Resumo: O artigo visa analisar a força da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) nos contratos trabalhistas frente à violação dos termos do seu respectivo artigo 9°, oriundos da realização de contrato entre empregado e empregador, onde o segundo viola os preceitos da Consolidação na pretensão de fraudar, impedir ou desvirtuar a aplicação da lei, buscando menores custos e a exploração do trabalhador.
Palavras-chave: nulidade; contrato; trabalhista; CLT; consolidação, artigo 9°.
Abstract: The article aims at analyzing the strength of the Consolidation of Labor of Laws (CLT) in front of the labor contracts violating the terms of the respective Article 9, from the completion of contract between employee and employer, where the second violates the precepts of Consolidation, on the pretense defraud, hinder or distort the law enforcement, seeking lower costs and worker exploitation.
Keywords: void, contract, labor, CLT; consolidation, Article 9.
Sumário. 1 Empregador e empregado . 2 Contratos trabalhistas e as garantias dos trabalhadores. 3 O ato de contratar e a violação do artigo 9° da CLT.
Introdução
Os contratos de trabalho dito celetistas, regem-se pela Consolidação das Leis do Trabalho, sendo expresso na “parte geral” a obrigação de respeitar o que este preceitua, pois dispõe que, sendo caracterizados os atos que tenham por objetivo fraudar, desvirtuar ou impedir sua aplicação, serão estes, nulos de pleno direito.
O empregador visando burlar o alto custo da contratação de empregados, acorda com os trabalhadores a dispensa de alguns dos seus direitos. Dessa forma, estes são coagidos à aceitação, para obterem a vaga ofertada, caso contrário não serão contratados.
Os trabalhadores portanto, sentem-se obrigados a permanecerem sem a carteira de trabalho assinada, insalubridade, hora extra, férias, salário correspondente à função, direito à previdência e demais direitos garantidos pela Constituição Federal e pela Consolidação.
1 Empregador e empregado
Para a Consolidação das Leis do Trabalho, dispõe o artigo 2° que, considera-se empregador “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”. O parágrafo 1º do respectivo artigo, realiza a equiparação à empregador, afirmando que, “para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”.
O empregador portanto, tem o dever de registrar seu empregado através da assinatura de sua carteira de trabalho e assegurar o direito à Previdência Social (salvo exceções), conforme preceitua o artigo 13 da CLT, determinando que é “obrigatória para o exercício de qualquer emprego, inclusive de natureza rural, ainda que em caráter temporário, e para o exercício por conta própria de atividade profissional remunerada”.
Ainda deve o empregador respeitar a remuneração a ser paga conforme previsto nos termos da Consolidação, sob pena de incorrer nos termos do artigo 120, conforme dispõe o art. 117, alertando que “será nulo de pleno direito, sujeitando o empregador às sanções do art. 120, qualquer contrato ou convenção que estipule remuneração inferior ao salário mínimo estabelecido na região, zona ou subzona, em que tiver de ser cumprido”.
Na CLT, conceitua-se empregado nos termos do artigo 3° como sendo “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”. Complementando no seu parágrafo único afirmando que “não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual”.
Frente os termos do artigo 3° supra descritos, a doutrina [1] estabelece que existe requisitos legais do conceito, sendo estes
“a) pessoa física: empregado é pessoa física e natural; b) continuidade: empregado é um trabalhador não eventual; c) subordinação: empregado é um trabalhador cuja atividade é exercida sob dependência; d) salário: empregado é um trabalhador assalariado, portanto, alguém que, pelo serviço que presta, recebe uma retribuição; e) pessoalidade: empregado é um trabalhador que presta pessoalmente os serviços.”
Ocorre que essa relação empregado x empregador, muitas vezes mostra-se em desacordo com o disposto em lei, onde geralmente a desvantagem é suportada pelo empregado, pois é o polo mais frágil da relação, entrando com a força de trabalho na sua determinada atividade, sendo dependente portanto do seu empregador.
2 Contratos trabalhistas e as garantias dos trabalhadores
A Consolidação assegura inúmeras garantias para os trabalhadores, sendo um dos direitos, que muitas vezes são ignorados pelo empregador, o pagamento das horas extras, cuja matéria foi até sumulada (118 – Jornada de Trabalho. Horas extras) a qual dispõe que: “os intervalos concedidos pelo empregador, na jornada de trabalho, não previstos em lei, representam tempo à disposição da empresa, remunerados como serviço extraordinário, se acrescidos ao final da jornada”.
Algo que marcou muito a determinação do polo hipossuficiente do trabalhador e possibilitou uma maior segurança para este, foi o artigo 477 da CLT e seus respectivos incisos, os quais afirmam que,
“É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo pra cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.
§ 1º – O pedido de demissão ou recibo de quitação de rescisão, do contrato de trabalho, firmado por empregado com mais de 1 (um) ano de serviço, só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato ou perante a autoridade do Ministério do Trabalho e Previdência Social.
§ 2º – O instrumento de rescisão ou recibo de quitação, qualquer que seja a causa ou forma de dissolução do contrato, deve ter especificada a natureza de cada parcela paga ao empregado e discriminado o seu valor, sendo válida a quitação, apenas, relativamente às mesmas parcelas.
§ 3º – Quando não existir na localidade nenhum dos órgãos previstos neste artigo, a assistência será prestada pelo Represente do Ministério Público ou, onde houver, pelo Defensor Público e, na falta ou impedimento deste, pelo Juiz de Paz.
§ 4º – O pagamento a que fizer jus o empregado será efetuado no ato da homologação da rescisão do contrato de trabalho, em dinheiro ou em cheque visado, conforme acordem as partes, salvo se o empregado for analfabeto, quando o pagamento somente poderá ser feito em dinheiro.
§ 5º – Qualquer compensação no pagamento de que trata o parágrafo anterior não poderá exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado.
§ 6º – O pagamento das parcelas constantes do instrumento de rescisão ou recibo de quitação deverá ser efetuado nos seguintes prazos:
a) até o primeiro dia útil imediato ao término do contrato; ou
b) até o décimo dia, contado da data da notificação da demissão, quando da ausência do aviso prévio, indenização do mesmo ou dispensa de seu cumprimento.
§ 7º – O ato da assistência na rescisão contratual (§§ 1º e 2º) será sem ônus para o trabalhador e empregador.
§ 8º – A inobservância do disposto no § 6º deste artigo sujeitará o infrator à multa de 160 BTN, por trabalhador, bem assim ao pagamento da multa a favor do empregado, em valor equivalente ao seu salário, devidamente corrigido pelo índice de variação do BTN, salvo quando, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.
§ 9º (vetado).”
Essa remuneração a ser paga, de caráter indenizatório, é também garantida no caso de ocorrência da morte do empregador (art. 485 da CLT) e extinção da empresa nos termos do artigo 497, também da CLT.
São expressas outras garantias na Constituição Federal. No artigo 7º a redação é de que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria da sua condição social”. Nos incisos desse mesmo artigo, garante-se a proteção da relação do emprego, contra a despedida sem justa causa ou arbitrária (com previsão de indenização caso ocorra), o seguro-desemprego (desemprego involuntário) e ainda o fundo de garantia do tempo de serviço.
3 O ato de contratar e a violação do artigo 9° da CLT
O ato de contratar tem por essência o interesse inter partes e a livre vontade, sendo fatores determinantes dessa relação. No entanto, há que se perceber que na ocorrência do desrespeito à alguns direitos por parte do empregador, como o fundo de garantia (art. 7º III da CF/88), aviso prévio (art. 487 da CLT), indenização por demissão sem justa causa ou arbitrária (art. 7º II da CF/88), seguro desemprego (art. 7º, I da CF/88), salário correto com as respectivas horas extras, existe o direito à rescisão unilateral contratual e o caráter indenizatório faz-se presente.
Surge um ponto relevante passível de discussão. O artigo 9º da CLT afirma que “serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação”. Incorrendo o empregador nesse contexto supra descrito, de não garantir os direitos devidos, burlar a previdência, o fisco e etc, presenciar-se-á a violação dos termos do artigo 9º da CLT?
Parece-me que o empregador, ao não respeitar a Consolidação, age sim caracterizando a fraude e incidindo portanto no respectivo artigo. Nesse sentido, entende o Ministro Emmanoel Pereira no Recurso de Revista do TST [1] que,
“comprovada a existência da parcela salarial extra-folha, bem como sua razoabilíssima média fixada, R$149,00, perfazendo o também mais do que razoável salário total de R$450,00 (R$301,00, fixos e anotados, mais R$ 149,00, de produtividade, pagos por fora), sequer merece comentários a invocação legal feita no apelo, quanto aos artigos 461/CLT, 5º, II/CR, ônus probatório, etc. Olvida-se a ré de não ter cumprido sua obrigação patronal de pagar corretamente o salário, que deveria, todo ele, ter sido mediante recibo (artigo 464/CLT), desobediência legal utilizada para fraudar outros direitos trabalhistas, o fisco e a previdência, o que atrai a nulidade estabelecida no artigo 9°./CLT.
Assim, seja quanto ao salário fixado, seja quanto às horas extras e sua habitualidade, o conjunto probatório favorece o reclamante.
Quanto ao invocado parágrafo único do artigo 373/CPC, ele se dirige, expressamente, às partes e, não, ao juiz. Acresça-se, no caso, a recepção parcial dos cartões decorreu da prova oral, ou seja, foi, plenamente, justificada, hipótese, aliás, prevista na parte final dessa referida norma. Impossível olvidar, ainda, o princípio da primazia da realidade sobre a simples forma, caríssimo ao Processo do Trabalho, que também autoriza a recepção parcial focalizada, ora mantida, sem qualquer alteração.”
Afirma também, quanto à incidência dos termos do artigo 9° da Consolidação, o Egrégio Tribunal Regional[2] que,
“o regulamento interno da empresa recorrente é válido para ajustar o contrato de trabalho de todos os seus empregados, a par de outras estipulações patronais instituídas por mera liberalidade. Mas, não se pode pretender que a guisa de prevalência de tal ordenamento empresarial criem-se situações, de remuneração, ofensivas ao Direito do Trabalho. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na legislação trabalhista (artigo 9º, CLT).
Adiante, não vislumbro na questão uma pretensa equiparação salarial transversa. Há como a discussão indica dúvida quanto à situação dos advogados empregados da recorrente, em face de dois planos de cargos e salários, de remuneração atribuída a um e a outro agrupamento desses profissionais, do que demanda intervenção jurisdicional.
Por não se tratar de pleito de equiparação salarial, ou de enquadramento em quadro de pessoal organizado em carreira, posto que se cuide da correta aplicação de piso remuneratório instituído em regulamento interno, não vejo ofensa ao artigo 461 da CLT ou a Súmula 6 do Tribunal Superior do Trabalho.”(fls. 1.629/1.630).
Frente essa nulidade, diversa do que a nulidade percebida no Direito Civil, Mendonça (2003) [2] pontua que
“é que a natureza especial da relação de emprego não se compadece com a retroatividade dos efeitos da decretação da nulidade. O princípio segundo o qual o que é nulo nenhum efeito produz não pode ser aqui aplicado. É impossível aceitá-lo em face da natureza mesma da prestação devida pelo empregado, insuscetível de restituição, pois consistente em sua força de trabalho, dispêndio de energia física e intelectual.”
Por essas razões é que a reposição só teria cabimento se o empregador pudesse restituir a energia que o empregado gastou na execução do trabalho. Presenciado essa impossibilidade, o trabalhador pode exigir a remuneração com fundamento em regra, que proíbe o enriquecimento ilícito ou sem causa (trabalho feito é salário ganho), independentemente se o serviço prestado é essencialmente nulo. (MENDONÇA, 2003).
Conclusão
Percebe-se que em grande parte, os contratos acabam prejudicando os direitos dos trabalhadores, por se sustentarem (pelo empregador) no argumento do alto custo dos encargos trabalhistas no Brasil, complexificando portanto, o cumprimento da obrigação de garantir esses direitos constitucionais e infraconstitucionais.
Essa questão nos possibilita uma análise por um ponto de vista diverso, buscando apurar a possibilidade da proposição de uma redução dos encargos trabalhistas, para que um maior número de empregadores possam seguir com rigor o acesso à todas essas garantias, alcançando uma relação adequada, nos termos da CLT e Constituição Federal.
Contudo, devemos ser francos quanto ao interesse do empregador em lucrar o máximo possível em sua atividade. Sabe-se que muitas vezes, explora o empregado para reduzir custos, aumentar seus ganhos, e por consequência frauda, desvirtua ou impede a perfeita aplicabilidade da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ocorrendo a incidência dos termos do artigo 9°, deve além da decretação da nulidade, ser o empregador condenado a indenizar o trabalhador, visto sua posição vantajosa e o abuso desta, além de não ter simplesmente respeitado os termos das leis.
Pós graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Verbo Jurídico. Juiz Arbitral da 8ª Camara de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Tribunal de Arbitragem do Rio de Janeiro.
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