Resumo: O objetivo do presente trabalho é analisar a efetividade dos Juizados Especiais Cíveis brasileiros, observando sob o aspecto empírico, como também fazendo uma alusão à contribuição de Mauro Cappelletti com relação ao tema do acesso à justiça. Analisamos o conceito, as teorias que marcam o direito de ação, as ondas renovatórias propostas por Mauro Cappelletti, o histórico dos Juizados Especiais Cíveis e apresentamos meios para que realmente o direito constitucional do acesso à justiça seja palpável na prática forense. O estudo conclui que a principal reforma deve se dar no âmbito da educação, pois é com a promoção de uma educação jurídica básica que se poderia descongestionar os juizados, bem assim com a adoção de métodos alternativos para a solução de conflitos.[1]
Palavras-chave: Acesso à justiça. Juizados Especiais Cíveis. Histórico dos juizados especiais.
Résumé: L’objectif de cette étude est d’analyser l’efficacité des Brésiliens spéciale tribunaux civils, en regardant sur l’empirique, ainsi que d’une allusion à la contribution de Mauro Cappelletti sur la question de l’accès à la justice. Nous analysons le concept, les théories qui se connectent droit d’action, les rénovations des ondes proposé par Mauro Cappelletti, l’histoire des tribunaux spéciaux civils et de le présenter signifie réellement le droit constitutionnel d’accès à la justice est palpable dans la criminalistique. L’étude conclut que la principale réforme devrait prendre place dans l’enseignement comme il est avec la promotion d’une éducation de base juridique qui soulagerait les tribunaux, ainsi que par l’adoption de méthodes alternatives de résolution des conflits.
Mots-clés: Accés à La justice. Spécial tribunaux civils. Histories de tribunaux spéciaux.
Sumário: 1. Introdução. 2. Acesso à justiça: significados e implicações. 2.1. Teorias sobre o direito de ação. 2.2. Ondas renovatórias de acesso à justiça. 3. Os juizados especiais cíveis: origem e desenvolvimento. 3.1. A nova ordem constitucional e o advento da lei 9.099/99. 3.2. Princípios informadores. 4. Os juizados especiais cíveis e o acesso à justiça. 5. Conclusão. Referências.
1. Introdução.
A concepção de acesso à justiça envolve a provocação do Estado para o exercício do poder jurisdicional, a fim de solucionar um lide num tempo razoável para, assim, não causar prejuízo às partes, entretanto, a realidade empírica mostra-nos que o Estado-juiz não está atendendo a esse postulado.
Sendo assim, percebemos que há um contraste dentro do nosso ordenamento jurídico, pois nossa constituição de 1988 elenca como direito fundamental o de que nenhuma lesão ou ameaça de direito deixará de ser apreciada pelo judiciário, bem assim que essa apreciação será prestada dentro de um prazo razoável, o que atende perfeitamente a emblemática concepção de acesso à justiça.
A propósito, os juizados especiais cíveis criados pela lei 9.099/95 foram concebidos com a finalidade precípua de atender às causas de menor complexidade e dar-lhes uma rápida solução jurisdicional a fim de garantir o acesso à justiça.
Tal fato para o ordenamento jurídico é preocupante, pois com toda essa demora, abre-se espaço para as “lides intermináveis”, o que prejudica tanto o demandante quanto o demandado, seja pelas questões de ordem material ou psicológica, como também toda a coletividade, porque desestimula aqueles que têm seus direitos violados a procurar o Poder Judiciário, o que, por sua vez, afeta a credibilidade desse poder estatal.
Assim, não basta simplesmente a propositura da ação para se falar de acesso à justiça (concepção de acesso ao poder judiciário), mas sim do acesso a uma tutela jurisdicional seja efetiva.
Nesse sentido, a justificativa para o tema funda-se na contradição entre o disposto no artigo 5º, inciso XXV c/c inciso LXXVIII da Constituição da República Federativa do Brasil, sendo este último que adveio da EC 45/2004, visto que os encontramos diuturnamente lesados na realidade prática dos nossos juizados especiais cíveis.
Portanto, o objetivo deste trabalho de conclusão de curso é apresentar uma provável solução para a temática, solução esta que não produzirá um efeito imediato, mas que, em longo prazo, sobretudo nas gerações vindouras, será conditio sine que non para a existência dos juizados especiais, bem assim para que nosso ordenamento jurídico neste aspecto de acesso à justiça seja realmente eficaz.
Com efeito, discorremos no primeiro capítulo sobre a noção de acesso à justiça, apresentando seu conceito, bem como sobre as teorias em que se funda o direito de ação e, por fim, sobre as ondas renovatórias propostas pelo jurista italiano Mauro Cappelletti.
Já no segundo capítulo, por sua vez, abordamos o histórico dos juizados especiais, traçamos a sua relação com a nova ordem constitucional, bem assim falamos sobre seus princípios informadores.
E, por fim, no terceiro capítulo apresentamos a possível solução para o problema que entendemos ser a promoção pelo poder público de uma educação jurídica básica, bem assim enfatizamos os métodos alternativos para a solução conflitos e analisamos a perspectiva no anteprojeto do novo código de processo civil sobre a temática da conciliação.
2. ACESSO À JUSTIÇA: SIGNIFICADOS E IMPLICAÇÕES
A partir do momento em que o homem passou a viver em sociedade, fez-se necessário a presença de um conjunto de normas que disciplinassem as relações entre os homens, e a esse conjunto deu-se o nome de direito.
A função precípua do direito é a ordenadora, isto é, de coordenar os interesses “que se manifestam na vida social, de modo a organizar a cooperação entre as pessoas e compor conflitos que se verificarem entre os seus membros” (CINTRA, DINARMARCO e GRINOVER, 1997, p.19).
Só que a tarefa de harmonizar as relações sociais intersubjetivas deve ser feita com o mínimo de sacrifício e desgaste (CINTRA, DINARMARCO e GRINOVER, 1997, p.19). E é nesse aspecto que falamos em acesso à justiça.
O vocábulo “acesso à justiça” é de difícil compreensão, haja vista as transformações sociais ocorridas ao longo dos séculos. Passamos pelo Estado Liberal, o qual preconizava uma individualização de direitos, onde o Estado considerava o “acesso à justiça” como um direito natural, anterior ao Estado, portanto não passível de uma ação positiva por parte deste para assegurar-lhe efetividade. O comportamento do Estado Liberal era apenas o de garantir que os direitos não se imiscuíssem, logo, à época, o “direito ao acesso à proteção judicial significava essencialmente o direito formal do indivíduo agravado de propor ou contestar uma ação” (CAPPELLETI, GARTH, 1988, p. 9).
No entanto, a partir do momento em que houve uma intensificação das relações humanas, apresentando-se sob uma perspectiva coletiva, deixou-se a tese individualista dos direitos e o Estado passou a dar especial atenção não só ao “acesso à justiça”, como também aos demais direitos sociais. Atribuiu para si a competência de prover os meios necessários para a efetividade desses direitos, direitos os quais são universais, inerentes ao ser humano, logo fundamentais. Assim, o “acesso à justiça” deve ser um requisito fundamental em todos os ordenamentos jurídicos modernos que preguem a igualdade de direitos, pois estes não devem apenas proclamá-los, mas garanti-los (CAPPELLETI, GARTH, 1988, p. 12).
Na visão de Cappelletti e Garth (1998, p.12) observa-se que:
“Os juristas precisam, agora, reconhecer que as técnicas processuais servem a funções sociais; que as cortes não são a única forma de solução de conflitos a ser considerada e que qualquer regulamentação processual, inclusive a criação ou o encorajamento de alternativas ao sistema judiciário formal tem efeito importante sobre a forma como opera a lei substantiva – com que freqüência ela é executada, em beneficio de quem e com que impacto social. Uma tarefa básica dos processualistas modernos é expor o impacto substantivo dos vários mecanismos de processamento de litígios. […] O “acesso” não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística.”
Destarte, acesso à justiça modernamente é a capacidade de assegurar aos cidadãos o acesso a um poder judiciário; de garantir-lhes a paridade de armas, a igualdade material (igualdade esta que é elevada a categoria de direito humano fundamento, já que prevista no artigo X da declaração universal de direitos humanos), em especial aos que não disponham de recursos financeiros e que não sejam litigantes habituais, como afirma Cappelletti e Garth (1988, p 21-25); além do que o atendimento as demandas formuladas sejam prestadas no menor prazo de tempo possível, a fim de garantir a viabilidade do procedimento.
Logo, acesso à justiça não é somente ingressar com a petição inicial em juízo, mas, sobretudo, obter, num prazo razoável, uma decisão que satisfaça o critério de justiça e que seja eficaz, sob pena de violação de um direito humano fundamental.
Nessa mesma esteira de pensamento, Marinoni (2000, p. 28) afirma que acesso à justiça:
“[…] quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial”.
Dinamarco (2008, p. 359) considera esse acesso ainda “mais do que um princípio”, mas sim como “a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja no plano constitucional ou infraconstitucional”.
Nossa constituição de 1988 eleva o acesso à justiça a categoria de direito fundamental, portanto irrenunciável, e o Estado brasileiro deve contribuir para que este seja efetivamente visto na prática, conforme podemos ver em seu artigo 5º, incisos XXXV e LXXVIII:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […]
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.[…]
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (BRASIL, 1988).
Ferraz (2010, p. 83-84) procura delimitar uma noção de acesso à justiça abordando-o sob o ponto de vista sociológico e jurídico, aduzindo que o acesso à justiça é o tema que mais aproxima o direito da sociologia, uma vez que “equaciona as relações entre a igualdade jurídico-formal e a desigualdade socioeconômica”.
Assim, sob o ponto de vista sociológico, busca-se investigar e propor soluções aos entraves que obstam o acesso à justiça. E, a partir de um estudo realizado na Inglaterra, verificou-se que ainda existem outros obstáculos que dificultam o acesso à justiça: os de natureza política, cultural, psicológica (FERRAZ, p. 85).
Já quanto ao aspecto jurídico, analisando sob a ótica processualista, o acesso à justiça ganha o enfoque do “acesso à justiça qualificado”, na medida em que se faz necessário a adequação, a celeridade e efetividade para, assim, cumprir o que dispõe o artigo 5º da Carta da República (FERRAZ, p.94-95).
Ademais, a expressão “acesso à justiça” serve para garantir duas finalidades básicas do sistema jurídico, quais sejam: a acessibilidade de forma igualitária por todos e a produção de resultados justos, tanto no âmbito individual quanto no social (CAPPELLETI, GARTH, 1988, p 8).
Por fim, após demonstrarmos que acesso à justiça não é o simples impulso ao exercício do poder jurisdicional por parte do Estado, cumpre-nos discorrer sobre a ação, afinal este é o meio pelo qual provocamos o judiciário para a satisfação das lides.
2.1. Teorias sobre o direito de ação
O conceito de ação passou por diversas modelagens ao longo do tempo, passando pela vinculação ao direito material até o pensamento hodierno marcado pela autonomia e abstração.
Primeiramente, faz-se necessário regressarmos a Roma, uma vez que é o berço do direito e pilar fundamental para o desenvolvimento das teorias modernas.
Nas três fases da história Romana (monarquia, república e império) houve três respectivos sistemas, quais sejam: sistemas das ações da lei, sistema do formulário e o sistema extraordinário; e em cada época distinta a acepção de ação ganhou contornos diferentes (ALVIM, 2010, p. 98).
O sistema das ações da lei (legis actiones) encontrou fundamento da lei das doze tábuas e possuía como característica marcante a religiosidade, na medida em que se procedia um verdadeiro ritual ditado pelos pontífices que deveria ser observado pelas partes, de maneira rigorosa, sob pena de não lograr êxito na demanda pleiteada (ALVIM, 2010, p. 98).
Já o sistema que perdurou durante o período da República, o sistema dos formulários (per formulas), abandonou o caráter religioso, mas conferiu agora fórmulas para aqueles que demandavam, fórmulas estas que eram redigidas pelos pretores e suscitadas pelas partes, sendo que para cada ação havia uma fórmula diferente (ALVIM, 2010, p.98).
Os procedimentos existentes na Monarquia e na República eram divididos em duas fases, como bem afirma Alvim (2010, p. 99): “in jure, perante o magistrado, para escolher a fórmula, e que terminava com a litiscontestatio; e in iudicio, perante o juiz ou árbitro, que terminava com a sentença.”
A terceira e derradeira fase marcada pelo sistema extraordinário procurou unificar as duas fases que havia nos sistemas anteriores, fazendo apenas uma, onde as partes compareciam perante o pretor, o qual conhecia o litígio e prolatava uma sentença (ALVIM, 2010, p.99).
O direito romano era um sistema de ações e não de direitos, sendo o conceito de ação aperfeiçoado durante os três momentos históricos por que passou, atingindo seu ápice na definição de Celso: “ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi” (AMARAL).
Pelo exposto, percebemos que o procedimento romano influenciou o conceito marcado pela teoria civilista, o qual prega que para todo direito existe uma ação correspondente, o que, deste modo, atrela o direito de ação ao direito material e, por sua vez, existia uma relação de interdependência entre direito substantivo e adjetivo.
Para a teoria civilista, o direito de ação se transformava no próprio direito material violado, sendo assim aquela se assemelhava como um direito de defesa (CRUZ, 2007, p.23). Logo, a ação seria uma qualidade de todo direito ou o próprio direito reagindo a uma violação (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 1997, p. 250) e, por conseguinte, como assinala Silva (2002, p. 95), “não há ação sem direito; não há direito sem ação; a ação segue a natureza do direito”.
Assim, vemos que pela teoria imanentista não haveria ações improcedentes, mas tão somente ações procedentes, na medida em que existia uma vinculação do direito material à ação.
No Brasil, a teoria civilista influenciou antigo Código Civil de 1916, o qual dispunha que “a todo direito corresponde uma ação, que o assegura” (BRASIL, 1916).
A insuficiência da teoria imanentista se deu justamente por esta vinculação ao direito material. Como se poderia explicar a improcedência de uma ação em que se demonstrou que ao autor não assistia direito? Daí, perguntamos: existiu direito de ação? Outra questão, senão tão importante quanto esta, cinge a ação declaratória negativa. Neste caso não há violação de direito, mas um pedido para que declare a inexistência de uma relação jurídica entre as partes.
Foi nesse sentido que posteriormente, na Alemanha, dois grandes estudiosos, Windscheid e Muther, travaram debates fervorosos sobre a noção de actio do direito romano, o qual marcou a teoria imanentista. Aquele defendia que não havia uma correlação entre o conceito moderno de ação (klage) e o previsto pela teoria imanentista, sendo que o conceito desta última equivaleria ao de conceito de pretensão (anspruch) (CRUZ, 2007, p. 23). Já este mostrou a distinção entre o direito lesado e ação, dizendo que deste nascem dois direitos de natureza pública: o direito do ofendido de solicitar a tutela estatal e o direito do Estado de eliminar lesão perpetrada (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 1997, p.250).
Aqui, vale a pena com certeza citarmos a descrição profunda de Mezzomo (2003) sobre os estudos de Windscheid e Muther:
“Windescheid é considerado o maior dos pandectistas alemães. Em 1856 publica “Die actio des römischen Civilrecht, von Standpunk des heütigen Rechts” (A actio do direito civil romano a partir do ponto de vista do direito moderno). Grosso modo é defendida na obra a tese de que o conceito de actio romano não se amolda à moderna noção de ação. Para Windescheid o direito de ação corresponde a um direito que nasce de doutro direito. No direito Romano não se tem ação mas sim actio. No moderno direito se tem a pretensão (ansprüch) como correspondente diferenciado da actio. A actio romana é por seu turno o poder de agir em face de outrem. Começava a ruir o edifício civilista. Theodor Müther, jovem jurista pouco reconhecido se comparado a Windescheid, já consagrado, dirigiu mordaz crítica à obra deste. Em seu “Zur Leher von romischen Actio, der heütigen Klagrecht, des Litiscontestation und der singularssuccesion in Obligationen- Eine Kritich des windeschieid´schen Buches”. (Sobre a doutrina da actio romana, do moderno direito de ação, da litiscontestação e da sucessão singular nas obrigações-Crítica à obra de Windescheid), Müther se contrapõe as afirmações de Windescheid dizendo que o direito de actio voltava-se não em face de outrem mas sim ao magistrado e que, portanto, as conclusões a que este chegara eram equivocadas. Para ele a actio tinha a conformação de um direito exercido frente ao Estado, direito a uma prestação jurisdicional”. (grifos do autor).
Após as discussões, Windscheid tomou por bem em aceitar as idéias do seu “adversário” e, após idas e vindas, as discussões travadas entre os grandes estudiosos resultou no reconhecimento da autonomia do direito de ação (CINTRA, GRINOVER e DINAMARCO, 2007, p. 250), marcando assim a distinção entre o direito material e o processual (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2005, p. 125).
Superada a discussão e consolidada a autonomia do direito de ação frente ao direito substantivo, duas outras teorias surgiram: a) teoria concretista; b) teoria abstrata do direito de ação.
Na teoria concretista “a ação seria um direito público e concreto (ou seja, um direito existente nos casos concretos em que existe um direito subjetivo)” (CINTRA, DINARMARCO e GRINOVER, 1997, p. 251).
A ação era dirigida contra o Estado, visto que se solicitava a tutela jurídica, e contra o sujeito violador do direito alheio. No entanto, ainda sendo autônomo em relação ao direito material, o efetivo direito de ação só existiria se a ação fosse julgada procedente.
Chiovenda, ainda que aliado à teoria concreta, viu o direito de ação como um direito potestativo, entendendo que a ação não seria um direito subjetivo público, uma vez que não deveria ser dirigida contra o Estado, mas sim contra o adversário. “A ação seria o poder jurídico de dar vida à condição para atuação da vontade da lei” e o aspecto concreto está no escopo da lei (CINTRA, DINAMARCO e GRINOVER, 1997, p. 251).
Deste modo, se o direito de ação só existia se houvesse uma sentença favorável ao autor, qual direito este teria exercido ao solicitar a tutela jurídica estatal quando a ação fosse julgada improcedente? Aí está a principal crítica a teoria concreta, pois vinculava o exercício do direito de ação a existência de um direito subjetivo pelo autor.
Já a teoria da ação como direito abstrato teve que o exercício do direito de ação não estava condicionado à existência de um direito subjetivo, mas simplesmente o direito de ação seria “o direito subjetivo público que se exerce contra o Estado (…) decorrente da própria personalidade nada tendo em comum com o direito privado argüido pelo autor” (SILVA, 2002, p.109).
Nesse mesmo sentido temos Theodoro Júnior (2003, p.52):
“O direito de ação é o direito à composição do litígio pelo Estado, que, por isso, não depende da efetiva existência do direito material da parte que provoca a atuação do Pode Judiciário. Mesmo quando a sentença nega a procedência do pedido do autor, não deixa de ter havido ação e composição da lide.”
Logo, a função do direito de ação seria compor a lide. Lide que, como afirma Carnellutti (1956, p.28), é “un conflicto (intersubjetivo) de intereses calificado por una pretensión resistida (discutida)”.
No entanto, considerando que a teoria abstrata só preocupava-se em compor a lide, o seu ponto negativo foi justamente a questão da legitimidade do autor em propor a demanda. E foi esse o ponto crítico que demonstrou a insuficiência da ideia puramente abstrata do direito de ação.
Mais adiante, estudando as duas teorias, Liebman procurou sintetizá-las, propondo a teoria eclética do direito de ação.
A ação deve ser vista como o direito de provocar a atuação do Estado-juiz, a fim de que este decida a lide, no entanto a ação não competia a qualquer pessoa, mas somente aquele que preenchesse requisitos. (SILVA, 2002, p.115).
Sendo assim, o direito de ação não poderia ser apenas concebido se tivesse uma sentença favorável ou simplesmente visto como um meio de compor conflitos. E foi nesse sentido que Liebman entendeu e apontou que o direito de ação deveria ter inicialmente um aspecto concreto, qual seja, a demonstração de que o autor é titular do direito, o qual seria visto a partir da observância das condições da ação, a saber:
1. Possibilidade jurídica do pedido: consiste no estudo da viabilidade jurídica do pedido feito pelo autor, ou seja, o Estado-juiz analisará se, dentro do ordenamento jurídico, existe um tipo de providência adequada para o pedido formulado pelo autor da ação (THEODORO JÚNIOR, 2003, p.50). Portanto, “visa retirar da ação o conteúdo genérico, pois deverá sempre referir-se a um pressuposto de fato que obtenha correspondência na lei” (SILVA, 2002, p. 116).
2. Interesse de agir: implica na observância da necessidade, utilidade e adequação da demanda pleiteada. Deve-se procurar o exercício do poder jurisdicional estatal quando este for o único meio para satisfazer a pretensão (necessidade), além do que o que se pede deve ser útil do ponto de vista prático, o qual será alcançado pela adequação provimento jurisdicional suscitado, como bem elenca Silva (2003, p. 106), Wambier, Almeida e Talamini (2005, p. 140) e Theodoro Júnior (2003, p. 57).
3. Legitimidade: tem-se que tanto autor como réu devem deter titularidade para estarem presentes em cada um dos pólos. O autor deve demonstrar que há “uma ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo” (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2005, p. 140); e ao réu “é preciso que exista uma relação de sujeição diante da pretensão do autor” (WAMBIER, ALMEIDA e TALAMINI, 2005, p. 140).
Deste modo, para que o autor tenha o mérito de sua demanda analisada, e para que o poder jurisdicional seja efetivo, deverá preencher os aspectos concretos (condições da ação).
A teoria de Liebman foi recepcionada no Brasil e está insculpida no artigo 267, inciso VI, do Código de Processo Civil, e tem como seguidores Humberto Theodoro Júnior, Amaral Santos e Vicente Greco Filho (CRUZ, 2007).
Silva (2002, p.117) aponta as três causas fundamentais para a recepção da doutrina de Liebman:
“A primeira, consistiu no impacto e profunda mpressao do fundador da Escola de São Paulo sobre os discípulos que o cercaram, sem duvida uma plêiade de juristas que logo passaram a difundir as idéias do mestre, tornando-se também eles mestres de escol. As obras de Alfredo Buzaid, de José Frederico Marques e de Machado Guimarães – para citar apenas alguns – demonstram a procedência da afirmação. A segunda causa decorre diretamente da primeira: a liderança intelectual exercida pelos discípulos de Liebman fez com que o espectro de suas idéias atingisse âmbito nacional; com isso, outros grandes processualistas mais jovens formaram-se sob esta influência. Finalmente, o fato de haver o nosso Código vigente adotado orientação consentânea com o pensamento de Liebman certamente desestimulou uma dissensão maior.”
Finalizando, após ponderarmos o significado da expressão “acesso à justiça”, sobre a qual vimos que não se corresponde com o mero impulso inicial e, nesse sentido, discorremos sobre as teorias acerca do direito de ação, passamos agora a analisar com mais acuidade as idéias propostas por Cappelletti que foram apresentadas pelo autor italiano como soluções para os entraves que obstam o acesso à justiça, que deu o nome de “ondas renovatórias”.
2.2. Ondas renovatórias de acesso à justiça
As ondas renovatórias propostas pelo jurista italiano Mauro Cappelletti se apresentam sob três aspectos, quais sejam: assistência judiciária aos pobres, proteção dos direitos difusos e a proposta de novos métodos para solução de litígios, a qual denomina de um “novo enfoque de acesso à justiça”.
O advogado é um instrumento necessário para decifrar as complexas leis que há nos ordenamentos jurídicos, mas o trabalho dispensado por este não é gratuito, é, por sinal, dispendioso, e é neste diapasão temos a primeira onda é marcada pela assistência judiciária aos pobres (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.32).
Inicialmente, essa assistência judiciária foi deficitária, uma vez que os advogados particulares prestavam esses serviços de assistência como um meio de “caridade”, não recebendo nenhuma contraprestação face aos trabalhos prestados (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.32). Deste modo, verificamos que o Estado não agia ativamente, não havia uma postura positiva no sentido de incrementar uma política de assistência judiciária aos mais necessitados, sendo que estes dependiam da boa vontade dos advogados particulares e, considerando que o serviço era gratuito, a prestação dos serviços poderia não atingir um nível de excelência como aqueles prestados aos que pagavam pelos serviços.
Posteriormente reformas nesse sistema foram tomadas, começando na Alemanha, em 1919-1923, a qual deu início a um sistema de remuneração aos advogados para prestarem assistência jurídica, mas o Estado só retribuía o pagamento das despesas, e não os honorários (CAPPELLETI e GARTH, 1988,p.32).
Na Inglaterra, em 1949, foi criado o Legal Ainda and Advice Scheme, que foi confiado à associação nacional dos advogados, onde reconheceu que os advogados também deveriam ser remunerados pelos aconselhamentos jurídicos prestados, ao invés de tão somente pela assistência judiciária (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.33).
Mas foi nos Estados Unidos, em 1965, que se deu a reforma mais enérgica com a implementação do Office of Economic Opportunity em que o Estado destinava recursos específicos para a assistência e foi a partir dele que outros países conceberam reformas em seus sistemas, como a França, Áustria, Holanda e, inclusive o próprio Estados Unidos, que aperfeiçoou o seu sistema com a criação em 1974 do Legal Services Corporation (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 33-35).
Assim, percebemos que, com o decorrer do tempo, a visão individualista dos direitos, típica dos Estados Liberais, deu lugar ao pensamento de que o papel do Estado seria de prover meios para garantir direitos, do Welfare State, ou seja, o Estado deve tomar iniciativas para fazer valer os direitos de todos os seus cidadãos e foi nesse sentido que surgiram essas reformas.
Em face das reformas propostas, Cappelletti descreve três sistemas de assistência judiciária aos pobres.
O primeiro denomina-se sistema Judicare, o qual tem a finalidade de “proporcionar aos litigantes de baixa renda a mesma representação que teriam se pudessem pagar um advogado” (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 35), e a assistência judiciária seria um direito de todos que se enquadrassem nos moldes da lei, sendo que os advogados particulares eram pagos pelo Estado (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 35).
Todavia, ainda que afastasse o fator custo, o sistema Judicare foi alvo de críticas, pois segundo Cappelletti (1988, p. 38):
“Tem-se tornado lugar comum observar que a tentativa de tratar as pessoas pobres como clientes regulares cria dificuldades. O Judicare desfaz a barreira do custo, mas faz pouco para atacar barreiras causadas por outros problemas encontrados pelos pobres. Isso porque ele confia aos pobres a tarefa de reconhecer as causas e procurar auxílio; não encoraja, nem permite que o profissional individual auxilie os pobres a compreender seus direitos e identificar as áreas em que se podem valer de remédios jurídicos. É, sem dúvida, altamente sugestivo que os pobres tendam a utilizar o sistema Judicare principalmente para problemas que lhes são familiares – matéria criminal ou de família – em vez de reivindicar seus novos direitos como consumidores, inquilinos, etc. Ademais, mesmo que reconheçam sua pretensão, as pessoas pobres podem sentir-se intimidadas em reivindicá-la pela perspectiva de comparecerem a um escritório de advocacia e discuti-la com um advogado particular. (…) o Judicare trata os pobres como indivíduos, negligenciado sua situação como classe.”
O Judicare foi sem dúvida um grande marco inicial na tentativa de facilitar aos pobres o acesso ao Judiciário, mas, como diz Cappelletti, apenas livrava a barreira do custo, não procurava fornecer uma educação jurídica, o que é fundamental para que os cidadãos conheçam os seus direitos e já procurem a assistência já com um norte a ser seguido.
No sentido de aperfeiçoar a assistência, temos o segundo sistema que, assim como o judicare, há uma remuneração os advogados pelos serviços prestados por parte do Estado, mas acrescenta que os advogados promovem a assistência em “escritórios de vizinhança” (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 39-40).
Assim, procurou-se aproximar o relacionamento dos advogados com a população de baixa renda, no sentido de que aqueles promoviam a estes o conhecimento jurídico necessário para reconhecer os seus direitos.
No entanto, o segundo sistema ainda que tenha indubitavelmente constituído um avanço frente ao primeiro, também foi alvo de críticas por Cappelletti. O jurista italiano tinha que a sociedade poderia observar os pobres como incapazes, visto que a eles eram destinados advogados para tratar de seus interesses, entendendo-se assim que não os pobres não tinham aptidão para perseguir seus interesses (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 41).
Outra crítica era a de que por dependerem de apoio governamental e por ser sua atividade eminentemente política, a atividade dos advogados era alvo de constantes ataques políticos. Além disso, a quantidade de advogados não era suficiente para dar atendimento individual e de excelência para todos os pobres (CAPPELLETTI e GARTH, 1988, p. 43).
O terceiro sistema propôs a combinação dos sistemas anteriores, no sentido de que os indivíduos pudessem escolher sob qual prisma os serviços seriam prestados, se por advogados particulares, ou por advogados públicos (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 44).
O Estado Sueco e a província de Quebeque foram os pioneiros a adotar esse tipo de sistema, sendo que esta dava mais ênfase ao advogado remunerado pelo Estado, especializados nas demandas dos pobres, ao passo que aquele priorizava o sistema Judicare (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 43-44).
No Brasil temos um reflexo dessa primeira onda na lei nº 1.060/50, a qual garante aos litigantes de baixa renda assistência jurídica, entendendo-se o destinatário como aquele que possui uma situação econômica que não permita dispensar o pagamento de custas e honorários, em detrimento de seu sustento ou de sua família.
A segunda onda renovatória marca a preocupação com a assistência dos direitos difusos, entendendo-se com aqueles que “são metaindividuais, de natureza indivisível, comuns a toda uma categoria de pessoas não determináveis que se encontram unidas em razão de uma situação de fato”.(BENJAMIM, MARQUES e BESSA, 2009, p. 385).
O processo civil tradicionalmente era visto apenas como um meio para compor uma controvérsia entre duas partes e, por conseguinte, punha à margem a discussão de direitos que pertencessem a um grupo ou ao público como um todo, além do que a própria sistemática procedimental não era destinada a promover a facilitação das demandas que envolviam direitos difusos (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.49-50).
O primeiro método para representação dos interesses difusos se deu pela intervenção governamental, visto que a tradição dispunha que o governo, por meio do Ministério Público, deveria proteger o interesse público, no entanto esse meio não se mostrou muito eficaz, já que o órgão era sujeito a pressões políticas, o que demonstra uma fraqueza, pois, na maioria dos casos, as ações são destinadas contra entidades governamentais, além do que para a reivindicação desses direitos faz-se necessário um conhecimento extrajurídico, tais como em áreas como contabilidade, urbanismo. E, nesse sentido, o Ministério Público não possui o treinamento e a experiência necessária para dar assistência a esses interesses. (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 51-52).
Outra solução dada também na esfera governamental foi a criação de agências reguladoras, mas, assim como a situação que ocorrera com o Ministério Público, aqui tais agências também não se mostraram idôneas para a proteção dos interesses difusos, pois as agências tendiam a atender a interesses organizados, interesses estes que tendem a ser das entidades que a agência deveria controlar, pondo em detrimento os interesses difusos, não organizados em grupos de pressão capazes de influenciar as agências (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 52-53).
Outras soluções foram apontadas em diversas legislações, todavia a que ganhou mais consistência foi o reconhecimento da legitimidade de grupos organizados para impetrarem eventuais ações em defesa dos interesses difusos, tendo a França o primeiro Estado a vislumbrar de tal artifício (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 56-57).
No entanto, não bastava apenas o reconhecimento dos grupos, mas uma atitude estatal para fortalecê-los na defesa dos interesses difusos, seja facilitando a criação ou a preservação destes (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 60).
Cappelletti (1988, p. 65-67) aponta que deve ser adotada uma solução pluralística, na medida em que se devem combinar todos os recursos apresentados para, assim, conduzir a uma “reivindicação eficiente dos interesses difusos.”
E, por fim, temos a terceira onda renovatória, a qual busca proporcionar um novo enfoque de acesso à justiça, no sentido de que não basta simplesmente garantir o acesso dos pobres ao judiciário ou garantir a representação dos direitos difusos, mas, consiste em algo mais além:
“Ela centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas. (…) Seu método não consiste em abandonar as técnicas das duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de uma série de possibilidades para melhorar o acesso” (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.68).
A terceira onda preocupa-se em proporcionar aos litigantes meios para a prevenção de litígios, criando métodos pacíficos para a composição da lide, tais como a arbitragem ou a conciliação, de modo que não seja necessária a intervenção estatal para solucionar os conflitos, como também esse novo enfoque adveio porque a representação dos indivíduos e dos interesses difusos não se mostrou suficiente para reproduzir do ponto de vista prático algo tangível (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 68-69).
Portanto, esse novo enfoque prima pela “necessidade de correlacionar e adaptar o processo civil ao tipo de litígio”, já que estes possuem vários níveis de complexidade, como também, com o escopo de dar exeqüibilidade para os direitos, há de se conhecer todos os fatores e barreiras na acessibilidade da justiça e desenvolver instituições dispostas a eliminá-las (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p. 71-73) para, assim, garantir a observância do direito humano fundamental do ser humano de ter acesso a um judiciário independente e imparcial para compor eventuais conflitos.
3. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS: ORIGEM E DESENVOLVIMENTO
A história nos mostra que a experiência em constituir uma corte específica para solucionar os conflitos de pouca relevância econômica surgiu primeiramente no século XI (TREGNAGO, 2007), na Inglaterra, em matéria cível, mas foi em 1846 que no mesmo país foram criadas as Country Courts – Cortes de Condado, que buscavam um acesso a uma justiça rápida e com poucos custos, atuando precipuamente por meio de juízes itinerantes. (ABREU).
Nos EUA, no ano de 1913, deu-se a criação das poor man’s courts (corte dos homens pobres), as quais surgiram para solucionar os conflitos de pouco valor significativo, visto que o movimento de imigrantes do campo para a cidade, ainda que marcado pelo aumento do consumo, provocava uma má distribuição de renda, o que fez com que se criassem cortes específicas para dirimir os conflitos de interesses que eventualmente surgissem nessas novas comunidades, os quais eram marcados pela pouca quantidade de valor econômico envolvido (MIRANDA, PETRILHO e OLIVEIRA FILHO, p. 03-05).
Em Nova Iorque foram instituídas as Small Claims Courts, que tinham a mesma função das poor man’s courts, apenas mudaram a nomenclatura, e estas surgiram face à mudança ocorrida na estrutura social e econômica após a quebra de bolsa de valores de Nova Iorque em 1929 (MIRANDA, PETRILHO e OLIVEIRA FILHO, p. 14). As pequenas cortes nova-iorquinas eram competentes para solucionar os conflitos que envolvessem valores inferiores a cinqüenta dólares (TREGNAGO).
Na Europa, merece destaque o Modelo de Stuttgart, em que o juiz oferecia às partes previamente a oportunidade de uma conciliação – semelhante ao Brasil, uma vez que o réu é citado para uma audiência de tentativa de conciliação – e depois todos os sujeitos do processo dialogavam a respeito da causa e ao final o juiz se retirava da sala e voltava com a minuta da sentença, a qual era novamente discutida com os sujeitos (MIRANDA, PETRILHO e OLIVEIRA FILHO, p. 09).
No Brasil, a Constituição de 1967, em seu artigo 136, § 1º, “b”, previu a faculdade da criação de lei em que se instituíssem juízes togados que tinham a competência para julgar as causas de pequeno valor. Vejamos:
“Art. 136 – Os Estados organizarão a sua Justiça, observados os arts. 108 a 112 desta Constituição e os dispositivos seguintes:
§ 1º – A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça:[…]
b) Juízes togados com investidura limitada no tempo, os quais terão competência para julgamento de causas de pequeno valor e poderão substituir Juízes vitalícios”. (BRASIL, 1967).
No entanto, inicialmente, criou-se o rito sumaríssimo (hoje rito sumário) que era destinado a dar uma solução rápida a causas de pouca monta, mas, pela falta de material humano, bem assim pela carência de recursos financeiros, na prática uma demanda proposta pelo rito sumaríssimo perpetuava por mais tempo que a proposta no rito ordinário, o que fez surgir a indústria das cautelares (MIRANDA, PETRILHO e OLIVEIRA FILHO, p. 14).
Deste modo, após quase duas décadas, para tentar solucionar esses conflitos e para atender aos anseios da comunidade, inspirada nas Small Claims Courts de Nova Iorque, bem assim inspirado processualisticamente no Modelo de Stuttgart e que influencia o projeto de lei do novo Código de Processo Civil (BUGS), surgiu a lei dos juizados de pequenas causas, lei 7.244/1984.
É necessário ressaltar que ainda que voltada para a sociedade, durante a fase de debates, a lei que instituiu os juizados de pequenas causas no Brasil encontrou forte resistência, em especial dos advogados os quais, movidos por interesses econômicos e corporativistas, externaram que estavam realmente preocupados com os destinatários da lei e com a atenção às garantias processuais, mas tudo não passava de sofismos. (FERRAZ, 2010, p. 42-43).
Assim sendo, após os debates que marcaram a instituição da lei de pequenas causas, finalmente adveio a lei para solucionar de maneira rápida, eficaz e com a redução de custos os conflitos ditos como mais simples.
Vale destacar que a criação de juizados para solucionar tais conflitos era facultativa por parte dos Estados-membros, no entanto, considerando o contexto econômico e social que vivíamos à época, a ideia se disseminou muito bem, começando pelos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo e também chegando à região Norte, em Rondônia, em 1986, e ao Nordeste em 1991 e 1992, nos estados do Piauí e Bahia, respectivamente, conforme tabela que podemos ver a seguir:
A lei de pequenas causas era adequada para solucionar os conflitos de até 20 salários mínimos e que tivessem por objeto a condenação em dinheiro; condenação à entrega de coisa certa móvel ou ao cumprimento de obrigação de fazer, a cargo de fabricante ou fornecedor de bens e serviços para consumo; e a desconstituição e a declaração de nulidade de contrato relativo a coisas móveis e semoventes.
O surgimento da lei de pequenas causas veio para preencher os sentimentos dos cidadãos que viam a justiça como algo intangível, algo ineficaz, o que, por conseguinte, desestimulava aqueles de provocarem o judiciário para a solução de suas lides, o que dava margem a um eventual uso alternativo do direito ou à volta da aplicação do Código de Hamurábi.
Ademais, o Judiciário não poderia deixar de apreciar um pedido pelo simples fato de não representar um valor econômico considerável. A constituição de 1988, que surgiu após um período nefasto que o país viveu, prevê, sabiamente, que nenhuma lesão ou ameaça de direito deixará de ser apreciada pelo Judiciário, o que já demonstra a preocupação com as camadas menos favorecidas, que são os principais destinatários e representam a maior parcela da população brasileira, e visa garantir o pleno acesso à justiça.
Necessário faz-se citar a lição de Silva (1999, p. 3):
“Os juizados Especiais Cíveis são instrumentos de poder, criados pelos mandatários do povo, para servi-lo, de modo a solucionar-lhe as lides decorrentes da vida social, as quais por muito tempo foram deixadas de lado pelo Estado brasileiro. Eles têm por objetivo resgatar do seio da sociedade aquela litigiosidade contida, isto é, demanda reprimida que não encontrava um canal institucional para a sua solução.”
Por fim, “o Juizado Informal de Pequenas Causas veio desmistificar o conceito que se tinha de Justiça, como sendo cara, morosa e complicada, tendente a afastar a massa popular da solução de seus conflitos” (PINTO, 2008).
3.1. A nova ordem constitucional e o advento da lei 9.099/99
Com o advento da carta política de 1988, a criação dos juizados especiais passou a ser obrigatória por parte da União e dos estados-membros, o que deu mais efervescência a temática, diferentemente do previsto na lei 7.244/84.
Cumpre-nos informar que a lei dos juizados especiais foi um aprimoramento da antiga lei de pequenas causas, como bem afirmar Pinto (2008):
“[…] verifica-se que a Lei de Pequenas Causas não só ofereceu às camadas mais carentes da população um processo acessível, rápido, simples e econômico, como ainda pretendeu transcender a isso e constituiu-se em fator educativo destinado a preparar as pessoas para a correta e eficiente defesa dos seus direitos e interesses, sendo, que através desta experiência, e com o seu aperfeiçoamento, chegou-se à Lei dos Juizados Especiais Cíveis.”
Há de se fazer uma ressalva face ao disposto no artigo 24, inciso X, da Constituição da República Federativa do Brasil, uma vez que tal dispositivo permite a criação de Juizados de Pequenas Causas nos estados-membros.
Sobre o tema, citemos a lição de Arruda Alvim[2] (1999 apud CHIMENTI 1999, p. 2):
“Os arts. 24, X, e 98, I, ambos da Constituição Federal de 1988, indicam duas realidades distintas. Através do art. 24, citado, verifica-se que o legislador constitucional assumiu a existência dos Juizados Especiais de Pequenas Causas; já, tendo em vista o disposto no art. 98, I, citado, constata-se que, nesta hipótese, refere-se o texto a causas cíveis de menor complexidade. Estas, como se percebe, não são aquelas (ou, ao menos, não devem ser aquelas) que dizem respeito ao Juizado de Pequenas Causas. No entanto, com a edição da lei nº 9.099, de 26.09.95, ao que tudo indica, acabaram por ser unificadas, claramente, as sistemáticas dos Juizados de pequenas causas e a dos Juizados especiais de causa de menor complexidade, ao menos naquelas relacionadas a matéria cível, isto porque foi revogada expressamente a Lei nº 7.244/84 (Lei nº 9.099/95, art. 97), que regulava o processamento perante os Juizados de Pequenas Causas Cíveis.”
Assim, verificamos que a edição da lei dos Juizados de Pequenas Causas apenas instituía a faculdade aos estados-membros de instituir cortes especificas para a solução de conflitos de pouco valor econômico.
No entanto, com o advento do novo Estado brasileiro, impôs-se a obrigação de criar uma Justiça específica para solução daquelas lides e foi nesse sentido que surgiu a lei 9.099/95, todavia os estados-membros podem criar Juizados de Pequenas causas, independentemente da existência de lei federal geral para regular a matéria, na medida em que o § 3º do artigo 24 autoriza o exercício da competência legislativa concorrente plena na hipótese de inexistência de lei federal sobre o tema (CHIMENTI, 1999, p. 02-03) e analisando a Constituição do Estado de Pernambuco vemos claramente que em seu artigo 45, inciso I, autoriza a edição de lei, mediante proposta do Tribunal de Justiça de Pernambuco, que institua Juizados de Pequenas Causas para causas de cíveis e criminais de pouca relevância.
Contudo, como bem afirma Chimenti (1999, p. 03), a criação não se mostra necessária, já que a Lei 9.099/95, além de recepcionar e ampliar as competências previstas na legislação anterior, delegou aos estados-membros competência legislativa sobre a organização, composição e competência material de seus Juizados Especiais, observadas as regras gerais estabelecidas na lei federal.
Ferraz (2010, p. 45) elenca as inovações trazidas em relação à antiga lei de pequenas causas:
“1. A instituição do juiz leigo, ao lado do juiz togado; 2. A inserção da execução das causas cíveis, que constava no projeto original, mas fora excluída; 3. A criação, ao lado dos Juizados Especiais Cíveis, dos Juizados Especiais Criminais; 4. A alteração do objeto, de causas de reduzido valor econômico, para causas cíveis de menor complexidade; 5. Autorização da transação.”
À primeira vista, vemos que houve uma ampliação da competência em relação à antiga lei de pequenas causas.
Entende-se por competência como a distribuição da função jurisdicional, por meio da Constituição e da lei ordinária, entre os juízes e tribunais em virtude dos inúmeros conflitos de interesses que surgem em determinado Estado (CINTRA, GRINOVER e DINARMARCO, 1997, p. 230). Logo, não há uma fragmentação da jurisdição, mas uma racionalização do serviço forense (MONTENEGRO FILHO, 2007, p. 61).
No âmbito dos Juizados Especiais Cíveis a competência divide-se em relação ao valor da causa, material e territorial (ratione loci).
Quanto ao valor da causa, os juizados especiais são competentes para dirimir causas cujos valores não ultrapassem 40 (quarenta) salários mínimos. No entanto, vale destacar que esse valor se relaciona com o valor da condenação e não como condição para ingresso da inicial, uma vez que é perfeitamente possível propor uma ação que o valor exceda ao limite suprarreferenciando, contudo, importará em renúncia aos créditos superiores, salvo se houver conciliação, tudo nos moldes do artigo 3º da lei 9.099/95.
Sobre o tema acima proposto, boa é a lição na prática de Silva (2006, p. 11) que afirma:
“O conciliador, quando da presidência da audiência conciliatória, percebendo que o crédito do reclamante é bem superior ao valo da alçada, não conciliando as partes, deve alertar o reclamante no sentido de, insistindo este no prosseguimento da reclamação perante o Juizado, estará renunciando, automaticamente, ao seu crédito excedente ao valor da alçada, como previsto no § 3º do art. 3º da Lei nº 9.099/95.”
Assim, na hipótese acima, não havendo conciliação, pode o autor desistir da ação a qualquer tempo independentemente da anuência da parte contrária, o que difere do procedimento do processo civil, uma vez que se trata de procedimento informado pela informalidade e simplicidade (SILVA, 2006, p. 12) o que, por conseguinte, evita um eventual enriquecimento sem causa.
No entanto, ainda com relação ao valor da causa, mas envolvendo a matéria, dúvidas surgem no que diz respeito à eventual extrapolação do limite estabelecido na lei diante da disposição de que são competentes os juizados para solucionarem os conflitos elencados no artigo 275, inciso II, do Código de Processo Civil. Em tal artigo há demandas específicas que devem ser apreciadas independentemente do valor econômico envolvido. Todavia, o artigo 39 da Lei de Juizados Especiais informa que é ineficaz a sentença condenatória na parte que exceder o limite de 40 (quarenta) salários mínimos.
A doutrina minoritária entende que qualquer matéria deve ser apreciada levando-se em conta o limite de até 40 (quarenta salários mínimos) face à natureza do juizado de julgar causas de menor complexidade. Temos como exemplo Silva (2006, p. 13) que afirma que “leva-se em consideração não só a especificidade da matéria a ser apreciada, mas também […] o valor da alçada, que é de até 40 vezes o salário mínimo”.
Para a majoritária, por sua vez, a competência dos juizados não é fixada cumulando-se a matéria e o valor da causa, mas pela adoção de um ou de outro, excetuando-se as ações possessórias, uma vez que estão adstritas a limitação monetária de 40 (quarenta) salários mínimos, por determinação expressa.
O Superior Tribunal de Justiça já decidiu nesse sentido (RMS 30170 (2009/0152008-1 – 13/10/2010)), entendendo que a vinculação do valor à causa não se coaduna com princípio do tratamento isonômico do cidadão, uma vez que este pode optar pelo ingresso no Juizado Especial ou na Justiça Comum. E com relação ao disposto no §3º do artigo 3º e no artigo 39 da Lei dos Juizados, firmou que as limitações ali impostas referem-se tão somente a demanda que observou apenas o critério valorativo (40 salários mínimos), ao passo que se assim não for, tornam-se inaplicáveis estes dispositivos.
Quanto à matéria, suprimido os debates acerca de eventual limite para apreciação dos feitos, temos, nos moldes do artigo 3º, inciso II, da lei dos Juizados Especiais Cíveis, que o legislador remeteu-se para o procedimento sumário previsto no Código de Processo Civil.
Deste modo, considerando a facultatividade de ingresso nos juizados, haja vista tratar-se de competência relativa (BUELONI JÚNIOR, 2006, p. 47), concedeu-se ao cidadão a opção pelo procedimento, seja o sumário ou o sumaríssimo, tudo com o fim de garantir o acesso á justiça.
Assim, é competente o Juizado Especial Cível para apreciar as causas de arrendamento rural, de parceria agrícola; de cobrança de condomínio; de ressarcimento por danos em prédio urbano ou rústico, bem assim em acidente de veículo; de cobrança de seguro, relativamente aos danos causados em acidente de veículo, ressalvados os casos de processo de execução; cobrança de honorários dos profissionais liberais, com exceção do disposto em legislação específica.
Ainda sobre a matéria, é de competência do juizado especial cível apreciar a ação de despejo para retomada de imóvel para o uso próprio, desde que sejam observados os requisitos da lei do inquilinato. Assim, só é permitido usar do procedimento sumaríssimo para retomar imóvel para uso único e exclusivo do autor.
Silva (2006, p. 16) vê tal situação como uma limitação imposta pelo legislador ordinário, e mais ainda, como “um absurdo, pois, na maioria das ações de despejo para retomada do imóvel objeto da locação, a pretensão do autor é a retomada do imóvel para uso de descendente ou ascendente e quase nunca para uso próprio”.
São também albergadas pelo procedimento sumaríssimo as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente a quarenta salários mínimos. Aqui, vemos que o legislador limitou o valor, diferentemente do disposto no inciso II, do artigo 3º, e, sendo assim, atribuiu um teto para apreciação das possessórias.
Quanto ao limite fixado, Chimenti (1999, p. 25) faz uma ponderação, afirmando que o valor de quarenta salários mínimos diz respeito ao valor da causa, sendo que este não será necessariamente o valor do imóvel. Vejamos sua lição:
“Caso na possessória ambos os litigantes pretendam a posse a título de domínio, o valor da causa será o valor do imóvel ( v.RJE, 5:148) e os cônjuges ou companheiros do autor e do réu deverão integrar a demanda. Por outro lado, se a ação tiver por objeto direito pessoal, o valor da causa corresponderá ao proveito econômico pretendido, a exemplo de ação promovida pelo locatário contra locador em razão de turbação ou esbulho da posse e que terá o seu valor fixado segundo estimativa do autor ou, subsidiariamente, pela soma dos últimos meses de alugueres (em regra os doze últimos).” (CHIMENTI, 1999, p. 25)
Enfim, feitas as considerações sobre a competência dos Juizados Especiais Cíveis, passaremos agora a analisar os princípios que norteiam todo o procedimento sumaríssimo.
3.2. Princípios informadores
Primeiramente, considerando que trataremos de princípios, cumpre-nos aqui analisarmos brevemente o seu conceito e traçarmos a distinção destes em face das regras.
Os princípios jurídicos de uma determinada matéria são institutos que norteiam, orientam todo o sistema a que estejam relacionados, dando-lhes uma direção, um sentido para o qual este deve seguir, ao passo que as regras apenas disciplinam condutas, ou seja, são impositivas, atribuindo a prática (permissão) ou abstenção de uma conduta.
Nesse sentido, os princípios são diretrizes gerais de um ordenamento jurídico e possuem um espectro de incidência mais abrangente do que as regras e, numa hipótese de embate, aqueles não se excluirão, mas sim haverão de chegar a um meio termo; enquanto estas serão resolvidas pelos métodos clássicos de interpretação da lei: lei posterior revoga lei anterior, lei especial se sobrepõe a lei geral (GOMES, 2005).
Assim, os princípios são considerados como elementos centrais de uma ordem jurídica e representam os valores supremos adotados por uma comunidade, bem como são tidos como espécie do gênero norma jurídica, ao lado das regras (RITT, 2011, p. 5).
Feitas essas considerações, temos que o processo nos Juizados Especiais Cíveis é informado pelos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual, gratuidade e celeridade.
Sobre a oralidade, tem-se que, no âmbito dos juizados, a pratica dos atos será preferencialmente realizada em sua forma oral, visando a simplicidade e a celeridade (CHIMENTI, 1999, p. 7), diferentemente do que ocorre no processo comum. Assim, basta apenas o cidadão dirigir-se ao Juizado, relatar o fato, que o serventuário da justiça reduzirá a termo todo o fato descrito pelo autor. No entanto, os atos considerados essenciais configuram uma exceção à regra, como, por exemplo, a sentença.
O princípio da informalidade orienta que a prática dos atos processuais não depende de uma forma específica, pré-determinada, visto que a preocupação primordial é com o direito material envolvido, como podemos ver da leitura do artigo 13 da lei dos Juizados, o qual estabelece que os atos, quando atingirem suas finalidades e atenderem aos princípios informadores dos Juizados, terão de ser considerados válidos (CHIMENTI, 1999, p. 8).
A informalidade ainda tem por objetivo ampliar o poder do magistrado na busca de soluções alternativas para a solução das lides, buscando uma prestação jurisdicional mais eficiente (BUELONI JÚNIOR, 2006, p. 66).
Da informalidade decorre o princípio da simplicidade. Por este último tem-se que o processo nos Juizados deve ser simples, sem a complexidade do procedimento comum (SILVA, 2006, p. 7). A redução de barreiras é o escopo principal desse princípio e ele deve ser atendido pelos serventuários os quais devem usar uma linguagem simples e clara no atendimento ao público, pois as partes, na maioria das vezes, vão desacompanhadas de advogado; como também deve ser visto pelos magistrados na realização das audiências, desapegando, assim, do tecnicismo processual (BUELONI JÚNIOR, 2006, p. 65).
O princípio da economia processual tem por objetivo a obtenção do máximo rendimento com o mínimo de atos processuais (CHIMENTI, 1999, p. 9). Afirmam com maestria Cintra, Grinover e Dinamarco (1997, p. 41) que “o processo é um instrumento a serviço da paz social” e completa que “é antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre pessoas, fazendo Justiça”.
Um aspecto importante com relação a este princípio é a capacidade postulatória dada a quem não possui conhecimento técnico-jurídico, o que pode ensejar um ato contrário à lei processual, mas tal ato só pode ser considerado nulo se causar um prejuízo a qualquer das partes, em não causando, reputar-se-á válido, como afirma Bueloni Júnior (2006, p. 68).
Chimenti (1999, p. 9) ainda fala na existência do principio da gratuidade, pelo qual as partes são dispensadas em sede de primeiro grau de jurisdição ao pagamento de custas, salvo nos casos de comprovação de litigância de má-fé. No entanto, na hipótese de eventuais recursos, serão cobradas custas processuais tanto da primeira quanto da segunda instância.
E, ainda, temos o princípio da celeridade que, como o próprio nome destoa, e pela própria natureza dos juizados, o procedimento destes deve ser feito da maneira mais célere possível, sem abrir mão da observância das regras de direito. Nesse sentido que podemos observar que no âmbito dos juizados não é possível a intervenção de terceiros e assistência, além do que há a concentração dos atos processuais numa única audiência (CHIMENTI, 1999, p. 12), tudo com a finalidade de proporcionar às partes uma resposta estatal tempestiva.
4. OS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS E O ACESSO À JUSTIÇA
Feitas as considerações sobre a noção de acesso à justiça, passando pelas ondas renovatórias de Cappelletti e estudando a origem e o desenvolvimento dos Juizados Especiais Cíveis, analisaremos agora a conexão existente entre o disposto nos dispositivos concernentes à matéria e a realidade empírica observada no dia a dia do procedimento sumaríssimo.
Analisando dados estatísticos apresentados pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, verificamos que tanto os juizados especiais do recife e região metropolitana como os do interior do estado possuem uma alta taxa de congestionamento, a qual se entende como a diferença entre os novos feitos protocolados, os baixados e os que estão pendentes de julgamento.
Nesse sentido, tal taxa no Tribunal de Justiça de Pernambuco (2011), no período compreendido entre maio e agosto de 2011, encontra-se na faixa de 90% e, em alguns casos, chega a 96% no 11ª Juizado Especial Cível da Capital.
Contudo, apesar de só expormos a taxa com relação ao estado de Pernambuco, vislumbramos, na prática forense, a dificuldade de litigar nos juizados especiais em todo o país, no entanto, apresentamos esses números face a sua elevação.
Temos que essa taxa elevada sem dúvida reflete o descompasso existente entre todos os pressupostos do acesso à justiça, bem como contraria nosso ordenamento jurídico, pois, este assegura como direito fundamental que nenhuma lesão ou ameaça de direito deixará de ser apreciada pelo judiciário e também que tudo isso se dará num prazo razoável, mas, considerando o atual panorama, aqueles que possuem um direito subjetivo violado não “perderão tempo” propondo uma demanda que pode ser ad infinitum.
Mas surge a pergunta: então, como resolver esse problema?
Não é fácil apontar uma solução para o problema que seja dotada de efeito imediato, contudo, é possível adotarmos medidas a longo prazo que pelo menos reduzam essa questão.
Primeiramente, o principal problema é a falta de educação baseada em aspectos de fraternidade e de solidariedade para com o próximo. Ora, é comum observamos no cotidiano que boa parte das pessoas trocam farpas por objetos tão inócuos que poderiam ser resolvidos de uma maneira amigável, sem a exaltação das partes. Imaginemos a hipótese de uma briga entre vizinhos por questão de alguns metros que um ocupa o terreno do outro ou um simples arranhão causado em veículos. Nestes casos, uma conciliação entre as partes de maneira extrajudicial seria o melhor método para dirimir conflitos dessa natureza que são de pouquíssima complexidade e, sendo assim, na haveria de acrescentar mais uma demanda no nosso judiciário que já está tão sobrecarregado.
Logo, a palavra-chave inicialmente para o problema é educação, mas educação em sentido amplo, no sentido de evitar fazer de problemas mesquinhos uma coisa estrondosa.
Nessa mesma esteira de pensamento, Cappelletti (1988, p. 22-23) aponta que a falta de aptidão para reconhecer um Direito e propor uma ação ou a sua defesa constituem realmente um empecilho na busca pelo acesso à justiça.
O principal estudo inglês realizado por Abel-Smith, Zander e Brooke[3] (1973 apud Cappelletti, 1988, p. 23) aponta que:
“Na medida em que o conhecimento daquilo que está disponível constitui pré-requisito da solução do problema da necessidade jurídica na atendida, é preciso fazer muito mais para aumentar o grau de conhecimento do público a respeito dos meios disponíveis e de como utilizá-los.”
Assim, um passo fundamental para conscientizar seria com a promoção no ensino público de uma educação jurídica básica, educação esta que se perfaria pelo enfoque da ciência dos direitos e garantias fundamentais e pela demonstração dos meios alternativos para solução de demandas.
Dentre esses meios de soluções alternativas para soluções de controvérsias, deveríamos reforçar ainda mais o papel da conciliação que sem dúvida é extremamente importante tanto para a população quanto para o judiciário.
A conciliação se perfaz com a presença de um terceiro que reúne as partes, ouve as versões apresentadas pelas partes e a partir daí promove soluções pacíficas para a solução dá lide, ou seja, procura aproximá-las de um acordo.
Com efeito, a busca sempre pela conciliação também no âmbito judicial sem dúvida seria também de grande valia, pois, como afirma Cappelletti (1988, p.83), há óbvias vantagens a resolução de litígios sem a necessidade de julgamento.
Cappelletti (1988, p. 84) cita como exemplo o sistema jurídico japonês como expoente na esfera da conciliação, o qual promove a instituição de cortes de conciliação composta por dois membros leigos e por um juiz em que escutam as partes e recomendam uma solução justa para a solução da controvérsia.
Na mesma linha de raciocínio, o anteprojeto do novo código de processo civil estabelece algumas mudanças no que tange à conciliação. Vejamos o disposto em seu bojo:
“Art. 144. Cada tribunal pode propor que se crie, por lei de organização judiciária, um setor de conciliação e mediação.
§ 1o A conciliação e a mediação são informadas pelos princípios da independência, da neutralidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade e da informalidade. […]
Art. 145. A realização de conciliação ou mediação deverá ser estimulada por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
§ 1º O conciliador poderá sugerir soluções para o litígio. […]
Art. 147. Os tribunais manterão um registro de conciliadores e mediadores, que conterá o cadastro atualizado de todos os habilitados por área profissional.
§ 1º Preenchendo os requisitos exigidos pelo tribunal, entre os quais, necessariamente, a capacitação mínima, por meio de curso realizado por entidade credenciada, o conciliador ou o mediador, com o certificado respectivo, requererá inscrição no registro do tribunal. […]
Art. 323. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação com antecedência mínima de trinta dias”. (BRASIL, 2010)
Sendo assim, temos que a reforma processual civil que está em análise perante o processo legislativo é essencial, pois desafogará o sistema processual brasileiro, visto que promove a obrigatoriedade de haver uma tentativa de conciliação entre as partes, salvo na hipótese de o juiz verificar a inviabilidade do procedimento, sendo que faculta às partes a escolha do conciliador, na forma da legislação aplicável, e disciplina que os tribunais manterão um cadastro de conciliadores registrados, os quais deverão possuir um curso de capacitação.
Um outro método também capaz de solucionar as demandas de forma extrajudicial é a arbitragem.
A arbitragem foi instituída no Brasil pela lei 9.307/1996, a qual prevê a adoção desse procedimento no que tange aos direitos patrimoniais disponíveis.
A arbitragem consiste na escolha pelas partes de um árbitro, um terceiro totalmente estranho à causa, que pode ter ou não conhecimentos jurídicos, bastando apenas ser nomeado pelas partes, sempre em número ímpar, o qual conhecerá do litígio e proporá uma solução adequada com base nas regras do direito que poderão ser escolhidas pelas partes, mas que não sejam contrarias aos costumes e à ordem pública.
Tal método é marcado pela celeridade, contudo, a arbitragem exige um custo das partes que seria o pagamento dos honorários ao árbitro (CAPPELLETI e GARTH, 1988, p.82) e, nesse sentido, a arbitragem pode ser um meio utilizado no Brasil por aqueles que possuem um nível de renda mais elevado o que já seria benevolente para nosso sistema judiciário.
Deste modo, o reforço e aprimoramento de métodos alternativos para soluções de controvérsias contribuiriam e muito para desafogar o judiciário.
Outrossim, para também contribuir para a melhoria do judiciário, outro aspecto a ser examinado diz respeito aos membros e serventuário deste poder.
Só para trazer à baila a título de ilustração, no Tribunal de Justiça de Pernambuco houve a contratação de cerca 3600 candidatos aprovados no último concurso realizado em 2006, entre técnicos e analistas, no entanto, percebe-se que a carência de servidores ainda é grande nas varas, pois não atendem toda a demanda necessária.
No entanto, como bem afirma Cunha (2011), há no judiciário uma carência quantitativa e qualitativa, pois há certo despreparo dos serventuários no atendimento ao público, não há investimento em cursos de qualificação profissional, além do que, quanto aos membros, não existem nem juízes titulares nem substitutos suficientes para atender a população e, vez ou outra, há acumulação de varas por partes destes, varas estas que já são superlotadas, o que acarreta mais ainda para agravar o problema do judiciário brasileiro.
Nesse diapasão, Leite, Gonçalves e Vitto (2011) afirmam ainda que há uma ausência na formação e capacitação dos conciliadores, bem assim na designação de juízes para atuarem especificamente nos Juizados, isso tudo sem olvidar o perfil formalista que alguns operadores exercem num sistema que pretende ser informal, o que contribui para frustrar a finalidade precípua dos Juizados especiais que é garantir um acesso à justiça eficaz.
Por fim, observamos que a proposta principal para desafogar os Juizados Especiais Cíveis está na promoção pelo poder público da educação, aliada ao enfoque de cientificar a sociedade de seus direitos e deveres, bem assim das vantagens de se procurar uma solução amigável para a resolução de um eventual conflito, como também na promoção e investimento no aperfeiçoamento das medidas alternativas de solução de litígios, sobretudo a conciliação, ampliando e divulgando esta como a principal medida judicial e também extrajudicial para solucionar os conflitos, pois só assim poderemos melhorar o procedimento nos Juizados Especiais Cíveis e garantir o acesso efetivo à justiça.
CONCLUSÃO
Pode-se, portanto, concluir que não há uma harmonização entre finalidade precípua dos juizados especiais, qual seja, a proposta de garantir uma resposta efetiva nas causas de menor complexidade, e os ideais de acesso à justiça, bem como a garantia de que nenhuma lesão ou ameaça de direito deixará de ser apreciada pelo judiciário dentro de um prazo razoável.
Citamos, no decorrer do trabalho, a taxa de congestionamento do Tribunal de Justiça de Pernambuco em relação aos juizados, a qual está na média dos 92 % (noventa e dois por cento), só a título de ilustração, porquanto essa realidade é infelizmente observada em todo o Brasil.
Com efeito, apontamos algumas alternativas para a solução desse problema, todavia, enfatizamos a promoção da educação por parte do Poder Publico, pois entendemos que sua ausência é indubitavelmente o cerne do problema da ausência de efetividade dos nossos juizados.
Nesse sentido, a educação pautada na demonstração de seus direitos, bem como apresentar na hipótese de um conflito de pouca relevância os benefícios da conciliação, ajudaria e muito a desafogar nossos juizados, entretanto, o que predomina no brasileiro a busca pela litigância, até parece que há um prazer em litigar, provocar o judiciário com ínfimos problemas, logo, o Estado deve investir em educação jurídica básica para minimizar esse prazer maléfico.
Ainda sobre a conciliação, trouxemos a baila parte do anteprojeto do novo Código de Processo Civil, o qual trata da matéria com relevância, apontando a conciliação como marco inicial do rito processual, assemelhando-se, assim, à perspectiva já tomada na lei de rito sumaríssimo, o que, de certo modo, contribui muito para o aperfeiçoamento do sistema ordinário.
Sendo assim, considerando que o direito de acesso à justiça está previsto na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, temos que o Estado que não garante esse acesso aos seus cidadãos incorre em violação aos direitos humanos fundamentais, logo, esse fato é preocupante para o estado brasileiro, o que se faz necessário a adoção de medidas para reduzir esse problema.
Além disso, é possível que se instale uma crise social baseada no descrédito com poder judiciário, na medida em que este não aprecia as demandas impostas pelas partes, o que torna essencial a adoção de medidas e a movimentação de estudos nessa linha de raciocínio.
Para terminar, sugerimos que outros trabalhos científicos sejam realizados nesta área, sobretudo enfatizando essa questão da educação jurídica, no sentido de analisar como está o conhecimento jurídico dos cidadãos brasileiros, observando esta ótica sob o ponto de vista do direito comparado, como também no sentido de destacar que o acesso à justiça é uma questão de direitos humanos, logo, é de extrema relevância a sua observância.
Especialista em Direito Penal
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