O Tribunal Penal Internacional, uma análise à luz da ordem jurídica brasileira

Sumário: 1. Origem da Justiça Penal Internacional. 1.1. O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg. 2. O Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional. 2.1. O Estatuto de Roma. 3. Organização e atividade do Tribunal Penal Internacional. 4. Crimes da competência do Tribunal. 4.1 Crime de genocídio. 4.2. Crimes contra a humanidade. 4.3. Crimes de guerra. 4.4. Crime de agressão. 5. Responsabilidade penal individual. 6. O Tribunal Penal Internacional e a ordem jurídica brasileira. 6.1. Entrega de pessoas ao Tribunal. 6.2. Pena de prisão perpétua. 6.3. As imunidades e a responsabilidade criminal. 6.4. Reserva legal e a coisa julgada. 7. Conclusão. 8. Referências.


Resumo: Constitui-se em objeto de estudo do presente artigo, versar sobre um tema contemporâneo, abrangente e controverso na esteira do Direito, qual seja o Tribunal Penal Internacional, bem como trazer à baila seus princípios reitores face ao direito brasileiro. Far-se-á uma análise da organização e fundamentos jurídicos do TPI, sobretudo, a importância do mesmo para fins de tutela dos direitos humanos em cotejo com a responsabilidade penal dos indivíduos, tendo em vista a consecução da justiça penal internacional, ratificando, assim, os princípios da dignidade da pessoa humana, liberdade e igualdade.


Palavras-chave: Tribunal Penal Internacional, Estatuto de Roma, Direitos Humanos, crime.


1. Origem da Justiça Penal Internacional


Diante das inumeráveis infrações aos direitos humanos deflagradas no início do Século XX, sobretudo, com a Segunda Guerra Mundial, o princípio do direito de punir, ius puniendi, passou a ser examinado sob diferentes matizes e perspectivas. Surgiu, então, uma preocupação com a proteção internacional dos direitos humanos, haja vista a eclosão de crimes desumanos com excesso de perversidade, os quais ferem a dignidade da pessoa humana, como, verbi gratia, os crimes contra a paz, crimes de guerra, crimes contra a humanidade, genocídio, entre outros.


Nesse diapasão, os crimes que violam os direitos pertinentes à humanidade de uma forma geral, devem ser punidos em caráter global a partir do estabelecimento de uma Justiça Penal Internacional que combata efetivamente as violações aos direitos inerentes ao ser humano.


Com a Segunda Guerra Mundial, durante o período nefasto do Holocausto, no qual ocorreram barbaridades e crueldades contra a humanidade, precipuamente, contra os judeus, estabeleceu-se a baliza definitiva de intolerância e afronta ao ser humano. A despeito de tal acontecimento, a comunidade internacional demonstrou interesse em punir e responsabilizar os criminosos que cometem tais tipos de atrocidades.


A segunda grande guerra caracterizou-se por destituir a titularidade dos direitos dos seres humanos, suprimindo a identidade nacional dos povos, imiscuindo-se na ordem jurídica dos mesmos e no liame político que os unificava. Diante deste quadro, restou às vítimas do Nazismo a morte nos campos de concentração, por não serem havidas por dignas, convenientes e desejáveis à organização política daquela época.


Tais acontecimentos ensejaram discussões quanto à introdução de tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, engendrando e grassando todo um arcabouço jurídico internacional de proteção destes direitos, assim como as devidas punições quando violados, por intermédio de uma estrutura organizacional efetiva de amparo internacional aos bens jurídicos ora alvitrados.


1.1. O Tribunal Militar Internacional de Nuremberg


Em 8 de agosto de 1945, por meio do Acordo de Londres, instituiu-se o Tribunal Militar Internacional de Nuremberg, que funcionou como uma mola propulsora do movimento de internacionalização dos direitos humanos. O Tribunal de Nuremberg surgiu em reação direta às barbáries realizadas pelos alemães nazistas no Holocausto.


O Acordo de Londres preceitua em seu art. 6º os crimes de competência do Tribunal os quais estão arrolados a seguir:


a) Crimes contra a paz – planejar, preparar, incitar ou contribuir para a guerra de agressão, ou para a guerra em violação aos tratados internacionais, ou participar de um plano comum ou conspiração para a consecução de quaisquer atos de guerra;


b) Crimes de guerra – violação ao direito e aos costumes de guerra, tais como assassinato, tratamento cruel, deportação de populações civis que estejam ou não em territórios ocupados, para trabalho escravo ou forçado ou para qualquer outro propósito, maus tratos ou assassinato cruel de prisioneiros de guerra ou de pessoas em alto-mar, assassinato de reféns, pilhagem de propriedades públicas ou privadas, destruição arbitrária de cidades, vilas ou lugarejos, ou devastação injustificada por ordem militar;


c) Crimes contra a humanidade – assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou outro ato desumano contra qualquer membro da população civil, antes ou durante a guerra, ou perseguições baseadas em critérios raciais, políticos e religiosos, na execução ou em conexão com qualquer crime de competência do Tribunal, independentemente se, em violação ou não do direito doméstico do país em que foi perpetrado.


Outrossim, foram criados por resoluções do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas dois tribunais internacionais ad hoc: um tribunal para  julgar os crimes praticados na região da ex – Iugoslávia a partir de 1991, e o outro a fim de julgar as diversas infrações aos direitos humanos praticados em Ruanda. Este, estabelecido na Tanzânia, aquele na Holanda.


Entretanto, tais tribunais temporários foram suscetíveis de críticas em razão de terem sido criados por deliberações do Conselho de Segurança da ONU, tendo como fulcro o Capítulo VII da Carta das Nações Unidas, e não por tratados internacionais multilaterais e, assim, poderia constituir-se em óbice para a consecução de uma Justiça Penal Internacional. Nesse sentido, importante destacar a arguta lição do Prof. Celso D. de Albuquerque Mello:


“Uma observação que se impõe é que o CS [Conselho de Segurança da ONU] não tem função judicial e os tribunais que têm criado se fundamentam na sua competência para criar órgãos subsidiários. (…) Os tribunais instituídos para os crimes praticados na antiga Iugoslávia e em Ruanda foram criados pelo CS com fundamento no Capítulo VII da Carta da ONU, alegando ‘celeridade e oportunidade política’. Como crítica a este procedimento tem se alegado que: a) nenhum órgão da ONU pode criar órgão judiciário; b) teria sido melhor que a iniciativa fosse da AG [Assembléia-Geral], etc [2]”.


Os tribunais ad hoc também sofreram críticas pelo fato de que violavam a pedra de toque do direito penal, qual seja o princípio da reserva legal, isto é, “que a regulamentação de determinadas matérias há de fazer-se necessariamente por lei formal” [3], nesse sentido José Afonso da Silva. Grosso modo, pode-se afirmar, tendo em vista o tema ora examinado, como sendo a precessão do juiz e da lei em relação à prática do crime. O grande cerne da questão está no sentido de a criação dos tribunais estarem condicionadas a fatos antecessores à criação do órgão judicante, o que diverge do princípio supracitado.


Não se pode olvidar que apesar das controvérsias em relação à legitimidade do Conselho de Segurança da ONU, a relevância e dimensão dos crimes cometidos em Ruanda e antiga Iugoslávia denotam-se como justificativas plausíveis para tais deliberações e, além disso, os subsídios que estes tribunais dispensaram para a teoria da responsabilidade penal internacional dos indivíduos foram, indubitavelmente, de grande monta.


No plano internacional, a instituição mais antiga que se tem conhecimento alude ao ano de 1474 na Alemanha com a instauração de um tribunal penal a fim de julgar Peter Von Hagenbach por tolerar que seus soldados estuprassem e matassem inúmeras pessoas civis [4].


Com o Tratado de Versalhes, objetivou-se levar a julgamento o ex-Kaiser Guilherme II por crimes de ordem internacional, por intermédio de um tribunal penal internacional, o qual não logrou êxito. Foi a partir do desfecho da Primeira Grande Guerra que a comunidade internacional levou a cabo a idéia de estabelecer a responsabilidade penal internacional. Também merece destaque, no tocante à responsabilização penal individual, o Tratado de Sèvres, o qual pleiteou imputar sanções ao Governo Otomano pelo morticínio cruel de milhares de armênios, considerado como o primeiro genocídio do Século XX [5].


É oportuno aventar os tratados internacionais que avultam de maior importância em se tratando de dirimir as convulsões internacionais oriundas, sobretudo, da Primeira Guerra, a saber: Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948; Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, em 1948; Convenções de Genebra sobre o Direito Humanitário, em 1949, e Protocolos Adicionais em 1977; Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes de Lesa Humanidade, em 1968; Princípios de Cooperação Internacional para Identificação, Detenção, Extradição e Castigo dos Culpáveis de Crimes de Guerra ou de Crimes de Lesa Humanidade, em 1973.


A Declaração e Programa de Ação de Viena, em seu parágrafo 92 no-lo traz importantes considerações:


“A Conferência Mundial sobre Direitos Humanos recomenda que a Comissão de Direitos Humanos examine a possibilidade de melhorar a aplicação de instrumentos de direitos humanos existentes em níveis internacional e regional e encoraja a Comissão de Direitos Internacional a continuar seus trabalhos visando ao estabelecimento de um tribunal penal internacional [6]”.


Peremptoriamente, pelo Estatuto de Roma de 1998, vem ao lume o Tribunal Penal Internacional. Este é o primeiro órgão a nível mundial, de natureza estável, de corte penal internacional, com prerrogativa para demandar e arbitrar os denominados crimes internacionais, os quais compreendem as infrações que abalroam a harmonia e seguridade da comunidade internacional.


2. O Estatuto de Roma e o Tribunal Penal Internacional


2.1. O Estatuto de Roma


Em 17 de julho de 1998, em Roma, foi aprovado por 120 votos a favor e 7 votos contrários – China, Estados Unidos da América, Filipinas, Índia, Israel, Sri Lanka e Turquia – e 21 abstenções, na Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas, o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, cujo principal objetivo era instituir uma instância penal internacional de caráter permanente, sediado em Haia, na Holanda.


O Tratado alcançou 66 ratificações no dia 11 de abril de 2002, transpondo o número mínimo de 60 anuências requeridas para que pudesse viger. O Parlamento brasileiro, por intermédio do Decreto Legislativo nº. 112, de 6 de junho de 2002 aprovou a adesão do Brasil ao Tratado de Roma e, supervenientemente, obteve a promulgação pelo Decreto presidencial nº. 4,388, de 25 de setembro de 2002, ocorrendo a admissão do Brasil em 20 de junho de 2002. O prof. Mazzuoli aduz com propriedade, in verbis:


“A partir desse momento, por força da norma do art. 5º, § 2º da Constituição brasileira de 1988 (…), o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional integrou-se ao direito brasileiro com status de norma materialmente constitucional, passando a ampliar sobremaneira o “bloco de constitucionalidade” da nossa Carta Magna [7]”.


O art. 5º, § 4º da Constituição Federal preceitua que “O Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão”. Em sendo assim, formalizou-se o reconhecimento do Brasil face à competência do Tribunal Penal Internacional, em conseqüência da introdução da Emenda Constitucional nº. 45, em 8 de dezembro de 2004. Por conseguinte, a Carta Política brasileira está em congruidade com o ordenamento jurídico internacional de amparo aos direitos humanos.


3. Organização e atividade do Tribunal Penal Internacional


O Estatuto do TPI contém um conjunto de 128 artigos e está subdividido em treze capítulos: I – criação do Tribunal; II – competência, admissibilidade e direito aplicável; III – princípios gerais de direito penal; IV – composição e administração do Tribunal; V – inquérito e procedimento criminal; VI – o julgamento; VII – as penas; VIII – recurso e revisão; IX – cooperação internacional e auxílio judiciário; X – execução da pena; XI – Assembléia dos Estados-partes; XII – financiamento; e XIII – cláusulas finais.


O Tribunal possui competência complementar no tocante às jurisdições penais nacionais dos Estados que o compõem, conforme reza o art. 1º do Estatuto. Há, portanto, uma subsidiariedade do TPI em relação aos órgãos judicantes pátrios, sendo inadmissível a interferência indevida nos mesmos, os quais possuem a prerrogativa originária de esquadrinhar e autuar os crimes praticados pela pessoa nacional, exceto quando se tratar de incapacidade e ineficácia volitiva de cominar pena aos seus infratores. 


Faz-se importante salientar que a subsidiariedade que é um dos princípios basilares do Estatuto de Roma, não está compreendida em relação aos tribunais temporários, cujas jurisdições são concomitantes e paralelas às jurisdições pátrias, o que feriria a soberania dos Estados, por isso este problema melindroso trouxe à baila grande celeuma nos entraves jurídicos internacionais. A solução adveio com a criação do TPI que compôs este conflito.


O Estatuto de Roma, em seu preâmbulo, no-lo traz o interesse e determinação em criar um Tribunal Penal Internacional de índole permanente e independente, no âmbito do sistema das Nações Unidas, subsidiário das jurisdições penais nacionais, com jurisdição de intentar ação judicial e sentenciar a pessoa responsabilizada por praticar os crimes de maior gravidade afetam a comunidade internacional em sua completude.


 O Tribunal tem competência ratione temporis, ou seja, em proferir decisões concernentes aos crimes praticados supervenientemente a sua criação, possuindo, portanto, efeito ex nunc. Nesse sentido, o Estatuto é válido em relação aos crimes cometidos após de 1º de julho de 2002, tempo em que o presente Estatuto entrou em vigor, conforme preceitua o art. 11, § 1º. Se quiçá um Estado torne-se parte do Estatuto depois de sua entrada em vigor, o Tribunal apenas poderá exercer a sua competência para processar e julgar os crimes cometidos depois da entrada em vigor do Estatuto no ordenamento desse Estado, salvo se este tenha feito uma declaração especial em sentido contrário, nos termos do § 3º do art. 12 do Estatuto de Roma.


 É oportuno destacar que a jurisdição do Tribunal não se entressacha com o princípio da justiça universal, cuja conceituação enuncia Fernando Capez em sua lição:


“Todo Estado tem o direito de punir qualquer crime, seja qual for a nacionalidade do delinqüente e da vítima ou o local de sua prática, desde que o criminoso esteja dentro de seu território. É como se o planeta se constituísse em um só território para efeitos de repressão criminal [8]”.


Como se pode observar, nos termos do art. 4º, §§ 1º e 2º do Estatuto de Roma, o Tribunal Penal Internacional tem personalidade jurídica internacional, possuindo capacidade jurídica necessária a fim de desempenhar suas funções e a consecução de seus objetivos. “O Tribunal poderá exercer os seus poderes e funções nos termos do seu Estatuto, no território de qualquer Estado Parte e, por acordo especial, no território de qualquer outro Estado”, conforme art. 4º, § 2º. Pelo princípio da justiça cosmopolita, o Estado teria tal competência penal própria (jurisdição interna) para processamento e julgamento, distintamente da jurisdição do TPI que é um organismo internacional que possui competência criminal permanente para o exercício de suas funções e prerrogativas nesse âmbito, cujas adesões foram expressamente manifestadas pelos respectivos Estados Partes.


Nos termos do art. 36, §§ 1º e 2º, a princípio, o Tribunal será composto por 18 juízes, havendo a possibilidade de a Presidência propor um aumento deste número, mediante fundamentação das razões pelas quais pondera necessária e conveniente tal medida. Em seguida, a proposição será examinada em sessão da Assembléia dos Estados Partes e deverá ser considerada adotada caso seja ratificada na sessão, por eleição majoritária de dois terços dos integrantes da Assembléia dos Estados Partes, a qual entrará em vigor na data estabelecida pela Assembléia.


O art. 36, § 3º aduz uma exposição detalhada dos requisitos que o candidato deve possuir aventadas a seguir:


3. a) Os juízes serão eleitos dentre pessoas de elevada idoneidade moral, imparcialidade e integridade, que reúnam os requisitos para o exercício das mais altas funções judiciais nos seus respectivos países.


 b) Os candidatos a juízes deverão possuir:


 I) Reconhecida competência em direito penal e direito processual penal e a necessária experiência em processos penais na qualidade de juiz, procurador, advogado ou outra função semelhante; ou


 II) Reconhecida competência em matérias relevantes de direito internacional, tais como o direito internacional humanitário e os direitos humanos, assim como vasta experiência em profissões jurídicas com relevância para a função judicial do Tribunal;


 c) Os candidatos a juízes deverão possuir um excelente conhecimento e serem fluentes em, pelo menos, uma das línguas de trabalho do Tribunal.


A composição do Tribunal abrange os seguintes órgãos, conforme prescreve o art. 34 do Estatuto de Roma: a) a Presidência; b) uma Seção de Recursos, uma Seção de Julgamento em Primeira Instância e uma Seção de Instrução; c) o Gabinete do Procurador; d) a Secretaria.


O Gabinete do Procurador terá atuação independente, enquanto órgão autônomo do Tribunal, tendo a prerrogativa de recolher comunicações e qualquer outro tipo de informação, devidamente fundamentada, sobre crimes de competência do Tribunal, com o propósito de submetê-los a exame e inquirir e de exercer ação penal junto ao Tribunal, conforme aduz o art. 42, § 1º do Estatuto.


Avulta de importância destacar, segundo o art. 17, § 1º do Estatuto, os critérios adotados pelo Tribunal quanto a não-admissibilidade de um caso se: a) O caso for objeto de inquérito ou de procedimento criminal por parte de um Estado que tenha jurisdição sobre o mesmo, salvo se este não tiver vontade de levar a cabo o inquérito ou o procedimento ou, não tenha capacidade para o fazer; b) O caso tiver sido objeto de inquérito por um Estado com jurisdição sobre ele e tal Estado tenha decidido não dar seguimento ao procedimento criminal contra a pessoa em causa, a menos que esta decisão resulte do fato de esse Estado não ter vontade de proceder criminalmente ou da sua incapacidade real para o fazer; c) A pessoa em causa já tiver sido julgada pela conduta a que se refere a denúncia, e não puder ser julgada pelo Tribunal em virtude do disposto no parágrafo 3º do artigo 20; d) O caso não for suficientemente grave para justificar a ulterior intervenção do Tribunal.


4. Crimes da competência do Tribunal


O Tribunal Penal Internacional, de acordo com os termos do art. 5º do Estatuto de Roma, tem competência para julgar os crimes mais graves que lesam a comunidade internacional como um todo. Os crimes acima enunciados são: o crime de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de guerra e o crime de agressão. A seguir, será objeto de análise cada um destes crimes, abordando a evolução e princípios que lhes são concernentes, bem como o entendimento doutrinário atual dos seus elementos constitutivos.


4.1. Crime de genocídio


Em 9 de dezembro de 1948, pela Convenção sobre a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio, ficou estabelecido que considerando que a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, na sua Resolução n.º 96 (I), de 11 de Dezembro de 1946, declarou que:


“O genocídio é um crime de direito dos povos, que está em contradição com o espírito e os fins das Nações Unidas e é condenado por todo o mundo civilizado. Reconhecendo que em todos os períodos da história o genocídio causou grandes perdas à humanidade. Convencidas de que, para libertar a humanidade de um flagelo tão odioso, é necessária a cooperação internacional [9]”.


Conforme estatui o art. 2º da Convenção supracitada, configura-se como genocídio os atos cometidos com o objetivo de destruir, total ou parcialmente, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, tais como:


a) assassinato de membros do grupo; b) Atentado grave à integridade física e mental de membros do grupo; c) Submissão deliberada do grupo a condições de existência que acarretarão a sua destruição física, total ou parcial; d) Medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo; e) Transferência forçada das crianças do grupo para outro grupo [10].


O art. 3º desta Convenção estabelece punição para os seguintes atos: a) O genocídio; b) O acordo com vista a cometer genocídio; c) O incitamento, direto e público, ao genocídio; d) A tentativa de genocídio; e) A cumplicidade no genocídio. Faz-se importante salientar que tais punições serão efetuadas independentemente das funções e imunidades que o criminoso possua, quer sejam governantes, funcionários ou particulares. Nesse sentido, as partes contratantes assumem a responsabilidade de criar dispositivos penais eficazes empregáveis às pessoas culpadas de genocídio ou de qualquer dos atos enumerados no art. 3º da Convenção.


Para fins de Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, entende-se por “genocídio”, qualquer um dos atos que a seguir se enumeram, praticados com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal:


a) Homicídio de membros do grupo; b) Ofensas graves à integridade física ou mental de membros do grupo; c) Sujeição intencional do grupo a condições de vida com vista a provocar a sua destruição física, total ou parcial; d) Imposição de medidas destinadas a impedir nascimentos no seio do grupo; e) Transferência, à força, de crianças do grupo para outro grupo [11].


     Portanto, a tipificação do crime de genocídio pelo Estatuto de Roma constitui-se em uma das maiores conquistas alcançadas pela comunidade internacional, haja vista que tal mecanismo possibilita a reconstrução da dignidade humana e impede que novas violações contra os direitos humanos sejam praticadas, sobretudo, com a criação de uma estrutura de proteção internacional.


4.2. Crimes contra a humanidade


Segundo Tarciso Dal Maso Jardim, os crimes contra a humanidade tiveram seu princípio histórico relacionado ao morticínio dos armênios gerado pelos turcos, durante a Primeira Grande Guerra, denominado pela declaração do Império Otomano como um crime da Turquia contra a humanidade e a civilização [12].


O art. 7º, §1º do Estatuto de Roma preceitua como “crime contra a humanidade” qualquer um dos seguintes procedimentos, quando praticado no cenário de um ataque, generalizado ou ordenado, contra qualquer população civil havendo conhecimento desse ataque, in verbis: a) homicídio; b) extermínio; c) escravidão; d) deportação ou transferência forçada de uma população; e) prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) tortura; g) agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) desaparecimento forçado de pessoas; j) crime de apartheid; k) outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental.


O art. 7º, § 3º do Estatuto traz a acepção “gênero” compreendendo os sexos masculino e feminino, dentro do contexto da sociedade, não sendo atribuídas quaisquer outras significações.


4.3. Crimes de guerra


Os crimes de guerra são disciplinados pelo art. 8º do Estatuto de Roma do TPI. Tal dispositivo preceitua que o Tribunal terá competência para julgar os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte integrante de um plano ou de uma política ou como parte de uma prática em larga escala desse tipo de crimes.


Depreendem-se como “crimes de guerra”, para efeitos do Estatuto de Roma, as violações graves às Convenções de Genebra, de 12 de agosto de 1949, tais como qualquer dos seguintes atos, dirigidos contra pessoas ou bens protegidos nos termos da Convenção de Genebra que for pertinente, in verbis: 1) Homicídio doloso; 2) Tortura ou outros tratamentos desumanos, incluindo as experiências biológicas; 3) O ato de causar intencionalmente grande sofrimento ou ofensas graves à integridade física ou à saúde; 4) Destruição ou a apropriação de bens em larga escala, quando não justificadas por quaisquer necessidades militares e executadas de forma ilegal e arbitrária; 5) O ato de compelir um prisioneiro de guerra ou outra pessoa sob proteção a servir nas forças armadas de uma potência inimiga; 6) Privação intencional de um prisioneiro de guerra ou de outra pessoa sob proteção do seu direito a um julgamento justo e imparcial; 7) Deportação ou transferência ilegais, ou a privação ilegal de liberdade; 8) Tomada de reféns.


Nesse sentido, infere-se que tal lista de exemplos de crimes de guerra é plenamente suficiente para legitimar a formação de um tribunal penal internacional para fins de proteção aos direitos humanos os quais foram veementemente transgredidos durante um longo período.


4.4. Crime de agressão


O crime de agressão não possui uma conceituação precisa, de modo que sua inserção como espécie de crime no Estatuto de Roma apresentou consideráveis dificuldades. O art. 2º, § 4º da Carta das Nações Unidas enuncia que “os membros deverão abster-se nas suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao uso da força, quer seja contra a integridade territorial ou a independência política de um Estado, quer seja de qualquer outro modo incompatível com os objetivos das Nações Unidas”, evidenciando-se, pois, que o emprego da força e ameaça a fim de dirimir convulsões internacionais não é o meio apropriado, configurando-se em uma ilicitude.


Em razão da ausência de tipificação do crime de agressão, a conceituação dessa natureza de crime foi acintosamente posta em segundo plano, conforme entendimento do art. 5º, § 2º do Estatuto de Roma, o qual afirma que “o Tribunal poderá exercer a sua competência em relação ao crime de agressão desde que seja provada uma disposição em que se defina o crime e se enunciem as condições em que o Tribunal terá competência relativamente a tal crime”.


5. Responsabilidade penal individual


A responsabilização penal dos crimes cometidos sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional incide sobre a pessoa física, considerada individualmente culpada conforme as tipificações que o Estatuto traz em seu bojo.


A aplicabilidade do Estatuto incidirá, igualitariamente, a todas as pessoas sendo irrelevante a qualidade oficial que as mesmas possuam. Nos termos do art. 27 do Estatuto, “a qualidade oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, em caso algum eximirá a pessoa em causa de responsabilidade criminal”. Nesse diapasão, as imunidades e prerrogativas que a pessoa desfruta por causa do cargo ou função que exerce não se constituirão em óbice para a incidência da responsabilidade penal por infrações cometidas.


O art. 25, § 3º do Estatuto expõe que será considerado criminalmente responsável e poderá ser punido pela prática de um crime da competência do Tribunal quem: a) Cometer esse crime individualmente ou em conjunto ou por intermédio de outrem, quer essa pessoa seja, ou não, criminalmente responsável; b) Ordenar, solicitar ou instigar à prática desse crime, sob forma consumada ou sob a forma de tentativa; c) Com o propósito de facilitar a prática desse crime, for cúmplice ou encobridor, ou colaborar de algum modo na prática ou na tentativa de prática do crime, nomeadamente pelo fornecimento dos meios para a sua prática; d) Contribuir de alguma outra forma para a prática ou tentativa de prática do crime por um grupo de pessoas que tenha um objetivo comum.


Nesse ínterim, faz-se oportuno destacar a lição de Mazzuoli sobre esta temática ao ensinar que:


“A idéia crescente de que os indivíduos devem ser responsabilizados no cenário internacional, aparece bastante reforçada no Estatuto de Roma que, além de ensejar a punição dos indivíduos como tais, positivou, no bojo de suas normas, ineditamente, os princípios gerais de direito penal internacional (arts. 22 a 23), bem como trouxe regras claras e estabelecidas sobre o procedimento criminal perante o Tribunal (art. 53 a 61). Tal acréscimo vem suprir as lacunas deixadas pelas Convenções de Genebra de 1949, que sempre foram criticadas pelo fato de terem dado pouca ou quase nenhuma importância às regras materiais e processuais da ciência jurídica criminal [13]”.


6. O Tribunal Penal Internacional e a ordem jurídica brasileira


Hodiernamente, tem-se suscitado debates calorosos acerca da inconstitucionalidade ou não do Estatuto de Roma no ordenamento jurídico brasileiro. A inserção do Estatuto no direito brasileiro tem sido considerada por diversos estudiosos pátrios como um recurso incompossível por se tratar de uma questão de “inconstitucionalidade intrínseca”, cujas normas infringem a ordem constitucional engendrando eventuais antinomias.


6.1. Entrega de pessoas ao Tribunal


Em consentâneo com o art. 89, § 1º do Estatuto do TPI, o Tribunal poderá dirigir um pedido de detenção e entrega de uma pessoa a qualquer Estado em cujo território essa pessoa se possa encontrar, e solicitar a cooperação desse Estado na detenção e entrega da pessoa em causa.


Nesse sentido, a celeuma se deflagra devido à semelhança entre dois institutos jurídicos que, outrora, não eram diferenciados, a saber: entrega e extradição. Dessa forma, razão assiste a Valério de Oliveira Mazzuoli quando aduz com propriedade:


!A entrega de uma pessoa (qualquer que seja a nacionalidade e em qualquer lugar que esteja) ao Tribunal Penal Internacional é um instituto jurídico sui generis nas relações internacionais contemporâneas, e todos os seus termos distinto do instituto já conhecido da extradição, que tem lugar entre duas potências estrangeiras visando a repressão internacional de delitos [14]”.


A eclosão dessa polêmica tem origem na Constituição Federal que determina no art. 5º LI que “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei”. Porém, tal dispositivo está inserido no conjunto de direitos fundamentais e, portanto, não podem ser objeto de deliberação por estarem revestidos pela cláusula pétrea do art. 60, § 4º, IV do Texto Magno.


Em contrapartida, o Estatuto de Roma ao ponderar tal questão, faz a diferenciação entre entrega e extradição. Faz-se oportuno transcrever o art. 102, alíneas a e b, in verbis:


a) Por “entrega”, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado ao Tribunal nos termos do presente Estatuto.


b) Por “extradição”, entende-se a entrega de uma pessoa por um Estado a outro Estado conforme previsto em um tratado, em uma convenção ou no direito interno.


Por conseguinte, se a pessoa é submetida pelo Estado ao Tribunal, conforme estabelecido no Estatuto de Roma denomina-se “entrega”; quando ocorre a sujeição de uma pessoa por um Estado a outro, em conformidade com um tratado, ou convenção ou no direito interno, caracteriza-se como “extradição”.


De forma esclarecedora Valério de Oliveira Mazzuoli destaca que “a extradição envolve sempre dois Estados soberanos, sendo ato de cooperação entre ambos na repressão internacional de crimes, diferentemente do que o Estatuto de Roma chamou de entrega, onde a relação de cooperação se processa entre um Estado e o próprio tribunal”[15].


Nesse diapasão, a entrega de um nacional brasileiro não fere os princípios constitucionais, especificamente o art. 5º, LI da Constituição, porquanto a entrega se dá a uma jurisdição internacional plenamente organizada e que formalmente respeita todos os requisitos constitucionais de conclusão definidos no direito brasileiro. Diferentemente seria se a entrega de nacionais fosse a um tribunal estrangeiro vinculado a outro Estado, o que de fato, peremptoriamente estaria violando a Constituição.


6.2. Pena de prisão perpétua


Conforme preceitua o art. 77, § 1º, b do Estatuto de Roma, o Tribunal pode impor à pessoa condenada por um dos crimes previstos, além de outras punições, a pena de prisão perpétua, se o elevado grau de ilicitude do fato e as condições pessoais do condenado o justificarem.


O conflito se estabelece em razão de a Constituição proibir cabalmente a pena de caráter perpétuo. Porém, seguindo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, a extensão da lei penal está delimitada na circunscrição interna do país. A pena de prisão perpétua é, internamente, inadmissível, mas não se configura inaplicável no tocante à extradição.


Nesse ínterim, faz-se importante mencionar a lição de Mazzuoli a qual lança luz sobre o assunto:


“Portanto, a interpretação mais correta a ser dada para o caso em comento é a de que a Constituição, quando prevê a vedação de pena de caráter perpétuo, está direcionando o seu comando tão-somente para o legislador interno brasileiro, não alcançando os legisladores estrangeiros e tampouco os legisladores internacionais que, a exemplo da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas, trabalham rumo à construção do sistema jurídico internacional [16]”.


Em sendo assim, a pena de prisão perpétua não pode ser estabelecida internamente no Brasil, sob nenhuma hipótese, sejam quais forem as medidas criadas, em razão de a cláusula pétrea da Constituição de 1988 não a admitir. Entretanto, quanto à aplicabilidade da pena de prisão perpétua externamente, como é o caso do Tribunal Penal Internacional, não há objeção de caráter constitucional.


Parece claro, portanto, que o Estatuto de Roma não viola a Constituição visto que a jurisdição da lei penal é interna, sendo possível a sua aplicação além das fronteiras brasileiras em relação aos crimes de ordem internacional. Além disso, os princípios contidos no Estatuto estribam-se na promoção do bem de todos, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade os quais dão ensejo à prevalência dos direitos humanos, conforme aduz os princípios que regem as relações internacionais no art. 4º da Constituição Federal.


6.3. As imunidades e a responsabilidade criminal


Ao cabo da Segunda Guerra Mundial, inexpressivas foram as iniciativas envidadas no âmbito internacional no sentido de refrear os ultrajes aos direitos humanos cometidos em grandes proporções, precipuamente porque impera o entendimento de que os detentores do poder, no exercício de suas funções, eram juridicamente inimputáveis por quaisquer condutas. Sobre esse contexto histórico Enrique Ricardo Lewandoski expende que:


“A idéia da inimputabilidade dos governantes, embora profundamente arraigada na cultura política desde a mais remota antiguidade, somente tomou forma doutrinária com Maquiavel, em 1513, segundo o qual “um príncipe, e especialmente um príncipe novo, não pode observar todas as coisas a que são obrigados os homens considerados bons, sendo freqüentemente forçado, para manter o governo, a agir contra a caridade, a fé, a humanidade e a religião. (…) Essa tese ganhou contornos jurídicos na obra de Bodin intitulada Os seis livros da República, datada de 1576, que definia a soberania como um poder “absoluto e perpétuo do Estado”. A partir daí, a tese da irresponsabilidade dos governantes ganhou maior sofisticação com a raison d’Etat de Richelieu e a Realpolitik de Bismarck, que davam como legítima qualquer ação praticada em nome dos superiores interesses do Estado. E tal doutrina durante séculos não sofreu maiores abalos, em que pesem as barbaridades cada vez maiores praticadas nas guerras declaradas e não-declaradas que eclodiram desde os albores da Idade Moderna até os dias atuais [17]”.


 As pessoas que praticam crimes de competência do Tribunal Penal Internacional, majoritariamente, possuem a cobertura das imunidades que lhes são concedidas pelos ordenamentos jurídicos dos países que pertencem.


Diante desta situação, o art. 27 do Estatuto de Roma prescreve a isonomia quanto à aplicabilidade da jurisdição do Tribunal sobre a pessoa, independentemente da qualidade de oficial de Chefe de Estado ou de Governo, de membro de Governo ou do Parlamento, de representante eleito ou de funcionário público, não havendo escusa da pessoa em causa de responsabilidade criminal, nem mesmo redução da pena.


6.4. Reserva legal e a coisa julgada


Os artigos 22 e 23 prescrevem que “nenhuma pessoa será considerada criminalmente responsável, nos termos do presente Estatuto, a menos que a sua conduta constitua, no momento em que tiver lugar, um crime da competência do Tribunal”, sendo que a punição somente poderá ser aplicada contra a pessoa condenada pelo Tribunal, se estiver em consentâneo com o estabelecido pelo Estatuto.


No que diz respeito à coisa julgada, a Constituição dispõe no art. 5º, XXXVI que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. No caso de o indivíduo ter sido submetido à jurisdição do Tribunal Penal Internacional após sentença com trânsito em julgado no órgão judicante brasileiro, extingue-se a atuação do TPI. Nesses termos prescreve o art. 20:


O Tribunal não poderá julgar uma pessoa que já tenha sido julgada por outro tribunal, por atos também punidos pelos artigos 6º, 7º ou 8º, a menos que o processo nesse outro tribunal: a) Tenha tido por objetivo subtrair o acusado à sua responsabilidade criminal por crimes da competência do Tribunal; ou b) Não tenha sido conduzido de forma independente ou imparcial, em conformidade com as garantias de um processo eqüitativo reconhecidas pelo direito internacional, ou tenha sido conduzido de uma maneira que, no caso concreto, se revele incompatível com a intenção de submeter a pessoa à ação da justiça.


Não se pode olvidar que, via de regra, a jurisdição do Tribunal Penal Internacional sempre terá caráter complementar, isto é, terá competência eventualmente quando a jurisdição estatal conduzir o processo de forma parcial e eivada de vícios.


7. Conclusão


Diante do que foi exposto, indubitavelmente, o Tribunal Penal Internacional é de extrema importância para a consecução da Justiça Penal e proteção dos direitos humanos em toda a sua amplitude. Tem-se por expectativa que os crimes atrozes cometidos contra a humanidade efetivamente sejam combatidos, consolidando assim, o Direito Penal Internacional. A criação do Tribunal Penal Internacional é um marco na evolução do Direito, sobretudo, pela simetria que tal instrumento trouxe para a concretização de uma justiça universal, cooperando para o progresso da humanidade, autodeterminação dos povos e preeminência dos direitos humanos.


O Tribunal Penal Internacional vem ao lume oportunamente para combater os crimes mais pungentes contra a humanidade que ocorreram ou que ainda sobrevenham, coibindo os responsáveis pelas transgressões aos direitos humanos. Este instrumento jurídico é o colorário da restauração da cidadania universal e dignidade da pessoa humana.




8. Referências

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

GOMES, Luiz Flávio. Tribunal Penal Internacional: Mais um sonho do século XXI. Acesso em: www.direitocriminal.com.br.

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos avançados 16 (45), 2002. Conferência do Mês do Instituto de Estudos Avançados da USP.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005.

MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

STEINER, Sylvia Helena F. O Tribunal Penal Internacional. Acesso em: www.direitocriminal.com.br.

VELLOSO, Ricardo Ribeiro. O Tribunal Penal Internacional. Disponível na Internet: <http://www.mundojuridico.adv.br>. Acesso em 08 de julho de 2007.



Notas:

[1] Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR. E-mail: wesley@zarco.net. Classificação do artigo: Direito Penal.

[2] Apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 27

[3] Apud MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 37.

[4] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 30.

[5] Idem. Ibidem, p. 31.

[6] Declaração e Programa de Ação de Viena, § 92.

[7] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 35.

[8] CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1: parte geral. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, pp. 92 e 93.

[9] Decreto nº 30.822, de 6 de maio de 1952. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/genocidio.htm.

[10] Decreto nº 30.822, de 6 de maio de 1952. Disponível em: http://www2.mre.gov.br/dai/genocidio.htm.

[11] Decreto nº 4.388, de 25 de setembro de 2002.

[12] Apud MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal Internacional e o direito brasileiro. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 51.

[13] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal… Op. cit. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 61.

[14] Idem, ibidem. pp. 66 e 67.

[15] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal… Op. cit. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 68.

[16] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. O Tribunal Penal… Op. cit. São Paulo: Premier Máxima, 2005, p. 68.

[17] LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. O Tribunal Penal Internacional: de uma cultura de impunidade para uma cultura de responsabilidade. Estudos avançados 16 (45), 2002. Conferência do Mês do Instituto de Estudos Avançados da USP, pp. 188.

Informações Sobre o Autor

Wesley de Lima

Acadêmico do curso de Direito da Universidade Federal de Rondônia – UNIR


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