I – INTRODUÇÃO
Por votação unânime, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu na sessão do dia 16 de novembro de 2011, que as Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais são competentes para julgar recursos interpostos contra atos emanados de tais juizados, sejam eles simples recursos ou mandados de segurança. A decisão, tomada no julgamento do Recurso Extraordinário nº. 586789, confirma acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que entendeu competir à Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná examinar o cabimento de mandado de segurança, quando utilizado como substitutivo recursal, impetrado contra decisão de juiz federal, no exercício da jurisdição do Juizado Especial Federal. No julgamento, os Ministros entenderam que, em virtude do caráter singular dos juizados especiais, não há subordinação deles aos Tribunais de Justiça, quando de abrangência estadual e, no caso dos de natureza federal, aos Tribunais Regionais Federais. Segundo eles, admitir tese contrária seria fulminar o próprio objetivo com que foram criados os juizados especiais: simplificar o processamento de causas menores pelo Judiciário, dando-lhes celeridade. E, no entender deles, essa simplificação implica resolver, na própria estrutura dos juizados especiais, de que fazem parte as turmas recursais, os processos a eles trazidos. O Ministro Gilmar Mendes chegou a qualificar de “fracasso do sucesso” o que ocorreu com os juizados especiais federais, justamente em virtude da simplicidade e celeridade da tramitação dos processos levados a seu julgamento. É que, ao contrário do que se imaginava, segundo ele, que chegaria a 200 mil o número de processos em tramitação atualmente, essa marca já ultrapassou os 2,5 milhões, superando o número de processos em tramitação na justiça federal comum. Neste sentido, a unanimidade dos Ministros acompanhou o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, cujo entendimento foi o de que a decisão está em sintonia com o que preconiza o artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, ou seja: a criação, pela União, pelo Distrito Federal, pelos estados e territórios, de “juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”. Segundo observou o Ministro Celso de Mello, ao acompanhar o voto do relator, o modelo dos juizados especiais se rege, não pelo duplo grau de jurisdição, mas pelo critério do duplo reexame, que se realiza no âmbito do primeiro grau de jurisdição. Portanto, segundo ele, não se tratava de discutir a adequação da via processual utilizada, mas apenas de definir o órgão competente para julgar originariamente o Mandado de Segurança. E este, também em seu entender, é a Turma Recursal dos Juizados Especiais. Fonte: STF.
Esta já era a posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, cristalizada no Enunciado 376: “Compete à turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial”.
II – OS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
Como se sabe, os arts. 1º. e 60 da Lei nº. 9.099/95, regulamentando o art. 98 da Constituição Federal, previram a criação pelos Estados e pela União (no Distrito Federal) dos Juizados Especiais Criminais, no âmbito da Justiça Ordinária (Justiça Comum Estadual e Justiça Comum do Distrito Federal). Com a Emenda Constitucional nº. 22/99, acrescentou-se um parágrafo único[1] ao referido art. 98, determinando que “lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”, o que veio a se efetivar com o surgimento da Lei nº. 10.259/2001[2]. Observa-se que a Lei nº. 10.671/2003, que dispõe sobre o Estatuto de Defesa do Torcedor, prevê a criação dos Juizados do Torcedor, no âmbito da Justiça Comum Estadual e da Justiça do Distrito Federal, com competência para o processo, o julgamento e a execução das “causas” (cíveis e criminais) decorrentes das atividades reguladas na lei (art. 41-A). Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos.
III – CONCEITO DE INFRAÇÃO PENAL DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO[3]
É também cediço que a Lei nº. 11.313/06 modificou as leis dos Juizados Especiais Criminais, Estaduais e Federais, definindo serem infrações penais de menor potencial ofensivo todas as contravenções penais e todos os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a dois anos, independentemente da previsão de procedimento especial. Quanto à cominação de pena de multa, também a inovação foi importante para dirimir outra controvérsia; a questão consistia em saber como interpretar a última parte do parágrafo único do art. 2º. da Lei nº. 10.259/01 (com a redação anterior). Para nós, a pena máxima de dois anos sempre foi o limite intransponível para o respectivo conceito, ou seja, qualquer delito cuja pena em abstrato fosse superior a dois anos estava fora do âmbito dos Juizados, tivesse ou não pena de multa alternativa ou cumulativamente cominada, pois o critério do legislador, ao conceituar tais delitos, foi sempre a pena máxima, não a mínima (multa). Ainda que a pena de multa seja cumulada com a pena de detenção ou reclusão igual ou inferior a dois anos, a situação não muda, ou seja, continua sendo de menor potencial ofensivo[4]. A Lei nº. 11.313/06 resolveu definitivamente a questão: não interessa a cominação da pena de multa para a definição de infração penal de menor potencial ofensivo, pouco importando seja a pena pecuniária cominada alternativa ou cumulativamente (se for cumulada não retira da infração a natureza de menor potencial ofensivo – como afirma a nova lei, com muito mais razão se a cominação for alternativamente).
Na definição de infração de menor potencial ofensivo são levadas em conta as causas de aumento (no máximo) e de diminuição (no mínimo), inclusive a tentativa e o arrependimento posterior (art. 16 do Código Penal), excluídas as agravantes e as atenuantes genéricas, pois estas, além de não haver um quantum de aumento ou de diminuição estabelecido, não podem aumentar a pena acima do máximo nem diminuí-la aquém do mínimo (Enunciado 231 da súmula do Superior Tribunal de Justiça). Assim, podemos afirmar que são crimes de menor potencial ofensivo, dentre inúmeros outros, o abuso de autoridade (Lei nº. 4.898/65)[5], contra a honra (calúnia[6], difamação[7] e injúria[8]) e, mesmo, o aborto provocado pela gestante ou com o seu consentimento, quando na sua forma tentada (arts. 124 c/c 14, II do Código Penal). Sobre este último crime, observa-se que em caso de tentativa incidirá sobre a pena máxima cominada (três anos) a causa de diminuição de pena (1/3), restando a pena máxima de dois anos. O fato de ser crime doloso contra a vida não é óbice a esta afirmativa, pois é a própria Constituição Federal que no seu art. 98, I excepciona o disposto no seu art. 5º., XXXVIII, “d”. Lembremo-nos, ademais, que nos casos de competência determinada pela prerrogativa de função (em vista de dispositivo contido na Carta Magna), o julgamento também não será do Júri Popular, mas do respectivo Tribunal[9]. Quanto ao porte de arma (que era de menor potencial ofensivo à luz da legislação revogada), a nova lei o excluiu deste rol. Assim, na Lei nº. 10.826/2003 apenas o crime do art. 13 (omissão de cautela) é de menor potencial ofensivo.
Tal conceito evidentemente não foi alterado pelo art. 94 da Lei nº. 10.741/03 (Estatuto do Idoso) que dispõe: “aos crimes previstos nesta Lei, cuja pena máxima privativa de liberdade não ultrapasse 4 (quatro) anos, aplica-se o procedimento previsto na Lei no. 9.099, de 26 de setembro de 1995, e, subsidiariamente, no que couber, as disposições do Código Penal e do Código de Processo Penal.” Para nós, esta nova lei apenas determina sejam aplicadas as normas procedimentais da Lei nº. 9.099/95 (normas processuais puras, no dizer de Taipa de Carvalho) aos processos referentes aos crimes (com pena máxima de quatro anos) tipificados no Estatuto, excluindo-se a aplicação de suas medidas despenalizadoras (composição civil dos danos e transação penal), pois não seria coerente um diploma legal que visa a proteger os interesses das vítimas idosas permitir benefícios aos autores dos respectivos crimes.[10] Esta interpretação guarda coerência, pois tais crimes (graves, pois praticados contra idosos) serão julgados por meio de um procedimento mais célere, possibilitando mais rapidamente o desfecho do processo (sem olvidar-se da ampla defesa e do contraditório, evidentemente). Esta questão foi definida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3096. Para a relatora do processo, Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o art. 94 deve ser interpretado de acordo com a Constituição Federal, no sentido de que sejam aplicados aos crimes previstos no estatuto do idoso apenas os “procedimentos” previstos na Lei nº. 9.099/95 – para dar celeridade aos processos -, e não os benefícios, como possibilidade de conciliação, transação penal ou a conversão da pena. Com isso, frisou a Ministra, os idosos teriam a possibilidade de ver os autores dos crimes processados de forma ágil, sem, contudo, vê-los beneficiados pela Lei nº. 9.099/95. O debate incluiu a participação de todos os Ministros presentes à sessão. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua dificuldade em acompanhar a relatora. Para ele, seria inócuo aplicar interpretação conforme ao dispositivo, uma vez que a Lei dos juizados especiais já abrange crimes com pena inferior a dois anos. O estatuto só teria feito ampliar a aplicação dessa lei para crimes com penas até quatro anos. Já a Ministra Ellen Gracie revelou seu entendimento no sentido de que o legislador teria embasado a redação deste dispositivo em estatísticas que demonstram que grande parte dos crimes contra idosos são praticados no seio familiar. Assim, para Ellen Gracie pode ser importante que se tenha um mecanismo legal possibilitando uma solução pacificadora. Celso de Mello, decano da Corte, disse que, em princípio, o art. 94 permite que o idoso que sofre algum crime veja a solução de seu caso, de forma ágil. O Ministro Cezar Peluso disse entender que o dispositivo pode acabar beneficiando, também, os autores dos crimes praticados contra idosos. Muitos crimes não são cometidos por familiares, e seus autores também se beneficiariam do dispositivo. Para ele, deve se analisar, no caso, o respeito ao princípio da isonomia. Ele citou como exemplo uma situação fictícia, em que duas pessoas cometem crime com penas inferiores a quatro anos, um contra um idoso e outro não. O primeiro será processado pela Lei nº. 9.099/95 e o outro pela justiça comum. Segundo Peluso, isso pode levar à perigosa conclusão de que é mais conveniente cometer crime contra idoso. Não se pode criar esse tipo de discriminação, concluiu Cezar Peluso. O Ministro Eros Grau disse entender que não compete à Corte analisar a razoabilidade da lei. Assim, o Ministro votou pela improcedência da ADI. O julgamento foi concluído com o retorno do voto-vista do Ministro Ayres Britto, no sentido que o dispositivo legal deve ser interpretado em favor do seu específico destinatário – o próprio idoso – e não de quem lhe viole os direitos. Com isso, os infratores não poderão ter acesso a benefícios despenalizadores de direito material, como conciliação, transação penal, composição civil de danos ou conversão da pena. Somente se aplicam as normas estritamente processuais para que o processo termine mais rapidamente, em benefício do idoso. Ao acompanhar a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, o Ministro Ayres Britto procurou resumir numa frase o entendimento da ministra relatora em relação ao equívoco cometido pelos legisladores na confecção do Estatuto do Idoso. “Autores de crimes do mesmo potencial ofensivo serão submetidos a tratamentos diversos, sendo que o tratamento mais benéfico está sendo paradoxalmente conferido ao agente que desrespeitou o bem jurídico mais valioso: a incolumidade e a inviolabilidade do próprio idoso”, afirmou. Por maioria de votos, vencidos os Ministros Eros Grau e Marco Aurélio, o Plenário decidiu que os benefícios despenalizadores previstos na Lei nº 9.099/95 e também no Código Penal não podem beneficiar os autores de crimes cujas vítimas sejam pessoas idosas. Para a relatora do processo, a interpretação conforme à Constituição do artigo 94 do Estatuto implica apenas na celeridade do processo e não nos benefícios. O Ministro Marco Aurélio manifestou sua tese contrária à relatora. “Creio que quanto ao procedimento da lei, partiu-se para uma opção político-normativa. Não podemos atuar como legisladores positivos e fazer surgir no cenário uma normatização que seja diversa daquela aprovada pelas duas Casas do Congresso Nacional”. Por isso, o Ministro Marco Aurélio considerou o dispositivo integralmente inconstitucional, tendo em vista que o Estatuto ampliou para pena não superior a quatro anos a aplicação de benefício que a Lei dos Juizados Especiais limita a pena não superior a dois anos. “Eu me pergunto: se não houvesse o Estatuto do Idoso, o que se teria? A aplicação pura e simples da Lei nº 9.099 e aí só seriam realmente beneficiados pela lei agentes que a lei beneficia, ou seja, aqueles cujas penas máximas não ultrapassem dois anos. A meu ver, na contramão dos interesses sociais, se elasteceu a aplicação da Lei nº 9.099”, concluiu o Ministro.
IV – A COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A competência dos Juizados Especiais Criminais é ditada ratione materiae, sendo, portanto, absoluta, até porque estabelecida constitucionalmente (art. 98, I).[11] Para efeito de determinação da competência territorial, prevaleceu o local da ação ou da omissão (como no art. 147, § 1o. do Estatuto da Criança e do Adolescente) e não o do resultado (art. 63), como estabelece a regra geral insculpida no art. 70 do Código de Processo Penal.[12] No caso de concurso material ou formal de crimes, ou em se tratando de crime continuado, entendemos que cada crime deve ser considerado isoladamente, aplicando-se, por analogia, o art. 119 do Código Penal e a Súmula 497 do STF, posição que sofre restrições de boa parte da doutrina e da jurisprudência. Hoje, com os Enunciados 243 (do Superior Tribunal de Justiça[13]) e 723 do Supremo Tribunal Federal[14], o entendimento de que nestes casos devem ser levados em conta os respectivos aumentos (ou a soma) está prevalecendo.[15]
V – OS RECURSOS NOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS
A Lei nº. 9.099/95 prevê a utilização de dois recursos, devendo, no entanto, ser aplicado subsidiariamente o Código de Processo Penal, cujo julgamento caberá às Turmas Recursais previstas na própria Constituição Federal (art. 98, I) e na lei ordinária: a) Apelação para a sentença homologatória da transação penal, para a sentença final condenatória ou absolutória e para a decisão de rejeição da denúncia; este recurso será interposto por escrito e no prazo de 10 dias (para interpor a petição e para arrazoá-la, ao contrário do art. 578, CPP), podendo ser transcrita a gravação da fita magnética que captou o ocorrido na audiência; b) Embargos de declaração, que serão opostos contra a sentença (caso em que se suspende o prazo para interposição de outros recursos) e contra acórdão (interrompendo-se aquele prazo – art. 538 do CPC). Nestes embargos, substituiu-se “ambigüidade” por “dúvida”, sendo o seu prazo de cinco dias[16], unificando-se o cabimento para sentenças e acórdãos; poderão ser opostos oralmente, caso em que devem ser transcritos.
Admite-se a interposição do Recurso em Sentido Estrito, por aplicação subsidiária do CPP (art. 92); do Recurso Extraordinário[17], cabível contra ato da Turma Recursal do Tribunal, contanto que seja em única ou última instância (art. 102, III, CF/88) e do Especial (cabível apenas contra atos de tribunais; veja-se, a propósito, a Súmula 203 do STJ). Oponíveis serão, também, a Carta Testemunhável e a Correição Parcial.
Salientamos não haver dúvidas quanto ao cabimento, em sede de Juizados Especiais, de outros recursos que não a apelação e os embargos de declaração. A respeito, especialmente no que concerne ao recurso em sentido estrito, ouçamos a doutrina, iniciando-se por Tourinho Filho:
“Pode a Turma conhecer de outros recursos? Embora a lei se refira somente à apelação e aos embargos declaratórios, obviamente outros recursos se inserem na competência das Turmas. (…) Assim, e considerando que a Lei nº. 9.099/95 não veda o uso do recurso em sentido estrito, sua interposição não se torna com ela incompatível (art. 92). A nosso juízo, possível será a interposição, atuando como órgão de segundo grau a própria Turma de Recursos. (…) Evidente que a parte só poderá fazer uso da apelação nos casos previstos no art. 82 e no § 5º. do art. 76. Se for interposto outro recurso em lugar do apelo, não havendo má-fé ou erro grosseiro, aplica-se o princípio da fungibilidade, isto é, o Juiz recebe o recurso interposto como se apelação fosse.”[18]
Vejamos como pensa Mirabete:
“A referência na Lei nº. 9.099/95 apenas à apelação e aos embargos declaratórios não exclui a possibilidade de interposição de outros recursos e dos pedidos de habeas corpus e de mandado de segurança, não só diante dos princípios da ampla defesa e da obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição, este adotado implicitamente na Carta Magna ao atribuir aos tribunais a função básica de apreciar recursos, mas em decorrência do art. 92, que manda aplicar subsidiariamente à Lei nº. 9.099/95 as disposições do CPP no que não forem incompatíveis com o diploma legal. Assim, é evidente a possibilidade de serem interpostos os recursos previstos na legislação processual penal comum quando presentes a sucumbência e os pressupostos legais (previsão legal, forma prescrita em lei, tempestividade). (…) No que tange aos processos de competência do Juizado Especial Criminal, caberá recurso em sentido estrito, nos termos do art. 581 do CPP, das decisões que: (…) decretar a prescrição ou julgar, por outro modo, extinta a punibilidade.”[19]
Ada, Scarance, Gomes Filho e Luiz Flávio, após referir-se expressamente à decisão que decreta a extinção da punibilidade no Juizado Especial Criminal pergunta se uma tal decisão seria irrecorrível por falta de previsão expressa na lei especial. E respondem:
“Não temos dúvidas em afirmar que nessas situações o referido recurso (em sentido estrito) continua a ser cabível e deve ser julgado pelas mesmas turmas recursais. Essa conclusão decorre do próprio sistema, pois o art. 98, I, da Constituição Federal permite o julgamento de recursos (sem limitação) pelas mencionadas turmas, ao passo que a própria Lei nº. 9.099/95 prevê a aplicação subsidiária do CPP, quando as respectivas disposições não forem incompatíveis.”[20]
A jurisprudência não discrepa:
“Muito embora a Lei nº. 9.099/95 não preveja a interposição do recurso em sentido estrito contra decisões proferidas nos procedimentos que regula, referindo-se apenas ao recurso de apelação e aos embargos declaratórios, deve-se do presente conhecer. Com efeito, o art. 92 da mesma lei determina a aplicação subsidiária das disposições do CPP e CP em não havendo incompatibilidade com esses diplomas normativos.” (TACrimSP, SER 1.036.133/9, 4ª. Câmara, Rel. Canellas de Godoy).
“A Lei nº. 9.099/95 não afastou o sistema recursal até então vigente no CPP. Com isso, nas hipóteses previstas no art. 581 do CPP, é cabível o recurso em sentido estrito.” (4ª. TRSC, RJTRTJSC 5/179).
“A Lei nº. 9.099/95, ao estabelecer o recurso de apelação para as hipóteses que menciona no art. 82, não excluiu outros recursos previstos no CPP, nem pretendeu tornar irrecorríveis outras decisões que podem ser adotadas pelos Juizados Especiais Criminais. Tais recursos evidentemente devem ser apreciados pelas Turmas Recursais. O entendimento decorre do próprio sistema processual, uma vez que a Constituição (art. 98, I) permite, sem limitação, o julgamento de recursos pelas mencionadas Turmas, e a própria legislação citada prevê a aplicação subsidiária do CPP, se as respectivas disposições não forem incompatíveis.” (JTAERGS 101/74).
Ressalte-se que o Supremo Tribunal Federal decidiu que é cabível no âmbito das Turmas Recursais o agravo regimental. Na decisão, o Ministro Sepúlveda Pertence, afirmou que “não pode o órgão colegiado se eximir de julgar recurso contra decisão individual proferida por algum de seus membros”. E justifica que “esse entendimento foi ressaltado no julgamento do RE nº 311.382, oportunidade em que foi acentuado que o reexame das decisões dos Juizados Especiais foi confiado pelo art. 98, I, da Constituição a turmas de juizes de primeiro grau”. Prossegue o relator: “ainda que induvidosamente não se trate de um tribunal e mesmo que se lhe negue a qualificação de órgão de segundo grau de jurisdição – como sustenta doutrina autorizada – o indiscutível é que a Turma Recursal é um órgão colegiado, como tal previsto na Constituição. Certo, tal como se tem julgado com relação aos tribunais, da circunstância de cuidar-se de um colegiado, não se segue que, por norma legal ou regimental, não se possa conferir poder decisório individual aos juizes que o compõem. Essa decisão individual, contudo – tem assentado igualmente o Supremo – não pode ter o selo de definitividade, sequer na instância do órgão colegiado que o prolator integre, ao qual não se pode subtrair o poder de revê-la”. (Proc. nº 549.662-4). Em outra oportunidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu devolver à Turma Recursal do juizado especial federal em Sergipe o Agravo de Instrumento (AI) 760358, para que seja processado como agravo regimental. A matéria referia-se à possibilidade de decisões da Corte em Recursos Extraordinários com repercussão geral reconhecida – quando aplicadas pelos tribunais de origem nos casos repetidos e que aguardavam essa decisão – não poderem ser alvo de recurso ao próprio Supremo, a menos que haja negativa do juiz em se retratar para seguir a decisão da Suprema Corte. O voto da ministra Ellen Gracie acompanhou o relator para não conhecer do agravo de instrumento. Inicialmente, ela ressaltou que a aplicação do instituto da repercussão geral diminuiu de forma drástica os processos distribuídos, além de acelerar a aplicação da jurisprudência consolidada do STF pelos demais órgãos do Poder Judiciário, “possibilitando uma prestação jurisdicional muito mais ágil e mais eficiente”. Para ela, o tribunal de origem aplicou corretamente o artigo 328-A, do Regimento Interno do STF, pois não realizou o exame de admissibilidade em razão de a matéria já ter tido a sua repercussão geral reconhecida no Supremo. “Dessa forma, não se mostra cabível o agravo de instrumento por não se enquadrar na previsão legal existente”, disse.Quanto à correção de equívocos na aplicação da jurisprudência da Corte aos processos sobrestados na origem, a ministra entende que não se deve ampliar a utilização do instituto da Reclamação. “Isso porque tal procedimento acarretaria aumento na quantidade de processos distribuídos e um desvirtuamento dos objetivos almejados com a criação da repercussão geral”, completou, ressaltando que esse aumento já está ocorrendo tendo em vista que nos primeiros oito meses do ano passado foram distribuídas 702 Reclamações e, até agosto deste ano, o STF já recebeu 1.422 Reclamações.A ministra concluiu, como sugestão, que o Mandado de Segurança na origem poderia ser o instrumento adequado a ser utilizado em casos como o presente. “Não sendo possível, pelas razões ora expostas, a interposição do presente agravo, que eu concordo com o eminente relator”, afirmou, ao acrescentar que os casos de erro, poderiam ser corrigidos, em uma última hipótese, com a utilização de ação rescisória.No entanto, a ministra aderiu à proposta feita pelo ministro Marco Aurélio para que o AI fosse processado como agravo regimental no tribunal de origem. Todos os ministros votaram no mesmo sentido. Sobre a mesma questão os ministros julgaram mais dois processos na última sessão plenária. A diferença, segundo a relatora, é que nestes casos, em vez do agravo, foram ajuizadas reclamações (RCLs 7569 e 7547) no STF. “Mas a situação é idêntica”, afirmou a ministra, que votou no sentido de que a Corte não analisasse os pedidos, determinando a remessa das ações para os tribunais de origem, para que sejam processadas como agravos regimentais. Todos os ministros seguiram o voto da relatora.
Não há nenhuma inconstitucionalidade no fato da Turma Recursal, órgão de segundo grau, ser composta por juízes de primeiro grau; tal possibilidade é dada pela própria Carta Magna (art. 98, I). Neste sentido:
“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – HABEAS CORPUS Nº. 72.941 – SP (2006⁄0278671-5 – RELATORA:MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA –Nulos são os julgamentos de recursos proferidos por Câmara composta, majoritariamente, por juízes de primeiro grau, por violação ao princípio do juiz natural e aos artigos 93, III, 94 e 98, I, da CF.2. É nulo o julgamento do recurso em sentido estrito em que não houve a intimação pessoal do defensor público.3. Ordem concedida para anular o julgamento.” Vejamos este trecho do voto: “(…) E, com efeito, a meu ver, a criação de turmas julgadoras compostas integralmente por juízes de primeira instância foi reservada pela Constituição da República apenas aos casos de infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 98, inciso I:”A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau”. A intenção do constituinte de 1988 foi, claramente, a de permitir que os juízes de primeira instância possam julgar casos de menor complexidade, compondo, sozinhos, uma turma de julgamento de recursos. Tal raciocínio conduz à conclusão, a contrario sensu, de que os casos de maior complexidade devem ser julgados por Turmas compostas por juízes de segunda instância.Neste sentido é o voto do Ministro Fontes de Alencar no já citado habeas corpus nº 9405⁄SP, de relatoria do Ministro William Pattterson:”(…) Por outro lado, a Constituição – precisamente no art. 98, ao tratar dos Juizados Especiais -, quando quis criar um órgão apreciador de recursos integrado por Juízes de Primeiro Grau o fez, dizendo que os recursos seriam para Turmas Recursais, ou seja, Juízes de Primeiro Grau compondo Turmas Recursais.”
VI – A INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO NAS TURMAS RECURSAIS
Entendemos indispensável a presença de um representante do Ministério Público no julgamento das Turmas Recursais.[21] É bem verdade que a lei não previu expressamente a presença de órgão do Ministério Público junto às Turmas Recursais competentes para julgar os recursos interpostos contra as decisões proferidas naquele Juízo, o que não impede que lei estadual o faça, mesmo porque o art. 93 daquela lei determina que o legislador estadual “disporá sobre o Sistema de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, sua organização, composição e competência.”
Note-se que esta omissão da legislação federal específica tem sido ressaltada por diversos juristas que se debruçaram sobre a matéria, todos entendendo ser indispensável o pronunciamento do Ministério Público antes das decisões proferidas pelas Turmas Recursais, como veremos a seguir (os grifos são nossos).
Ada Pellegrini Grinover, por exemplo, escreveu:
“Ainda que a lei comentada seja omissa nesse particular, é obrigatória a manifestação da Procuradoria-Geral de Justiça sobre a apelação (art. 610, caput, CPP). Nos Estados em que forem instaladas as turmas recursais será conveniente que junto às mesmas funcione um Procurador de Justiça, ou seja especialmente designado promotor em exercício no Juizado, com essa atribuição, evitando-se com isso maior demora na tramitação do recurso.”[22]
Mirabete tem a mesma opinião:
“Não se refere a lei ao parecer do Ministério Público em segunda instância, argumentando-se que o princípio da celeridade prevalece, sendo ele dispensável. Entretanto, diante do art. 610 do CPP, subsidiário na espécie, o parecer é obrigatório, mas nada impede que a manifestação do parquet seja apresentada por Promotores de Justiça designados pelo Procurador-Geral. Também nada impede a sustentação oral por parte do Ministério Público ou da defesa.”[23]
Com o mesmo entendimento, Marino Pazzaglini Filho (e outros) asseveram:
“Juntamente às Turmas Recursais, criadas por lei estadual, atuará órgão do Ministério Público, também de primeira instância, como custos legis.”[24]
Diante da omissão da lei federal pergunta Maurício Antonio Ribeiro Lopes:
“Questão é saber se, ao optar pelos moldes estimulados pela Lei 9.099/95, a lei estadual pode deixar de contemplar a intervenção do Ministério Público como custos legis nos recursos do Juizado Especial. Penso que a legislação local, mesmo em nome da celeridade, da economia processual e da informalidade não pode dispensar a intervenção do Ministério Público na instância recursal, cabendo sempre ao seu representante a prerrogativa de se manifestar quanto ao apelo e ao recurso em sentido estrito.” Complementa este mesmo autor que “poderá ser o Procurador de Justiça substituído por Promotor de Justiça de primeiro grau diverso do que tiver atuado no processo”, finalizando no sentido de que “simplesmente impedir a atuação como fiscal da lei por medida de economia processual e celeridade é que não vejo ser possível.”[25]
Por fim, vejamos o que nos diz Luiz Cláudio Silva:
“O órgão do Ministério Público deve funcionar em todos os recursos de apelação, inclusive nos interpostos na ação penal privada, o que exige, portanto, a designação de um promotor de Justiça para funcionar exclusivamente na Turma Recursal, manifestando-se nos recursos.”[26]
Mas não é somente a doutrina que assim pensa, pois o Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais de Justiça, reunido em Brasília, nos dias 06 e 07 de março de 1996, em sua 11ª. Conclusão firmou entendimento no seguinte sentido:
“Em que pese a omissão da lei, deve o Ministério Público atuar perante a Turma Recursal (art. 82), por aplicação subsidiária do CPP. Por equalização funcional, deve um Promotor de Justiça atuar perante tal órgão recursal.”
Vê-se, portanto, a indispensabilidade da presença de um representante do Ministério Público junto à Turma Recursal.
Como foi acima exposto esta necessidade extrai-se da aplicação subsidiária do art. 610 do Código de Processo Penal, permitida pela Lei n.º 9.099/95, no seu art. 92. Ademais, não se olvide que a Constituição Federal (art. 127) erigiu o Ministério Público à condição de Instituição essencial à função jurisdicional do Estado, o que vem em reforço ao nosso entendimento. É evidente que a informalidade, a economia processual e a celeridade (critérios orientadores dos Juizados Especiais) não podem ser justificativas para que não se colha o parecer ministerial em um processo criminal em grau de recurso. Pensamos, então, que devem ser designados Promotores de Justiça e Procuradores da República para atuarem junto às Turmas Recursais, ressalvando que o representante do Ministério Público a funcionar no recurso não pode ser o mesmo que atuou no julgamento da causa no juízo a quo (art. 258, c/c art. 252, III do Código de Processo Penal).
Assevere-se, outrossim, que o Juiz que participou do primeiro julgamento está impedido de compor a Turma Recursal por força do art. 252, III do Código de Processo Penal.
VII – CONCLUSÃO: A COMPETÊNCIA NAS AÇÕES AUTÔNOMAS DE IMPUGNAÇÃO
Obviamente também é possível a impetração de mandado de segurança e do habeas corpus no âmbito dos Juizados Especiais Criminais; neste caso, se a autoridade coatora for o Juiz singular o julgamento não deveria ser pelas Turmas Recursais e sim pelo respectivo Tribunal, pois são ações autônomas de impugnação e não recursos e o art. 98, I da Constituição Federal é claro ao estabelecer a competência das turmas recursais para o julgamento de recursos.
Assim, nada obstante esta última decisão do Supremo Tribunal Federal (citada na introdução), entendemos que o julgamento do mandado de segurança (e também do habeas corpus) impetrado contra decisão de Juiz do Juizado Especial Criminal não deveria competir à Turma Recursal, tendo em vista o mesmo primeiro motivo acima indicado, ou seja, pelo fato da Turma Recursal, por força da Constituição Federal e da Lei nº. 9.099/95, julgar apenas recurso[27]. Atente-se para o disposto no art. 650, § 1º. do Código de Processo Penal, segundo o qual “a competência do juiz cessará sempre que a violência ou coação provier de autoridade judiciária de igual ou superior jurisdição.” Ora, o Juiz apontado como coator está no exercício da judicatura de primeiro grau, tanto quanto os Juízes componentes da Turma Julgadora, o que os impede de deliberar a respeito de ato àquele atribuído, salvo, evidentemente, quando se tratar de competência recursal, o que não é o caso.
É de Tourinho Filho a seguinte lição:
“Não nos parece, à primeira vista, possa a Turma de Recursos, constituída de três Juízes de primeira instância, ter competência para julgar habeas corpus quando a autoridade coatora for Juiz do Sistema dos Juizados Especiais, na dicção do § 1º. do art. 650 do CPP, que, na hierarquia das leis, está em plano superior às leis estaduais, ainda que complementares. Não bastasse isso, a Lei nº. 9.099/95 não lhe conferiu poderes para conhecer de habeas corpus nem de mandado de segurança.”[28] (Grifo nosso).
Mirabete, entendendo desta mesma forma, aduz que se assim não o fosse poderia a “Turma recursal julgar que houve abuso de autoridade do Juiz, o que só pode ser definido pelo Tribunal de Justiça ou de Alçada, e não por decisão de juízes de primeiro grau, ainda que investidos na competência para apreciar recursos de seus pares.”[29]
Esta foi, aliás, a décima segunda conclusão da Comissão Nacional da Escola Superior da Magistratura:
“Os tribunais estaduais têm a competência originária para os habeas corpus e mandados de segurança quando coator Juiz especial, bem como para a revisão criminal de decisões condenatórias do Juizado Especial Criminal.” (Também grifamos).
No Estado da Bahia, a Lei Estadual nº. 7.033/97 que dispõe sobre o Sistema Estadual de Juizados Especiais Cíveis e Criminais expressamente prevê que “será do Tribunal de Justiça a competência para o habeas corpus e os Mandados de Segurança quando coator for o Juiz, bem como para a revisão criminal de decisões condenatórias do Juizado Especial Criminal.” (art. 14).
Procurador de Justiça no Estado da Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm e do Curso IELF. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2009, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
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