A realidade das relações coletivas de trabalho no Brasil será modificada in mellius, caso seja aprovada em algum dia, uma sólida e coerente reforma sindical.
Ocorre que devido a falta de vontade política, bem como reiteradas confusões no legislativo, assoberbado com as comissões parlamentares de inquérito sobre “mensalão”, “correios”, “aloprados”, “cartões-corporativos”, etc., ficaram engavetadas decisões parlamentares sobre questões sociais prementes, como por exemplo, a necessária reforma do Direito Sindical.
Desde o ano de 2005 já estavam previstas discussões e conseqüente aprovação da Reforma Trabalhista[1]. Entretanto, o ideal seria que da agenda positiva do executivo realmente fossem cumpridas as metas estabelecidas pelos próprios líderes das bases aliadas, transformando a intensão da positividade da agenda presidencial em fatos legais concretos.
Sabe-se que desde a Constituição da República de 1937 vigora em nosso país a unicidade sindical, observando-se que o sistema de sindicato único desde a sua gênese, sintetiza o monopólio de representação sindical dos sujeitos trabalhistas[2]. Mostra-se, portanto, oportuna, a assertiva que as constituições brasileiras jamais primaram por um grau de excelência em matéria sindical.
É prudente esclarecer que a unicidade significa a existência de um único sindicato representativo da categoria profissional e econômica numa dada base territorial, segundo previsão normativa obrigatória. Trata-se, portanto, de definição legal imperativa que veda a existência de entidades sindicais concorrentes, como resquício do corporativismo sindical dominado pelas organizações sindicais monopolistas. Tal modelo imposto pelo Estado, compromete a democracia interna e externa sindical, e sobremaneira, a ação sindical.
O sistema sindical pátrio possui as seguintes bases legais que conservaram institutos de origem fascista, provenientes do Estado Novo: a) uma só entidade representativa de categoria profissional ou econômica na mesma base territorial, o que se entende por unicidade sindical – um só sindicato, uma só Federação, uma só Confederação; b) base territorial limitada a pelo menos, um município, impossibilitando, assim, o sindicato de empresa, mas não vedando sindicatos intermunicipais, estaduais, interestaduais e nacionais; c) direito do trabalhador ou empregador definir a base territorial, possibilitando, portanto, o desmembramento da entidade sindical que detenha a base em mais de um município.
O fato, é que a vedação da criação de mais de uma organização sindical, em qualquer grau, representativa da categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, não podendo ser inferior à área do Município, não estanca a “farra sindical”, posto que a cada ano, cerca de seiscentos novos sindicatos solicitam registro no Ministério do Trabalho e Emprego. Tanto é, que são criados em média 50 sindicatos por mês, ou seja, 2,17 a cada dia, sendo que diversos deles são considerados sindicatos “fantasmas”, “de fachada”, sindicatos “de gaveta”, muitas vezes, patrocinados por empresas com o único intuito de dividir os trabalhadores ou cobrar a contribuição sindical[3].
Acredita-se que somente será provável a superação desses resquícios corporativistas do modelo sindical monopolista através da modificação da estrutura sindical atual[4], já que a Constituição de 1988 manteve nos incisos II e IV do art. 8º, a unicidade sindical e a contribuição sindical, totalmente contrárias a liberdade sindical proposta pela Convenção n. 87 da OIT, submetida à aprovação do Congresso Nacional desde 1949, e até os dias atuais, não ratificada pelo Brasil[5].
Os sindicatos rejeitam a citada Convenção, porque não concordam com a verdadeira liberdade sindical, que esta provocaria um real sistema de competitividade até então desconhecida.
Em relação à Reforma Sindical, os debates entre o Governo e centrais sindicais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Força Sindical (FS) receberam os ajustes finais e as negociações entre trabalhadores e representantes do Ministério do Trabalho resultaram em consenso no Fórum Nacional do Trabalho (FNT), com proposta legislativa de reforma sindical que fortaleceu exageradamente as cúpulas sindicais, a exemplo do sistema de irradiação de representatividade.
Impõe-se o raciocínio que as centrais sindicais não podem ter funções que reduzam os espaços autônomos dos sindicatos, porque se assim acontecer, estes ficarão cerceados na sua liberdade de ação, lembrando que os sindicatos são os entes mais próximos dos trabalhadores, tendo, portanto, maior possibilidade de prestar diretamente serviços aos mesmos.
Existe total semelhança entre a exclusividade e unicidade sindical, entre monopólio sindical e representação derivada, também conhecida como biônica, mantendo-se os resquícios corporativistas na proposta de reforma sindical, que compreende a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n. 369/2005, enviada pelo Governo ao Congresso Nacional, bem como o Anteprojeto de Lei das Relações Sindicais aprovado pelo FNT, formando um mesmo modelo sindical de representação indireta, o que tem gerado merecidas críticas da doutrina especializada.
Como observa Amauri Mascaro Nascimento, “o que faz de um lado, com a representatividade comprovada, se desfaz do outro lado, com a representatividade derivada ou irradiada”[6]. O problema é que o mencionado anteprojeto manteve de forma disfarçada, a unicidade sindical, pretendendo apenas fortalecer as centrais sindicais, conferindo-lhe prerrogativas de que, no momento, não dispõe.
Seria razoável que a representatividade resultasse da capacidade das bases de se impor, não bastando a mera adesão formal a uma negociação coletiva estipulada pelas cúpulas, sendo necessária a efetiva participação do sindicato no procedimento de negociação. Assim sendo, a representatividade de um sindicato de base não pode ser aferida por sua inscrição em uma central ou em uma confederação.
A PEC n. 369, encaminhada em 9.3.05 à comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, lá permanece até hoje aguardando parecer, sendo possível até mesmo prever, que a tramitação dessa proposta se alongue indefinidamente. Quanto o Anteprojeto de Lei das Relações Sindicais elaborado pelo FNT, depende da aprovação da Emenda Constitucional, já que não há como alterar a legislação infraconstitucional sem a prévia mudança do texto da Lei Maior.
Argumenta-se, contudo, que ao tratar da reforma sindical, é preciso que seja desconsiderada toda e qualquer posição extremista, tal como a modificação total da organização sindical, ou a manutenção da estrutura atual. O sistema da liberdade sindical, por seu turno, resulta da prática histórica do sindicalismo, propiciando uma inevitável competição entre sindicatos, e como se percebe, em nosso país ocorrem problemas jurídicos e políticos que dificultam tal reforma sindical.
A necessária reforma deveria ser norteada pela consagração da democracia na organização sindical, e não na valorização excessiva das centrais sindicais. Seria portanto, de rigor, uma reforma da Constituição vigente, através de Emenda que desse ao art. 8º nova redação, assegurando verdadeira liberdade sindical, cabendo aos trabalhadores e empregadores decidir pelo tipo de organização que lhes seja mais conveniente, salientando que as negociações coletivas devem ser aplicadas somente aos associados.
Como consequência da liberdade sindical, é possível que ocorra primeiramente a pulverização dos sindicatos, para posteriormente acontecer a constituição de sindicatos únicos dotados de amplos poderes de barganha, através da unidade espontânea, ou seja, deliberada livremente pelos interessados, não se confundindo com unicidade imposta e com o agravante de tratar-se de uma imposição constitucional.
Entende-se que o respectivo estatuto de criação e organização da entidade sindical, tanto no sentido vertical, por categoria, quanto horizontal, por território, deve ser livremente elaborado, não se pregando aqui nem o pluralismo, nem a unicidade, mas a liberdade sindical com responsabilidade social.
Urge, portanto, a reforma do art. 8º da Constituição vigente, para que seja crível a ratificação da Convenção n. 87 da OIT[7], tornando coerente o Direito Sindical com o verdadeiro princípio da liberdade sindical, posto ser incontestável que o Estado deve rever o seu papel e ajustar o Direito do Trabalho à nova realidade.
Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Professora de Direito do Trabalho da PUC/MG- campus de Poços de Caldas
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