Resumo: O presente artigo tem como objetivo questionar a necessidade do consentimento do Estado na ratificação dos tratados de direitos humanos e na participação dos tribunais internacionais. O estudo sobre os direitos subjetivos no direito internacional dos direitos humanos pode contribuir para a reflexão da tão almejada democratização do sistema internacional. Para tanto, utilizou-se o método indutivo, partindo da análise dos direitos subjetivos previstos nos tratados de direitos humanos do sistema interamericano, para questionar se a efetividade destes deve estar condicionada ao reconhecimento e proteção dos mesmos por uma ordem jurídica estatal. Chegou-se a conclusão de que ao adquirirem status de norma imperativa de direito internacional, os tratados de direitos humanos gerariam efeitos para todos os Estados independentemente de ratificação, o que poderiam contribuir para diminuir a distância entre o discurso dos direitos humanos e sua efetiva proteção tanto no âmbito internacional, como no âmbito interno dos Estados.
Palavras-chave: direitos subjetivos – direitos humanos
Abstract: The present research has as objective to question the necessity of the assent of the State in the ratification of the treated ones to human rights and in the participation of the international courts. The study on the subjective rights in the international law of the human rights it can contribute for the reflection of so longed for democratization of the international system. For in such a way, the inductive method was used, leaving of the analysis of the foreseen subjective rights in the treated ones to human rights of the inter-American system, to question if the effectiveness of these it must be condition to the recognition and protection of the same ones for a state jurisprudence. It was arrived conclusion of that when acquiring statuses of imperative norm of international law, the treated ones to human rights would generate effect for all independently the States of ratification, what they could contribute to diminish in the distance enters the speech of the human rights and its effective protection in such a way in the international scope, as in the internal scope of the States.
Keywords: subjective rights – human rights
Sumário: 1.Introdução. 2. As ratificações, reservas e denúncias dos tratados no Sistema Interamericano de Direitos Humanos. 3. Considerações acerca da interação entre direito interno e direito internacional no sistema interamericano de direitos humano. 4. Os direitos subjetivos no direito internacional dos direitos humanos 5. Referências
1. Introdução
O processo de internacionalização dos direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial rompeu com vários paradigmas da ciência jurídica, acarretando a necessidade de reflexão sobre temas como soberania, Estado-nação e o papel do indivíduo na sociedade internacional.
Um aglomerado de novas relações jurídicas que vão requerer a proteção do indivíduo para além da ordem estatal. A preocupação com os indivíduos, que até então se restringia à esfera da jurisdição interna e exclusiva dos Estados, passa a ser analisada em seu aspecto internacional, ou seja, de objeto o homem passa a ser sujeito de direito internacional. Passa-se a exigir o reconhecimento dos direitos individuais universais independentemente do Estado em que se localiza a pessoa.
Dentro deste horizonte, propõe-se, no presente artigo, efetuar o estudo dos direitos subjetivos na esfera internacional que são obscurecidos por uma persistente visão estatalista da ordem jurídica. Para tanto, foi utilizado o método de abordagem indutivo, partindo da análise dos direitos subjetivos previstos nos tratados de direitos humanos que formam o Sistema Interamericano de Direitos Humanos, para questionar se a efetivação destes deve estar atrelada ao reconhecimento e proteção dos mesmos por uma ordem jurídica estatal.
2. As ratificações, reservas e denúncias dos tratados no Sistema Interamericano de Direitos Humanos
O sistema interamericano de proteção dos direitos humanos surge com a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, adotada juntamente com a Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA) durante a IX Conferência de Ministros das Relações Exteriores, realizada no dia 30 de abril de 1948, em Bogotá. Pelo fato da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem não vincular os Estados, notou-se a importância da criação de instrumentos de proteção que criassem obrigações jurídicas aos Estados-partes. Assim, surge a Convenção Americana de Direitos Humanos, também denominada Pacto de San José da Costa Rica, que é a base jurídica da proteção dos direitos humanos nas Américas.
Além do Pacto de San José da Costa Rica, mais oito tratados compõem o sistema interamericano. O quadro abaixo indica quais são esses tratados e quando os Estados aderiram, ratificaram e denunciaram os mesmos:
A Convenção Americana de Direitos Humanos foi elaborada durante a Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos (7 a 22 de novembro de 1969) e entrou em vigor em 18 de julho de 1978, quando o governo de Granada entregou o 11º instrumento de ratificação na Secretaria Geral da OEA. De acordo com a tabela, pode-se constatar que dos trinta e seis Estados-membros da OEA, nove não ratificaram a Convenção Americana: Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Canadá, Estados Unidos, Guyana, Santa Kitts e Neves, Santa Lúcia e São Vicente. Entre os países que a ratificaram, Dominica, Granada e Jamaica não aceitaram a competência da Corte Interamericana, o que significa que acolheram os direitos previstos na Convenção, mas não permitem serem levados a julgamento quando violarem estes direitos.
Apenas dez, dos vinte e dois Estados que aceitaram a competência da Corte, reconheceram a competência da Comissão para receber e examinar as denúncias feitas por outros Estados. Somente a Argentina, o Chile, a Colômbia, a Costa Rica, o Equador, a Jamaica, a Nicarágua, o Peru, o Uruguai e a Venezuela podem ser denunciados à Comissão por outros Estados. Os demais países só poderão ser questionados pela Comissão quando a própria Comissão assim o fizer.
Alguns Estados ratificaram a Convenção com reservas ou declarações interpretativas sobre seu texto. Por meio destes dados, são constatados os principais pontos conflitantes entre a ação soberana do Estado e a proteção internacional dos direitos humanos:
A Argentina entregou seu instrumento de ratificação na Secretaria Geral da OEA, em 5 de setembro de 1984, com uma reserva ao artigo 21, por meio da qual não são submetidas à revisão por tribunal internacional questões inerentes à política econômica do governo e os assuntos que os tribunais nacionais determinem como sendo causas de “utilidade pública” e “interesse social”, e o que estes entendam por “indenização justa”.
O Estado argentino ainda fez declarações interpretativas aos artigos 5.3, 7.7 e 10. Devendo-se interpretar o artigo 5.3, no sentido de que a pena não pode transcender diretamente à pessoa do delinqüente, ou seja, não cabem sanções penais extensíveis. Já o artigo 7.7 deve ser interpretado no sentido de que a proibição da “detenção por dívidas” não implica vedar ao Estado a possibilidade de subordinar a imposição de penas ao não cumprimento de certas dívidas, quando a pena não for imposta pelo não cumprimento propriamente dito da dívida, e, sim, por um ato anterior independente e penalmente punível. E, por fim, deve-se interpretar o artigo 10 no sentido de que o “erro judiciário” será estabelecido por um tribunal nacional.
Barbados formulou reservas ao artigo 4.4, pois o Código Penal de Barbados estabelece a pena de morte para os crimes de homicídio e traição. Ao artigo 4.5, pois embora a menoridade ou maioridade do delinqüente são fatores que o Conselho Privado (que é a Corte de Apelações de mais alta hierarquia) poderia levar em conta ao considerar a aplicação da pena de morte, as pessoas maiores de 16 anos ou maiores de 70 anos podem ser executadas em conformidade com as leis de Barbados. E, por fim, ao artigo 8.2, pois a lei de Barbados não estabelece, como garantia mínima no processo penal, qualquer direito irrenunciável à assistência por um defensor dativo do Estado. No caso de determinados delitos, tais como homicídio e estupro, proporcionam-se serviços de assistência judiciária. Estas reservas foram recebidas na Secretaria Geral da OEA em 5 de novembro de 1981.
Já o Brasil, em declaração feita ao aderir à Convenção, entendeu que os artigos 43 e 48, d, não incluem o direito automático de visitas e investigações in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que dependerão da anuência expressa do Estado.
Nas declarações formuladas no ato de ratificação da Convenção, o Governo do Chile reconheceu a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por tempo indeterminado e sob condições de reciprocidade, para receber e examinar as comunicações em que um Estado-parte alegue haver outro Estado-parte incorrido em violações de direitos humanos estabelecidos na Convenção.
Reconheceu também, como obrigatória de pleno direito, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos em casos relativos à interpretação e aplicação da Convenção.
Ao formular essas declarações, o Governo do Chile fez constar que os reconhecimentos de competência que conferiu referem-se a fatos posteriores à data do depósito do instrumento de ratificação, ou seja, 11 de março de 1990.
A Dominica ratificou a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 3 de junho de 1993, com reservas aos artigos 5, 4.4, 8.21.e, 21.2, 27.1 e 62.
O artigo 5 não deve ser interpretado como proibindo o castigo corporal aplicado de acordo com a Lei de Castigo Corporal da Dominica ou a Lei de Castigo de Menores Delinqüentes. Ao artigo 4.4 Dominica faz uma reserva quanto à expressão “ou crimes comuns conexos” e não aplica nenhuma das disposições previstas no artigo 8.21, e. Os artigos 21.2 e 27.1, devem ser interpretados à luz das disposições da Constituição da Dominica e não devem ser considerados como ampliando ou limitando os direitos declarados na Constituição. E, por fim, Dominica faz uma reserva ao artigo 62 não reconhecendo, deste modo, a jurisdição da Corte.
A Colômbia apresentou instrumento de aceitação mediante o qual reconhece a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos por tempo indeterminado, reservando-se o direito de fazer cessar a competência no momento em que considere oportuno.
El Salvador se submete à Convenção Americana de Direitos Humanos (o instrumento de ratificação foi recebido na Secretaria geral da OEA em 23 de junho de 1978), interpretando suas disposições no sentido de que a Corte Interamericana de Direitos Humanos só será competente para conhecer qualquer caso que lhe possa ser submetido, tanto pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos quanto por qualquer Estado-parte, se o Estado de El salvador, como parte do caso, houver reconhecido ou reconheça dita competência, por qualquer um dos meios ou sob as modalidades que a própria Convenção assinala.
El Salvador salientou que a Convenção será aplicada sem prejuízo das disposições da mesma que possam conflitar com preceitos expressos da Constituição Política da República.
A República da Guatelama formulou uma reserva quanto ao artigo 4.4, uma vez que a Constituição da República da Guatemala, em seu artigo 54, só exclui da aplicação da pena de morte os delitos políticos, mas não os delitos comuns conexos aos políticos.
O Governo da Guatemala, mediante o Acordo Governamental n. 281-86, datado de 20 de maio de 1986, retirou a reserva acima mencionada, por carecer de sustentação constitucional à luz da nova ordem jurídica vigente no país.
Já o México entregou seu instrumento de adesão na Secretaria geral da OEA em 24 de março de 1981, com declarações interpretativas ao artigo 4.1 e uma reserva ao artigo 23.2.
Em relação ao inciso 1 do artigo 4, considera-se que a expressão “em geral” ali usada não constitui obrigação de adotar ou manter em vigor legislação que proteja a vida “desde o momento da concepção”, já que esta matéria é de domínio reservado dos Estados.
O Governo do México formulou reserva expressa no inciso 2 do artigo 23, já que a Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos, em seu artigo 130, dispõe que os Ministros dos cultos não terão direito a voto ativo ou passivo, nem direito à associação com fins políticos.
Ratificando a Convenção em 12/07/1978 e admitindo a competência da Corte em 21/01/1981, o Peru, após uma série de condenações da Corte[1], denunciou o reconhecimento da cláusula facultativa de submissão à competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos em 9 de julho de 1999. A denúncia produziria efeito imediato e se aplicaria a todos os casos em que o Peru não tivesse contestado a demanda iniciada perante a Corte. Tal denúncia não foi aceita e o Estado do Peru a revogou em janeiro de 2001.
A possibilidade de denunciar a Convenção foi utilizada por Trinidad e Tobago em 26 de maio de 1998, surtindo efeitos em 26 de maio de 1999. No período compreendido entre a data da ratificação e aceite da competência da Corte (28/05/1991) à denúncia da Convenção (26/06/1998), o país foi sentenciado em quatro casos contenciosos levados ao conhecimento da Corte mesmo após a denúncia[2].
O Uruguai submeteu o artigo 23.2 da Convenção à reserva, pois o artigo 80§2, da Constituição do Uruguai estabelece a suspensão da cidadania em virtude da “condição de legalmente processado em causa criminal que possa redundar em pena de reclusão em penitenciária”. Essa limitação ao exercício dos direitos consagrados, no artigo 23 da Convenção, não é contemplada.
E, por fim, a Venezuela elaborou uma reserva ao artigo 8.1 da Convenção, uma vez que o artigo 60§5, da Constituição da República da Venezuela dispõe:
“Ninguém poderá ser condenado em ação penal sem haver sido pessoalmente notificado das acusações e ouvido na forma prescrita na lei. Os réus de delito contra a coisa pública poderão ser julgados in absentia, com as garantias e na forma que determine a lei.”
Outro instrumento de proteção dos direitos humanos é o Protocolo Adicional à Convenção Interamericana de Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Protocolo de San Salvador), adotado pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos, em San Salvador, El Salvador, em 17 de novembro de 1988. Este tem como objeto a reafirmação, desenvolvimento, aperfeiçoamento e proteção dos direitos econômicos, sociais e culturais fundamentais.
Os Estado-partes comprometeram-se (de acordo com seu grau de desenvolvimento) a adotar as medidas necessárias para a plena efetividade dos direitos previstos no texto do Protocolo, inclusive legislarem quando estes direitos não estiverem garantidos por disposições legislativas. São admitidas reservas ao texto do Protocolo deste que não sejam incompatíveis com o seu objetivo e sua finalidade.
Ao ratificar o protocolo, o Estado do México o fez com entendimento de que o artigo 8 se aplica na República Mexicana dentro das modalidades e conforme os procedimentos previstos nas disposições aplicáveis na Constituição Política dos Estados Unidos Mexicanos e suas leis regulamentárias (OAS, 2007).
Para evitar a aplicação da pena de morte nos Estados que integram o sistema interamericano a nenhuma pessoa submetida às suas jurisdições, foi aprovado no Paraguai, em 8 de junho de 1990, passando a vigorar em 28 de agosto de 1991, o Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos referentes à Abolição da Pena de Morte (1990).
O texto do protocolo não admite reservas. Entretanto, no momento de ratificação ou adesão, os Estados partes neste instrumento poderão declarar que se reservam o direito de aplicar a pena de morte em tempo de guerra por delitos de caráter militar considerados graves. Esta reserva deve ser comunicada à OEA.
Brasil, Costa Rica, Republica Dominicana, México, Nicaragua, Panamá, Paraguai, Uruguai e Venezuela foram os Estados-membros da OEA que aderiram ao Protocolo.
Ao ratificar o Protocolo, o Brasil consignou a reserva prevista no artigo 2, que permite a aplicação de pena de morte em tempo de guerra, de acordo com o direito internacional, por delitos sumamente graves de caráter militar (OAS,2007).
Já na Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985), os Estados-partes comprometem-se a prevenir e punir a tortura, não justificando a sua prática devido à existência de circunstâncias tais como o estado de guerra, a ameaça de guerra, o estado de sítio ou a emergência, a comoção ou conflito interno, a suspensão das garantias constitucionais, a instabilidade política interna, outras emergências e ou calamidades públicas. Em suas disposições finais são ressaltadas a possibilidade de reservas, desse que não incompatíveis com o objeto e fim da Convenção, e a possibilidade de o Estado-parte denunciá-la a qualquer momento.
A Guatemala elaborou uma reserva quanto ao §3 do artigo 8º, vindo a retirá-la em 1 de outubro de 1990.
Já o Chile formulou reservas ao artigo 4, uma vez que o Governo chileno aplicava o disposto neste artigo às pessoas sujeitas ao Código de Justiça Militar; ao inciso final do artigo 13, em razão do caráter discricionário e subjetivo em que está redigida a norma e ao inciso 3 do artigo 8, uma vez que um caso só poderá ser submetido à jurisdição internacional se a competência houver sido expressamente aceita pelo Chile.
O Governo do Chile ainda declarou que em suas relações com os países americanos que são partes na Convenção, aplicaria esta nos casos em que existam incompatibilidades entre as disposições de direito interno e a Convenção.
Em 21 de agosto de 1990, o Governo do Chile retirou as reservas feitas ao artigo 4 e ao inciso final do artigo 13.
As mulheres também receberam a proteção regional por meio da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994). Esta Convenção foi adotada pela Assembléia Geral da OEA em 6 de junho de 1994, e tem como objetivo garantir a todas as mulheres o direito a uma vida livre de violências, tanto no âmbito público como no privado.
A Convenção é aberta à assinatura de todos os Estados-membros da OEA e admite reservas, sendo amplamente recepcionada pelos Estados americanos, com exceção dos Estados Unidos e Canadá.
Apenas Bahamas fez uma reserva ao artigo 7, alínea g, da Convenção, excluindo a responsabilidade de o governo fornecer formulários de identificação dos órgãos públicos para mulheres que forem sujeitas à violência dentro de circunstâncias em que não estão previstas nas leis existentes em Bahamas.
A Convenção Interamericana sobre o Tráfico Internacional de Menores (1994) tem como objetivo regular os aspectos civis e penais do tráfico internacional de menores além de reafirmar a importância da cooperação internacional para o trato da questão. O texto admite reservas desde que as mesmas não sejam incompatíveis com seu o objeto e fins. Até o presente momento, nenhum Estado fez uso dessa prerrogativa.
E por fim, integra o sistema a Convenção Interamericana para Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência (1999), na qual Estados-partes se comprometem a tomar medidas de caráter legislativo, social, educacional, trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de deficiência e proporcionar sua plena integração à sociedade. A convenção recebeu dezessete ratificações e nenhuma reserva ao seu texto.
3. Considerações acerca da interação entre direito interno e direito internacional no sistema interamericano de direitos humano
A sistemática de recepção, reservas e declarações interpretativas dos tratados de direitos humanos pelos Estados indica a dificuldade de construção de um sistema de proteção aos direitos humanos que, apesar de ter sua origem na Organização dos Estados Americanos, não possui a adesão de todos os Estados que a compõem.
A falta de ratificação da Convenção Americana e aceitação da competência da Corte por Estados de grande expressão internacional, como Estados Unidos e Canadá, são grandes obstáculos para o funcionamento do sistema e demonstram, nos dizeres de Norbeto Bobbio (1992, p.12), que, “(…) com relação à tutela internacional dos direitos do homem, onde essa é possível, talvez não seja necessária, e onde é necessária é bem menos possível”.
Parece-nos um contrassenso a Comissão Interamericana estar sediada em Washington, sendo que os Estados Unidos não ratificaram nenhum dos tratados de direitos humanos do sistema interamericano.
Outro fato que enfraquece o sistema consiste na possibilidade de ratificar a Convenção sem obrigar ao Estado o aceite da competência da Corte. Deste modo, os países “declaram” direitos na esfera internacional, mas não permitem aos sujeitos o acesso aos instrumentos de garantia, ou seja, a faculdade de acionar o sistema quando houver a violação de um direito.
Apesar de ser um sistema que nasce da OEA, somente a Costa Rica, Equador e Uruguai ratificaram todos os tratados de proteção aos direitos humanos, bem como aceitaram tanto a competência da Corte Interamericana, quanto à possibilidade de serem denunciados à Comissão por outros Estados no tocante às violações praticadas em desrespeito aos direitos humanos (art. 45 da Convenção Americana).
A proteção aos direitos humanos no plano internacional ainda encontra outro obstáculo devido à falta de aplicabilidade imediata e direta das normas internacionais.
A ratificação não garante a validade do tratado na ordem interna estatal, necessitando, muitas das vezes, de um processo de incorporação para que a norma internacional passe a ter validade no ordenamento jurídico interno.
Além do processo de incorporação, outro obstáculo para a proteção dos direitos previstos nos tratados está no grau hierárquico em que estes se encontram nas ordens jurídicas estatais.
De acordo com os textos constitucionais dos Estados-partes do Sistema Interamericano, os tratados recebem status supraconstitucional na Guatemala, em Honduras e no Peru. Recebem hierarquia constitucional na Argentina, no Chile, na Nicarágua e no Paraguai. Já na Bolívia, na Colômbia, na Costa Rica e em El Salvador, os tratados são normas supralegais.
E, por fim, encontram-se na hierarquia legal nos Estados de Equador, México, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Cabe ressaltar que no Brasil os tratados de direitos humanos poderiam ser incorporados ao direito interno como direito constitucional fundamentado no artigo 5º,§2º, da Constituição Federal; como direito ordinário, pelo antigo posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal; como Emenda Constitucional devido ao § 3º introduzido no artigo 5º da Constituição pela Emenda Constitucional n. 45/2004.
O tema recebeu um novo posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal pelo voto do Ministro Gilmar Mendes no RE 466.343-SP, no qual os tratados de direitos humanos passam a ser direito supralegal:
“Entendo que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos – Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. (…)
Deixo acentuado, também, que a evolução jurisprudencial sempre foi uma marca de qualquer jurisdição de perfil constitucional. A afirmação da mutação constitucional não implica o reconhecimento, por parte da Corte, de erro ou equívoco interpretativo do texto constitucional em julgados pretéritos. Ela reconhece e reafirma, ao contrário, a necessidade da contínua e paulatina adaptação dos sentidos possíveis da letra da Constituição aos câmbios observados numa sociedade que, como a atual, está marcada pela complexidade e pelo pluralismo. A prisão civil do depositário infiel não mais se compatibiliza com os valores supremos assegurados pelo Estado Constitucional, que não está mais voltado apenas para si mesmo, mas compartilha com as demais entidades soberanas, em contextos internacionais e supranacionais, o dever de efetiva proteção dos direitos humanos.” (BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 466-343-SP)
Ao declarar os tratados de direitos humanos como direito supralegal e que é dever do Estado brasileiro com as demais nações resguardar a efetiva proteção dos direitos humanos, observa-se um avanço no posicionamento jurídico sobre a questão. Avanço, aliás, que foi precedido pela primeira condenação brasileira na Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Damião Ximenes Lopes, sentenciado em 4 de julho de 2006[3].
4. Os direitos subjetivos no direito internacional dos direitos humanos
Diante do exposto no presente artigo, chega-se à conclusão de que o direito internacional dos direitos humanos necessita de normas que permitam a proteção da pessoa humana para além da ordem estatal e em qualquer lugar que esta se localize.
Apesar de, na atualidade, a pessoa humana ser considerada um sujeito de direito internacional, seus direitos subjetivos, no plano internacional, dependem dos Estados que são, na maioria das vezes, os violadores destes direitos.
Se o reconhecimento de um direito subjetivo fica atrelado à visão estatalista da ordem jurídica, como resolver algumas questões aqui exemplificadas:
1) Uma pessoa pode exigir a proteção de seus direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos se o Estado em que se encontra não ratificou tal documento internacional?
2) Como proceder se o Estado ratifica a tratado de direitos humanos, mas não aceita a jurisdição do tribunal competente?
A contribuição deste artigo consiste em defender a existência de direitos subjetivos, quando se tratar do direito internacional dos direitos humanos, desvinculados de uma ordem jurídica, do consentimento estatal. Reconhecer a existência de um direito subjetivo que não decorre da proteção oficial por um Estado, mas encontra-se fundamentado no gênero humano.
Os textos internacionais já dispõem, em seus preâmbulos, o princípio democrático da união dos povos (e não formalmente dos Estados, como representantes destes), como na Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 que reconhece que,
“os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ela ser nacional de um determinado Estado, mas sim do fato de ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos”. (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969, grifo nosso).
Assim, acredita-se que se os tratados de direitos humanos adquirissem status de norma imperativa, estes gerariam efeitos para todos os Estados independentemente de ratificação e que o julgamento do Estado infrator desses direitos, por um tribunal internacional, não estaria vinculado ao aceite estatal, o que poderia contribuir para a diminuição do hiato existente entre os sistemas de proteção e a efetiva proteção desses direitos.
Doutora em Direito pela PUC-SP. Professora do Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas – campus Varginha.
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