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Os jogos de azar e o crime organizado


Tem sido grande o esforço de um parlamentar goiano para atender aos interesses dos criminosos que atuam com jogos de azar, notadamente os bingos e caça-níqueis. Sim, criminosos. Não sou dos que embarcam na nau do cinismo utilizando-se de eufemismos para se referir a essa modalidade de banditismo como sendo “empresários”.


O tal parlamentar – que certamente não foi eleito para essa finalidade – tampouco teria sido essa a sua promessa de campanha feita aos seus eleitores (aos financiadores de campanha, talvez sim), trata-se do mesmo que surgiu no noticiário recente apresentando emendas no orçamento para desviar dinheiro público e favorecer ONGs inexistentes.


O argumento utilizado na defesa da legalização dos jogos é aquele velho conhecido: a geração de empregos. Isso nos faz lembrar de um outro personagem, um mafioso caipira que explorava caça-níqueis por estas bandas que, ao ser citado na CPI do mensalão, defendeu-se dizendo que não poderia ser visto como um bandido, pois, segundo ele, fazia grandes “investimentos” em Goiás, gerando empregos.


A proposta de legalização dos bingos no Brasil esconde duas grandes mentiras de consequências imensuráveis. A primeira é que no projeto de lei deixa implícita uma brecha para a exploração dos caça-níqueis, que passariam a ser chamados de “videobingos”. Há um capítulo no texto dizendo que “decorridos doze meses da promulgação desta Lei, o conceito de jogos de que ela trata poderá ser ampliado para conter outros jogos de entretenimento e azar”.


 A segunda grande mentira é a alegação de que a liberação dos jogos de azar se justifica porque geraria empregos e aumentaria a arrecadação de impostos. Ora, qual a atividade que não gera empregos, ainda que ilícitos? Qual atividade “emprega” mais que o tráfico de drogas? A cadeia produtiva empregada no tráfico de drogas é enorme. Desde o produtor até o consumidor, muita gente é envolvida. Isso sem levar em conta o “benefício” estendido aos insuspeitos (outros nem tanto assim) “homens de bem” ou “homens da lei”, como empresários que comercializam armas, produtos químicos, além de políticos, policiais, juízes.


O jornal Folha de S. Paulo, de 28.11.2010, noticia que o tráfico “emprega” tanto quanto a Petrobras. Apenas no estado do Rio de Janeiro mais de 16 mil pessoas estão diretamente envolvidas nessa atividade, vendendo mais de cem toneladas de drogas, faturando mais de R$ 633 milhões por ano. Em nível internacional essa cifra atinge índices próximos a trilhão de dólares, segundo a ONU.


A alegação de que a atividade de exploração de jogos de azar deva ser legalizada, pois geraria empregos e aumentaria a arrecadação de impostos, não passa de uma falácia mal-intencionada. Em todos os lugares do mundo onde essa atividade existe, seja bingo, cassino, caça-níqueis, é sempre o crime organizado quem a explora. Por trás disso tudo existem outros fins como a lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas, de armas e do tráfico de pessoas. Há, ainda, o inevitável dano causado aos que se viciam em jogos, acarretando desagregação familiar, endividamento e perda de patrimônio, principalmente por parte de pessoas mais humildes. Aliás, não por acaso é chamado de jogo de azar. Azar de quem joga.


Existe, em todo o mundo, estreita relação entre a exploração de jogos de azar e o crime organizado. Essa empolgação toda de alguns parlamentares brasileiros em defesa da exploração de jogos, notadamente bingos e caça-níqueis, estranhamente “coincide” com a forte atuação da máfia russa em nosso país.


A máfia dos exploradores de jogos, como se vê, possui ramificações em todos os níveis das sociedades, praticando crimes, contaminando instituições, associando-se a políticos inescrupulosos, inclusive no Parlamento brasileiro.



Informações Sobre o Autor

Manoel Leonilson Bezerra Rocha

Advogado Criminalista em Goiânia (GO); Professor de Direito Penal e de Prática Jurídica Penal; Especialista em Direito Processual Penal pela Universidade Federal de Goiás (UFG); Mestrando em Direito pela Ecole de Criminoligie “Jean Constant” da Université de Liège, Bélgica; Pesquisa de Campo sobre Crime Organizado e Lavagem de Capitais em França, Inglaterra, Bélgica e Espanha; Pesquisa de Campo sobre Criminalidade Urbana em Paris e Inglaterra; Doutorando em Direito Penal pela Universidad de Burgos, Espanha; Autor de diversos artigos.


Equipe Âmbito Jurídico

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