Resumo: Trata o presente artigo de levantamento doutrinário e jurisprudencial do uso da videoconferência no interrogatório do réu preso, bem como demonstrar a viabilidade e os benefícios de sua aplicação na prática e como ajudaria em uma melhoria de todo o sistema prisional. É feita uma abordagem do uso da tecnologia no mundo moderno e avanços tecnológicos, diante das garantias constitucionais do réu preso, analisando sob a ótica do pacto de São José da Costa Rica, sua aplicabilidade no vigente ordenamento jurídico e seu grau de hierarquia, países que adotam a videoconferência e tratados e convenções que o Brasil é signatário que prevê o uso da audiência on-line.
Palavras-chave: Réu preso – presença física do juiz- audiência on-line – interrogatório- garantia constitucional- direito de defesa.
Abstract: It deals with the present article of doctrinal and jurisprudential survey of the use of videoconference in the interrogation of the arrested detainee, as well as demonstrate the viability and benefits of its application in practice and how it would help in an improvement of the whole prison system. An approach is taken to the use of technology in the modern world and technological advances, given the constitutional guarantees of the arrested prisoner, analyzing from the perspective of the pact of San José de Costa Rica, its applicability in the current legal order and its hierarchy degree, countries that Adopt the videoconference and treaties and conventions that Brazil is a signatory that provides for the use of the online audience.
Keywords: Defendant inmate – physical presence of the judge – online hearing – interrogation – constitutional guarantee – right of defense
Sumário: Introdução.1 Enfoque constitucional da videoconferência 1.1 Avanços tecnológicos no mundo moderno.1.2 Histórico da recusa à modernização do direto.1.3 Garantias constitucionais do acusado.1.4 Breves considerações sobre interrogatório.1.5 Necessidade da videoconferência. 1.6 Da excepcionalidade da medida.1.7 Abordagem legal e constitucional da lei. 2 O pacto internacional dos direitos civis e políticos e convenção americana sobre direitos humanos 2.1 Consideração sobre o pacto. 2.2 Visão analógica versus visão digital 2.3 Países que adotam a videoconferência. Conclusão.
Introdução
O presente trabalho tem como escopo apresentar a lei 11.900/2009 que trata do interrogatório do réu preso, videoconferência, suas implicações legais e constitucionais, que poderia muito contribuir com o inchaço carcerário, realizando interrogatórios mais céleres, colocando em liberdade provisória presos que estão encarcerados sem os requisitos processuais exigentes.
A aplicação da videoconferência ajudaria, até mesmo, em uma maior rapidez e eficiência no julgamento, uma vez que, não demoraria tanto tempo para se julgar uma causa de um réu preso de alta periculosidade que necessita ser marcada uma audiência de instrução e julgamento com vários meses de antecedência, visto o aparato policial, que precisa ser formado
Além disso o custo de transporte de preso para o Estado é altíssimo na casa de bilhões de reais por ano; valor que poderia estar sendo gasto em outras frentes de que o estado brasileiro tanto é carente.
1 Enfoque constitucional da videoconferência 1
1.1 Avanço tecnológico no mundo moderno
No mundo globalizado, com novas tecnologias sendo descobertas quase que diariamente com reflexo direto em nossas vidas, o que ocasiona um maior conforto, não é racional que usemos toda essa tecnologia somente fora do processo.
Assim juízes, advogados e promotores fazem uso constante dessa tecnologia, mas ao chegar na sala de audiência esquecem que ela existe e ficam restritos apenas a papeis e a canetas.
Hoje sabemos que o uso da vídeo-tecnologia está tão avançado que médicos realizam cirurgias em uma sala de um país da Europa enquanto o doente está em um hospital no Brasil.
Se tamanho ato de complexidade é realizado com grande sucesso, não se pode alegar que o juiz não sentiria as reações as emoções do acusado, pela videoconferência, já que, para uma cirurgia, se requer uma complexidade e um sensibilidade muito maior é realizada sem problema.
Outro ponto que se pode destacar são as reuniões por videoconferência que as empresas realizam que necessitam da mesma perspicácia e atenção para fecharem negócios.
Além de cursos inteiros que hoje são oferecidos a distância. Hoje um profissional é capaz de se formar em um curso de graduação de cinco anos pelo sistema da videoconferência, então esse curso não seria válido porque não houve um professor de corpo presente?
O mundo em que vivemos está em constante mudança e para nos adaptarmos a ela não podemos ficar parados no tempo estatelados, temos que nos render as inovações, ainda mais quando estas trazem melhoria, benfeitoria e segurança para nossas vidas e de toda população.
1.2 Histórico da recusa à modernização do direto.
O direito é uma ciência viva, que regula as relações humanas, que se molda com o tempo. Cada civilização possui características próprias que se adéqua com os anos.
Apesar de o direito ser uma ciência viva, está sempre em mudança, para se adequar a sociedade, esta mudança ocorre de uma forma bem mais lenta do que os anseios da sociedade. O direito por ser uma ciência retórica não consegue acompanhar com a mesma rapidez as evoluções humanas.
Além dessa natural demora, por si só, o direito tem uma ligeira aversão sobre fatos novos que ocasionam grandes mudanças em sua estrutura.
Um exemplo bem perto de nós que podemos destacar é no Brasil, no começo do século XX onde as sentenças eram feitas a mão, e mais tarde com a introdução da maquina de escrever muitos juizes que prolatavam suas sentenças datilografadas eram consideras nulas.
O que hoje parece um absurdo na época era perfeitamente discutido. Dessa forma o que hoje se discute sobre o uso da videoconferência para interrogar réu preso, daqui a algumas décadas essa discussão pode parecer sem sentido.
1.3 Garantias constitucionais do acusado
O réu preso possui direito a todas as garantias constitucionais que o Estado Democrático de Direito o assegura. Esse rol de direitos constitucionais, bem como infraconstitucionais, constituem garantias a preservação das suas liberdades como cidadão enquanto se encontra preso. Entre eles podemos citar alguns encontrados na Constituição da Republica em seu artigo 5º.
O devido processo legal, o contraditório e ampla defesa (art 5°º, LIV e LV), este reproduz o artigo XI, nº 1, da declaração universal dos direitos do homem:
”todo homem acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenho sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas toas as garantias necessárias à sua defesa”.
O devido processo legal traz uma ampla cobertura ao acusado, tanto na esfera da liberdade, responder o processo em liberdade, quanto ao direito de uma defesa técnica, como também, a publicidade do processo, a produção extensa de provas, e julgamento por um juiz de direito que detenha a competência nos termos da lei.
Nesse entendimento é o conceito de Alexandre de Morais de ampla defesa:
“o asseguramento que á dado ao réu de condições que lhe possibilitem trazer para o processo todos os elementos tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo, pois a todo ato produzido pela acusação, Caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor lhe apresente, ou ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa daquela feita pelo autor” (MORAES, 2004, p.125)
O princípio da presunção de inocência estabelece que: “ninguém será considerado culpado até o transito em julgado da sentença penal condenatória.” Assim para o individuo ser considerado culpado o Estado deve comprovar essa culpabilidade, uma vez que por força constitucional ele é considerado inocente antes do transito em julgado da sentença penal condenatória.
O Princípio do juiz natural prevê que ninguém será processado senão pela autoridade competente, este princípio também proíbe a criação de tribunal de exceção, assim a doutrina de Alexandre de Morais:
“o referido princípio deve ser interpretado em sua plenitude, de forma a proibir-se não só a criação de tribunais ou juízos de exceção, mas também de respeito absoluto às regras objetivas de determinação de competência, para que não seja afetada a independência e imparcialidade do órgão julgador”.(MORAES, 2008,p.87)
1.4 Breves considerações sobre interrogatório
A videoconferência é uma medida para a realização do interrogatório do réu preso.
O interrogatório é um ato em que o juiz ouve o acusado acerca da imputação que lhe é feita. O interrogatório tem natureza mista, pois é meio de prova e também meio de defesa.
O interrogatório possui diversas características, dentre elas, as principais são: exclusividade do ato, apenas a figura do réu é interrogada, oralidade, não há preclusão do ato do interrogatório, pode fazê-lo em qualquer momento do processo, assim o acusado pode ser interrogado a qualquer instante e inclusive mais de uma vez, é bifásico: divide-se em duas partes, uma sobre a pessoa do acusado, e outra sobre os fatos.
Com o advento da lei 11.719/2008, o interrogatório passou a ser o último ato instrutório. A falta de interrogatório do réu presente é causa de nulidade absoluta consoante artigo 564,II, e, do Código de Processo Penal.
1.5 Necessidade da videoconferência.
É notório que o sistema carcerário brasileiro há muito tempo não consegue dar vazão a demanda prisional. Os presídios são estruturas falidas que colocam em risco a vida não só da população carcerária, mas como também dos cidadãos em sua volta.
Em setembro de 2014, o Grupo de Trabalho da ONU sobre Prisão Arbitrária expôs um relatório assinalando a superlotação endêmica, o acesso à justiça completamente comprometido e o encarceramento como regra e não exceção mesmo em casos de delitos leves e sem violência.
O “Mapa das Prisões” da organização de direitos humanos Conectas, apresenta um crescimento de 317,9% na taxa de encarceramento (número de presos por cada grupo de 100 mil habitantes) do país entre 1992 e 2013, passando de 74 para 300,96 enquanto a Rússia anotou queda de cerca de 4% no próprio período.
Segundo os últimos dados disponibilizados pelo InfoPen do Ministério da Justiça de junho de 2013, o Brasil contava com mais de 581 mil pessoas privadas de liberdade, 41% delas em prisão provisória. É a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos, China e Rússia. O déficit de vagas supera 230 mil.
Para se ter uma ideia no estado do Amazonas, onde recentemente no complexo Penitenciário Anísio Jobim, foi palco da segunda maior chacina em presídios brasileiros, em que foram mortos 56 presos, mais de 70% dos encarcerados são presos provisórios e em São Paulo 36% do total, segundo fonte extraída do Ministério da Justiça.
Aliado a esse panorama soma-se o custo para o Estado transportar e garantir a segurança do réu preso, uma vez que caso ocorra algum acidente com o indivíduo sobre a proteção do Estado é deste a responsabilidade, é muito dispendioso para o Erário Público.
Nos grandes centros urbanos a distância dos presídios aos fóruns é grande, gerando assim um risco potencial para toda a sociedade, como tentativa de fuga, execuções, atos que colocam em risco a vida de pessoas inocentes.
De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, o estado de São Paulo gastou mais de R$ 29,3 milhões em 84.173 escoltas de presos em 2015. No ano anterior, o gasto com leva-e-traz de detentos pelas rodovias do estado para os fóruns foi ainda maior, de R$ 32,2 milhões.
São gastos R$ 1,4 bilhão com a escolta de presos em atendimento às imposições da Justiça. Em um ano, a segurança com réus presos superou em 14,5% o total de aplicações do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen) realizadas nos últimos seis anos (R$ 1,2 bilhões)
Em nenhuns pais do mundo, quanto mais no Brasil, que é marcado por uma desigualdade social tão gritante não se pode desperdiçar uma receita na casa de bilhões de reais.
Esse dinheiro hoje investido de uma forma não muito racional poderia ser revertido para um bem muito maior a toda sociedade, como investimento em educação, saúde e moradia.
Investimentos estes que ao longo do tempo acabaria até por influenciar uma queda na criminalidade, uma vez que, para se diminuir a violência não se pode investir apenas em armas e viaturas, mas sim no social, pois o cidadão, sem assistência hoje acaba sendo levada para o caminho do crime.
Outro ponto que se faz necessário no uso da videoconferência é quanto a morosidade do sistema judiciário. E moroso trazer um preso de um presídio até a sala de audiências, tal ato gasta um tempo muito grande.
É notória a pratica de dentro das cadeias de motins, que impedem a saída de qualquer preso para audiências quando querem reivindicar algo. Aquele preso que teve a audiência marcada a meses acaba ficando prejudicado e só irá ter marcada uma nova audiência vários meses depois.
Isso em se tratando de presos se baixa periculosidade, pois se for um preso de alta periculosidade, então o tempo despendido é muito maior. Para o chefe de uma grande organização criminosa sair do presídio para o interrogatório com o juiz, é uma verdadeira operação de guerra que se monta.
Uma operação de guerra mesmo, são disponibilizados veículos blindados, aviões, helicópteros, viaturas, centenas de policias armados com armamento de guerra, ruas são interditadas, comboios são formados, pessoas impedidas de circular livremente; e no meio desse aparato policial todo estão circulando pessoas inocentes que a qualquer momento podem ser alvejados por balas perdidas.
Com a videoconferência os processos seriam realizados muito mais rápido ainda mais que agora a audiência no processo penal é única. A fila de processos existente no judiciário iria correr muito mais rápida. Os réus presos terão direito a verem seus processos julgados e não ficar esperando por anos um julgamento.
Com esse recurso tecnológico tão comum e recorrente no dia de hoje e ao mesmo tempo tão abandonado pelos profissionais de direito, poderia se dar uma maior eficiência ao poder judiciário e ao mesmo tempo uma maior segurança aos réus presos e aos cidadãos, com um custo infinitamente menor, o que levaria a uma melhor distribuição de recursos e aplicação em áreas estratégias para o desenvolvimento do país.
1.6 Excepcionalidade da medida
A lei 11.900/09 traz a videoconferência como uma medida excepcional.
A regra é que o interrogatório do acusado seja realizado em sala própria do estabelecimento prisional, onde o réu estiver recolhido, desde que garantida a segurança do juiz, membro do ministério público, auxiliares da justiça e defensor.
O problema dessa regra é que não é possível assegurar a garantia dessas pessoas elencadas no parágrafo primeiro do artigo 185 do CPP. Como já foi expresso aqui, os presídios não trazem nenhuma segurança, nem mesmo para os internos, quanto mais para pessoas de foras.
Tais locais, não possuem também na maioria das vezes lugares apropriados para o interrogatório, o que geraria assim um certo custo para poder se construir um local seguro e confortável para a prática dos atos processuais.
Registra-se que essa seria a melhor medida para acabar com o problema de deslocamento de presos e asseguraria a segurança das pessoas inocentes.
Todavia, o que é usado hoje nos fóruns é a regra que estabelece o parágrafo sétimo do referido artigo, em que:
“Art. 185.será requisitada a presença do réu preso em juízo nas hipóteses em que o interrogatório não se realizar na forma prevista nos §§ 1ºe2º deste artigo”.
Ou seja, só seria levado o réu preso até o juiz, caso este não pudesse comparecer no estabelecimento onde cumpre penitenciário em que se encontra o interrogado, nem se pudesse realizar o ato pela videoconferência, só assim é que o réu preso seria levado até a presença do juiz.
Nota-se que o que é tido pela lei como exceção vira regra no sistema processual penal.
O uso da videoconferência está estabelecido no parágrafo segundo do mesmo artigo 185 do CPC, estabelecendo da seguinte forma:
“Excepcionalmente, o juiz por decisão fundamentada, de ofício ou a requerimento das partes, poderá realizar o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência ou outro recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens em tempo real, desde que a medida seja necessária para atender a uma das seguintes finalidades”.
Percebe-se pela leitura do parágrafo segundo o uso excepcional da medida, ou seja, o uso da videoconferência não se tornou nem irá se tornar regra, sua medida é de exceção.Apenas para casos especiais.
Veja-se que o juiz deve motivar fundamentadamente o porquê do uso da videoconferência, não podendo fazer uso a qualquer instante, mas só se existirem as razões dos incisos I, II, III e IV do respectivo artigo 185. Analisemos cada inciso:
I – “prevenir risco à segurança pública, quando exista fundada suspeita de que o preso integre organização criminosa ou de que, por outra razão, possa fugir durante o deslocamento”.
Nessa hipótese leva-se em consideração os presos que fazem parte de organizações criminosas.Tais presos tem um risco maior de conseguirem serem resgatados, dado a sua importância e estratégia na organização.
II- “viabilizar a participação do réu no referido ato processual quando haja relevante dificuldade para seu comparecimento em juízo, por enfermidade ou outra circunstancia pessoal”.
Aqui não é necessariamente uma questão de segurança pública, mas do direito do réu presenciar o interrogatório. A lei assegura ao réu preso por motivo de doença ou outro qualquer que o impossibilite de estar presente no interrogatório de participar do mesmo por meio da videoconferência, garantido assim seu direito constitucional.
III- “impedir a influencia do réu no animo de testemunha ou da vitima desde que não seja possível colher o depoimento destas por videoconferência, nos termos do art.217.”
Deve-se prestar bastante atenção a esse inciso. O réu que de alguma forma possa causar um temor na testemunha, a ponto que ela se sinta constrangida ou ameaçada, pode ter o seu interrogatório realizado por videoconferência. Todavia só assim será realizado se não for possível colher o depoimento da testemunha pelo uso da videoconferência.
Ou seja, primeiro tenta-se colher o depoimento da testemunha pela via digital, caso não seja possível se fará o interrogatório do réu preso pelo meio da videoconferência.
IV- “responder à gravíssima questão de ordem pública”.
Esse inciso é genérico, desde que haja uma gravíssima questão de ordem pública. Como por exemplo, o interrogatório de um narcotraficante como o Fernandinho Beira Mar. Registra-se que em cada caso a decisão do juiz deve ser devidamente fundamentada. Segundo veiculado na imprensa há época, a escolta policial referida, com custo aproximado de R$ 30.000,00, “mobilizou 50 agentes federais, 12 carros, nove motos e um avião”, no que foi nominado pelo Senador Demóstenes Torres (PFL-GO) como “turismo do Fernandinho, Beira-Mar”
O parágrafo quarto do citado artigo assegura ao réu não apenas o direito de participar do interrogatório, mas também acompanhar a realização de todos os atos da audiência única de instrução e julgamento.
O parágrafo seguinte (§º5) assegura ao réu preso o direito a entrevista prévia e reservada com o seu defensor e o acesso a canais telefônicos reservados para a comunicação entre o advogado e a réu preso, este dentro do presídio e aquele na sala de audiência do fórum.
Percebe-se que o uso da videoconferência respeita e assegura todos os direitos constitucionais do réu preso, conforme será melhor demonstrado adiante.
1.7 Abordagem legal e constitucional.
Há alguns anos se discute sobre a legalidade da videoconferência. Muitos eram seus críticos, por faltar uma lei específica. Agora que entro em vigor a lei 11.900/09, trouxe a legalidade que necessitava para a implementação do uso da videoconferência.
Como forma de garantia aos direitos do réu e de respeito ao princípio do contraditório, o mesmo deverá ser intimado com antecedência de dez dias da decisão que determinar a realização do seu interrogatório por meio da videoconferência, conforme determina o parágrafo terceiro do artigo 185 do CPP.
Assim é pensamento de Eugenio Pacceli no sentido de que:
“não se pode vislumbrar inconstitucionalidade na Lei n. 11.900/2009. No entanto, o procedimento da videoconferência não deve ser banalizado nem transformado em regra. É extraordinário e deve ser precedido de decisão motivada do Juiz e, ainda, as partes devem ser intimadas com prazo mínimo de 10 dias de antecedência”. (OLIVEIRA, 2009, p.360)
O argumento de que o interrogatório assim realizado impede o contato do juiz com o acusado, o que prejudicaria o exercício da ampla defesa não merecer ser acolhido. Da mesma forma do interrogatório realizado na sala de audiência ou no estabelecimento prisional, a utilização da videoconferência, também permite que o juiz tenha contato com todas as reações do réu preso, como se estivesse na presença física do acusado ou réu.
Ademais, não se pode cogitar qualquer afronta ao princípio da publicidade, que continua sendo atendido em sua totalidade, já que o interrogatório por videoconferência se dá em uma sala especial, de acesso público.
O réu tem direito de estar presente na audiência (STF, HC 86.634-SP),entretanto a presença se torna efetiva com a videoconferência, assegurado os direitos e garantias constitucionais do acusado, conforme entende Luiz Flavio Gomes (2009)
Um resumo de todas essas idéias concatenadas é o raciocínio do professor Luiz Flávio Gomes (2009)
“O sonho do moderno processualista consiste em alcançar um modelo de processo penal eficiente com garantias: a videoconferência tem que acontecer em sala especial nos presídios, com acesso público, a presença de um funcionário judicial neste local se faz necessária, a comunicação direta e privada – linha telefônica exclusiva – entre o réu e o seu advogado é totalmente imprescindível etc. O fundamental, como se vê, não é o método, sim a forma (porque forma é garantia no processo penal). E todas essas formas goram garantidas pela Lei 11.900/2009”.
Dessa forma desde que ressalvadas todas as garantias fundamentais do réu, não há como alegar nulidade no uso da videoconferência, porque não existe nulidade sem prejuízo (CPP, art. 563). De qualquer maneira, como vinha criticando o Supremo Tribunal Federal, faltava uma lei federal específica.
2 Convenção Americana Sobre Direitos Humanos (Pacto De San José Da Costa Rica)
2.1 Considerações sobre o Pacto
O tratado de San José da Costa Rica foi acolhido pela resolução n. 2.200-A da Assembléia Geral das Nações Unidas, no ano 1966, o pacto possui amplitude e validade em vários países do mundo, entrando em vigor em no ano de 1976, quando uns totais de trinta e cinco países o adotaram.
O Governo brasileiro só ratificou o Pacto quando seus principais aspectos já se encontravam garantidos na atual Constituição Federal, em seu título II, denominado "Dos Direitos e Garantias Fundamentais", haja vista que em nosso país perdurou por mais de duas décadas um regime de ditadura militar.
O Congresso Brasileiro aprovou-o através do Decreto-Legislativo n. 226, de 12 de dezembro de 1991, depositando a Carta de Adesão na Secretaria Geral da Organização das Nações Unidas em 24 de janeiro de 1992, entrando em vigor em 24 de abril do mesmo ano. A partir dessa data o Brasil obrigou-se pela aplicação e efetivação dos direitos fundamentais previstos no Pacto conforme.
Mais especificamente seu artigo 7º, artigo de suma importância para o presente estudo, uma vez que traz o direito do réu ser levado a presença do juiz, motivo pelo qual decorre o centro da discussão sobre a possibilidade do uso da videoconferência. Assim traz o artigo:
“Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal
Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”.
Como garantia do réu preso encontra-se também amparo no o artigo 10 do referido Pacto:
“Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana". Tal princípio encontra-se contido na Constituição Federal no artigo 5º, inciso XLIX”.
Ao fazer a leitura atenta do artigo percebe-se que o réu deve ser conduzido, sem demora, a presença de um juiz. Esse é o principal argumento das pessoas que são contra o uso da videoconferência.
Todavia considerações devem ser feitas a respeito. A convenção americana de direitos humanos foi realizada em 1966. Naquela época é de notório conhecimento que a tecnologia ficava muito longe da que existe hoje. Não se podia conceber aquela época um interrogatório com uma resolução digital praticamente perfeita.
A idéia que a convenção queria trazer era o direito ao réu a ter um juiz presente para julgar com humanidade seu caso, para o julgamento não ser insensível. Entretanto na videoconferência esse contato acontece, o juiz pode falar escutar e ver o réu, bem como o réu preso também pode.
Até porque o contato que o juiz tem com o réu, não passa de ouvir, falar e ver o réu. O magistrado, não abraça, cumprimenta o réu, não há nenhum contato físico entre os dois.
Percebe-se que o Pacto de San Jose da Costa Rica não é taxativo quanto ao interrogatório do acusado ser realizado, impreterivelmente, na presença física do juiz (art. 7º, itens 5 e 6) e tal condição não encontra amparo nas garantias mínimas do artigo 8º
“Artigo 7º – Direito à liberdade pessoal
5. Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo.
6. Toda pessoa privada da liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida, sem demora, sobre a legalidade de sua prisão ou detenção e ordene sua soltura, se a prisão ou a detenção forem ilegais. Nos Estados-partes cujas leis prevêem que toda pessoa que se vir ameaçada de ser privada de sua liberdade tem direito a recorrer a um juiz ou tribunal competente, a fim de que este decida sobre a legalidade de tal ameaça, tal recurso não pode ser restringido nem abolido. O recurso pode ser interposto pela própria pessoa ou por outra pessoa”.
“Artigo 8º – Garantias judiciais
1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza”.
Dessa forma qual seria o empecilho existente na videoconferência?
Entretanto há quem ache que esse direito que o réu, possui, é de realmente estar na presença física do juiz. Há muitos julgados de tribunais que sustentam que o julgamento pela videoconferência o torna insensível e mecânico.
É de suma importância ressaltar que o Pacto de San José da Costa Rica é um tratado sobre direito fundamental e conforme entendimento recente do Supremo Tribunal federal, levado a frente pelo ministro Gilmar Mendes, os tratados que versem sobre direitos humanos que não forem recepcionados com força de emenda constitucional, consoante artigo 5º, §3º da Constituição Federal, será dado status de norma supralegal.
Assim a Convenção Americana sobre direitos humanos é uma norma supralegal, ou seja, é hierarquicamente superior a lei 11.900 que é norma ordinária.
Como já dito a Convenção Americana sobre Direitos Humanos entrou em vigor em nosso país em 1992, todavia no ano de 2004 foi promulgada a Convenção das Nações Unidas em desfavor do crime organizado transnacional, conhecida como: Convenção de Palermo. Esta convenção tem um importante dispositivo para afirmar a legalidade da videoconferência.
Na Convenção de Palermo, o art. 18, item 18 do anexo do Decreto 5.015/2004, que promulgou a referida Convenção, dispõe:
“Se for possível e em conformidade com os princípios fundamentais do direito interno, quando uma pessoa que se encontre no território de um Estado Parte deva ser ouvida como testemunha ou como perito pelas autoridades judiciais de outro Estado Parte, o primeiro Estado Parte poderá, a pedido do outro, autorizar a sua audição por videoconferência, se não for possível ou desejável que a pessoa compareça no território do Estado Parte requerente. Os Estados Partes poderão acordar em que a audição seja conduzida por uma autoridade judicial do Estado Parte requerente e que a ela assista uma autoridade judicial do Estado Parte requerido.”
Ou seja, o Brasil sendo signatário da Convença de Palermo, ele autoriza o uso da videoconferência. Já que em se tratando de organização criminosa o Estado deve buscar todos os recursos que possui para efetivar sua ação.
Há ainda uma discussão sob a Convenção de Palermo está também elevada a norma supralegal, todavia não seguimos esse pensamento, uma vez que a convenção traz em seu bojo, mais regras para o combate ao crime organizado internacional do que regras sob direitos humanos.
Há ainda o estatuto de Roma do Tribunal Pleno Internacional que permite a prolação de provas por meios eletrônicos (artigo 68, nº. 2 e artigo 69, nº. 2), na parte que versa sobre a proteção das vítimas e das testemunhas e sua participação no processo.
É o que se infere do artigo 69, nº. 2, que diz:
“[…] de igual modo, o Tribunal poderá permitir que uma testemunha preste declarações oralmente ou por meio de gravação em vídeo ou áudio”.
Diante dos tratados e convenções acima relacionados, percebe-se uma mudança que segue a era digital do mundo moderno, assim, deve-se refletir sobre o momento da criação do Pacto de San José da Costa Rica, que ocorreu no ano de 1969, ou seja, será que após quarenta anos e tamanho avança tecnológico, não seria elaborado em seu corpo como uma das forma de interrogatório o uso da videoconferência?
2.2 Visão Analógica Versus Visão Digital
O doutrinador Luiz Flavio Gomes escreveu um artigo muito interessante sobre o que era á época da Convenção Americana de Direitos Humanos e o que é hoje no século XXI esse contato pessoal com o juiz.
Para o ilibado professor, que é adepto do uso da videoconferência, inclusive tendo realizado no ano de 1996 os seis primeiros interrogatórios on-line do país e da América Latina, a presença física do juiz à época da Convenção era analógica, uma vez que só podia ser física. Já hoje no século XXI, marcado pela enorme tecnologia acessível a praticamente qualquer pessoa, o dispositivo deve ser contextualizado, ou seja, deve ser visto com uma interpretação progressiva, chamada assim pelo professor Luiz Flavio Gomes de digital.
A presença analógica seria a própria presença física do juiz, ele estar de corpo presente no interrogatório, percebe-se que a própria expressão traz uma idéia ultrapassada antiga já que vivemos na era digital. Já a presença digital seria a presença do réu no interrogatório, mas sem a necessidade presença física, o réu estaria sim presente participando e praticando todos os atos, mas devido aos avanços tecnológicos do século XXI, pode estar presente fisicamente em outro lugar.
Corroborando com o explicado é a idéia do referido autor Luiz Flávio Gomes:
“o argumento desfavorável mais repetido é o seguinte: com a videoconferência impede-se o contato físico do réu com o juiz. Na década de sessenta (do século XX) foram proclamados o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Eles falam em contato pessoal do acusado com o juiz. Esse contato "pessoal", naquela época (analógica) só podia ser físico. Hoje tais dispositivos devem ser interpretados progressivamente (ou seja: digitalmente, não analogicamente) ”.
“Mas os adeptos da ideologia da eqüidade (os chamados minimalistas ou progressistas) também estão atrapalhando o debate sereno e racional sobre o tema porque se prendem (analogicamente) ao método, não à essência ou à forma do ato. Desde que observadas todas as garantias constitucionais, internacionais e legais, não há como reconhecer a invalidade da videoconferência. Essa formalidade (respeito às garantias fundamentais) é o que mais importa. Não interessa tanto o método (tecnológico), sim a forma (circunstâncias do ato) ”.
2.3 Países que adotam a videoconferência
Como se faz notório diversos países em todo mundo utilizam o instituto da videoconferência há muitos anos, conforme se pode ter uma noção através do artigo da internet de Juliana Fioreze (2007) que é autora do livro Videoconferência no Processo Penal Brasileiro da editora Juruá:
“Nos E.U.A, tanto a legislação processual federal quanto a de muitos dos 50 Estados Federados permitem a videoconferência em depoimentos de testemunhas e em interrogatórios de acusados criminais, desde o ano de 1996.
O Código Criminal e o Código de Processo Penal do Canadá foram emendados em 1998 para permitir a utilização de videoconferência na seara penal.
A Índia e o Reino Unido utilizam experiências desta ordem desde o ano de 2003. Na Europa, podemos destacar, sobretudo, Espanha, França, Itália, Holanda e Portugal, países estes que possuem previsão expressa em seus respectivos Códigos de Direito Penal e de Processo Penal quanto à utilização da videoconferência para inquirição de testemunhas e interrogatórios de réus.
Cingapura, país do sudeste asiático e Timor Leste também já fizeram interrogatórios virtuais, em 2003 e em 1999, respectivamente. Na América Latina, sabe-se que o Chile também já previu, nos arts. 289 a 308 do CPP, a videoconferência no procedimento criminal oral.
Em todos estes países, a utilização da videoconferência mostrou-se extremamente favorável, proporcionando agilidade na realização das audiências (e, conseqüentemente, no julgamento dos processos), bem como, uma sensível redução nos gastos governamentais”.
Logo, pode-se perceber que é uma tendência mundial a aplicação da videoconferência, onde se busca uma justiça célere que respeite os direitos individuais do indivíduo preso, com a efetivação de uma tutela jurisdicional que busque celeridade em suas decisões com a proteção não só do individual, mas de todo coletivo.
Negar tal uso, significa confirmar um estado que apresenta um sistema penitenciário falido, que não consegue garantir minimamente os direitos básicos do cidadão preso provisório, como ter uma audiência em tempo hábil, para que um juiz de direito analise se os pressupostos da prisão ainda existem, ou se aquele réu preso faz jus ao benefício da liberdade provisória.
Conclusão
Pode-se perceber que muitos são aqueles que são contra o uso da videoconferência, todavia não apresentam argumentos concretos, apenas o jargão que viola a ampla defesa. Todavia não conseguem demonstrar porque ocorreria a violação da ampla defesa. É claro que existem argumentos desfavoráveis de peso, como o uso da videoconferência acabar se tornando uma regra no sistema processual, por se mais cômoda ao magistrado, já como é feito hoje, em que o réu é levado até a presença do juiz.
Agora, desde que assegurados todas as garantias constitucionais e legais, e ao usar a medida em caráter excepcional, não há porque falar em nulidade do ato.Só ocorre nulidade quando existe um prejuízo efetivo. Se todas as garantias foram asseguras não há que se falar em prejuízo, tão menos em nulidade.
Em pleno século XXI, no ano de 2017, com uma enorme tecnologia que está presente em nosso redor todo o tempo, não há como falar, em prejuízo pelo simples fato da audiência ser transmitida on-line; atos muito mais complexos são realizados pelo uso da videoconferência, como por exemplo, exames e operações médicas. Além disso o custo de transporte de preso para o Estado é altíssimo na casa de bilhões de reais por ano.Valor que poderia estar sendo gasto em educação, saúde e moradia.
A lei deve se adequar aos anseios da sociedade. Assim quando a Convenção de Direitos Humanos Americano foi criada em 1966, não se tinha nem de perto a tecnologia que se dispõe hoje. Naquela época a presença do réu frente ao juiz era realmente indispensável, haja vista que não existia outro meio que não fosse esse. Já hoje existe outro meio de igual perfeição que atende a todos os anseios, mas muitos ficam apegados a técnica legislativa que foi escrita na década de 60, no século XX.
Tanto é assim que hoje os tratados e convenções que estão sendo escritos o uso da videoconferência está aparecendo de forma constante e de uso normal, como a Convenção de Palermo da qual o país faz parte desde o ano de 2004.
Todavia não se pode deixar de ressaltar aqui que a videoconferência deve ser usada em casos excepcionais, onde todos os direitos e garantias individuais devam ser respeitas em sua plenitude, não podendo restar nenhum prejuízo ao réu, pois caso haja, haverá nulidade do ato, e em nada adiantará a tecnologia utilizada.
Ex-Delegado de Polícia Civil no Estado do Espírito Santo Procurador da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Advogado especialista em Ciências Criminais
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