européia, depois de aplicar o princípio de proporcionalidade e realizar uma análise custo-benefício, decidiu que certas medidas restritivas eram justificadas em razão do princípio de precaução.
O Conselho da União Européia adotou a mesma postura em casos semelhantes. A Corte decidiu retirar a autorização de utilização de certos antibióticos, sustentando que, em diversos relatórios mencionados, era aconselhada a interdição desta utilização, uma vez que tais antibióticos eram os mesmos utilizados em medicina humana, e que as bactéricas poderiam se tornar resistentes a estes produtos, o que tornaria o tratamento parcialmente ou totalmente ineficaz. Os laboratórios sustentaram que as medidas de precaução tomadas seriam desproporcionais, que as instituições comunitárias haviam cometido erros de avaliação dos custos-benefícios e que os custos para a coletividade eram desproporcionais. Podemos compreender que, para os laboratórios, as medidas de precaução são desproporcionais, porque cada um dos laboratórios é o único fabricante e o mais importante fornecedor dos mencionados antibióticos. Consequentemente, as perdas econômicas com a aplicação dessas medidas são enormes para os laboratórios. Mas na sua decisão, o juiz deixa claro que a saúde pública tem uma importância preponderante sobre as considerações econômicas. Ele aplica, dessa forma, o standard do custo econômicamente aceitável, inerente ao princípio de precaução, em favor da proteção ambiental ao determinar que, a escolha política das instituições comunitárias não era irrazoável e que a decisão atacada não viola o princípio de proporcionalidade. Destacamos de uma decisão recente[26]: “É jurisprudência bem assente que a importância do objetivo prosseguido, ou seja, a proteção da saúde humana, pode justificar consequências econômicas negativas, mesmo consideráveis, para alguns operadores econômicos. Neste contexto, à proteção da saúde pública deve ser atribuída uma importância preponderante relativamente às considerações econômicas (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1996, Reino Unido/Comissão, C‑180/96 R, Colect., p. I‑3903, n.° 93, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Setembro de 2002, Pfizer Animal Health/Conselho, T‑13/99, Colect., p. II‑3305, n.os 456 e 457).”.
Existem também várias condenações dos Estados membros pela não transposição da diretiva sutentando as limitações de ordem econômica. A posição adotada pela CJCE é justamente que o standard do custo econômicamente aceitável não pode ser utilizado como uma norma limitativa, mas como uma norma que vai obrigar os Estados membros a procurar outras soluções a um custo menor.
No caso da transposição da diretiva 75/439/CEE do Conselho, de 16 de junho de 1975 relativo à eliminação de óleos usados, a Corte se mostra contrária aos argumentos de certos Estados membros que invocam limitações de ordem econômica para não aplicar as disposições contidas na diretiva[27]. De fato, a diretiva determina que os Estados membros devem dar prioridade ao tratamento de óleos usados pela regeneração do que pela comubustão ou outros meios. Mas, os estados invocam a ambiguidade da disposição constante no artigo 3, parágrafo 1[28], que faz referência às limitações de ordem técnica, econômica ou administrativa. Os tribunais acionados pelos Estados membros questionam então o Tribunal comunitário se essa disposição deve ser entendida como uma derrogação, de interpretação estrita, ou como uma condição necessária anterior à obrigação de dar prioridade, à qual será conveniente dar seu senso ordinário, amplo. A Comissão sustenta que a referência a tais limitações do artigo 3, parágrafo 1, constituem uma derrogação à exigência de dar prioridade à regeneração, e que ela deve ser objeto de uma interpretação estrita, à luz dos objetivos gerais da diretiva. Os Estados membros alegam que esta disposição não pode ser interpretada de maneira estrita e que ela lhes confere uma grande margem de apreciação no que concerne à existência de tais limitações, que podem se aplicar cumulativamente. À luz das limitações econômicas e técnicas, os Estados membros declaram que eles não tem nenhuma obrigação de adotar novas medidas para dar uma maior prioridade à regeneração. Os Estados membros tentam manipular o standard do custo econômicamente aceitável ao tentar persuadir o juiz que, para eles, a regeneração dos óleos usados não representa a solução mais rentável do ponto de vista econômico.
Mas para a Corte, a diretiva tem o objetivo de diminuir a quantidade de rejeitos de óleos usados e, em consequência, a disposição do artigo 3, parágrafo 1 deve ser entendido como uma expressão do princípio de proporcionalidade, implicando que os Estados membros tem a obrigação de adotar as medidas apropriadas e proporcionadas ao objetivo, visando a dar prioridade ao tratamento por regeneração dos óleos usados, no sentido que o limite dessa obrigação positiva é a existência das limitações citadas, e que, além disso, a definição não pode ser dada somente pela apreciação dos Estados membros.
Entretanto, para o advogado geral, o papel das limitações técnicas, econômicas e administrativas na determinação das medidas adotadas pelos Estados membros não deve nunca ser entendido como uma derrogação como foi entendido pela Corte, mas como um elemento central de um sistema de alternativas expostas, seguindo uma ordem preferencial. O advogado chega também à conclusão que, os Estados membros não podem alegar limitações de ordem econômica para não aplicar as disposições da diretiva, uma vez que eles detêm um grande poder discrecionário e que eles não esgotaram todos os meios possíveis de pesquisa de um meio para fazer face a essas limitações e a atingir o objetivo da diretiva.
Em um recurso da Comissão da Comunidade européia contra a República Portuguesa[29], em um caso relativo ao traçado escolhido pela República Portuguesa em um projeto de autoestrada, a CJCE é convidada a resolver o caso em recorrendo ao princípio de proporcionalidade. Em uma comunicação ao diário oficial, a Corte reconhece que os argumentos apresentados pela Comissão são pertinentes. A Comissão sustenta que a República Portuguesa não levou em consideração a avaliação dos impactos sobre o local do projeto de auto estrada, onde o traçado atravessa uma zona de proteção especial. Desta maneira, a República Portuguesa feriu os dispositivos das diretivas 92/43/CEE e 97/62/CE e além disso ao princípio de proporcionalidade, uma vez que ela dispunha de soluções alternativas para o traçado em questão, sem custo financeiro excessivo e sem maiores dificuldades técnicas.
A análise das decisões da CJCE e do Tribunal de Primeira Instância mostra que, para o juiz comunitário, a proteção do meio ambiente deverá ter um peso maior na balança custo-vantagens nas decisões da administração e dos industriais.
O interesse de tais decisões se sustenta no fato que, a forma e o contéudo do standard do custo econômicamente aceitável são definidos pela pessoa ou instituição que o invocam.
De uma certa maneira, ele pode ser utilizado em favor da proteção do meio ambiente, e as considerações econômicas não serão mais importantes que as considerações ecológicas, ou ao contrário, ele pode ser utilisado como um meio de limitar a proteção ao meio ambiente, que será sempre perdedora frente às considerações de ordem econômica.
A escolha de como o standard do custo econômicamente aceitável será utilizado não será realmente objetivo, porque ele é condicionado ao valor que os industriais, os poderes públicos e o juiz emprestam respectivamente à parte ameaçada do meio ambiente e aos interesses que se encontram lesados pela medida aplicada.
3.2 – Os efeitos positivos do standard do custo econômicamente aceitável sobre o princípio de correção, por prioridade à fonte, dos atentados ao meio ambiente
A luta contra a poluição tem se tornado cada vez menos custosa e mais eficaz à medida que nos aproximamos da fonte. É nessa perspectiva que apareceu o princípio de correção, por prioridade à fonte, dos atendados ao meio ambiente.
Na presente seção, estudaremos as relações estreitas que esse princípio possui com o princípio de prevenção, com a noção de MTD e o princípio de precaução. É através da sua subordinação à aplicação da MTD, que nós demonstraremos a influência positiva do standard do custo econômicamente aceitável sobre tal princípio, através das melhores técnicas disponíveis (3.2.1).
Em seguida, estudaremos a aplicação desse princípio em direito europeu e a influência do standard do custo econômicamente aceitável sobre o desenvolvimento e a aplicação de novas tecnologias através de um campo em que o princípio de correção à fonte é facilmente percebido, a gestão de resíduos no direito comunitário (3.2.2)
3.2.1 – A influência positiva do standard do custo econômicamente aceitável sobre o princípio de correção, por prioridade à fonte, nos atentados ao meio ambiente: as MTD
O princípio de correção, por prioridade à fonte, dos atentados ao meio ambiente, ou simplesmente, princípio de redução na fonte, foi notadamente reconhecido pelo art. 174 do tratado instituindo a Comunidade Européia, os artigos 3.2.d dos acordos Escaut-Meuse, o artigo 3.1.d da Convenção de Helsinki de 17 de março 1992 sobre a proteção dos cursos de água internacionais e dos lagos internacionais. A idéia do princípio já estava presente no segundo programa de ação das Comunidades européias em matéria de meio ambiente. Segundo seu preâmbulo, a melhor política de meio ambiente consiste em evitar, desde a origem, a criação da poluição ou de incomôdos do que de combater posteriormente seus efeitos[30]. Com essa finalidade, é conveniente conceber e orientar o progresso técnico com o objetivo de responder à preocupação da proteção ao meio ambiente e de melhorar a qualidade de vida, assegurando que os custos relativos sejam os menores para a coletividade.
A idéia desse princípio já estava presente em duas diretivas da Comunidade, antes mesmo que ele fizesse parte do Tratado CE. O princípio de correção por prioridade à fonte foi introduzido no Tratado somente em 1997, através da reforma do Ato Único Europeu, e faz parte dos princípios que regulamentam a política comunitária no domínio do meio ambiente.
A idéia deste princípio já guiava a política de proteção ao meio ambiente bem antes dessa data. Encontramos traços, em efeito, na diretiva 75/442/CEE do Conselho, de 15 de julho de 1975, relativa aos resíduos e na diretiva 96/61 CE do Conselho, de 24 de setembro de 1996 relativa à redução integrada da poluição.
O princípio de correção à fonte se aproxima do princípio de prevenção, mas eles não se confundem porque o campo de aplicação do princípio de correção à fonte é mais estreito que o do princípio de prevenção.
O princípio de prevenção supõe a prevenção de um dano no qual a ocorrência é suspeitada sem que se precise atacar à fonte da poluição. Desta maneira, o respeito das normas de qualidade do meio ambiente poderiam ser suficientes para prevenir a ocorrência de uma poluição. Entretanto, o princípio de redução à fonte dos atentados do meio ambiente visa a corrigir a própria natureza de uma atividade danosa para o meio ambiente. Os objetivos de qualidade não são mais suficientes, porque convêm combater a própria fonte da poluição impondo aos poluidores de recorrer às tecnologias mais apropriadas. Mesmo se os dois princípios não se confundem, eles são complementares e às vezes o princípio de correção à fonte é referido como princípio de prevenção à fonte.
A aplicação do princípio de redução à fonte é subordinado à utilização das melhores tecnologias disponíveis que, por sua vez, são subordinadas ao standard do custo econômicamente aceitável.
Ora, vimos na primeira parte deste estudo que o standard do custo econômicamente aceitável limita a noção de melhores técnicas disponíveis. Entretanto, o standard pode ser um incentivo ao desenvolvimento de novas tecnologias.
Uma tecnologia pode ser considerada como a melhor tecnologia para combater um certo tipo de poluição e não entrar no campo de aplicação das melhores técnicas disponíveis por causa de seu custo, se ele é considerado muito elevado. Deste ponto de vista, o standard do custo econômicamente aceitável vai representar uma limitação às MTD. Mas por um outro lado, o fato que uma técnica não seja aplicável por causa de seu custo vai impulsionar a pesquisa científica a reduzir os custos desta técnica.
Na verdade, o fato de ser levado em conta as considerações econômicas na aplicação das MTD através do standard do custo econômicamente aceitável é destinado a evitar que certas medidas visando reduzir a poluição compromentam a viabilidade econômica industrial. A aplicação do standard do custo econômicamente aceitável vai permitir o estabelecimento de um equilíbrio entre meio ambiente e desenvolvimento, o que estaria de acordo com o objetivo do desenvolvimento sustentável.
De qualquer maneira, uma visão de prevenção da poluição à fonte será menos custosa para o industrial que uma visão curativa utilizando as tecnologias end of pipe. As políticas de prevenção à poluição tornam-se mais e mais eficazes à medida que nos aproximamos de sua fonte.
Os estudos liderados pela OCDE[31], pela Comissão européia[32] e o PNUMA[33] sobre a aplicação de dois tipos de tencnologia, “end of pipe” e tecnologias limpas, mostraram que a utilização das tecnologias limpas representam maiores ganhos tanto ambientais quanto econômicos. A utilização de tecnologias limpas permitem não somente a utilização mais racional possível de matérias primas e de energia mas também a minimização de rejeitos poluentes em vista de reduzir o impacto ambiental por um custo econômicamente aceitável. Além disso, para a indústria os benefícios fazem-se sentir de um lado pelos ganhos de produção, e de outro pelas economias sobre os pagamentos de taxas de poluição.
Entretanto os industriais utilizam a flexibilidade das regras como as MTD para evitar sua aplicação porque o investimento é maior para aplicar a solução preventiva imediatamente. É a partir desse momento que compreendemos a importância do princípio do poluidor-pagador.
O princípio do poluidor-pagador reforça a aplicação do princípio de correção à fonte porque a aplicação de normas anti-poluição e sobretudo de taxas que ele preconisa deveriam induzir o industrial a tomar ele mesmo as medidas de prevenção à poluição ao menor custo.
De fato, sob o ângulo jurídico o princípio do poluidor-pagador completa o princípio de correção à fonte. Os custos econômicos para reduzir a poluição se mostram menos importantes que aqueles que eles devem suportar se eles continuarem a perpetuar suas emissões. Seu objetivo então será a aplicação de uma política de redução da poluição induzindo os poluidores a reduzir suas emissões, no lugar de se contentar em pagar as taxas.
3.2.2 – Análise da política comunitária de gestão de resíduos: a utilização do standard do custo econômicamente aceitável em favor do meio ambiente?
Em todas as áreas, a pesquisa é ligada ao progresso e ao crescimento econômico. Em matéria de meio ambiente, o objetivo é desenvolver novas tecnologias menos poluentes, mais respeitosas do meio natural e menos custosas.
O legislador e os poderes públicos já compreenderam que mais nos aproximamos da fonte da poluição, mais esses objetivos tem chance de serem atingidos.
É nessa área de gestão de resíduos que vamos analisar a vocação do princípio de correção à fonte: é inutil investir somas importantes para construir instalações de reciclagem de resíduos, se nós podemos prevenir sua formação em reutilizando-os imediatamente no circuito econômico.
Ao aplicar o princípio de correção por prioridade à fonte dos atentados ao meio ambiente às políticas, serão estabelecidos objetivos não somente de qualidade mas também de redução da poluição, obrigando os poluidores a utilizar as tecnologias mais apropriadas.
A política comunitária sobre os resíduos leva em consideração três eixos: prevenção, revalorização e eliminação. Eles foram definidos numa comunicação adotada pela Comissão em 14 de setembro de 1989 e que baseava-se em uma estratégia comunitária para a gestão de resíduos, e que tinha por objeto determinar as prioridades gerais até o ano 2000. Nessa comunicação ao Conselho e ao Parlamento europeu, a Comissão enunciou que o esforço comunitário em matéria de gestão de resíduos deve primeiramente se basear na prevenção da criação dos resíduos antes de visar a sua revalorização e as modalidades de sua eliminação final.
Em relação à prevenção, a Comissão visualizou duas maneiras distintas para concretizar esse objetivo: de um lado, pelo o desenvolvimento de tecnologias limpas graças a optimização de processos de fabricação não poluentes e produzindo poucos resíduos e, de outro lado, graças à elaboração de uma política de produtos gerando menos resíduos.
O Parlamento e o Conselho aprovaram o ponto de vista da Comissão e o Conselho o incentivou a apresentar o mais rapidamente possível as proposições em vista de definir os critérios ecológicos para os produtos, levando-se em conta as melhores técnicas disponíveis, que não acarretem custos excessivos e que prevêem, de acordo com o caso, a utilização de materiais recicláveis, reutilisáveis ou biodegradáveis, e tendo em vista criar um sistema comunitário complementar de etiquetagem ecológica que leve em conta o impacto do produto sobre o meio ambiente durante o seus ciclo de vida.
Mesmo se essa comunicação determina as prioridades até o ano 2000, sabemos que ainda hoje a política comunitária de gestão de resíduos é fundada sobre esses três eixos, como testemunha a comunicação apresentada pela Comissão em 27 de maio de 2003 e intitulada “Em direção a uma estratégia temática pela prevenção e reciclagem dos resíduos”.
Em matéria de resíduos, os Estados membros devem adotar medidas apropriadas para promover sua prevenção desde 1975, antes mesmo que o princípio de correção à fonte faça parte do Tratado CE. Além disso, eles devem informar a Comissão de todo projeto de regulamentação relativo ao encorajamento à diminuir as quantidades de certos resíduos.
Mas, é no texto do artigo 1o da diretiva 91/156/CEE modificando o art. 3.1 da diretiva 75/442/CEE que será consagrado a preferência à ação na fonte: os Estados membros devem adotar medidas apropriadas para promover em primeiro lugar a prevenção ou a redução da produção de resíduos e de sua nocividade.
De fato, à origem a diretiva 75/442/CEE previa a prevenção, a reciclagem e a transformação dos resíduos, mas sem estabelecer uma ordem de prioridade. Após a sua modificação pela diretiva 91/156/CEE, esse objetivos foram hierarquizados, dando-se preferência à prevenção ou à redução da produção de resíduos.
A diretiva-quadro encoraja tanto a prevenção pela utilização de novas tecnologias quanto a prevenção através dos produtos. Somente na medida em que não consigamos prevenir sua aparição é que a valorização deverá ser favorecida.
A política de gestão de resíduos de cada Estado membro deve refletir esta ordem de prioridade sob pena de não assegurar uma execução correta da diretiva 91/156/CEE.
O interesse desta hierarquia subsiste no fato que para o Estado membro, pode ser mais interessante do ponto de vista econômico exportar seus resíduos para um outro Estado membro para serem eliminados, ao invés de fazer investimentos visando a prevenção dos resíduos.
A CJCE foi provocada várias vezes para resolver esse tipo de conflito. No acordão Resíduos valônios[34] por exemplo, o Tribunal invocou o princípio de correção por prioridade à fonte para validar a interdição de importar resíduos estrangeiros para a região da Valônia. Para sustentar seus argumentos, o Tribunal faz referência aos princípios de proximidade e autosuficiência. Conforme esses princípios, as empresas não podem exportar seus resíduos uma vez que elas são obrigadas a tratá-los no território de seu Estado-membro onde elas são implatadas, ou até mesmo dentro dos limites territoriais da competência das coletividades regionais ou locais. Se as quantidades de resíduos crescem, é de se acreditar que os preços do tratamento aumentem, porque as capacidades de eliminação de resíduos serão forçosamente limitadas em razão da diminuição territorial do mercado. As empresas serão assim encorajadas a reduzir o volume de seus resíduos, porque elas não disporão mais da possibilidade de exportá-los para eliminá-los a um baixo custo. Para Nicolas de Sadeleer[35], essa visão permite, por consequência, atacar o problema na fonte de uma maneira muito mais eficiente que lhe permitiriam as medidas tratando sobre o controle de transferência de resíduos.
A diretiva de 75, por ser uma diretiva-quadro, apresenta um campo de aplicação mais largo. Desta maneira, a Comunidade começou a adotar diretivas mais específicas.
Na diretiva 75/439/CEE do Conselho, de 16 de junho de 1975 relativa à eliminação de óleos usados, encontramos em seu artigo 3.1 a hierarquização das medidas que os Estados membros devem adotar para tratar os óleo usados. De fato, a diretiva determina que os Estados membros devem dar prioridade ao tratamento de óleos usados pela regeneração, ao invés da combustão ou outros meios. A CJCE condenou vários Estados membros pela não transposição deste artigo, justamente porque eles haviam escolhido, por razões puramente econômicas, outros tipos de tratamentos menos eficaces que a regeneração. Para os Estados membros, a regeneração dos óleos usados não era uma solução que possuiria um custo econômicamente aceitável.
O problema dessa manipulação do standard do custo econômicamente aceitável pelos Estados membros para evitar a transposição correta das regras de direito relativas ao campo dos resíduos vai permitir a esses Estados de favorecer o campo da concorrência de suas empresas em relação às empresas presentes nos Estados membros que transpuseram, no prazo determinado, as regras comunitárias. Em efeito, com essa manobra os Estados evitam às suas empresas o dever de efetuar imediatamente os investimentos necessários ao respeito das normas.
4. CONCLUSÃO
Durante vários anos, o planeta foi considerado, de um lado como uma reserva inesgotável de matéria prima e, de outro lado, como o receptáculo dos resíduos domésticos, industriais e agrícolas podendo constituir um risco para o homem e o meio ambiente. A necessidade de adotar uma gestão econômica dos recursos com a finalidade de reduzir a poluição, de preservar os recursos naturais mas também de permitr aos industriais de terem ganhos econômicos, de acordo com o objetivo do desenvolvimento sustentável, apareceu nos anos 60 com a observação de graves problemas de água, de poluição atmosférica e na conscientização do público face aos problemas ecológicos.
O Relatório de sintése sobre a avaliação dos ecossistemas para o milênio anuncia que as mudanças dos ecossistemas que levaram a ganhos substanciais em termos de bem-estar humano e de desenvolvimento econômico foram obtidos a um preço bem mais elevado em termos de degradação de outros serviços.
Há muito tempo, o direito, a economia e o meio ambiente mantêm relações complementares e ambíguas. E a aparição da noção de desenvolvimento sustentável fez apenas acentuar essas complementaridades e ambiguidades, colocando como seus três pilares, interdependentes e complementares, o desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente.
O grande problema reside no que é confrontado à situações antagonistas: a proteção do meio ambiente e o crescimento econômico. Os conflitos podem surgir de prioridades mundiais, nacionais e locais em matéria de desenvolvimento sustentável. Por exemplo, a supressão de riscos de catástrofes nucleares através do fechamento de centrais nucleares ou o fornecimento de eletricidade à população.
Em razão de seu caráter transversal, as medidas de proteção do meio ambiente podem bater de frente com vários interesses gerais e privados. Assim, o legislador apela às normas de caráter variável, o que permite a adaptação das regras às situações diversas e de dar aos princípios uma perenidade que as normas mais precisas e mais completas não possuem.
E é nesse contexto que aparece o standard do custo econômicamente aceitável. Enquanto que uma análise de custos-vantagens, ele ajuda os administradores a avaliar e a escolher a solução mais adaptada ao contexto.
Mas a aplicação do standard do custo econômicamente aceitável apresenta duas dificuldades. A primeira é a avaliação dos custos dos danos ecológicos que, ao contrário dos danos sociais e econômicos, não podem ser facilmente calculados. E a segunda provêm do fato que a determinação do limiar aceitável/inaceitável está sob a responsabilidade do administrador.
Essas duas dificuldades conduzem o standard do custo econômicamente aceitável a ter um comportamento ambíguo: dependente do julgamento de valor, ele pode favorecer a proteção do meio ambiente ou ele pode limitar consideravelmente o conteúdo protetor de certas noções.
Nessa balança entre valores ligados à proteção do meio e os interesses econômicos, o presente estudo nos permitiu mostrar que os primeiros tem um peso menor na balança.
No nível internacional, a mudança de valores pode ser reparada entre a Conferência do Rio em 1992 e a Cúpula mundial em Johannesburgo em 2002. Se no Rio a ênfase foi colocada sobre o pilar ambiental, em Johannesburgo as discussões foram focadas sobre o pilar econômico.
No nível comunitário, a má transposição de diretivas e a má aplicação das disposições regulamentares criam distorsões de concorrência. A aplicação de certas regulamentações é vista pelos Estado membros como um fardo financeiro suplementar.
É nesse cenário caótico que o juiz comunitário é chamado para colocar um pouco de ordem nessa confusão de valores. Na esfera comunitária, vemos claramente que o juiz tenta equilibrar a balança de valores entre o meio ambiente e os interesses econômicos, para não deixar os Estados membros e os industriais manipularem o caráter impreciso do standard do custo econômicamente aceitável.
Finalmente, o standard do custo econômicamente aceitável é vítima de seu caráter impreciso: uma norma que foi concebida para permitir a adaptação da política ambiental às realidades locais sofre por causa de seu conteúdo indeterminado.
Mestre em Direito Ambiental pela Université Paris 1 – Panthéon-Sorbonne. Gerente da Área Ambiental do escritório Décio Freire & Associados. Professora de Direito Ambiental Empresarial, Auditoria e Perícia Ambiental, e Direito Ambiental
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