1. Introdução
Os estudos preliminares da genética molecular no campo da investigação da identidade tiveram início em 1953, quando os cientistas James Watson e Francis Crick descobriram a estrutura em dupla hélice do DNA (ácido desoxirribonucléico), componente responsável pelo patrimônio genético dos seres vivos.
Somente em 1980, porém, começaram a surgir técnicas capazes de caracterizar no DNA as particularidades de cada pessoa. Em 1985, Alec Jeffreys criou sondas moleculares radioativas com a propriedade de reconhecer regiões altamente sensíveis do DNA, e assim levantar os padrões específicos de cada indivíduo, que ele chamou de “impressão digital” genética do DNA.
As aplicações médico-legais da “impressão digital” genética do DNA (DNA Fingerprints) podem contribuir para a investigação da paternidade e da maternidade, mesmo após a morte dos envolvidos, desde que essa “impressão” venha ser reconstituída através de amostras de sangue dos parentes próximos. A amostra de sangue dos avós, de tios ou de irmãos legítimos pode possibilitar uma vinculação genética com a mesma precisão do que aquela obtida se os pais fossem vivos. Outro fato: pode-se também determinar se existe relação de parentesco entre duas pessoas.
Outrossim, dentro de uma criteriosa análise, levando em conta a avaliação do risco-benefício, pode-se utilizar estas técnicas de vinculação genética da paternidade intra-útero, por meio do estudo de tecidos fetais obtidos pela aminiocentese e pela amostra de vilo corial. Nesta última – a mais usada, utiliza-se o componente fetal da placenta, a partir da 9ª semana de gestação. Este método só deve ser usado em situações muito especiais da determinação de paternidade de interesse judicial, pois, do contrário, deve ser feito com todas as vantagens após o nascimento da criança.
Outra maneira de utilização da “impressão genética” do DNA é na identificação de suspeitos, numa investigação criminal, através de amostras de material biológico encontradas em locais examinados, contribuindo assim para apontar autores ou excluir falsas imputações.
Finalmente, esse método por ser usado com certa utilidade nos casos de identificação de vítimas onde os outros métodos mostraram-se ineficazes, como nas grandes mutilações ou nos carbonizados parcial ou quase totalmente, ou ainda nas exumações adotando-se o uso de microssatélites pela técnica de PCR (Polymerase Chain Reaction), que permite o estudo do DNA degradado, a partir de pequenas quantidades de material obtido dos dentes, dos ossos, do bulbo dos cabelos e de outros tecidos remanescentes.
A investigação da paternidade e da maternidade, antes do advento desta técnica do perfil de DNA, tinha como ajuda os marcadores sangüíneos simples. Não se pode negar que hoje, com esses novos recursos, não se venha ter respostas a situações, antes impossíveis como nos casos de pais falecidos, a partir de familiares diretos. Mas isso não quer dizer que a análise do polimorfismo do DNA tenha respostas para todas as indagações no campo da identificação do vínculo genético de paternidade, nem que todos os resultados dessa prova sejam imperiosamente verdadeiros.
Os equívocos do caso Castro nos Estados Unidos é um exemplo de que há muita coisa ainda para se aprender. Entre elas a de que não se pode acreditar demasiadamente rápido numa técnica que ainda se consolida e já se rotula com a falsa expectativa de infalibilidade. Não foi por outra razão que naquele país criou-se o TWGDAM (Technical work group for DNA analysis and methods) e na Europa o EDNAP (European DNA profiling group), com a finalidade de examinar cuidadosamente os diversos problemas na aplicação forense da tipagem do DNA, inclusive criando-se mecanismos seguros para um controle de qualidade.
Sempre vamos repetir que na prova em DNA há uma esperança muito grande de contribuição à homogenética médico-legal, a partir do momento que esta esteja firmada cientificamente, tenha respostas para um número razoável de dúvidas que ainda restam, disponha de uma rotina de previsão de erros e venha livrar-se das pressões das empresas comerciais e dos meios de comunicação que forçam, de um certo modo, o uso precipitado de um determinado critério, difundindo uma idéia de infalibilidade da prova. E mais: que os laboratórios sejam submetidos a controle de qualidade, que conte com banco de dados de freqüência populacionais, que em casos de exclusão confira com outros dois tipos de exames genéticos diferentes e que em casos de inclusão conste no relatório o ´+índice de paternidade individual para cada sistema, o índice de paternidade combinado de todos os marcadores, a probabilidade de paternidade em porcentagem e a maneira utilizada para calcular a probabilidade de paternidade
2. A Prova em DNA nos Tribunais
Além das implicações de ordem ética e legal que se verificam na prática, há outros problemas que acreditamos ser de muita importância na prova em DNA pelos Tribunais.
O primeiro deles, com o máximo respeito, é a dificuldade que os magistrados e advogados têm de adentrar nesse mundo insondável da perícia especializada, de métodos e técnicas tão complicados, tanto no que se refere ao aspecto analítico dos resultados, quanto a procedimentos mais particularizados.
Acreditamos que tal fato se verifique não pelos intricados caminhos da prova em DNA, nos seus detalhes técnicos e metodológicos, mas pela correria de como estes testes foram impostos e, quando na formação do jurisconsulto, faltam-Ihe os ensinamentos que seus cursos básicos de Direito não conheciam. Diga-se ainda que esta restrição não é apenas dirigida aos estudiosos desta área, mas também aos próprios peritos que funcionam junto a Tribunais e que não tiveram oportunidade de entender, em profundidade, o alcance e os fundamentos da prova do perfil de DNA em questões de investigação do vínculo genético.
Acrescente-se ainda o fato de que a prova do DNA está em acelerada evolução, e muita coisa que foi publicada, mesmo em periódicos sérios hoje não tem mais valor. Por outro lado, muitas das empresas que fabricam o material dos testes do DNA não deixam de insinuar serem os resultados de identificação de paternidade e de maternidade infalíveis e inquestionáveis, o que certamente vem subvertendo o entendimento dos analistas dessa prova.
Entendemos também que a análise do polimorfismo do DNA é a prova de maior futuro no momento e que, em muitas ocasiões, ela mostrou-se importante. Outra coisa, no entanto, é considera-la infalível e absoluta, tornando assim o julgador prisioneiro de seus resultados. É perigoso substituir seu juízo de valor por uma única prova, cujo resultado permite uma certa margem de erro.
Será que os Tribunais estão percebendo corretamente o significado da prova em DNA? Tem sido fácil avaliar sua técnica tão complicada e seus fundamentos tão complexos? Existe, na realidade, o entendimento de que não se pode excluir a possibilidade de um resultado não ser condizente com a verdade que se apura? Seja como for, esperamos que o julgador, na sua sofrida solidão, entenda que a interpretação correta desses valores não é algo intuitivo, e que se exige pelo menos o conhecimento da valorização probabilística do resultado do teste em DNA e da sofrível adequação das estruturas médico-legais em nosso país.
Desta forma, nada mais justo que, ao avaliar estes testes, os Tribunais mostrem-se cautelosos, não desprezem o conjunto dos outros elementos probantes e usem tais resultados como um referencial probatório a mais.
3. A Questão de fundo
O resultado da prova da tipagem em DNA, na investigação de vínculo genético, tem valor probante absoluto e inquestionável? Mesmo que a euforia de muitos tenha transformado as técnicas de investigação da paternidade e da maternidade pelo perfil do DNA numa prova incontestável, ou que se propale uma cifra cada vez mais elevada de segurança na comprovação dos resultados desses exames, é imperioso, por razão de princípios científicos, que eles possam sempre ser analisados, principalmente quando se vai tomar uma decisão tão grave. A recomendação mais prudente tem sido que os Tribunais acreditem com reserva no resultado do polimorfismo do DNA em questões de vinculação genética de filiação, pelo fato de não se ter ainda uma convicção segura de seus recursos metodológicos.
Qualquer que seja a avaliação mais exagerada de um ou outro analista, a prova em DNA, como é conhecida, não está ainda cientificamente firmada e aceita como de valor probante irrefutável, restando, por isso, à sua justa aplicação, a necessidade de consolidar a credibilidade dos laboratórios e a contribuição de uma técnica padronizada.
Assim, é aconselhável não esquecer que os resultados dos laboratórios e dos serviços encarregados das provas em DNA devem ser sempre avaliados com muito rigor. Esse controle de qualidade tem de ser periodicamente exigido, para que não se venha a acreditar em todo e qualquer resultado de uma prova tão delicada, principalmente levando em conta a pouca experiência nacional neste setor e a precariedade dos serviços que, infortunadamente, nos leva a conjeturar sua vulnerabilidade. Basta notar o número elevado de exames discordantes em casos dessa ordem, mesmo quando feitos por laboratórios os mais qualificados. Temos certeza de que a principal causa de erros em exames da vinculação genética da paternidade tem por motivos as dificuldades de controlar a técnica. Outros mais seriam a falsa identificação dos examinados, a troca de amostras, o uso de marcadores genéticos inadequados ou insuficientes, os produtos com prazos vencidos e as falhas na leitura, na interpretação e na transcrição dos resultados, levando tais equívocos a uma exclusão ou a uma inclusão indevida.
Não se deve esquecer de que a prova em DNA, pelo fato de ser aclamada pelos mais entusiastas, não pode confundir os que lidam com o processo judicial no momento da valorização dos resultados, principalmente quando se sabe da rapidez com que se opera sua metodologia. Podemos até admitir que o polimorfismo do DNA será, sem dúvida, de muita valia e, por isso, uma prova muito importante no campo da identificação. Mas isso não quer dizer que a coincidência de um padrão de uma “tira”, encontrada no material biológico de um indivíduo, seja um fato inquestionável na vinculação dele com outra pessoa. É preciso também saber se os analistas desse método estão administrando com cuidado o resultado da prova. Enquanto as técnicas atuais não tiverem caráter de certeza absoluta, ou seja, cem por cento de veracidade, elas continuarão a ser um meio de exclusão e não de identificação. Ou seja: a exclusão é categórica e a inclusão probabilística. A expressão “paternidade praticamente provada” não nos dá uma convicção segura para uma tomada de posição tão grave, passível de sérias conseqüências.
Outro fato que não pode deixar de ser salientado é o da pressão de certas empresas interessadas nas vendas dos “kits”, as quais não se cansam de exaltar a excelência dessa técnica como propostas infalíveis e precisamente exatas. Isso vem criando, entre muitos, a falsa expectativa de alcance quase infinito dessas provas.
É necessário que, por enquanto, não se venha usar o resultado da prova do DNA de forma açodada, mas com o devido cuidado que merece tudo aquilo que é atual e inusitado, e que as provas tradicionais não sejam de todo excluídas pelo simples fato de serem de prática mais antiga, principalmente quando estas provas podem excluir a paternidade de forma categórica, como por exemplo os sistemas ABO, Rh, HLA, etc, afastando assim a necessidade da utilização de técnicas tão sofisticadas como as de DNA.
Vivemos em nosso país ainda um momento experimental no que concerne aos exames do DNA. Poucos são os serviços que contam com recursos e experiência mais apurados. O que se tem visto, malgrado um ou outro esforço, é a amostra do material ser enviada a laboratórios estrangeiros ou aos nossos centros mais desenvolvidos. Assim, o que se observa é o endosso de um resultado recebido à distância e a verdade depender da correta identificação do material e da idoneidade que possa merecer aquela técnica. E o pior: o perito que recebe tal resultado não tem como contestar, pois dispõe em suas mãos apenas da transcrição de um exame, sem qualquer tipo de informação que possa ele questionar.
Aqui não se está colocando em dúvida a idoneidade do profissional que realizou o exame. O que se discute é a oportunidade que o perito relator do laudo conclusivo não tem de discutir ou recusar um resultado que pode ser duvidoso, por um erro acidental ou involuntário, por uma troca de material, por transcrição indevida ou pela dificuldade de controlar a técnica.
Mesmo que se afirme ser a metodologia empregada menos sensível ao erro na inclusão da paternidade, é preciso ter muito cuidado quanto aos marcadores genéticos usados. Não é raro que numa investigação de paternidade os locos utilizados sejam insuficientemente discriminatórios para consignar uma exclusão, induzindo desse modo a se firmar uma falsa inclusão. Isso pode ocorrer, por exemplo, quando o pai biológico é parente muito próximo do alegado pai. É claro que, quanto menor for o número de locos analisados, menor é a probabilidade da inclusão da paternidade.
Por estas e outras razões, a Sociedade Internacional de Hemogenética Forense recomenda o exame em dois laboratórios diferentes ou conferir com dois tipos de exames genéticos diferentes. Ainda assim, é de bom alvitre que esses laudos sejam acompanhados de fotografias das fichas de suporte, sobre o qual, por eletroforese foi realizada a distribuição dos fragmentos de DNA, a fim de possibilitar que outro analista confira o diagnóstico. E que se disponha de estocagem de DNA para possível contraprova em outro laboratório.
Desde algum tempo atrás, insistimos na tese de que mesmo sendo o perfil ou tipagem do DNA um método de grandes expectativas futuras no campo da hemogenética médico legal, em questões de interesse criminal ou cível, os seus resultados nos dias que correm, principalmente nas localidades onde a experiência dessas técnicas é incipiente, ainda merecem uma credibilidade com reservas. Mesmo tendo tal metodologia os aplausos incansáveis de seus defensores e os encantos que a mídia propaga, alguns daqueles resultados contribuíram, mesmo sem má fé, para transformar a sentença numa tragédia, fazendo de um inocente, culpado; ou atribuindo-Ihe um filho que não é seu.
Hoje, os técnicos mais prudentes não se cansam de afirmar que é muito importante a utilização das sondas multilocais (MLP), pela possibilidade de trazer à lide subsídios mais completos e mais convincentes a cada situação analisada. Para muitos, e nos colocamos entre eles, constitui uma temeridade sua omissão, na confirmação da prova. O uso dos sistemas unilocais deve ter sua indicação mais apropriada às questões criminais, quando a quantidade de material coletado é irrisória. Em casos de investigação da paternidade ou da maternidade, onde se necessita não apenas de identificação, mas estabelecer a vinculação genética com outras pessoas, sua utilização é temerária face às muitas diversidades genéticas da população nos loci cromossomiais em questão.
Em nosso país, além de não existir nenhum trabalho mais detalhado sobre o assunto, deve-se considerar que a população é miscigenada de forma contínua e dinâmica, e que tem uma composição étnica muito complexa, tornando difícil sua equiparação com os resultados e as observações de outros povos.
Por outro lado, a literatura mundial especializada nesta matéria não se furta de alertar para a possibilidade de identificações incorretas ou duvidosas, concorrendo para resultados desastrosos, ainda que não tão freqüentes, mas que não se pode dizer que eles inexistem. Não convence a afirmação de que os resultados ambíguos ou atípicos sejam numa proporção insignificante. O certo é que eles existem, qualquer que seja a incidência admitida, e por isso deve-se considerar que, mesmo como fato isolado, alguém pode ser vítima de tal equívoco.
Outro ponto a salientar é que alguns laboratórios brasileiros passaram a desenvolver suas próprias técnicas de diagnóstico, não só para fugir das patentes devidas ao inventor do método, mas também como manobra ousada de simplificar e baratear o exame.
Além do mais, sente-se que há uma motivação em se criar um conceito de “prova absoluta”. Isso tem levado muitos cientistas dessa área do conhecimento a rever a metodologia utilizada, sem, com isso, negar a contribuição que o seu bom uso pode trazer, desde que se analise com a devida cautela os resultados encontrados. É claro que essa batalha não será fácil. Basta levar em conta o número assustador de interesses comerciais que existe em torno dessa tecnologia, aduzida como de resultados irrepreensíveis e irrefutáveis.
Não foi por outra razão que o Conselho Nacional de Pesquisas da Academia Americana de Ciências, já em 1992, chamava a atenção, num criterioso relatório, sobre a importância do DNA na investigação do vínculo genético de filiação, recomendando um padrão para a execução dos testes e o aperfeiçoamento de seus métodos. Entre outros aspectos, dizia que as partes envolvidas devem concordar quanto ao exame; a metodologia de coleta e a análise das amostras devem ser avaliadas em cada caso; a defesa tem o direito de acesso a todos os dados e registros laboratoriais decorrentes dos exames; e os laboratórios privados não podem ocultar informações sobre os resultados obtidos e métodos empregados, alegando segredo industrial.
O interessante é que, depois disso, os Tribunais americanos passaram a considerar os testes de DNA como elemento probatório adicional e não como prova definitiva, inclusive permitindo o contraditório. É preciso os analistas desses resultados entenderem que, mesmo sendo o alvo da proposta a identificação de características genéticas de um individuo ou de seu grupo familiar, há probabilidade de enganos, e que isso pode se traduzir em prejuízos irreparáveis. Qualquer que seja o tipo de ação judicial, o que interessa ao julgador é a serenidade na sua decisão, a partir de provas concretas e sem probabilidades de equívocos, e lembrando que diante da dúvida, o réu deve ser beneficiado.
Por outro lado, não se pode esquecer que essas provas do DNA dependem de técnicas muito requintadas e complexas, as quais obrigam o especialista a treinamentos constantes e posturas cautelosas. Entre nós, por exemplo, não existe nenhum organismo público ou privado que exerça fiscalização constante como controle de qualidade, e por isso não se tem como padronizar métodos e técnicas, nem muito menos como avaliar as condições operacionais dos laboratórios e a capacidade de seus técnicos. Se não houver tal cuidado, haverá muito em breve uma proliferação irresponsável e nociva de laboratórios de baixo padrão, de cujos resultados muitos malefícios vão surgir. Não tem sido raro encontrar laboratórios com reagentes imprestáveis, produtos com prazos vencidos, equipamentos com defeito, placas de gelatina desnaturadas, evidências de descuido na coleta de amostras e comprovados erros na organização dos arquivos e na transcrição dos laudos, fatos esses que vêm sendo advertidos há muito tempo. E mais, aquilo que tanto preocupa: cada laboratório “inventando” sua própria metodologia ou “criando” padrões de coincidências de bandas. Isso nos permite pensar que peritos que trabalham em serviços diferentes podem discordar dessas coincidências.
Não podemos perder de vista ainda que, em muitas de nossas localidades, há uma predominância muito acentuada de casamentos consangüíneos e, tal fato, inexoravelmente, repercutirá numa margem de erro maior. A única forma de se vencer essas dificuldades será com a utilização de um método conhecido por “ceiling frequency” (freqüência teto), onde será considerado o limite máximo de ocorrências de um alelo, qualquer que seja a origem étnica de uma pessoa. Para que isso funcione, é necessário que os alelos sejam independentes entre si, dentro de cada loco e entre os vários locos.
Por fim, a questão: qual a chance de que apenas o indivíduo investigado seja a fonte do DNA transmitido ao suposto filho? Para responder a isso já se criou um “índice de paternidade”, que aponta a probabilidade de qualquer indivíduo ser o genitor e a probabilidade de apenas o examinado seja. Assim, por exemplo, se esse índice for de um para 2.000, diz-se que somente um indivíduo em 2.001 pessoas poderia ser o pai do filho questionado. Em João Pessoa, cuja população é de 600 mil habitantes, ocorreria uma probabilidade de 300 indivíduos serem o pai. Os defensores da técnica do perfil do DNA admitem que esses números chegam a uma probabilidade de um em 1 milhão, ou seja, de 99,9999% de certeza. No entanto, para que isso ocorresse, seria necessário que o teste tivesse uma sensibilidade de 99,9999%, o que nos parece impossível. Qual seria, afinal, a probabilidade de um indivíduo ser acusado improcedentemente de uma paternidade quando seu perfil apresentar-se coincidente com o de um suposto filho? Pode-se afirmar que a probabilidade de incidência numa cidade como João Pessoa, por exemplo, é de 1 para 3, se não se levar em conta a influência dos sucessivos casamentos consangüíneos na comunidade.
4. Conclusão
Independente da idoneidade de quem subscreve um resultado sobre o perfil ou tipagem de DNA, e até mesmo da qualidade do laboratório que recebeu as amostras para exame, aconselhamos, em favor da verdade que se persegue, a realização do exame por outro laboratório credenciado e habilitado, que utilize as sondas MLP adequadamente, sem os recursos da improvisação e com a devida remessa dos registros gráficos, possibilitando a análise por outros especialistas. Os motivos teóricos que se inclinam em favor dos microssatélites são: a não ocorrência de digestão do DNA e a não migração anormal das bandas, a facilidade de ampliar e analisar vários locos pelo PCR; a possibilidade de determinar o tamanho dos alelos; a possibilidade de fazer a análise com amostras reduzidas de DNA; a menor taxa de mutação dos marcadores; o tempo de resultado menor; a maior precisão no controle de qualidade; e a possibilidade de se ter múltiplas ampliações simultâneas em pequenos fragmentos.
Qualquer resultado onde se reconheça apenas a probabilidade de certeza, ainda que remota seja a possibilidade de o indivíduo ser o pai, por exemplo, é, no nosso entender, um exame de exclusão. Essa prova, diante de tal resultado, será sempre uma prova de defesa quando se puder excluir, e nunca uma prova de acusação. Isso, pela possibilidade, ainda que rara, de não se confirmar em termos absolutos a identidade paterna.
É também muito importante, na avaliação qualitativa do resultado, a utilização de sondas multilocais. O próprio inventor do método, Alec Jeffreys, indicava sondas 33.15 e 33.6. Sobre qualquer outra inovação que se venha introduzir na técnica da tipagem de DNA, é imprescindível que se avalie criteriosamente os resultados alcançados. Fora de tais recomendações, tem-se o direito de discutir o valor do resultado confirmado na prova.
Duvidoso também é o resultado verificado pelo uso dos sistemas unilocais (SLP), pois como já se disse, são mais indicados em exames locais de crime, não se aconselhando quando se quer investigar uma paternidade, face ao desconhecimento em nossa realidade de freqüências genéticas e populacionais dos “loci” cromossomiais em disputa.
É preciso ainda ter muito cuidado com o resultado obtido em uma investigação com locos insuficientes para excluir uma paternidade e, com isso, não se venha atribuir uma falsa inclusão.
Em suma, o estudo do perfil de DNA, mesmo sendo um exame importante na questão mais delicada da hemogenética médico-legal, pode-se afirmar com certeza que, diante da metodologia utilizada e da falta de tabelas de freqüências alélicas em amostras representativas da nossa população, não se alcançou ainda um nível de certeza que lhe empreste um valor probante absoluto e inquestionável. Primeiro, porque não se pode admitir como certeza aquilo que se tem como probabilidade. Depois, porque existe entre os laboratórios o uso de técnicas e métodos diversos, dando margem, vez por outra, a resultados diferentes, mesmo que os procedimentos e o cuidado do material colhido tenham sido de forma adequada. Se sob o ponto de vista científico pode-se admitir um nível de incerteza insignificante como tolerável, face à necessidade de atender uma grande demanda (como por exemplo, o baixíssimo índice de reação a um tipo de vacina), nas questões da Justiça, se a dúvida ocorrer, por menor que ela seja, deve beneficiar o réu. Além do mais, não se pode omitir que as afirmações estatísticas baseadas em determinados dados são temerárias, porque elas são montadas em sofismas matemáticos. Há necessidade, por isso mesmo, que se avalie criteriosamente caso a caso. Que a hora é de repensar a “absolutização” do exame em DNA, elevado agora como a suprema das provas e como maneira única e definitiva de resolução de todos os casos de avaliação do vínculo genético de paternidade e maternidade. Que o exame em DNA, como meio de determinar a vinculação genética da filiação, seja tão só um elemento probatório adicional. Que o julgador por comodismo não se entregue a um resultado nem por desprezo deixe de considerar outras provas por desdém ou descrença – colocando como irrelevantes ou suspeitas outros meios idôneos de prova, dando ao teste em DNA o caráter de “sacralidade”. E que, finalmente, nesta hora da “divinização” e da aceitação cega deste aludido exame não se perca de vista o devido equilíbrio e a justa distribuição do conjunto de todo material probatório do processo.
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Professor Convidado dos Cursos de Graduação e Pós-graduação do Instituto de Medicina Legal de Coimbra (Portugal).
Membro Titular da Academia Internacional de Medicina Legal e Medicina Social.
Trabalho publicado em SAÚDE, ÉTICA & JUSTIÇA, 1 (2):17-28, 1998.
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