Sumário: 1. Considerações iniciais. 2. Constituição da entidade. 3. Características. 4. Captação de recursos. 5. Imunidades de impostos e de contribuições sociais e isenções. 6. Comunicação. 7. Considerações finais.


1. Considerações iniciais


O terceiro setor surgiu com a deficiência do Estado em atender questões sociais nos mais diversos segmentos, quer sejam filantrópicos, culturais, recreativos, científicos, de preservação do meio ambiente e outros. Em regra, o terceiro setor é constituído por organizações sem finalidades lucrativas, não governamentais, gerando serviços de caráter público. O primeiro setor é o governo e o segundo setor são as empresas privadas.


O termo terceiro setor surgiu inicialmente nos Estados Unidos e o termo organizações não governamentais é o mais usual na Europa. Aqui se usa indistintamente ambos os termos.


2. Constituição da entidade


Podem constituir-se em:


Fundações são as instituições que financiam o terceiro setor, através de doação a entidades beneficentes, culturais, recreativa e outras,mas, nada impede que executem projetos próprios. No Brasil, são poucas as fundações e mais poucas, ainda, as que se envolvem com questões sociais.


Entidades Beneficentes – são as operadoras de fato. São as que efetivamente se dedicam às questões sociais. Cuidam dos carentes, idosos, meninos de ruas, drogados, ajudam a preservar o meio ambiente, educam, ensinam esportes, promovem os direitos humanos e a cidadania. Atuam através de escolas, associações, aqui incluídos os chamados institutos e clubes sociais.


Esclareça-se neste passo, que muitas associações ditas sem finalidades lucrativas, na realidade, são lucrativas ou atendem os interesses dos próprios usuários. Recentemente, tivemos conhecimento de uma ONG, com benesses do Poder Público, em cuja diretoria executiva efetiva constava a atuação de um político, mais propriamente uma política.


A constituição formal dessas entidades, escolas, associações, aqui incluídos os chamados institutos, clubes sociais deve atender as exigências previstas no Código Civil e, em alguns casos, atender leis específicas, sob pena de não serem reconhecidas como entidades beneficentes a merecer os benefícios da imunidade tributária e isenções e não poderem obter recursos outros necessários a sua atividade.


3. Características


As características do terceiro setor são inúmeras, mas, é necessário que arrolemos algumas para entender as suas peculiaridades. Trazemos algumas, contudo, sem desprezar quaisquer outras que possam ter igual ou maior importância.


As pessoas que iniciam a implantação de uma entidade do terceiro setor vão abraçar uma causa. Abraçar uma causa é a mola propulsora do terceiro setor: é comprometer-se com o próximo, é acarinhar um setor ou pessoas necessitadas, é doar-se. A decisão para abraçar uma causa é de fundamental importância e a motivação para fazê-lo são várias. Muitas pessoas vão pela dor, mas, o amor, em última análise é a grande motivação, mormente para a assistência social.


Porém, para atingimento das metas propostas, soluções originais devem ser buscadas, pois, só assim, sobreviverão. Encontrar tais soluções é a grande questão. Interessar-se por outras instituições, o que elas fazem, como fazem, é um caminho para eleger as soluções adequadas.


Quanto mais a população se conscientizar que também é responsável para buscar soluções para as questões sociais, para tentar amenizá-las, para ajudar financeiramente ou oferecer seus préstimos, o terceiro setor se fortalecerá. Nessa catástrofe em Santa Catarina, o terceiro setor teria e tem papel preponderante, mobilizando-se para socorrer os flagelados. Mas, o terceiro setor poderia atuar preventivamente, cobrando do poder público medidas para evitá-la, conscientizando a população dos riscos que correriam, ajudando na retirada dos moradores etc.Não tenhamos dúvidas, o poder público é o maior responsável : poderia evitar a tragédia ou pelo menos amenizá-la fazendo obras de contenção ou retirando os moradores de área de risco. Não adianta agora destinar verbas para recuperação, que se suficientes forem, não o será para resgatar vidas. Porém, importar-se com os carentes é problema de todos não só do governo. Mostrar para o indivíduo que qualquer atitude sua por menor que seja, vai fazer uma diferença.


Lutar por minimizar os problemas sociais, senão resolvê-los, é problema de todos, não só do Estado. Mas, cobrar do Estado, a devida atuação é da nossa obrigação, é exercício de cidadania. A nossa característica é nos quedarmos silentes diante da incompetência dos órgãos públicos. Muitas vezes somos omissos. E, pelo contrário, quando atingidos devemos cobrar e nessa cobrança teremos mais força se atuarmos unidos, através de associações, entidades beneficentes e outros.


Lembro-me, quando da edição da MP 232/04, em dezembro de 2004, ocorreu um tsunami gigante na Indonésia. De absurdas e avassaladoras as medidas fiscais que nela continham, mormente um ataque feroz do leão que o Prof. Kiyoshi Harada, à época a qualificou como um verdadeiro tsunami tributário, pois, a voracidade do governo era ímpar. A reação da sociedade civil através de associações como OAB, Fiesp, Associações comerciais e outras foi fundamental para que algumas medidas fossem revogadas, e mais, recentemente, nós assistimos a revogação da famigerada CPMF, e, com certeza, o engajamento da Fiesp foi preponderante para tal resultado. É o exercício da cidadania pelos órgãos não governamentais do terceiro setor.


O trabalho voluntário é de suma importância para o terceiro setor. São pessoas imbuídas de ideais. Todos os segmentos do terceiro setor não sobrevivem sem este material humano, principalmente, as entidades filantrópicas, que mais do que as outras, precisam sempre atentar para este trabalho e toda a mobilização para trazer mais pessoas para abraçar a sua causa é válida. Sem este trabalho voluntário, o terceiro setor está fadado a padecer. Mostrar que por menor que seja a sua participação vai fazer uma diferença, pois, a tônica do terceiro setor é somar, é mobilizar é engajar elementos para ajudá-lo.


A instituição deverá passar credibilidade. E, para tanto, o hábito criativo, honesto, crítico e regular do que seja efetivamente uma entidade do terceiro setor deve ser uma constante. A divulgação de suas atividades, de suas de contas, a constante avaliação dos programas vão convencer a sociedade que a instituição está cumprindo plenamente o seu papel.


Enfim, essa credibilidade se configurará no resultado efetivo da prestação de serviço pela entidade, quer seja assistencial, cultural, recreativa, científica. E, é claro, que as pessoas que dirigem tais entidades, em um primeiro momento, devem passar credibilidade. São o cartão-de- visitas da entidade.


4. Captação de recursos


As entidades de terceiro setor sobrevivem de doações, patrocínios e venda de seus produtos. Tais recursos devem ser captados das mais diversas formas.


Uma vez reconhecida a sua credibilidade, a instituição poderá vender o seu produto, se for o caso. Vender no sentido comercial. Por exemplo, um instituto de pesquisas pode promover cursos e cobrar por estes cursos, uma entidade de terceiro setor pode ser contratada para prestar serviços junto o governo (existem entidades do terceiro setor que prestam serviços para a Fundação Casa –ex-Febem) ou para outras entidades privadas. Nada as impedem, desde que, sejam seus lucros aplicados integralmente em seus objetivos sociais. Vender o seu produto é uma forma de captação de recursos.


Por outro lado, não é mais viável somente o trabalho, corpo a corpo, para buscar doações e patrocínios de pessoas envolvidas com a própria entidade. Temos, que pensar em algo mais certo e objetivo. As entidades culturais e assistenciais estão perecendo porque seus sócios contribuintes estão falecendo e não há continuidade de doações.


Temos que envolver a sociedade como um todo, os empresários, mais, propriamente, as empresas, prometendo-lhes, entretanto, uma contrapartida. Essa contrapartida pode revestir-se em propaganda da empresa nos eventos, nos panfletos etc.


Ainda, as empresas e pessoas físicas podem usufruir do mecanismo dos chamados incentivos fiscais existentes nas esferas federal, estadual e municipal.


No âmbito federal, as pessoas jurídicas, desde que seu regime de tributação seja o do lucro real, podem abater o valor doado do IR e da Contribuição Social Sobre o Lucro, até o limite de 2% do lucro operacional da mesma, quando as beneficiárias forem qualificadas como OCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), como entidade de Utilidade Pública Federal, atendendo, ainda, o disposto na Instrução Normativa 87/96 da Secretaria da Receita Federal.


Exclusivamente para os projetos culturais, temos a Lei Rouanet, Lei 8.313/91, tão conhecida por todos. O projeto que se pretende patrocinado precisa ser aprovado pelo Pronac (Programa Nacional de Apoio a Cultura) e regularizada pelo CNIC (Comissão Nacional de Incentivos Culturais). Tratando-se de doação tanto de pessoa jurídica como pessoa física, poderá o doador havê-la do IR, desde que não ultrapasse os 4% do valor devido. (A percentagem de dedução depende do tipo de projeto escolhido).


A Lei do Audiovisual, Lei 8.685/93, visa fomentar a atividade audiovisual, por meio de investimentos para obras audiovisuais cinematográficas brasileiras de produção independente.


A Bolsa de Valores de São Paulo, Bovespa, criou mecanismo que permite à pessoa jurídica investir em determinados projetos sociais pré-selecionados por especialistas.


 Resta, esclarecer que as pessoas físicas só podem fazer dedução do IR quando doarem a instituições registradas no Estatuto da Criança e Adolescente. Tais doações integrarão os fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.


No âmbito estadual, também, existem, incentivos fiscais. A legislação é própria de cada estado.


 No Estado de São Paulo, vai cuidar dos incentivos fiscais nessa esfera de governo a Lei 12.268/2006, que instituiu o Programa de Ação Cultural, conhecido como PAC, através do aproveitamento do ICMS.


Igualmente muitos municípios têm sua lei de incentivos fiscais.


No Município de São Paulo, é possível, dedução dos valores investidos do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU e Imposto Sobre Serviços -. ISS. O contribuinte ( tanto pessoa jurídica como pessoa física ) pode destinar 20% do valor devido, através de doação, patrocínio ou investimento, ou de certificados de investimento emitidos pelo executivo, para projetos culturais devidamente aprovados pela Municipalidade. (Lei 10.928/90 regulamentada pelo Decreto 46.595/2005). Está em andamento o PL 342/2008.


Ainda, para a captação de recursos não podemos deixar de citar as campanhas tradicionais, como chás beneficentes, jantares, os chamados kifu etc. Muito comuns, embora difíceis de sustentá-las, elas devem ser mantidas. São expedientes que podem ajudar, mas, não podem ser considerados suportes únicos para a suas entidades.


Não se pode olvidar que as doações não precisam, necessariamente, ser em dinheiro. Ultimamente, as doações em espécimes, com contrapartida para a empresa doadora, tem sido uma constante. As grandes empresas possuem departamentos próprios para atender tais demandas.


5. Imunidade de impostos e de contribuições sociais e isenções


A Constituição Federal em seu Art. 150, VI, “c” proíbe a União, Estados, Distrito Federal e Municípios a instituição de impostos sobre o patrimônio, renda ou serviços das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais, atendido requisitos da lei, que são os previstos no Art. 14 do Código Tributário Nacional (não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio e de suas rendas, a qualquer título, aplicarem integralmente no país, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos sociais, manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar a sua exatidão).


A Constituição Federal confere imunidade às entidades beneficentes de assistência social referente às Contribuições Sociais em seu Art. 195, (embora se refira a isenção, trata-se de imunidade). Ela só é reconhecida àquelas entidades que possuam título de Utilidade Pública Federal ou Certificado de Entidade de Fins Filantrópicos (emitido pelo Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS) não se aplicando a todas as entidades beneficentes. Muitas entidades com fulcro neste dispositivo, não recolheram devidamente as contribuições sociais e sofreram autuações e execuções por tal omissão. A MP 446/08 veio anistiar tais entidades em situação de debito provocando uma grita geral que levou o Senado a devolver tal expediente ao Executivo.


Não há imunidade em relação às taxas, contribuição de melhoria, empréstimos compulsórios em geral, contribuição de intervenção no domínio econômico, contribuição para categoria profissional e econômica.


Mas, pode haver isenção. A isenção dependerá de cada Poder Tributante. É um favor legal do Estado, que abre mão de receber determinado tributo em relação a algum fato ou ato específico.


É de suma importância estes aspectos pois, todos sabem que os impostos e tributos são um encargo muito grande para qualquer empreendimento.


As entidades devem conscientizar-se e organizar-se para receber tais benefícios. É de sua obrigação manter-se dentro dos requisitos legais para ter reconhecida sua imunidade em relação aos impostos e contribuições e para obter isenção de outros tributos. A sua escrituração contábil deve obedecer aos ditames legais.


6. Comunicação


Resumindo, temos, entidades formalmente constituídas dentro dos requisitos legais aplicáveis à espécie, algumas imunes a impostos e contribuições sociais, outras com benefícios de isenção de contribuições e taxas. Falamos do potencial humano que precisa ser mobilizado, da necessidade de captação de recursos. Porém, tudo isso precisa ser veiculado através dos meios de comunicação.


A comunicação deve ser clara, precisa, verdadeira e ter como objetivos: buscar novos parceiros e doadores, recrutar voluntários, informar os conselheiros, prestar contas à sociedade, e, principalmente, colocar à disposição da população os serviços da entidade. Enfim, deve utilizar-se de todos os meios lícitos e possíveis para divulgar o trabalho da entidade: telefone, face a face, e-mail, TV, rádio, revistas, panfletos e outros.


7. Considerações finais


Por derradeiro, a falta de conhecimentos técnicos e conceituais levam as organizações do terceiro setor a enfrentar sérias dificuldades financeiras e administrativas, a errôneo planejamento, a avaliação distorsiva, pois, os seus gestores não são preparados para tal, são voluntários que abraçam uma causa. Para atingir todas as metas propostas, manter sua documentação em ordem, principalmente, a contábil, eleger os métodos adequados para sua organização, para captação de recursos, eleger os meios e formas de divulgação dos trabalhos, objetivar o máximo de recursos e o mínimo de despesas, a entidade beneficente deverá contratar um profissional, a par da sua diretoria eleita, pois, para tais responsabilidades o trabalho voluntário deixa a desejar.


Talvez, abraçar uma causa e fazê-la acontecer seja um sonho, mas, não nos esqueçamos; “Somos do tamanho dos nossos sonhos” ( Fernando Pessoa).



Informações Sobre o Autor

Felícia Ayako Harada

Advogada em São Paulo. Sócia fundadora da Harada Advogados Associados. Juíza arbitral pela Câmara do Mercosul. Membro do Instituto de Direito Comparado Brasil-Japão e do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Ex Inspetora Fiscal da Prefeitura de São Paulo.


Equipe Âmbito Jurídico

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