O STF e sua nova Súmula Vinculante

Em Sessão Plenária realizada no dia 21 de agosto último, o Supremo Tribunal Federal, por unanimidade, aprovou o teor da mais nova Súmula Vinculante, a de nº 13, que até a elaboração deste artigo gerou as seguintes manchetes:

– Senado obriga parlamentares a cumprir súmula do STF que proíbe o nepotismo (Folha Online, 09/09/2008)

– Senado ”lava as mãos” na demissão de parentes – Mesa  não fixa prazo para exoneração de familiares empregados na Casa e resolve deixar para que cada parlamentar aja por conta própria (O Estado de São Paulo, 10/09/2008)

– Congressistas já demitiram 30 parentes após decisão do STF (Folha Online, 04/09/2008)

– Mulher de prefeito de Belo Horizonte é exonerada de cargo (Folha Online, 09/09/2008)

Contudo, antes de tratarmos pontualmente dela, cabe aqui tecermos algumas considerações.

O artigo 103-A da Constituição Federal, que trata da Súmula Vinculante, foi incluído pela Emenda Constitucional nº 45/04, que trouxe a tão difundida Reforma do Poder Judiciário, posteriormente regulamentada pela Lei nº 11.417, de 19 de dezembro de 2006.

Em linhas gerais, a edição da súmula vinculante é realizada pelo STF, de ofício ou por provocação – daqueles apontados no rol existente no art. 3º da Lei nº 11.417/06 e § 2º do art. 103-A da CF –, mediante decisão de dois terços dos seus membros. Sua finalidade é, após verificar reiteradas decisões sobre matéria constitucional, trazer a real validade, interpretação e eficácia de norma determinada, acerca da qual haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública.

Ressalte-se que tais controvérsias devem acarretar grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

O intuito é dar celeridade aos processos, desafogando assim o Judiciário. Deste modo, os inúmeros processos existentes sobre matéria constitucional com reiterado e pacífico posicionamento do STF são passíveis de edição de súmula, com efeitos vinculantes em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

Portanto, a eficácia da súmula vinculante é limitada, aplicando-se tão-somente aos entes supramencionados, não tendo eficácia contra todos, considerando que os particulares não estão obrigados a se conduzir na forma por ela determinada, sem que isso implique em sanção. Logo, não é possível afirmar que sua força seja de lei, como bem ensina José Afonso da Silva, em sua obra Comentário Contextual à Constituição, ed. Malheiros, 2ª ed., pág. 562.

A Reclamação é instrumento diretamente apresentado ao STF, contra ato administrativo ou decisão judicial que se opuser ao disposto na súmula vinculante ou de forma indevida aplicar seu teor. A Corte Suprema, julgando procedente o feito, anulará o ato ou cassará a decisão, determinando, para tanto, que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso, art. 103-A, § 3º, da CF.

Conforme vimos, a súmula com efeito vinculante é medida exclusiva do STF, com a finalidade de dar fim à morosidade existente no âmbito do Judiciário, obrigando todos os atos administrativos ou decisões judiciais à sua observância. Destarte, há a responsabilidade pessoal nas esferas cível, administrativa e penal do administrador público que descumprir os seus preceitos, consoante dispõe o art. 64–B da Lei nº 9.784/99, inserido pela Lei nº 11.417/06.

Realizados os apontamentos, a Súmula Vinculante nº 13 tem a seguinte redação: “A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”.

Agora, sumularmente, o nepotismo está ali tratado, sendo vedada a contratação de parentes de autoridades e de funcionários de forma não concursada, para cargos de confiança, de comissão e de função gratificada no serviço público no âmbito dos entes federativos (União, estados e municípios), compreendidos os Três Poderes.

A autoridade nomeante ou servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, não pode contratar cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade até o terceiro grau. O Código Civil traz nos artigos 1.591 a 1.595 as relações que caracterizam o parentesco.

Por parentesco, entende-se o vínculo de duas ou mais pessoas, em decorrência de uma delas descender da outra ou de ambas procederem de um genitor comum[i].

Pode-se entender como parentesco em linha reta os ascendentes e descendentes: pais, avós, bisavós, filhos, netos e bisnetos; em linha colateral: irmãos, tios e sobrinhos, e por afinidade, pais, filhos e irmãos do cônjuge ou companheiro (art. 1.595, § 1º do Código Civil). Dado interessante é que, na linha reta, a afinidade não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável (art. 1.595, § 2º do CC).

O nepotismo age de forma avessa aos ensinamentos expressos na Carta Magna, sobretudo aos princípios norteadores da Administração Pública, esbarrando na legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência (art. 37 da CF).

Celso Antônio Bandeira de Mello, em sua obra Elementos de Direito Administrativo, 2ª ed., São Paulo, Editora RT, pág. 299/300, ressalta a importância pujante dos princípios: “Princípio (…) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (…). Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.”. E diferentes não são os basilares do Direito Administrativo elencados no art. 37 da Carta Magna Brasileira.

Em linhas gerais, o nepotismo fere o princípio da moralidade, ao passo que a conduta do administrador público ofende a moral, a regra da boa administração, os princípios de justiça e de equidade e a idéia comum de honestidade[ii], o que não se mistura com a legalidade, pois pode uma conduta ter amparo legal e não ser moral; afronta o princípio da impessoalidade quando a coisa pública é confundida com a privada, ou seja, o interesse privado do administrador público mistura-se com o interesse público, trazendo malefício à coletividade; o princípio da eficiência, já que a máquina administrativa é usada de forma a atender à vontade de poucos, não obtendo presteza e eficiência necessária ao atendimento comum e, por fim, macula o princípio da legalidade, haja vista ser contra tudo aquilo expressamente disposto na Magna Carta.

A redação da Súmula Vinculante nº 13 veda também nomeações recíprocas, já que, com base na troca de favores, agentes públicos nomeiam reciprocamente seus parentes, o que não se confunde, mas suplementa a nomeação cruzada. Para a configuração do nepotismo não basta que A e B, agentes públicos, combinem apenas entre si a nomeação recíproca: A contrata B1 (que é filho de B) e B contrata A1 (filho de A). Exemplificando, poderão, no caso de A, B, C e D combinarem nomeações, proceder da seguinte forma: A contrata B1, B contrata C1, C contrata D1 e, por fim, D contrata A1. Temos aí configurada a nomeação recíproca cruzada.

Vale evocar conceito acima afirmado, de que o ato administrativo ou decisão judicial não pode contrapor o disposto na súmula vinculante ou, de forma indevida, aplicar seu teor, o que não permite asseverar que o que ali não constar pode ser indistintamente executado, tendo em vista a possibilidade de aplicação de outros atos normativos. Logo, a aplicabilidade da súmula deve ser feita na medida do cabível e ser realizada de pronto, sob pena de responsabilidade civil, penal e administrativa do administrador público.

Ao STF caberá analisar caso a caso, pois, mesmo não infringindo a súmula, a situação poderá esbarrar em um princípio constitucional, que é regra jurídica auto-aplicável, tal qual o da moralidade, configurando assim o nepotismo.

Deste modo, a edição da Súmula Vinculante nº 13 pela Corte Suprema atende a um anseio antigo da sociedade e, espera-se que seja agora efetivamente observado pelos administradores públicos e por todos aqueles que representam a vontade do povo, finalmente prevalecendo o interesse público em detrimento do privado.

 

Notas:
[i] Sílvio de Salvo Venosa, Direito Civil, 4ª edição, Editora Atlas, 2004, pág. 267.
[ii] Maria Sylvia Zanella di Pietro, Direito Administrativo, 18ª edição, Editora Atlas, 2005, pág. 79.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Giselle Gomes Bezerra

 

Acadêmica de Direito e Membro do Departamento Jurídico da CONAM – Consultoria em Administração Municipal, na área de Direito Público.

 


 

Equipe Âmbito Jurídico

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