O Supremo Tribunal Federal aprovou no
dia 02 de fevereiro súmula vinculante que garante a advogados acesso a provas
já documentadas em autos de inquéritos policiais que envolvam seus clientes,
inclusive os que tramitam em sigilo. O texto a 14ª Súmula Vinculante diz o
seguinte: “É direito do defensor, no
interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já
documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência
de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa”. A
questão foi levada ao Plenário a pedido do Conselho Federal da Ordem dos
Advogados do Brasil por meio de processo chamado Proposta de Súmula Vinculante,
instituído no STF no ano passado. Essa foi a primeira PSV julgada pela
Corte. Dos 11 Ministros, somente Joaquim Barbosa e Ellen Gracie foram
contra a edição da súmula. Para os dois, a matéria não deve ser tratada em
súmula vinculante. A maioria dos Ministros, no entanto, afirmou que o
verbete trata de tema relativo a direitos fundamentais, analisado diversas
vezes pelo Plenário. Eles lembraram que a Corte tem jurisprudência assentada no
sentido de permitir que os advogados tenham acesso aos autos de processos. “A súmula vinculante, com o conteúdo
proposto, qualifica-se como um eficaz instrumento de preservação de direitos
fundamentais”, afirmou Celso de Mello. O Ministro Marco Aurélio destacou
que “a eficiência repousa na
transparência dos autos praticados pelo Estado”, reiterando que precedentes
da Corte revelam que a matéria tem sido muito enfrentada. Ele afirmou que há
pelo menos sete decisões sobre a matéria no STF. “Investigação não é devassa”, observou a Ministra Cármen Lúcia
Antunes Rocha. O Ministro Peluso lembrou que a súmula somente se aplica a
provas já documentadas, não atingindo demais diligências do inquérito. “Nesses casos, o advogado não tem direito a
ter acesso prévio”, observou. O Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
relator da matéria, afirmou que a súmula não significará um “obstáculo à tutela penal exercida pelo
Estado”. Fonte: STF.
Como
se sabe, como principais características do inquérito
policial podemos apontar
o fato de ser
um procedimento escrito
(art. 9º., CPP), relativamente
sigiloso e inquisitório, pois não admite o contraditório[1] e a ampla defesa, o
que não
significa que o indiciado não seja um sujeito de direitos, muito pelo contrário, sendo-lhe garantidos direitos
outros, tais
como o direito
ao silêncio, o de não
se auto incriminar,
o de ser tratado
com dignidade
e respeito, etc., etc. O que não se
cogita, por evidente,
é que se permita o contraditório
e a ampla defesa
em uma fase
investigatória/policial, o que
inviabilizaria qualquer investigação criminal.[2]
Exatamente
por isso
é que as provas
colhidas nesta fase precisam ser
ratificadas em Juízo,
a fim de que
se legitime um decreto
condenatório.
Por
um lado, justifica-se o sigilo no inquérito policial por ser “instrumento mediante o qual se garante a
inviolabilidade do segredo, e serve à autoridade condutora das investigações,
visando à elucidação do fato, mas preserva ao mesmo tempo a intimidade, vida
privada, imagem e honra das pessoas envolvidas na apuração”, como bem
anotou o Ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, para quem a quebra
do sigilo é “dos mais graves e
intoleráveis”. Segundo ele, “processos que
tenham sido decretados como sigilosos só podem tornar-se públicos em relação a
acusados, defensores e à vítima” e a divulgação de “tais inconfidências, além de serem incompatíveis com os cuidados
necessários à condução frutífera das investigações, trazem ainda danos
gravíssimos à vida privada dos envolvidos, e sobretudo de terceiros meramente
referidos, com seqüelas pessoais gravosas e irremissíveis”, concluiu (Inq.
nº. 2424).
Tal
sigilo, no entanto, não pode ser oposto ao defensor do indiciado, pois, como
afirmam Alberto Zacharias Toron e Maurides de Mello Ribeiro, “a
Lei no 8.906/94, no seu art. 7o, inc. XIV,
é clara e, antes dela, o estatuto anterior (Lei no 4.215/63),
igualmente o era. Constitui direito do advogado “examinar em qualquer
repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de
inquérito…, podendo copiar peças e tomar apontamentos;”. Ante a clareza da
lei é evidente que a restrição que se quer impor aos advogados que representam
indiciados ou meros investigados, isto é, de examinar e extrair cópias de parte
dos autos, mais que odiosa, é patentemente ilegal. De fato, se a lei assegura
aos advogados o direito de poder ver os autos e copiar o que for importante,
tal se encarta dentro de uma garantia maior que é a da ampla defesa. Sim,
porque não se pode exercer esta sem que se conheçam os autos. Afinal, se dentro
de um inquérito for determinada de forma abusiva um indiciamento ou, por outra,
decretar-se a prisão de um cidadão, como irão os advogados hostilizar eventual
coação se não podem ter acesso ao feito? Isto para não falar em toda sorte de
abusos que se podem cometer em matéria de colheita de provas ou indícios. Não é
à toa que Fauzi Choukr, promotor de Justiça em São Paulo, na monografia
que lhe valeu a obtenção do título de Mestre pela Universidade de São Paulo em
Direito Processual Penal, com propriedade adverte: “… dentro de um Estado
democrático não há sentido em se falar de ‘investigações secretas’, até porque,
na construção do quadro garantidor e na nova ordem processual acusatória, deve
o investigado ser alertado sobre o procedimento instaurado” (Garantias
Constitucionais na Investigação Criminal”, SP, ed. Revista dos Tribunais, 1995,
p. 92)… …Até mesmo a famigerada Lei do Crime Organizado, que na obstinada
pretensão de salvaguardar dados sigilosos, de forma inédita, prevê a realização
de diligências pessoais pelo magistrado, assegura ao advogado constituído
acesso aos autos (art. 3o, § 3o).
Na verdade, quando se garrotearem as prerrogativas profissionais dos
advogados, atinge-se exatamente a garantia constitucional da ampla defesa em
razão da falta de conhecimento do conteúdo de diligências ou atos praticados
nos autos do inquérito policial, bem como o não acompanhamento regular dos
inquéritos policiais. E o direito à ampla defesa, remarque-se, está
constitucionalmente previsto, inclusive na fase pré-processual (art. 5o,
inc. LV). O que está em jogo não é apenas o interesse corporativo, mas, na
verdade, cuida-se de resguardar, dando vida à garantia constitucional da ampla
defesa, o cidadão. Tudo isso já seria mais do que suficiente para responder a
todos aqueles que pensam em restaurar o sigilo absoluto do inquérito, tal como
uma das odiosas regras das investigações promovidas pela Santa Inquisição.
Ainda assim, há sempre quem possa defender o sigilo para que se viabilizem as
investigações. Esta idéia chega a sugerir, ainda que obliquamente, a prática de
crime no exercício da Advocacia, ou, por outra, um inadmissível desconhecimento
do que significa o seu exercício. Aliás, considerando que a determinação de
diligências normalmente é verbal e só são reduzidas a termo depois de
efetivadas, convém perguntar-se: se forem lícitas as providências
desencadeadas, por que escondê-las?”[3]
Aliás, mesmo nos tribunais estaduais este
entendimento já prevalecia, como vemos nesta decisão proferida em um Mandado de
Segurança, da lavra do Juiz de Direito Dr. André Andreucci (decisão confirmada à
unanimidade de votos pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos autos do
recurso de apelação no 31.228-3/SP):
“Toda
autoridade que não respeitar as prerrogativas legítimas do Advogado, no
exercício regular este de seu legal ministério privado, será tida como
arbitrária e deverá ter seu comportamento coibido pelo Judiciário, ontem, hoje
e sempre, no estado de direito, a esperança dos que buscam Justiça, dos que
esperam receber o que lhes é devido por Lei. Se, no futuro, como esperam
alguns, nova legislação mudar a orientação estampada na Lei no
4.215/63, permitindo a proibição que os impetrados pretenderam aplicar, ainda
assim caberá ao Judiciário apreciar a questão que implicará violação das
garantias constitucionais da ampla defesa e do regular exercício das atividades
profissionais. (…) Dessa
forma, não poderiam as autoridades impetradas desconhecer as prerrogativas e os
direitos dos Advogados, claramente inscritos na legislação pertinente. Como
também não poderia desconhecer isso tudo o ilustre representante do Ministério
Público que oficiou nos autos. O dispositivo legal que confere aos impetrantes
o direito que buscam já foi bastante examinado, ao contrário do que afirma esse
mesmo Doutor Promotor de Justiça. Dispensa o tema demorada
abordagem, mas, em homenagem ao Direito, que se pretende regule as relações
entre os homens e a Justiça, que deve presidir e garantir essas relações,
alguns comentários têm que vir à tona, com ilustrações pertinentes. Numa
sociedade, que se pretenda seja regida pelo menos com respeito aos mais simples
princípios de respeito ao Homem, à Lei, à Justiça, não se pode tolerar a
arbitrariedade. “O poder do Estado para realizar seu objetivo, o bem
público, é exercido, como já vimos, sob três modalidades: a função legislativa,
a executiva e a judiciária”. “O Estado não tem direito de excluir nenhum
cidadão da participação nos benefícios que a sociedade política tem por
fim oferecer, principalmente quando se trata dos direito individuais. Não
somente o Estado não deve oprimir ou perseguir esta ou aquela categoria social,
mas, também, evitará toda e qualquer distinção odiosa em qualquer matéria
civil, penal ou administrativa. E isso não somente por princípio de humanidade,
mas também por um princípio social: igualmente membros da sociedade política,
todos os indivíduos, seja qual for a sua classe, categoria ou opinião, têm
igualmente direito, por parte do Estado, à mesma solicitude e benevolência
(cfr. Darcy Azambuja, in Teoria Geral do Estado, págs. 386/389). No exercício
do poder de polícia, o Estado, representado, no caso, pela autoridade policial,
não pode, e mais do que isso, não deve, oprimir, perseguir, submeter à odiosa
distinção, a classe dos Advogados, notadamente quando seus integrantes estão no
exercício regular de suas prerrogativas, no desempenho de suas atividades
profissionais. O arbítrio que no passado foi sinônimo de violência, de
constrangimentos indevidos, não mais se justifica. Os tempos são outros. A
sociedade exige respeito ao ordenamento jurídico.”
Tal entendimento deve prevalecer
ainda que estejam juntados no inquérito policial informações colhidas a partir
de interceptação telefônica. Neste sentido, por unanimidade, os Ministros da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal confirmaram o entendimento de que a
defesa deve ter acesso pleno aos autos de um inquérito policial, incluindo os
dados obtidos a partir de interceptações telefônicas. Para o relator do Habeas
Corpus (HC) 92331, ministro Marco Aurélio, “a
busca de parâmetros não pode conduzir a manter-se, quando já compelido certo
cidadão a comparecer para ser interrogado, ou para prestar esclarecimentos, o
óbice ao acesso aos fatos que estariam a impeli-lo a tanto”. O HC 92331 foi
impetrado no Supremo pela defesa de duas pessoas acusadas pela Polícia Federal,
na Operação 274, de suposta formação de cartel no setor de vendas de
combustíveis em João
Pessoa, na Paraíba. Para a advogada dos suspeitos, a acusação
contra seus clientes foi totalmente embasada nos conteúdos de interceptações
telefônicas, mas a própria justiça paraibana negou o acesso da defesa a essas
escutas, alegando a necessidade de preservar as investigações, porque ainda
estariam em curso, mesmo tendo os investigados sido chamados para um
interrogatório. O Ministro Marco Aurélio frisou logo de início em seu voto que
o sigilo das diligências é a tônica da investigação policial, mas somente até
que se chegue ao estágio em que os fatos apurados viabilizem a convocação para
interrogar o investigado. Em seu entender, se já existem indícios para se
convocar alguém a depor, deve-se dar acesso, à defesa do investigado, às
informações que motivaram essa convocação. O inquérito policial é um
procedimento administrativo, não um processo, mas deve também respeitar os
direitos fundamentais do indiciado, como os de poder manter-se em silêncio, não
produzir provas contra si mesmo, bem como o amplo acesso aos autos. “Fora disso é inaugurar época de suspeita
generalizada, de verdadeiro terror”, frisou o relator, lembrando do
escritor Franz Kafka, que em seu livro “O Processo” retrata exatamente a vida
de um personagem que passa a ser investigado, sem contudo ser informado ou ter
conhecimento dos motivos dessa investigação.O sigilo pode estar ligado às
diligências, às investigações em andamento, disse o Ministro. Mas a partir do
momento em que as informações passam a fazer parte dos autos – gravações e
degravações de grampos legais, inclusive – deve-se dar amplo acesso à defesa,
sob pena de ferir de morte o devido processo legal. O Ministro votou no sentido
de atender o pedido da defesa, integralmente, e conceder a ordem de Habeas para
permitir o amplo acesso da defesa às peças constantes do inquérito.Ao
acompanhar o voto do relator, o Ministro Carlos Alberto Menezes Direito disse
entender que a interceptação telefônica, mesmo sendo legal, permite abusos que
devem ser combatidos. Ele salientou que negar à parte o acesso aos dados
obtidos dessa forma é cercear seu direito de defesa. Aquilo que já não é objeto
de diligência, já estiver completado e juntado aos autos do inquérito, são
peças públicas, acrescentou a Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, também
acompanhando o voto do relator para deferir o habeas corpus. Ela lembrou que mesmo em se tratando de inquéritos
que estejam correndo sob segredo de justiça, esse sigilo não se aplica às
partes, que devem ter amplo acesso a todas as peças. Já o ministro Ricardo
Lewandowski lembrou notícia veiculada hoje nos principais veículos de imprensa,
que trata exatamente do aumento de interceptações telefônicas legais no país.
Para o Ministro, o STF precisa estabelecer as balizas para esse procedimento.
Ele votou pelo deferimento da ordem. O último a votar, também acompanhando o
relator, foi o Ministro Carlos Ayres Britto, para quem todas as peças que são
juntadas aos autos, em um inquérito, passam a ser cobertos pelo princípio da
comunhão das provas. “O que vem para os
autos torna-se público, está sob as vistas do investigado”, disse Britto,
ressaltando o caráter constitucional desse entendimento. Fonte: STF.
Aliás,
este entendimento deve prevalecer mesmo quando se trata de um inquérito civil;
vejamos esta decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso:
“Trata-se de mandado de segurança oposto pela
advogada … contra ato de lavra dos Excelentíssimos Senhores Promotores
Públicos, Domingos Sávio Barros de Arruda e Ana Luiza Ávila Peterlini de Souza,
que estariam a impedir a impetrante de
ter acesso aos termos do inquérito civil instaurado contra a sua pessoa,
pela suposta prática de atos de improbidade administrativa. Afirma que foi
convocada a prestar esclarecimento nos autos do Inquérito Civil Público nº
000897-02/2005/MPE, em audiência a ser realizada na próxima segunda-feira, 12
de dezembro do corrente ano, às 09:00 h, sem que lhe fosse oportunizado ao
acesso aos termos da investigação que se move contra ela, mesmo tendo
constituído advogado para tanto. Relata que em agosto/2005 foi baixada a
Portaria nº 34 da 21ª Promotoria Pública do Meio Ambiente, instaurando
procedimento cível tendente a apurar denúncias de atos de improbidade administrativa
perpetrados por ela, que na condição de Assessora Jurídica da Fundação Estadual
do Meio Ambiente – FEMA, teria exercido advocacia administrativa para
particulares contra os interesses do Órgão onde estava lotada. Dessa Portaria
sucederam-se atos investigativos do Parquet
Estadual, os quais a impetrante nunca teve acesso nem conhece seu teor, sendo
agora convocada a depor em procedimento que mais se assemelha a uma
investigação criminal que propriamente a um inquérito de natureza civil. A par
de questionar a própria legitimidade do MP para conduzir o Inquérito, cuja
feição amolda-se às funções da Polícia Judiciária Civil, já que as acusações
são todas de fatos-tipos penais, persegue a concessão da medida liminar
tão-somente para franquear-lhe o acesso aos autos, no que diga respeito à sua
pessoa, bem como assim permita-se que seja acompanhada de seus patronos quando
de sua oitiva, garantindo-lhe, ainda, o direito constitucional do
“silêncio”, caso entenda apropriado. De plano quanto a este segundo
pleito não há a menor justificativa para a sua existência, já que no próprio
despacho que designou a oitiva da impetrante constou a garantia de seu direito
de permanecer calada quanto às perguntas que lhe seriam formuladas. De outro
lado, inexiste qualquer indicativo de que os impetrados tenham impedido ou
cerceado o direito dos patronos constituídos pela impetrante de assisti-la na
audiência onde irá depor, o que caracteriza a ausência de qualquer ato coator a
ser analisado nesse prisma. Resta,
então, a questão do acesso aos termos do inquérito civil instaurado, o qual foi
negado pelas autoridades coatoras sob o argumento de que o acesso prévio aos
autos “trará enormes prejuízos à investigação”. (sic – fl.
23/TJ). A ordem deve ser concedida no
particular. De há muito tempo
livrou-se o ordenamento jurídico pátrio das investigações de porão, feitas ao
arrepio da garantia constitucional de amplo acesso dos investigados em
procedimento judicial ou administrativo ao contraditório e a ampla defesa.
Não se está dizendo que nos procedimentos investigativos deve-se ter toda a
parafernália jurídica de garantia do devido processo legal; tal conclusão
retiraria toda a utilidade da investigação, que por sua natureza é mesmo
sigilosa. Todavia, sigilo não significa
surpresa, tocaia, onde o órgão investigador oculta seus atos e suas práticas,
como a querer tomar de assalto as emoções do investigado, que se vê como uma
marionete do procedimento a que está submetido. Franz Kafka já há tempos
satirizava a figura do “processo” como algo abstraído da realidade,
onde mais se importa a forma e os meios do que a finalidade do ato. Certo é que
não se pode pretender esconder do investigado os termos do procedimento que
contra si tramita, a não ser pro razões justificadas e fundamentadas, conforme
preconiza o § 1º do artigo 7º da Lei nº 8906/94. Vale dizer, poderá o inquérito
ser totalmente sigiloso, desde que haja justificativa fundamentada do órgão do
processante do porquê o acesso do investigado poderia causar danos ou prejuízos
à investigação. Essa é a exegese que decorre do entendimento da Superior Corte
de Justiça: “PROCESSUAL PENAL.
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA, INQUÉRITO POLICIAL, ADVOGADO, ACESSO,
NECESSIDADE DE SIGILO, JUSTIFICATIVA, AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. I –
O inquérito policial, ao contrário do que ocorre com a ação penal, é
procedimento meramente informativo de natureza administrativa e, como tal, não
é informado pelos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo por
objetivo exatamente verificar a existência ou não de elementos suficientes para
dar inicio à persecução penal. Precedentes. II – O direito do advogado a ter
acesso aos autos de inquérito não é absoluto, devendo ceder diante da
necessidade do sigilo da investigação, devidamente justificada na espécie (Art.
7º, § 1º, 1, da Lei nº 8.906/94). Nesse sentido: RMS nº 12.516/PR, Rel. Min.
ELIANA CALMON, j. em 20/08/2002). (STJ, 5ª Turma, Edcl no RECURSO
ORDINÁRIO EM MS Nº 15.167 – PR (2002/0094266-9), Ministro Relator Felix
Fischer). Assim, não havendo qualquer demonstração de prejuízo ou
periculosidade do acesso da investigada aos termos do procedimento que lhe é
movido, defiro a liminar vindicada, apenas para garantir-lhe o direito de
acesso aos termos da investigação, naquilo que lhe diga respeito, antes da
realização da audiência em que será ouvida, sem carga dos autos nem cópias do
inquérito. Defiro nesses termos. Cumprida a liminar, intimem-se as autoridades
coatoras para apresentarem suas informações, no decêndio legal. Após, vistas à
douta Procuradoria de Justiça para oferta de parecer. Intime-se. Cuiabá, 10 de
dezembro de 2005. Des. Orlando de Almeida Perri – Relator.” (Mandado de
Segurança nº. 47932/2005).
Especificamente
sobre o inquérito civil, assim se pronunciou Edgard Fiore:
“Buscando a correta interpretação da Lei da
Ação Civil Pública (aqui se pretenderá demonstrar que seu sentido está na
necessidade de evitar e/ou reparar lesões aos direitos coletivos e difusos,
também chamados metaindividuais, com a máxima presteza e eficácia que requer a
dimensão da lesão), nessa medida a lei dotou o Ministério Público, responsável
pela proteção desses direitos, de instrumentos que lhe permitam esta presteza e
esta eficácia, quais sejam (i) a ação civil pública e (ii) o inquérito civil,
que devem viabilizar uma tomada de ação eficaz ante a situação da vida que se
pretende proteger, nos limites da atuação do referido órgão. Nesse contexto, o contraditório, ao ser
aplicado no inquérito civil, presta-se a prover a necessária eficácia à ação do
Ministério Público e, portanto, coaduna-se com a intencionalidade da lei sob
análise, especialmente porque esta espécie de inquérito não pode ser
igualada ao inquérito penal – a partir do qual foi criado por analogia – por se
tratar de procedimento muito mais abrangente do que o modelo do qual partiu,
permitindo ao Ministério Público, que o preside, não só investigar (suspeita de
lesão aos direitos que deve proteger), como chegar a exercer função
jurisdicional -, ao firmar compromisso de ajustamento de conduta com o causador
do dano, por exemplo. É a jurisdição se fazendo presente ante a solução
encontrada para dirimir o conflito.”[4]
Notas:
[1]
O contraditório é exigido e impostergável na fase processual, pois não há devido processo legal sem o contraditório, que
vem a ser, em
linhas gerais,
a garantia de que
para toda ação haja uma correspondente
reação, garantindo-se, assim, a plena igualdade de oportunidades
processuais. A respeito do contraditório, Willis Santiago Guerra Filho afirma:
“Daí podermos afirmar que não há
processo sem respeito efetivo do contraditório, o que nos faz associar o
princípio a um princípio informativo, precisamente aquele político,
que garante a plenitude do acesso ao Judiciário (cf. Nery Jr., 1995, p. 25).
Importante, também, é perceber no princípio do contraditório mais do que um
princípio (objetivo) de organização do processo, judicial ou administrativo –
e, logo, um princípio de organização de um instrumento de atuação do Estado, ou
seja, um princípio de organização do Estado, um direito. Trata-se de um
verdadeiro direito fundamental processual, donde se poder falar, com
propriedade em direito ao contraditório, ou Anspruch auf rechliches Gehör, como fazem os alemães.”
(Introdução ao Direito Processual Constitucional, São Paulo: Síntese, 1999, p.
27).c, 2005, p. 35). Segundo Étienne Vergès, a Corte Européia dos Direitos do
Homem (CEDH) “en donne une définition
synthétique en considérant que ce principe ´implique la faculté, pour les
parties à un procés penal ou civil, de prendre connaissance de toutes pièces ou
observations présentées au juge, même par un magistrat indépendant, en vue
d´influencer sa décision et de la discuter` (CEDH, 20 févr. 1996, Vermeulen c/
Belgique, D. 1997, som. com. P. 208).” (Procédure Pénale, Paris: LexisNexis
Litec, 2005, p. 35).
[2] Esta afirmação
não impede, contudo, que seja deferida a juntada pelo indiciado de documento.
Neste sentido, veja-se esta decisão do Ministro Gilmar Mendes: “MED.
CAUT. EM HABEAS CORPUS
92.599-5 BAHIA – RELATOR: MIN. GILMAR MENDES – DECISÃO: (…) Com relação à argumentação expendida pelo acórdão recorrido no sentido
de que o inquérito policial seria procedimento investigatório e inquisitorial
não envolto pelo contraditório, é pertinente traçar algumas considerações. A
jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal (STF) tem assegurado a amplitude
do direito de defesa mesmo que em sede de inquéritos policiais e/ou
originários. Nesse particular, em especial no que concerne ao exercício do
contraditório e ao acesso de dados e documentos já produzidos no âmbito das
investigações criminais, destaco os seguintes julgados: “EMENTA: ADVOGADO.
Investigação sigilosa do Ministério Público Federal. Sigilo inoponível ao
patrono do suspeito ou investigado. Intervenção nos autos. Elementos
documentados. Acesso amplo. Assistência técnica ao cliente ou constituinte.
Prerrogativa profissional garantida. Resguardo da eficácia das investigações em
curso ou por fazer.Desnecessidade de constarem dos autos do procedimento
investigatório. HC concedido. Inteligência do art.5o, LXIII, da CF, art. 20 do
CPP, art. 7o, XIV, da Lei no 8.906/94, art. 16 do CPPM, e art. 26 da Lei no
6.368/76 Precedentes. É direito do advogado,suscetível de ser garantido por habeas corpus, o de, em tutela ou no
interesse do cliente envolvido nas investigações, ter acesso amplo aos
elementos que, já documentados em procedimento investigatório realizado por
órgão com competência de polícia judiciária ou por órgão do Ministério Público,
digam respeito ao constituinte” – (HC no 88.190/RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, 2ª
Turma, unânime, DJ 6.10.2006).
“EMENTA: I. Habeas corpus prejudicado
dado o superveniente julgamento do mérito do mandado de segurança cuja decisão
liminar era objeto da impetração ao Superior Tribunal de Justiça e, em
conseqüência, deste. Habeas corpus: inviabilidade:
incidência da Súmula 691 (‘Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de
<habeas corpus> impetrado
contra decisão do Relator que, em <habeas
corpus> requerido a Tribunal Superior, indefere a liminar’). III.
Inquérito policial: inoponibilidade ao advogado do indiciado do direito de vista
dos autos do inquérito policial. 1. Inaplicabilidade da garantia constitucional
do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, que não é processo,
porque não destinado a decidir litígio algum, ainda que na esfera
administrativa; existência, não obstante, de direitos fundamentais do indiciado
no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de
não se incriminar e o de manter-se em silêncio. 2. Do plexo de direitos dos
quais é titular o indiciado – interessado primário no procedimento
administrativo do inquérito policial -, é corolário e instrumento a
prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente
outorgada pelo Estatuto da Advocacia (L. 8906/94, art. 7o, XIV), da qual – ao
contrário do que previu em hipóteses assemelhadas – não se excluíram os
inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal
resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os
interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao
princípio da proporcionalidade. 3.
A oponibilidade ao defensor constituído esvaziaria uma
garantia constitucional do indiciado (CF, art.5o, LXIII), que lhe assegura,
quando preso, e pelo menos lhe faculta, quando solto, a assistência técnica do
advogado, que este não lhe poderá prestar e lhe é sonegado o acesso aos autos
do inquérito sobre o objeto do qual haja o investigado de prestar declarações.
4. O direito do indiciado, por seu advogado, tem por objeto as informações já introduzidas
nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da
execução de diligências em curso (cf.L. 9296, atinente às interceptações
telefônicas, de possível extensão a outras diligências); dispõe, em
conseqüência a autoridade policial de meios legítimos para obviar
inconvenientes que o conhecimento pelo indiciado e seu defensor dos autos do
inquérito policial possa acarretar à eficácia do procedimento investigatório. Habeas corpus de ofício deferido,
para que aos advogados constituídos pelo paciente se faculte a consulta aos
autos do inquérito policial e a obtenção de cópias pertinentes, com as
ressalvas mencionadas”- (HC no 87.827/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,Primeira
Turma, unânime, DJ 23.6.2006).Em
idêntico sentido, registro ainda o julgamento do HC no 88.520/AP (Rel. Min.
Cármen Lúcia, Pleno, maioria, julgado em 23.11.2006, acórdão pendente de
publicação), no qual, uma vez mais, o Plenário definiu novas amplitudes
constitucionais com relação ao devido processo legal, à ampla defesa e ao
contraditório (CF, art.5o, incisos LIV e LV).Da leitura dos precedentes
colacionados, verifica-se que tais julgados respaldam a tendência
interpretativa de garantir aos investigados e indiciados a máxima efetividade
constitucional no que concerne à proteção dos direitos fundamentais mencionados
(CF, art.5o, LIV e LV).Destarte, nos termos da jurisprudência colacionada,
entendo não haver razão jurídica plausível para que a Corte Especial do STJ
indefira pedido de juntada do laudo pericial requerida pela defesa do ora
paciente.Ressalvado melhor juízo quando da apreciação de mérito,constato a
existência dos requisitos autorizadores da concessão da liminar pleiteada (fumus boni juris e periculum in mora). Ante os
fundamentos expostos, defiro o
pedido de medida liminar para determinar a juntada dos expedientes
00127270/2007 e 00126577/2007 aos autos do Inquérito no 544/BA, em trâmite
perante o STJ. Nessa extensão do deferimento, o representante do Ministério
Público Federal oficiante deverá ser oportunamente intimado da juntada da
documentação referida. Após, abra-se vista ao Procurador-Geral da República
(RI/STF, art. 192). Publique-se. Brasília, 6 de novembro de 2007.”
[3] “Quem tem medo da publicidade no inquérito?”,
Boletim IBCCrim no 84, págs. 13/14 – Novembro/99.
[4] “O
contraditório no inquérito civil”, RT 811/35.
Procurador de Justiça no Estado da Bahia. Foi Assessor Especial do Procurador-Geral de Justiça e Coordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias Criminais. Ex- Procurador da Fazenda Estadual. Professor de Direito Processual Penal da Universidade Salvador-UNIFACS, na graduação e na pós-graduação (Especialização em Direito Processual Penal e Penal e Direito Público). É Coordenador do Curso de Especialização em Direito Penal e Processual Penal da UNIFACS. Pós-graduado, lato sensu, pela Universidade de Salamanca/Espanha (Direito Processual Penal). Especialista em Processo pela Universidade Salvador-UNIFACS (Curso coordenado pelo Professor J. J. Calmon de Passos). Membro da Association Internationale de Droit Penal, da Associação Brasileira de Professores de Ciências Penais e do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Associado ao Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – IBCCrim e ao Movimento Ministério Público Democrático. Integrante, por duas vezes consecutivas, de bancas examinadoras de concurso público para ingresso na carreira do Ministério Público do Estado da Bahia. Professor convidado dos cursos de pós-graduação da Fundação Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, do Curso JusPodivm e do Curso IELF. Autor das obras “Curso Temático de Direito Processual Penal”, “Comentários à Lei Maria da Penha” (em co-autoria com Isaac Sabbá Guimarães) e “Juizados Especiais Criminais”– Editora JusPodivm, 2009, além de organizador e coordenador do livro “Leituras Complementares de Direito Processual Penal”, Editora JusPodivm, 2008. Participante em várias obras coletivas. Palestrante em diversos eventos realizados na Bahia e no Brasil.
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