Os Jogos Digitais como Patrimônio Partilhável na Herança

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Autor: Paulo Nilson de Oliveira Lopes -Acadêmico do Curso de Direito do Centro Universitário FAMINAS – paulonilson10@hotmail.com

Orientador: Wilson Sebastião Rodrigues SOARES – Professor do Curso de Direito do Centro Universitário FAMINAS, Mestrando em Planejamento Regional e Gestão da Cidade, com linha de pesquisa em Direito da Cidade pela Universidade Cândido Mendes de Campos dos Goytacazes, Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera Uniderp – wilsonsrs@hotmail.com

Resumo: Os avanços tecnológicos advindos após a segunda metade do século XX trouxeram à sociedade uma brusca mudança social e cultural e, portanto, forçou o direito a adequar-se à recente realidade. Com isso, novas problemáticas surgem e cumpre ao direito saná-las o mais rápido possível, para que nenhuma pessoa tenha seu direito lesado. Neste contexto, o presente artigo analisa a situação dos bens digitais na ocasião de uma eventual sucessão, tendo como bem base os jogos digitais e todos os outros que deles podem advir. Assinala breves explicações acerca dos diversos gêneros de jogos de videogame, apontando as características gerais de cada um e informando como é possível constituir um patrimônio sólido e com grande valor econômico dentro de um jogo digital. Aponta também aspectos comuns ao direito sucessório brasileiro que fazem com que seja possível a inclusão dos jogos eletrônicos em uma situação de partilha de herança. Para tanto, o texto foi produzido a partir de revisões bibliográficas, após análise da doutrina e legislação sucessória pertinente.

Palavras-chave: Direito Sucessório; Herança; Jogos; Patrimônio Digital.

 

Abstract: Technological advances that came after the second half of the 20th century brought a sharp social and cultural change to society and, therefore, forced the right to adapt to the recent reality. As a result, new problems arise and the law must be remedied as soon as possible, so that no person has their rights harmed. In this context, this article analyzes the situation of digital goods in the event of a possible succession, taking digital games as a basis and all the others that may arise from them. Specify brief explanations about the different genres of video games, specific as general characteristics of each one and informing how it is a constituent of a solid patrimony and with great economic value within a digital game. It also points out aspects common to Brazilian inheritance law that makes it possible to include electronic games in a situation of inheritance sharing. For that, the text was produced from bibliographic reviews, after analysis of the doctrine and pertinent succession legislation.

Keywords: Succession Law; Heritage; Games; Digital Heritage.

 

Sumário: Introdução. Desenvolvimento. 1. Estudo Sobre os Jogos. 2. Valor Econômico dos Jogos. 2.1. Valor por Si Mesmo. 2.2. Valor por Transações Internas. 3. Breves Considerações Sobre o Direito Sucessório. 4. Os Jogos na Ocasião da Herança. Considerações Finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O mundo encontra-se em constante evolução, a cada dia que passa novas descobertas são feitas e a vida em sociedade torna-se diferente. Após a Segunda metade do século XX, com o advento da internet, as relações sociais se mutaram de uma forma acelerada e novos meios de interação foram surgindo.

Após pouco mais de 50 anos desde sua criação, a internet evoluiu bastante, seja em questão de qualidade, abrangência e até mesmo em possibilidades de uso. Tornou-se uma constante ao redor do globo, permitindo às pessoas realizarem compras, conversarem com amigos e parentes distantes, compartilharem dados e informações e também a acumular bens dentro dela.

Existem inúmeras formas de se constituir patrimônio online, algumas mais conhecidas como programas de milhas, contas em redes sociais e até mesmo moedas virtuais, conhecidas como “criptomoedas”.

Ante as inúmeras formas de constituição de patrimônio na rede, uma delas, pouco percebida socialmente, cresce cada vez mais, que são os jogos digitais e tudo mais que os circundam. Busca-se, neste artigo, asseverar e ilustrar o quão vasto pode ser esse patrimônio e o porquê de o direito começar a se atentar a essa área.

Os jogos digitais podem ser adquiridos de diversas maneiras distintas, entretanto é fato que após sua aquisição eles já podem ser partes de uma eventual discussão sucessória. Além de possuírem valor individual, os games podem ainda permitir transações dentro deles, o que pode aumentar ainda mais seu valor e eventualmente o espólio na ocasião do falecimento de seus detentores.

Não são raras as ocasiões em que alguns jogos se valorizaram ou valorizaram a plataforma na qual ele se encontrava instalado. Tendo, portanto, as mesmas características dos demais bens relacionados no espólio. Os jogos, assim como os demais bens móveis e imóveis estão sujeitos a variações econômicas.

As formas de se realizar transações são variadas. As mais famosas são as transações que visam a obtenção de vantagem, de itens especiais ou simplesmente itens que modificam aparências. Sendo certo também que pode haver depósito de dinheiro real que ficará guardado em um tipo de carteira para compras futuras dentro do mesmo jogo ou plataforma.

O mercado de jogos é um dos que mais cresce ano após ano e por isso as empresas que são do ramo investiram em formas de arrecadar mais dinheiro com seus produtos já vendidos e também prolongar a vida útil dos mesmos, criando, portanto, formas de construir patrimônios pessoais dentro dos mesmos, com valores que alternam por fatores externos e conforme o próprio jogo se desenrola, uma economia própria em paralelo com a economia real

Tendo, pois, como base essas características de servir como uma espécie de poupança e também por permitir transações internas, pretende-se demonstrar neste texto que a observância deste patrimônio online propiciará uma divisão mais correta do patrimônio deixado pelo de cujus. Assim, pela grande importância que o direito sucessório tem no ordenamento jurídico e na vida pessoal das pessoas, faz-se necessária a observação de toda e qualquer fonte patrimonial deixada pelo falecido, portanto é de extrema importância a discussão desse tema.

 

DESENVOLVIMENTO

1. ESTUDO SOBRE OS JOGOS

O mundo dos jogos se tornou presente em todo o globo. São encontrados jogos nas mais diversas plataformas, dos mais diversos estilos e das mais variadas dificuldades. Observa-se um mercado gigantesco e que abrange as mais variadas idades.

Pode-se interpretar a palavra jogo de inúmeras maneiras, entretanto para o presente artigo deve-se depreender tal palavra como meio tecnológico destinado a computadores ou consoles de mesa com o intuito de proporcionar uma experiência de imersão audiovisual onde o consumidor esteja no controle.

Apesar de serem formas audiovisuais, o grande diferencial entre os filmes e os jogos é que no segundo, o expectador não é meramente expectador, ele é agente, são pelas ações dele que o enredo se desenvolve.

Sendo, pois, uma forma interativa, em que a experiência do player se dará com base no nível de imersão que ele é capaz de ter percebemos inúmeros gêneros distintos, cada um com características próprias ou compartilhadas.

Neste cenário destacam-se os jogos que suportam inúmeros jogadores simultâneos e com interação entre eles, os Massively Multiplayer Online Game (MMO). Percebemos também os jogos em que o jogador encarna um personagem em um mundo fictício e buscam evoluí-lo no decorrer da história, esses são os role-playing games (RPG). Famosos também são os jogos de tiroteio em primeira e terceira pessoa, first-person shooter (FPS) e third-person shooter (TPS), respectivamente.

Entretanto, pode-se observar a incidência de mais gêneros diferentes dos supracitados, sendo que ocorre também a junção de diferentes tipos, o que formam novas nomenclaturas, como por exemplo os jogos Battle Royale, que misturam elementos de FPS ou TPS com os jogos de sobrevivência, este gênero “coloca dezenas de jogadores em uma arena para duelarem até que apenas um jogador esteja vivo” (KINAST, 2019, p. 02).

Ponto tangente entre todos esses estilos de jogos é que neles é possível observar a incidência de transações monetárias dentro deles. Fazendo com que o adquirente do jogo possa aumentar significativamente o valor de seus itens e personagens, por consequência, aumentando o valor de sua conta, o seu jogo, em geral.

 

2. VALOR ECONÔMICO DOS JOGOS

Por se tratar de um bem, adquire-se a propriedade de um jogo comprando-o ou ganhando-o. Em qualquer uma das hipóteses, alguém, em algum momento, necessitou de desembolsar dinheiro para que o mesmo fosse disponibilizado.

Nota-se, portanto, a primeira valoração econômica, o valor necessário para que o mesmo seja adquirido. Conforme a tecnologia foi avançando, houve a modernização da forma em que as mídias de jogos fossem distribuídas. Hoje pode-se dividir em 2 (dois) grupos: Mídia Física e Mídia Digital.

O primeiro grupo, mídia física, são aqueles em que o usuário terá uma cópia física, tátil, um objeto para colocar em seu console (também conhecido como videogames) ou computador. Tal mídia era compreendida por fitas (também conhecidas como cartuchos) nos primeiros videogames. Depois a indústria passou a utilizar discos compactos (CDs). Os CDs logo foram substituídos por Discos Digitais Versáteis (DVDs), pois estes possuem 4.7 GB de espaço de armazenamento, quase sete vezes mais do que seu antecessor. Os consoles mais recentes como o Playstation 3, Playstation 4, Xbox One usam o Blu Ray (BD), disco com uma capacidade de armazenamento que pode atingir até 50 GB (BRITO, 2014).

O segundo grupo, os de mídia digital, como o próprio nome sugere, são aqueles se encontram disponíveis apenas em plataforma virtual, ao invés de ficarem armazenados em unidades físicas ficam salvos em uma plataforma virtual e para jogá-los basta realizar o download do jogo. Inúmeras são as plataformas que disponibilizam este serviço de compra e uso totalmente virtual. A Sony (fabricante do Playstation), por exemplo, possui a Playstation Network (PSN), a Microsoft, (fabricante do Xbox) possui a Xbox Live, e para aqueles que utilizam seus computadores para jogar, os famosos PCs, a variedade é bem maior, porém se destacam as plataformas da Valve (steam) e a da Epic Games (Epic Store).

Neste segundo grupo é encontrado também o mercado mobile, ou seja, o mercado de jogos de celulares e tablets. Nenhum dos aparelhos suporta a inserção de uma mídia como CD ou DVD, portanto as empresas utilizam da mídia digital para lançar aplicativos dentro das plataformas mais famosas como Google Store e App Store, lojas do Google e Apple respectivamente.

 

2.1. VALOR INDIVIDUAL

Por haver uma grande variedade de plataformas e mídias, os preços são variáveis. Portanto, é um patrimônio que possui um valor econômico como qualquer outro bem, sendo necessária a sua compra para aquisição.

Devido a essa característica e ter seu câmbio permitido, os jogos podem sofrer uma valorização situacional. Por isso, um game que hoje é comprado por determinado valor pode sofrer alteração em seu preço devido a incidências externas.

Em 2014 o Mercado mobile se deparou com uma situação inusitada, o criador do jogo Flappy Bird o retirou repentinamente dos canais de distribuição, fazendo com que fosse impossível realizar o download do jogo que havia se tornado febre naquele ano. Tal retirada desencadeou uma alta nos preços dos aparelhos celulares que dispunham do referido jogo. “Internautas estão comercializando telefones com o jogo instalado por mais de R$ 200 mil online, e já há alguns deles que receberam dezenas de lances no eBay. No Brasil, há quem já tenha anunciado seu smartphone Android por R$ 50 mil no Mercado Livre” (BARROS, 2014).

No ano seguinte o mesmo acontecera com a demonstração (DEMO) do jogo Silent Hills, também conhecido como P.T. Ocorre que uma versão de demonstração do game foi disponibilizada na PSN, e logo após a empresa responsável pela distribuição do jogo disse que o projeto seria encerrado e por isso seria impossível realizar o download. O jogo estava sendo muito esperado pois contava com a participação do ator Norman Reedus como protagonista, o ator que estava sob os holofotes naquele ano devido ao seu sucesso na série The Walking Dead.

 

2.2. VALOR POR TRANSAÇÕES INTERNAS

A fim de aumentar o tempo de vida dos jogos, as fabricantes apostam em um sistema de mercado dentro do próprio jogo. Tal sistema se popularizou no mercado Mobile, entretanto já existia nos mercados de consoles. Porém cada mercado utiliza formas específicas para realizar as transações.

Tais transações podem se dar apenas para a aquisição de itens cosméticos, loot boxes (caixas de equipamentos), ou até mesmo pagar para ter sua vitória assegurada, os famosos jogos Pay to win (pague para vencer).

Tais táticas existem em todas as plataformas de jogos, cada desenvolvedora adota a política que lhe for mais conveniente para aumentar a sobrevida de seu jogo e assegurar maiores rendimentos com o mesmo.

O ponto comum entre esses e os demais sistemas é que em todos eles o jogador gasta seu dinheiro dentro do próprio jogo, realizando transações e cambiando itens. Fazendo, portanto, o seu patrimônio dentro do game aumentar e por muitas vezes as proprietárias do jogo mesclam os diferentes sistemas em seus jogos.

 

2.2.1. JOGOS PAY TO WIN

Os jogos Pay to Win são aqueles em que o jogador é obrigado a depreender determinada quantidade de dinheiro para que possa progredir no jogo. Normalmente o jogador deve comprar armas e equipamentos melhores para que assim possa derrotar os inimigos mais poderosos.

A grande maioria dos jogos que adotam esse sistema são jogos em que o player não precisa pagar para obter o jogo, são gratuitos para jogar, também conhecidos como free to play. Nesse caso o jogador faz o download de forma gratuita e custeará a sua própria evolução no jogo.

Ocorre que nesses jogos as pessoas obtêm itens como armas, armaduras ou até mesmo pets. Com a obtenção dos mesmos eles podem progredir e é nessa progressão que esses games possuem seu valor econômico, pois os jogadores podem cambiar suas contas de maior nível para pessoas interessadas.

O valor da conta que será vendida oscilará de acordo com o nível em que ela se encontra, os itens que a mesma possui, tendo como base o valor pago pelos itens àquela época e também estimando a sua valorização ou em alguns casos a sua desvalorização.

 

2.2.2. LOOT BOXES

Esta mecânica se assemelha a uma loteria. Nela, o consumidor paga para ter sorteado um item dentre vários possíveis, ou seja, consiste integralmente na aleatoriedade, o consumidor apenas tem ciência da compra do pacote, mas não sabe ao certo quais serão os prêmios por ele adquirido (CORRÊA, 2020, p. 01).

Portanto o jogador está dependente de sua sorte, seu patrimônio poderá aumentar ou diminuir dependendo da posição da roleta, pois nela o jogador pode ser agraciado com itens cujo valor é mais caro do que ele pagou para rodar a roleta ou pode der a ingrata surpresa de obter um item abaixo do valor pago para abrir a caixa. Neste caso o valor da Conta será referente aos itens que o usuário possui.

 

2.2.3. ITENS COSMÉTICOS

Os itens cosméticos são aqueles que não interferem na mecânica de jogo, nas habilidades do personagem ou em quaisquer outros meios. Os itens cosméticos modificam apenas a aparência de personagens e/ou objetos, essa é a forma mais comum de uma empresa elevar seus rendimentos e aumentar a vida útil do jogo.

Estes itens são temporais, sendo apresentados ao jogador em ocasiões específicas como por exemplo natal, aniversário da empresa ou de lançamento do game. Por isso os itens são disponibilizados por um período pré-estabelecido e após sua retirada terá seu valor modificado no mercado interno.

Para não prolongar demais o presente artigo, este autor focará em um jogo específico para ilustrar como o patrimônio obtido dentro do game pode ser de extrema valia no mundo fora dele, no caso o muno real. O jogo escolhido é o Counter Strike: Global Offensive (CS:GO) da empresa VALVE.

Neste jogo de tiro em primeira pessoa, o jogador pode comprar itens chamados skins (pele, em tradução literal). Estes itens modificam apenas a aparência dos objetos, sejam eles armas, facas, personagens ou até mesmo sons do jogo.

Dentro do CS o indivíduo pode obter esses itens comprando-os diretamente de outros jogadores dentro da comunidade, em um mercado próprio da plataforma ou também pode obtê-los sorteando-os em caixas de loot específicas.

O valor dos itens é variável, podem oscilar entre elas mesmo, ou seja, skin x é diferente de skin y, ou dentro do próprio item existe uma classificação especial que eleva ou rebaixa o preço dos itens tendo como base o seu float, ou seja, o seu desgaste.

Neste sistema de desgaste, um objeto pode ser classificado como: Nova de fábrica, testada em campo, pouco usada, bem desgastada e por fim veterana de guerra. Tal classificação faz com que armas de um mesmo design sejam mais caras ou mais baratas, a ordem anterior estava de forma em que o preço decai.

Por possuir uma variedade imensa de modelos, o Counter Strike evoluiu seu mercado e é hoje uma área em que há uma grande circulação de dinheiro. Muitas pessoas do cenário investem em novos modelos de armas afim de aumentar o valor de seu inventário e até mesmo aumentar seu patrimônio real vendendo seus itens virtuais.

O mercado virtual desse jogo é tão vasto que ao realizar uma pesquisa simples por “faca” no mercado da comunidade é possível encontrar este item com seu valor oscilando entre R$ 373,32 e R$ 10.763,14 (VALVE, 2020). Um dos motivos do sucesso deste é devido ao fato de que a empresa responsável não interfere em nada nas transações, os preços são dados pela própria comunidade levando em conta o desenho contido na arma, sua condição e a coleção na qual ela faz parte.

As skins podem valorizar conforme jogadores profissionais do jogo as utilizam em seus campeonatos, ou seja, o valor se dá sobre a visibilidade que o modelo ganha, ou pode ocorrer de a valorização se ar devido a arma se tornar rara, por parar de ser obtida dentro do jogo.

Neste segundo caso tem-se como exemplo o comercio de uma modivicação visual vendida pelo preço de ¥ 260 mil (cerca de R$ 152 mil). O Visual Dragon Lore parou de ser adquirida dentro do jogo e sua obtenção se dá apenas através da compra de outros jogadores, essa arma é uma das mais cobiçadas pelos jogadores de CS:GO e também uma das mais caras entre todas as disponíveis” (ABREU, 2020).

Sendo, pois, um mercado que gira enorme montante em dinheiro, deve-se o profissional do direito atentar-se a essa nova realidade, averiguando toda e qualquer possibilidade de patrimônio dentro de jogos eletrônicos, pois observe, o valor no qual uma skin foi vendida daria para comprar cerca de 3 (três) carros populares.

 

3. BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO SUCESSÓRIO

Neste tópico, será demonstrada a viabilidade e a necessidade da partilha dos jogos digitais e dos bens que nele podem haver, mostrando que há a possibilidade dessa partilha e que sem ela a igualdade entre os herdeiros seria lesada.

O direito das sucessões é um ramo do direito que existe desde os primórdios da vida em sociedade. Na antiguidade, “numa estrutura rígida da família, o pater era o soberano. Por testamento, escolhia ele o herdeiro mais habilitado para exercer o comando na família, e realizar as práticas religiosas domésticas, em favor do defunto, além de administrar o patrimônio existente” (RIZZARDO, 2019, p. 02).

O Direito Sucessório Brasileiro está regulado no Código Civil. “A Sucessão se inicia com a morte do indivíduo” (LEI 10.406/2002) e com esta transmite-se desde já os bens do de cujus àqueles que por direito são herdeiros.

No momento em que ocorre a morte do sujeito declara-se aberta a sucessão, com isso deve ocorrer a partilha dos bens. Dessa forma, a lei permite que haja dois tipos de sucessão, “quando se dá em virtude da lei, denomina-se sucessão legítima; quando decorre de manifestação de última vontade, expressa em testamento ou codicilo, chama-se sucessão testamentária” (GONÇALVES, 2020, p. 42).

No Brasil é mais comum que haja a sucessão legítima, pois a elaboração de testamento é uma prática que ainda é muito escassa no país. Diante disso, como não havia a expressa manifestação de vontade do falecido sobre a sobrevida de seus bens, a lei encarregou-se de ditar as normas sucessórias, e a referida forma de transmissão, sucessão legítima, segue a chamada ordem de vocação, ou vocação hereditária.

A referida ordem está preestabelecida no artigo 1.829 do diploma civil pátrio, o mesmo artigo busca entregar os bens aos herdeiros mais próximos do falecido, portanto segue a seguinte ordem:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III – ao cônjuge sobrevivente;

V – aos colaterais. (BRASIL, 2002)

Será, pois, transmitido na ordem supracitada, todos os bens que o de cujos possuir, desde que tais pertenças sejam de ordem econômica. É necessário que o bem possua valor econômico pois conforme estabelece Gonçalves (2019), a palavra herança é composta não só pelo patrimônio material e corpóreo, mas sim a universalidade de direito, ou seja, todas as relações jurídicas que dispunham de valor econômico.

 

4. OS JOGOS NA OCASIÃO DA HERANÇA

Após tratar da forma como o direito pátrio regulamenta a sucessão, este tópico tem o intuito de elucidar os motivos pelos quais os jogos digitais devem ser inseridos na herança.

Conforme restou-se provado, os jogos possuem seu valor econômico, passiveis de apreciação e até mesmo depreciação, portanto estão mais do que habilitados a integrarem uma ação de inventário e partilha de bens.

Este autor sabe que nos dias atuais ainda não são todas as pessoas que disporão de um patrimônio “in game” para ser partilhado. Entretanto essa geração e as novas que virão terão esse patrimônio mais consolidado e caberá ao direito salvaguardar o direito dos herdeiros de acessar esses bens.

Já que o direito sucessório tutela todos os bens de valor econômico que o indivíduo possuía em vida e restou comprovado o elevado potencial econômico que reside nos jogos digitais, não que se falar em motivo para a lei desmerecer ou esquecer desse patrimônio.

Nos dias atuais, as petições de abertura de inventário solicitam os bens mais variados, listam todo e qualquer tipo de patrimônio, mesmo que sejam apenas possibilidades, como exemplo pedem em juízo para um possível seguro de vida. Porém, assevera este escritor, logo chegará um dia em que as petições pedirão também o acesso aos bens disponíveis em plataformas virtuais de jogos, para que assim, esses bens acresçam ao todo que será rateado.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante tudo que fora acima exposto, nota-se que o mercado de videogames se expandiu e se modificou e a constituição de um patrimônio online é uma nova realidade. Destarte, é possível afirmar que os bens digitais devem integrar o patrimônio a ser dividido em uma eventual sucessão.

Assim como existem diversos tipos de bens, móveis, imóveis, semoventes e cada qual com seus grupos, os jogos são enquadrados da mesma forma. Cada categoria, cada gênero, cada título tem seu espaço cativo, tem seu valor patrimonial e teve valor pessoal ao de cujus, quiçá até mesmo ao herdeiro do mesmo.

Incerto é o valor que alguém pode ter dentro do vasto mundo online, pois geralmente o jogador não se restringe a apenas um título. Por vezes diversas o jogador coleciona títulos de jogos e com isso angaria investimentos em cada um deles, aumentando seu nível de conta, de personagem e possivelmente sua poupança dentro daquela plataforma.

Seja qual for o gênero, o de cujus investiu tempo e dinheiro, buscando sempre valorizar sua cinta, tornando a sua jogatina mais proveitosa, facilitada e por vezes até mesmo mais prazerosa.

Comumente os indivíduos que terão este acervo online mais consolidado são os pro-players, entretanto nada impede o jogador casual de investir dentro do vasto mercado de games, portanto cabe ao direito trazer à população um respaldo sobre essa situação.

Cabe ao legislador debruçar-se sobre esta causa pois o valor econômico que os jogos possuem restou-se provado e com isso provou-se também a sua obrigatoriedade de integrar o roll de bens deixados pelo falecido.

Caso não seja observada essa nova realidade, podem ocorrer injustiças com os herdeiros, deixando bens de extrema valia fora do direito sucessório, lesando a parte herdeira e trazendo consigo uma enorme insegurança jurídica no cenário sucessório Brasileiro.

 

REFERÊNCIAS

ABREU, Victor. CS:GO: skin AWP Dragon Lore Factory New é vendida por R$ 152 mil. TechTudo. 2020. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2020/01/csgo-skin-awp-dragon-lore-factory-new-e-vendida-por-r-152-mil-esports.ghtml. Acesso em 29 Jul 2020.

 

BARROS, Thiago. Flappy Bird: celulares com o jogo são leiloados por mais de R$ 200 mil no exterior. TechTudo. 2014. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/noticia/2014/02/flappy-bird-celulares-com-o-jogo-sao-vendidos-por-mais-de-r-200-mil.html. Acesso em 29 Jul 2020.

 

BRASIL, Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm.

 

BRITO, Edivaldo. Qual a diferença entre Blu-Ray, DVD e CD? Entenda. Techtudo. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2014/06/qual-diferenca-entre-blu-ray-dvd-e-cd-entenda.html. Acesso em 17 Ago 2020.

 

CORRÊA, João Vitor Gomes. A legalidade das loot boxes em jogos eletrônicos. Jus.com.br. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/83238/a-legalidade-das-loot-boxes-em-jogos-eletronicos. Acesso em 17 Ago 2020.

 

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro v 7 – direito das sucessões. Editora Saraiva, 2019.Disponívelem: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788553616015/. Acesso em: 29 Jul 2020.

 

KINAST, Priscilla. FPS, MOBA, RPG, MMO: Entenda os principais gêneros de jogos. Oficina da Net. Disponível em: https://www.oficinadanet.com.br/games/27221-fps-moba-rpg-mmo-entenda-os-principais-generos-de-jogos. Acesso em: 17 Ago 2020.

 

RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões, 11ª edição. Grupo GEN, 2019. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530984762/. Acesso em: 29 Jul 2020.

 

STEAM, Mercado da Comunidade. Disponível em: https://steamcommunity.com/market/search?category_730_ItemSet%5B%5D=any&category_730_ProPlayer%5B%5D=any&category_730_StickerCapsule%5B%5D=any&category_730_TournamentTeam%5B%5D=any&category_730_Weapon%5B%5D=any&appid=730&q=Faca#p3_price_asc. Acesso em 17 Ago 2020.

 

USUÁRIOS ANUNCIAM PS4 COM GAME ‘P.T.’ INSTALADO POR R$ 4,5 MIL NO EBAy. 2015. G1. Disponível em: http://g1.globo.com/tecnologia/games/noticia/2015/04/usuarios-anunciam-ps4-com-game-pt-instalado-por-r-45-mil-no-ebay.html. Acesso em 19 Jul 2020.

Âmbito Jurídico

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