Os Limites à Liberdade de Expressão nas Eleições Municipais do ano de 2020

Marijane Ferreira De Souza Sales – Graduanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins

Orientadores: Igor Barbosa Andrade: Defensor Público Federal de 1º Categoria no Tocantins e Professor de graduação e pós-graduação do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.

Osnilson Rodrigues Silva: Mestrado profissional em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, Doutorado em andamento em PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO e docente do Centro Universitário Católica do Tocantins.

Resumo: O artigo tem como objetivo verificar quais os efeitos para à liberdade de expressão e a consequência de eventual abuso a esse direito na seara política a partir da utilização das redes socias, especificamente Instagram, Facebook, Whats App e Twitter durante as campanhas eleitorais municipais do ano de 2020.Trata-se de uma temática desafiadora e contemporânea quando inserida no contexto das disputas eleitorais, tendo em vista que a imposição de limites poderá resultar em eventual censura ao livre debate político. A metodologia utilizada foi a analise bibliográfica, jurisprudencial e doutrinária. Do estudo realizado, concluiu-se que a utilização das redes sociais para realização da propaganda eleitoral, quando utilizada com o desígnio de gerar dano ou obtenção de vantagem indevida, a liberdade de expressão deverá ser limitada, de forma a preservar a coletividade e a democracia, o que não caracteriza a censura ao livre debate político.

Palavras-chave: Liberdade de expressão, fake news, propaganda eleitoral na internet, limites a liberdade de expressão.

 

Abstract: The article aims to verify the effects on freedom of expression and the consequence of possible abuse of this right in the political field from the use of social networks, specifically Instagram, Facebook, Whats App and Twitter during the municipal election campaigns of the year. de 2020. This is a challenging and contemporary theme when inserted in the context of electoral disputes, given that the imposition of limits may result in possible censorship of free political debate. The methodology used was bibliographic, jurisprudential and doctrinal analysis. From the study carried out, it was concluded that the use of social networks to carry out electoral propaganda, when used with the purpose of generating damage or obtaining an undue advantage, freedom of expression must be limited, in order to preserve the collectivity and democracy. , which does not characterize the censorship of free political debate.

Keywords: Freedom of expression, fake news, electoral propaganda on the internet, limits to freedom of expression.

 

Sumário: Introdução. 1. Atuação da Justiça Eleitoral frente a pratica de Fake News durante o Processo Eleitoral nas Eleições Municipais do ano de 2020. 2. Liberdade de Expressão nas Eleições: Efeitos positivos e negativos. 3. Analise normativa e jurisprudencial da propaganda eleitoral na internet. Considerações finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O objetivo do projeto de pesquisa é realizar um estudo sobre os efeitos positivos e negativos intrínsecos a liberdade de expressão, e eventual abuso a esse direito, na seara política, a partir da utilização das redes sociais. Limitar-se-á a observar a ocorrência desses fatos, durante o período de campanha eleitoral municipal nas eleições do ano de 2020.

Dentro desse contexto, a sociedade brasileira viu-se embrenhada em um grande debate político, em especial nas redes sociais Facebook, Instagram, WhatsApp e Twitter, e também vem sendo testemunha da velocidade com que as notícias são compartilhadas sem critérios, quanto a veracidade dos fatos e sua origem.

Essa nova forma de comunicação disruptiva, ou seja, que alterou as formas e padrões de comunicação, através das redes socias, entre eleitor e candidato, durante o processo eleitoral, tornou-se um campo fértil para o espalhamento das chamadas Fake News, podendo, desta forma manipular a opinião do eleitorado, principalmente, a camada da sociedade sem instrução, podendo deturpar os resultados eleitorais, e, consequentemente, numa hipótese catastrófica, colocar em risco a democracia.

O fenômeno das Fake News, termo inglês para notícias falsas, ficou popularmente conhecido, a partir das eleições presidenciais do ano de 2016 nos Estados Unidos da América, quando foi divulgado pela imprensa que a vitória do candidato Donald Trump, se deu em parte, pela difusão de Fake News atreladas aos seus opositores, resultando na abertura de um raro processo de Impeachment naquele país.

Segundo Faustino (2019, l.2.286), as Fake News passaram a ser uma forma efetiva e eficaz de gerar desinformação com a finalidade de atingir o senso comum e modificar e influenciar opinião pública. Ainda, Faustino (2019, l.22) também argumenta que as notícias falsas estão intrinsicamente conectadas à liberdade de expressão que, por seu turno, encontram seu grande local comunicativo nas redes sociais.

Essa discussão se enaltece quando, temos, em contraponto, o direito fundamental à liberdade de expressão, previsto no artigo 5º, inciso IX, da Constituição Federal Brasileira, que segundo Faustino (2019), representa a exteriorização do pensamento, dos sentidos, das opiniões e relaciona-se com a possibilidade de manifestação, por parte dos seres humanos, do que o seu íntimo representa, garantindo o desenvolvimento completo da personalidade do indivíduo.

Entretanto, nota-se o abuso a esse direito na seara política, durante as campanhas eleitorais, ensejando um grande desafio à Justiça Eleitoral em fiscalizar e punir essa prática, haja vista, a complexidade, maximizada com o advento da utilização em larga escala das redes sociais, considerando a deficiência de mecanismos de controle em um ambiente virtual em que a liberdade de expressão, em regra, é praticada sem freios.

Os limites ao princípio da liberdade de expressão sempre estiveram presentes em discussões, seja em âmbito político ou social, por ser reconhecido pela sociedade como importante instrumento de democracia. Trata-se de uma temática desafiadora e contemporânea quando inserida no contexto das disputas eleitorais, tendo em vista que a imposição de limites poderá resultar em eventual censura ao livre debate político.

Desse modo, frente a essa discussão, levanta-se o seguinte questionamento: Quais os efeitos para à liberdade de expressão e a consequência de eventual abuso a esse direito na seara política?

Para atingir os objetivos propostos deste artigo, essa pesquisa foi realizada em 03 (três) etapas, e organizada em três capítulos, cada uma com objetivos e produtos bem definidos.

No primeiro capítulo foi realizado um estudo da atuação extrajudicial da Justiça Eleitoral, a fim de verificar as medidas preventivas à prática de fake news durante o pleito eleitoral de 2020. No segundo capítulo, foi abordado os conceitos e definições do princípio da liberdade de expressão, bem como seus efeitos positivos e negativos nas eleições.

No terceiro capítulo, foi realizada uma análise normativa e jurisprudencial da propaganda eleitoral na internet, para tanto destacar-se-á a Constituição Federal do Brasil, Código Eleitoral Lei 4.737/1965, Lei das Eleições nº 9.504/97, Lei de Inelegibilidade nº 64/90, Lei 13.165/2015, Lei 13.488/2017, Lei 13.834/2019, Resolução Eleitoral – TSE nº 23.610/2019, a  Lei nº 12.965/2014 – Marco Civil da Internet e por fim a Lei nº 13188/2015 que trata sobre o direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada.

 

1. ATUAÇÃO DA JUSTIÇA ELEITORAL FRENTE À PRATICA DE FAKE NEWS DURANTE O PROCESSO ELEITORAL NAS ELEIÇÕES MUNICIPAIS DO ANO DE 2020

O papel da Justiça Eleitoral vai muito além de organizar as eleições, é de fundamental importância que os processos eleitorais para escolha dos representantes do povo e para a democracia sejam seguros, transparentes e preserve a isonomia entre os aspirantes a cargos eletivos.

Com a revolução da era digital e a crescente utilização da internet para a realização das campanhas eleitorais, a Justiça Eleitoral viu-se com a incumbência em atuar para que as eleições ocorram sem intercorrências que afetem a democracia, em razão do aumento da utilização das redes sociais durante nas campanhas eleitorais.

Dá-se o desafio de que esses novos meios de comunicação passaram a serem utilizados não apenas para a realização de campanhas limpas, mas também para o espalhamento das temerosas Fake News. Nesse sentido, assevera, Rais ao falar sobre o tema, in verbis:

Mas será que cabe ao Direito regular e punir a mentira? O problema e as controvérsias da mentira são bem antigos, mas quando as práticas mais antigas alcançam alta velocidade e produção em massa, novos desafios são criados e, assim, parece ter nascido um dos principais desafios do cotidiano: as fake news como um fenômeno de desinformação (RAIS, 2020, l.72)

Atrelado ao desafio em combater as Fake News para garantir lisura aos pleitos eleitorais surgiu outra conjuntura, a circulação nas redes sociais de fatos falaciosos, induzindo a população ter dúvidas quanto a retidão de todo o processo eleitoral e ao sistema eletrônico de votação, com a intenção de descredibilizar à Justiça Eleitoral, com grande incidência nas eleições presidências do ano de 2018 e nas eleições municipais do ano 2020.

Sobre a missão da Justiça Eleitoral podemos afirmar que:

É preciso que fique bem sedimentada, no grupo social, a ideia de que o processo eleitoral é a seiva que revitaliza o Estado democrático. Todos têm o dever de zelar pela sua regularidade, retirando dele tudo o que possa contaminá-lo ou leva-lo ao descrédito. A prosperidade, na democracia, tem como base a lisura e a confiabilidade no processo eletivo. Se a corrupção, o abuso, a fraude nele forem tolerados, definitivamente a nação, que o consente, será pobre. Fatalmente, haverá de escolher governantes que sobrepõem seus interesses pessoais e patrimoniais ao interesse coletivo. Demonstrará com sua tolerância seu potencial de imaturidade para a fruição da democracia, que pressupõem eleições insuspeitas para escolha daqueles que, efetivamente, estejam comprometidos com a causa coletiva em todos os níveis de poder (PINTO, 2005, p.17).

Sendo assim, a missão que norteia a Justiça Eleitoral em cumprir seu papel social e garantir a regularidade do processo eleitoral, faz-se necessário, diante do cenário atual, na prevenção à prática de fake News na propaganda eleitoral na internet.

A atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no enfrentamento da desinformação vem sendo realizado progressivamente desde as eleições presidenciais do ano de 2018 quando chegou ao ápice a prática exacerbada de espalhamento de fake news, a partir da utilização em massa das redes socias, com o objetivo de desinformar o eleitor, descredibilizando a lisura de todo o processo eleitoral e pondo em xeque a confiabilidade da urna eletrônica.

Desde então, diversas ações de natureza educacional vêm sendo efetivadas pelo TSE no combate a desinformação, especificamente na adoção de parcerias com instituições públicas e privadas, dentre as quais destacam-se as parcerias com aplicativos de mensagens, plataformas de mídias sociais como facebook, twitter, whatsapp e Google, empresas de telefonia, órgãos de pesquisas, entidades da sociedade civil, agências de checagem de conteúdo e associações de mídia.

Entre as ações desenvolvidas destaca-se o Programa de Enfrentamento à Desinformação, o qual foi criado com o fito de combater os efeitos negativos à imagem e credibilidade da Justiça Eleitoral provocado pela desinformação, com foco especial nas eleições municipais do ano de 2020.

Sendo o objetivo principal, a proteção do voto e a democracia, pois a formação da opinião do eleitor deve ser pautada em informações verídicas sobre o processo eleitoral, de forma a não haver dúvidas sobre a lisura do mesmo.

Em suma, esse programa foi estruturado em seis eixos, com a execução projetada em curto, médio e longo prazo. Sendo eles: organização interna, alfabetização midiática e informacional, contenção da desinformação, identificação e checagem de desinformação, aperfeiçoamento do ordenamento jurídico e aperfeiçoamento dos recursos tecnológicos.

O plano estratégico foi concentrado em ações não regulatórias e multissetorial, o qual foi centrado em três pilares: primeiro, combater a desinformação com informação, por meio da criação e da disseminação de informação oficial, verdadeira e de qualidade aos cidadãos, para que possam exercer o voto de modo consciente e informado.

Segundo combater a desinformação com capacitação, pelo investimento na qualificação dos servidores da Justiça Eleitoral e dos cidadãos para que possam compreender o fenômeno da desinformação, ampliar a sua capacidade crítica, reconhecer conteúdos falsos e fraudulentos e acessar fontes de informação confiáveis.

Terceiro, combater a desinformação com foco em controle de comportamento e, excepcionalmente, com controle de conteúdo, especialmente por meio de monitoramento de casos e práticas de desinformação, bem como do direcionamento de recursos tecnológicos e atividades preventivas e repressivas contra comportamentos inautênticos, uso de propaganda computacional e ações coordenadas de propagação de desinformação.

Cabe destacar que o programa foi criado especialmente para combater a desinformação com conteúdo falsos ou fraudulentos direcionada a integridade e a credibilidade do processo eleitoral, o qual abrange todas as fases do processo eleitoral, a título exemplificativo, vai desde o registro da candidatura ao funcionamento da urna.

Ademais, as principais iniciativas do programa foram:  a  Coalizão para Checagem – Eleições 2020; a criação da página Fato ou Boato no site da Justiça Eleitoral; o desenvolvimento de um chatbot (robô) no whatsapp para tirar dúvidas sobre o processo eleitoral; a central de notificações nos aplicativos e-Título, Mesários e Pardal; o uso das hashtags #EuVotoSemFake, #NãoTransmitaFakeNews e #PartiuVotar; a campanha “Se For Fake News, Não Transmita”; e o cancelamento de contas que promoveram envio em massa de mensagens nas eleições; formalização de parcerias com alguns dos principais provedores de aplicação de internet, por meio de acordos para combater a desinformação; criação de um canal de denuncias de disparo em massa de mensagens, em parceria com o whatsApp e criação do comitê de ciberinteligência para facilitar a rápida atuação e comunicação no caso de incidentes de cibersegurança nas eleições.

Das ações desenvolvidas pelo TSE, com foco nas eleições municipais do ano de 2020, obtiveram os seguintes resultados:

I – Combate à Desinformação com Informação:

  • Coalizão para Checagem – Eleições 2020: 274 matérias com verificação de conteúdos publicados pelo TSE e pelas instituições de checagem parceiras, com a participação de mais de 100 pessoas entre jornalistas e servidores da Justiça Eleitoral.
  • Chatbot no WhatsApp: 18.758.126 mensagens trocadas com 1.050.260 brasileiros.
  • Página Fato ou Boato: 13.042.934 de visualizações entre 27 de outubro e 31 de dezembro de 2020 e 400 milhões de impressões do banner no YouTube.
  • Notificações pelos aplicativos da Justiça Eleitoral: 300 milhões de notificações informativas enviadas aos mais de 18 milhões de usuários.
  • Campanha #EuVotoSemFake: mais de 100 instituições se engajaram na campanha para formar uma rede de difusão de informações confiáveis sobre as eleições, que produziu mais de 23 mil postagens no Twitter.
  • Campanha #NãoTransmitaFakeNews: 2.371 tweets publicados por 18 clubes de futebol alcançaram 44.889.817 pessoas.
  • Campanha #PartiuVotar: 344 tweets publicados pela CBF e clubes de futebol com 37.202.793 pessoas alcançadas.

II – Combate à desinformação com capacitação:

  • Campanha de TV e rádio Se For Fake News, não Transmita: cerca de 130 milhões de brasileiros alcançados e mais de 10 bilhões de visualizações únicas durante o período de veiculação.
  • Programa Minuto da Checagem: 8 episódios veiculados na TV e no YouTube, com 4,5 milhões de visualizações apenas no Youtube
  • Série O Caminho do Voto: capacitação de cidadãos sobre o processo de apuração e totalização dos votos com mais de 700 mil visualizações no YouTube.
  • Lives para combate à desinformação em parceria com a Google: mais de 150 mil visualizações.
  • Curso Direito Eleitoral para Jornalistas com Foco nas Eleições 2020: participação de mais de mil jornalistas em curso que abordou, dentre outros assuntos, a segurança do sistema de votação.

III – Combate à desinformação com foco em controle de comportamentos inautênticos

  • Canal de denúncias de disparo em massa: 5.229 denúncias recebidas e 1.042 contas banidas por envio massivo de mensagens relacionadas às eleições. Em todo o Brasil, o WhatsApp baniu mais de 360 mil contas por envio massivo ou automatizado (abuso/spam).
  • Monitoramento das redes sociais: 752 indicações de desinformação foram analisadas e tratadas de modo a minimizar seus efeitos negativos sobre o Processo Eleitoral

Analisando o resultado do programa, constata-se um significativo avanço da Justiça Eleitoral no combate a desinformação, por outro lado, tem-se a preocupação de que os meios utilizados de enfrentamento a desinformação possam limitar o direito fundamental a liberdade de expressão.

Outro ponto destacado e de grande relevância para o estudo, é que as fakes News não se restringem apenas a imagem da Justiça eleitoral ou a credibilidade da urna de votação, alcança também o candidato a cargo eletivo.

Para tanto, o TSE na editou a Resolução nº 23.610/2019 a qual dispõe sobre a propaganda eleitoral na internet, utilização e geração do horário gratuito e condutas ilícitas especifica para as eleições municipais do ano de 2020 e estabeleceu em seu artigo 9º assim descrito:

Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiro, pressupõe que o candidato, o partido ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se os responsáveis no art. 58 da Lei nº 9.504/1997 que trata sobre o direito de resposta, sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.

Além da vedação de propaganda eleitoral com conteúdo falso, o artigo 28 da respectiva resolução, autoriza os candidatos a fazerem campanha por meio de blogs, redes sociais e sites de mensagens instantâneas cujo conteúdo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou coligações.

 

2. LIBERDADE DE EXPRESSÃO NAS ELEIÇÕES: EFEITOS POSITIVOS E NEGATIVOS

A liberdade de expressão ocupa lugar privilegiado dentro do rol dos direitos fundamentais, sendo essencial para o pleno desenvolvimento da democracia e da sua própria existência. De modo que, sem a democracia não há direitos fundamentais e sem este não há liberdade de expressão.

A liberdade de expressão consiste na livre manifestação de ideias e opiniões, entretanto, não configura como um direito fundamental absoluto, assim como todo e qualquer direito e garantia, seus limites deverão ser respeitados, para que não atinja de forma negativa outros direitos, acarretando prejuízos ou danos a terceiros.

Nesse sentido, Bucci discorre, sobre à liberdade de expressão política:

Se a liberdade de expressão política pode ter limites na democracia, muitos, inclusive, defendem que deve ter limites – mas, ao mesmo tempo, a própria democracia depende de uma liberdade de expressão robusta, é preciso identificar quais limites à liberdade de expressão política podem ser aceitos sem desfigurar a democracia, e quais limites (se houver) devem ser respeitados para preservá-la. (BUCCI, 2018 l.228).

No Brasil, a liberdade de expressão, foi inserida na primeira Constituição do Império, outorgada no ano de 1824, por Dom Pedro I, e atualmente a Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB de 1988, nos capítulos dos direitos e garantias individuais, proclama “ser livre a manifestação de pensamento, sendo vedado o anonimato” (art.5º, IV).

É importante ressaltar que o texto constitucional, assegura ao cidadão que o direito de se expressar é livre, mas não o permite esconder-se, é incisivo ao vedar o anonimato, e o interlocutor deverá arcar com as consequências caso venha a extrapolar os limites desse direito.

Ademais, a Constituição também se posicionou em quais meios essa informação poderá chegar à sociedade “sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição” (art. 220, caput), vedando em seu § 2º, “toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.

Trazendo essa premissa para o contexto das campanhas eleitorais, sejam elas nacionais ou municipais, os principais meios de realização das campanhas eram, até bem pouco tempo, a TV, o rádio e a impressa escrita, os quais detinham o monopólio da propaganda eleitoral. Todavia, essa realidade mudou, os veículos de comunicação antes dominantes vêm perdendo espaço paulatinamente, através da realização de campanhas eleitorais na internet através das redes sociais como Facebook, Instagram Twitter e WhatsApp.

Analisando sob essa perspectiva, o ambiente virtual, além de sua alta capacidade de compartilhamento e acessibilidade, ele conta com um fator importantíssimo, o baixo custo, possibilitando a qualquer candidato expor seus projetos, prevalecendo assim, a isonomia entre eles.

Em contrapartida, a divisão do tempo de propaganda eleitoral no horário gratuito da tv e rádio para as eleições do ano de 2020, foi definida pela Resolução do TSE no 23.610/2019, sendo 10% divididos igualmente entre os partidos e coligações e 90% divididos proporcionalmente ao número de representantes na Câmara dos Deputados. No caso de coligação, leva-se em conta o resultado da soma do número de representantes dos seis maiores partidos.

Por certo, o maior e mais importante meio difusor de propaganda eleitoral considerado outrora, era o televisivo, de outro lado, as eleições presidenciais do ano de 2018 veio quebrar com paradigmas. Conforme demonstra (Bernardi, 2020 apud Borges, 2019):

O atual presidente Jair Bolsonaro (PSL) nas eleições presidenciais do ano de 2018 tinha apenas 8 segundos do horário eleitoral gratuito televisivo e o candidato Geraldo Alkimin (PSDB) contava com 5 minutos e 33 segundos de propaganda eleitoral, acesso a 185,8 milhões do fundo eleitoral e 9 partidos em sua coligação partidária e terminou o primeiro turno na quarta colocação com 4,76 por cento dos votos válidos. Em comparação, o atual presidente eleito, tinha 39 vezes menos exposição na TV e com apenas 8 segundos e 9 milhões de reais do fundo e atingiu a votação de 46,03% dos votos válidos.

O resultado final da apuração dos votos no primeiro turno, evidenciou o enfraquecimento da propaganda eleitoral na TV e ao mesmo tempo mostrou a força e espaço que a propaganda eleitoral na internet vem alcançando.

Várias são as vantagens proporcionadas pela propaganda eleitoral na internet, precipuamente, porque no Brasil, segundo pesquisa TIC Domicílios 2019, realizada pelo Centro Regional para o Desenvolvimento de Estudos sobre a Sociedade (Cetic.br), vinculada ao Comitê Gestor de Internet no Brasil, constatou-se que três a cada 4 brasileiros acessam a internet, o equivalente a 134 milhões de pessoas.

Além disso, quanto ao uso de redes sociais, a pesquisa Global Digital Overview 2020, feita pelo site We Are Social em parceria com Hootsuite, aponta que o Brasil ocupa o terceiro lugar no ranking de populações que passam mais tempo nas redes sociais, com uma média diária de 3 horas e 31 minutos.

Isto posto, a internet proporciona aos candidatos e partidos políticos como anteriormente citado, alta capacidade de compartilhamento, igualdade de participação na exposição de propostas e baixo custo, além de coibir o abuso de poder político e econômico no processo eleitoral. Por outra perspectiva, para o eleitor, viabiliza conhecer e analisar melhor os candidatos e suas respectivas propostas, tornando todo o processo nas escolhas dos representantes mais democrático.

Consequentemente, faz-se necessário regramentos para sua utilização, pois nesse novo espaço, à liberdade de expressão deve ser preservada, dentro dos seus limites, pois ao mesmo tempo em que viabiliza um rol de pontos positivos, como os elucidados, também é utilizada para proliferação das chamadas fake news, com o desígnio de desinformar e consequentemente intervir na formação de opinião do eleitor.

Esse propósito encontra sustentáculo no fenômeno global atualmente conhecido como era pós-verdade, o dicionário da Editora Oxford elegeu esse termo como a palavra do ano de 2016, definindo-a como “o conjunto de circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes do que o apelo à emoção e as crenças pessoais na formação da opinião pública”. (VEJA, 2016, s/p)

No dia-a-dia na ânsia de provar que estamos certos, costumamos nos apoiar em qualquer material que reforce aquilo que já pensamos, e assim, baseada em uma notícia que se quer foi checada, mas que caiu como uma luva para a nossa prévia convicção, compartilhamos ansiosamente esse conteúdo, que pode ser uma desinformação, contribuindo, assim, para poluir ainda mais o cenário político nacional. (Rais, 2018, p107)

Utilizando-se dessa premissa, de que as emoções e as crenças pessoais sobrepõem-se sobre os fatos objetivos e verdadeiros, os candidatos a cargos eletivos encontraram na internet um ambiente ideal para proliferação de Fake News, agravado com a crescente polarização política.

O direito não se preocupa, isoladamente, com a mentira, mas sim com o dano efetivo ou potencial; com a culpa ou com a vontade do agente em praticar aquele ato. (RAIS, Diogo. 2020).

Afinal, qual a definição de Fake News para o direito? Conforme assevera Rais (2020), o direito não se preocupa, isoladamente com a mentira, mas sim com o dano efetivo ou potencial; com a culpa ou com a vontade do agente em praticar aquele ato. Afirma ainda que “somos mentirosos, em maior ou menor medida, e isso, querendo ou não, está no campo da ética e não do direito e que o conceito mais aproximado do direito, poderia ser identificado como uma mensagem propositalmente mentirosa capaz de gerar dano efetivo ou potencial em busca de alguma vantagem”.

Assim, quando a liberdade de expressão é utilizada nas campanhas eleitorais com o desígnio de gerar dano ou obtenção de vantagem indevida perante os eleitores e imprescindível que o conteúdo seja avaliado ao lume dos princípios constitucionais atinentes a matéria, mediante uma ponderação de princípios, tendo como limites a razoabilidade e a proporcionalidade (Pires, 2018, p 102).

 

3. ANALISE NORMATIVA E JURISPRUDENCIAL DA PROPAGANDA ELEITORAL NA INTERNET

A fim de minimizar os efeitos da proliferação de desinformações no ambiente virtual foram criadas normas tentando disciplinar este novo fenômeno. Inicialmente é importante descrever o regramento vigente e sanções previstas no ordenamento jurídico sobre a propaganda eleitoral na internet. Para Domenico:

A propaganda na internet propicia um crescente e dinâmico debate público e democrático nas disputas eleitorais, levando à hegemonia política, tendo em vista a possibilidade de discussões amplas, diretas, legítimas e factuais. No entanto, cabe a todos, seja o legislador, o operador do direito, o julgador e fundamentalmente o próprio cidadão consciente e responsável da importância do seu voto combater enfaticamente a propagação de notícias falsas e colaborar significativamente na construção de uma sociedade desenvolvida e justa (DOMENICO, 2018 p.19).

 

Os regramentos das propagandas eleitorais na internet, dado a sua importância, estão passando por grandes mudanças, destacando-se a reforma eleitoral de 2015 (Lei n° 13.165/2015), e a minirreforma política (Lei n° 13.488/2017) que aprovou legislação própria para publicidade e postagens em redes sociais.

A minirreforma política Lei nº 13.488/2017 que altera a Lei nº 9.054/97 (Lei das Eleições) permitiu expressamente em seu artigo 57-C que os candidatos e partidos políticos façam propaganda eleitoral por meios de posts impulsionados, desde que contratado pelo candidato, pelo partido ou pela coligação devendo ser realizado no próprio aplicativo e deve conter obrigatoriamente o CNPJ do candidato ou partido e a expressão “Propaganda Eleitoral”

Vale destacar o §3º do artigo 57-C, que trata especificamente das regras para contratação do impulsionamento nas redes sociais:

Art. 57-C (…)

  • 3º O  impulsionamento de que trata o caput deste artigo deverá ser contratado diretamente com provedor da aplicação de internet com sede e foro no País, ou de sua filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no País e apenas com o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações.

 

A parte final do parágrafo merece destaque, pois ressalta que o impulsionamento tem o fim de promover ou beneficiar candidatos ou suas agremiações, ou seja, somente devem ser utilizados para enfatizar aspectos positivos dos candidatos ou partidos. Dessa forma, deve fica evidenciado que são proibidos posts impulsionados para fazer críticas ou outros comentários negativos a respeito dos candidatos adversários.

Para Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do Recurso (Respe 0600079-64) sobre postagem impulsionada no Instagram, do pré-candidato Silvino de Andrade (PTB) ao cargo de prefeito Garanhuns (PE) nas Eleições 2020, não configura propaganda eleitoral antecipada irregular. Segundo o Ministro Alexandre de Morais “O impulsionamento de publicação na rede social não é vedado na campanha. Não houve abuso e não houve o exercício arbitrário do direito. Além disso, não houve mácula na igualdade de condições”.

A Lei nº 13.488/2017 também alterou o artigo 58 da Lei 9054/97 prevendo em sua nova redação que em caso de ofensa realizada por meio de post impulsionado de propaganda eleitoral na internet, o ofendido tem direito de resposta. Após deferido o pedido pela Justiça, o ofensor deverá divulgar a resposta do ofendido e deverá empregar nessa divulgação o mesmo impulsionamento de conteúdo eventualmente contratado.

Quanto a questão de suspensão de conteúdo na internet, o artigo 57-I, a Justiça Eleitoral, poderá determinar, no âmbito e nos limites técnicos de cada aplicação de internet a suspensão de acesso a todo conteúdo veiculado que deixar de cumprir as disposições da referida Lei.

Também é imprescindível destacar a inserção do artigo 57-J, o qual prevê que o TSE irá regulamentar a propaganda eleitoral na internet:

Art. 57-J.  O Tribunal Superior Eleitoral regulamentará o disposto nos arts. 57-A a 57-I desta Lei de acordo com o cenário e as ferramentas tecnológicas existentes em cada momento eleitoral e promoverá, para os veículos, partidos e demais entidades interessadas, a formulação e a ampla divulgação de regras de boas práticas relativas a campanhas eleitorais na internet.

Quanto à minirreforma Eleitoral através da Lei 13.165/2015, vale destacar que foi regulamentado que a propaganda na internet apenas será permitida a partir do dia 15 de agosto.

Ademais, na esfera criminal divulgar notícias fraudulentas, as chamadas fake news, relacionada à candidatos a cargos políticos até recentemente não havia legislação criminal para trata-las, havia coerção apenas se caracterizasse os delitos de calúnia, difamação e injúria, previstos no código penal.

Contudo, em 04 de junho de 2019, foi sancionada a Lei nº 13.834, que altera a lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) em seu artigo 326-A, o qual tipifica o crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral, para quem acusar falsamente um candidato a cargo político com o objetivo de afetar sua candidatura.  A pena de reclusão é de dois a oito anos de prisão e multa para aqueles que a infringirem.

Por outro prisma, também em consonância com a Constituição Federal, a Lei nº 12.965/2014 conhecida como Marco Civil da Internet, legisla sobre o serviço e o uso da internet no Brasil. Essa lei estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet, além das diretrizes de atuação dos entes públicos.

Em seu artigo 2º diz que “a disciplina do uso de internet tem como fundamento o respeito ao princípio da liberdade de expressão” e no art. 8º estabelece que “a garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à internet”.

No mesmo sentido, no artigo 19, caput, estabelece que com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, os provedores de aplicação de internet  somente serão obrigados, sob pena de responsabilização civil, a remover o conteúdo dos seus usuários posteriormente à ordem judicial específica, que reconheça a existência de indícios de ilicitude na conduta do usuário.

Nota-se que, privilegiou-se a liberdade de expressão e manifestação ao prever que os provedores de aplicação de internet somente serão obrigados a removerem conteúdo postado por seus usuários, depois de ordem judicial específica.

O que corrobora com o posicionamento de Giacchetta (2018, p. 29) ao dizer que “se há hierarquia constitucional prima facie entre esses direitos, a superioridade deve ser atribuída, em nosso entendimento, a liberdade de informação, inclusive pela sua relação de interdependência com a noção de Estado Democrático de Direito”.

Os provedores de aplicação de internet ao monitorar o conteúdo elaborado por seus usuários ou até mesmo sua remoção, por enquadrar dentro da sua política de uso, como conteúdo inapropriado, estariam impedindo a livre manifestação de pensamento e expressão, ou seja, opondo-se aos artigos 5º e 220 da Constituição Federal, o que caracteriza  a censura.

Conforme assevera Schirmamnn (2021):

Não existe um limite para quem pode ou não utilizar a liberdade de expressão, nem teria como existir, uma vez que é um Direito Humano, portanto, torna-se irrenunciável e inalienável. Ainda afirma que, baseado na liberdade de expressão, ninguém poderá perder o seu direito de se informar, de receber e de difundir informações.

Para validar essa linha de argumentação, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entende que os provedores de aplicação de internet não poderem exercer controle prévio do conteúdo dos seus usuários, tampouco removê-los, nesse sentido.

De acordo com o professor Eduardo Mendonça, A regra que se consolidou no STJ, com base no Marco Civil, é que cabe ao Judiciário fazer o exame da alegação de que o conteúdo seria ofensivo. O Judiciário é que tem de mandar remover, caso entenda que há violação efetiva aos direitos da personalidade. Ainda de acordo com Mendonça, não basta a simples insatisfação de quem se diz ofendido. Até porque, como sabemos, as pessoas tendem a se sentir lesadas por qualquer crítica ou comentário que contrarie suas opiniões.

Em agravo no Recurso Especial 917.162/SP, de 1º de setembro de 2016, o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, lançou mão do Marco Civil para dizer que ao provedor não compete avaliar eventuais ofensas, em virtude da inescapável subjetividade envolvida na análise de cada caso.

“Não se pode impor ao provedor de internet que monitore o conteúdo produzido pelos usuários da rede de modo a impedir a divulgação de futuras manifestações ofensivas contra determinado indivíduo. Não se pode exigir dos provedores que determinem o que é ou não apropriado para divulgação pública”, reforçou o ministro.

Sob outra perspectiva, Barroso (2020) traz o que pode ser chamado de meio-termo, em que caberia prioritariamente às próprias mídias sociais fazerem o controle não de conteúdo, mas de comportamentos inaceitáveis, como o uso de robôs, contas e perfis falsos, assim como impulsionamentos ilegais.

Assevera ainda que, as notícias fraudulentas são as criadas com a intenção de obter vantagem e causar danos seja ela política, patrimonial ou moral, a sua propagação através das plataformas digitais, caracterizaria o que pode ser chamado de “falhas do mercado digital” as quais exigem regulação e também autorregulação.

Ainda para Barroso, para que não configure censura privada, os provedores de aplicação de internet ao removerem conteúdo de seus usuários, fazendo valer o seu termo de uso, é imprescindível que seus critérios sejam públicos e transparentes, de forma que não viole à liberdade de expressão e nem de margem à arbitrariedade e à seletividade.

Trazendo a discussão para esfera eleitoral, foco dessa dissertação, a Justiça Eleitoral também deve atuar para que seja assegurada a liberdade de expressão e impedir a censura. Para tanto, o Tribunal Superior Eleitoral – TSE normatizou para as eleições municipais do ano 2020 através da Resolução 26.610/2019 a remoção de conteúdos divulgados na internet, os quais devem ser realizados com a menor interferência possível no debate democrático.

A Justiça Eleitoral deverá atuar para assegurar e impedir a censura, e que as ordens judiciais de remoção de conteúdo serão limitadas às hipóteses em que, mediante decisão fundamentada, sejam constatadas violações às regras eleitorais ou ofensas a direitos de pessoas que participam do processo eleitoral.

Aduz que, a Justiça eleitoral também primou pela liberdade de expressão e informação, ou seja, a sua intervenção para retirada de conteúdo da internet deverá ocorrer apenas em casos excepcionais quando houver abusos e excessos na propaganda eleitoral.

Conforme conclui Giacchetta (2018, p. 33), “compete exclusivamente ao Poder Judiciário a valoração e, por conseguinte, a imposição de obrigação da sua remoção aos provedores de aplicação de internet, de conteúdo que se caracterize como falso, inverídico ou distorcido”.

Sob outra ótica, mas também aplicável na esfera eleitoral, temos a Lei nº 13.188/2015 que regulamenta o chamado direito de resposta ou retificação do ofendido em matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social.

Conforme, demonstrado a liberdade de expressão é uma garantia constitucional, entretanto, não é um direito absoluto, nesse sentido ela deverá respeitar outros direitos fundamentais. O direito de resposta também é uma garantia fundamental previsto no artigo 5º, V, da Constituição Federal, pois assegura o direito de resposta proporcional ao agravo sofrido.

No mesmo sentido, a Lei das Eleições n° 9504/97 em seu artigo 58 também assegura do direito de resposta do ofendido ao candidato, partido ou coligação atingidos, ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos por qualquer veículo de comunicação social.

Para elucidar a aplicação do direito de resposta ao ofendido, temos a sentença proferida pelo magistrado da 004ª Zona Eleitoral do Rio de Janeiro – RJ no processo nº 0600159-45.2020.6.19.0230, com fulcro no artigo 58, §3º, IV da Lei 9504/97. O atual prefeito e candidato à reeleição da cidade do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, no dia 19 de novembro de 2020, após o primeiro turno, utilizou-se das redes sociais Instagram e Facebook para realização de uma live juntamente com o Deputado Federal Ontoni de Paula.

Durante a live foi propagada desinformação eleitoral ofensiva, ao dizer que a aliança entre o Psol e o seu então adversário no segundo turno Eduardo Paes,  teria uma consequência, afirmando que caso Paes fosse eleito haveria pedofilia nas escolas municipais. O vídeo ganhou grande destaque nas redes sociais devido ao impacto pejorativo e malicioso.

Na sentença o magistrado diz que “o vídeo publicado nas redes sociais causa desinformação e veicula ao público notícia sabidamente inverídica, tentando incutir na mente do eleitor tal informação de pedofilia nas escolas com assunção do PSOL”. Crivella foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$10.000,00 (dez mil reais), em caso de descumprimento em cada dia que o vídeo permanecer no ar, além da divulgação do direito de resposta ser exercido no mesmo meio de comunicação que foi veiculado os fatos.

O regramento sobre o tema é levado tão a sério pelo legislador que em seu artigo 22 da lei complementar nº 64/1990, estabelece que “a utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social poderá acarretar a abertura de investigação judicial, podendo os responsáveis serem declarados inelegíveis, além de ter cassado o registro ou diploma do candidato diretamente beneficiado”.

Embora não abranja as eleições municipais do ano de 2020, objeto dessa pesquisa é de suma importância que seja exposto o julgado do Recurso Ordinário Eleitoral Nº 0603975-98, pois trata-se na maior penalização ao candidato que utilizar as redes sociais para a propagação de desinformação sobre o processo eleitoral ou seus adversários.

O julgado refere-se à cassação do mandato do deputado estadual Fernando Francischini (PSL-PR) e a decretação de sua inelegibilidade, por agressões infundadas contra a democracia e o sistema eletrônico de votação, em uma live realizada nas redes socias em seu perfil no FACEBOOK no dia das eleições 2018, 22 minutos antes do encerramento da votação.

Segundo o relator, o ministro Luís Felipe Salomão “o caso constitui tanto abuso de poder político por autoridade como uso indevido dos meios de comunicação social”. Trata-se do primeiro precedente da corte a incluir as redes sociais no conceito de meios de comunicação. O entendimento deve nortear julgamentos futuros, especialmente em tempos de extremismo político e campanhas de desinformação.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

“Por que foi que cegámos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, queres que te diga o que penso, diz, penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que veem, Cegos que, vendo, não veem”.

Embora escrito há quase três décadas, o livro Ensaio sobre a Cegueira do escritor José Saramago é contemporâneo, pois retrata a sociedade da era pós-verdade, em que as emoções e as crenças pessoais sobrepõem-se sobre os fatos objetivos e verdadeiros.

Esse cenário se agrava no contexto das eleições, onde as fake news passaram a ser uma forma efetiva e eficaz de gerar desinformação com a finalidade de atingir o senso comum e modificar e influenciar a opinião pública (Faustino,219, I.22). Mesmo que o ofendido faça jus ao direito de resposta previsto em lei, o alcance da verdade não tem o mesmo público do alcance que a mentira.

O propósito do artigo é verificar quais os efeitos para à liberdade de expressão e a consequência de eventual abuso a esse direito na seara política a partir da utilização das redes sociais, durante as campanhas eleitorais municipais do ano de 2020.

Do estudo realizado, concluiu-se que a utilização das redes  sociais para realização da propaganda eleitoral, quando utilizada com o desígnio de gerar dano ou obtenção de vantagem indevida, a liberdade de expressão deverá ser limitada, de forma a preservar a coletividade e a democracia, o que não caracteriza a censura ao livre debate político.

Para tanto, caberia apenas ao Poder Judiciário determinar o que é considerado conteúdo ilícito, conforme conclui Giacchetta (2018, p. 33), “Compete exclusivamente ao Poder Judiciário a valoração e, por conseguinte, a imposição de obrigação da sua remoção aos provedores de aplicação de internet, de conteúdo que se caracterize como falso, inverídico ou distorcido”.

 

A inobservância ao princípio da liberdade de expressão, seria uma afronta direta a constituição, pois cerceia a livre manifestação de pensamento e expressão, ou seja, opondo-se aos artigos 5º e 220 da Constituição Federal, o que caracteriza a censura.

Por outro lado, conforme assevera Barroso (2020) caberia às mídias sociais fazerem o controle de comportamentos inaceitáveis, como uso de robôs, contas e perfis falso, assim como, impulsionamentos ilegais. Para que não configure censura privada, os provedores de aplicação de internet ao removerem conteúdo de seus usuários, fazendo valer o seu termo de uso, é imprescindível que seus critérios sejam públicos e transparentes, de forma que não viole à liberdade de expressão e nem de margem à arbitrariedade e à seletividade.

Quanto às consequências de eventuais abusos ao principio da liberdade de expressão dentro do contexto das eleições, especificamente da propaganda eleitoral na internet, embora não tenha nenhum julgado especifico para as eleições municipais do ano de 2020 a maior consequência é a cassação do mandado e a inexigibilidade do candidato que utilizar-se dos meios de comunicação social indevidamente, com a propagação de desinformação sobre o processo eleitoral ou seus adversários.

Quanto às ações educacionais desenvolvidas pela Justiça Eleitoral em busca de soluções para a contenção de desinformação quanto a sua credibilidade, da urna eletrônica de votação e da lisura de todo o processo eleitoral durante a campanha eleitoral do ano de 2020, obteve um excelente resultado, mas ainda insuficiente, haja vista a complexidade do tema em reduzir a replicação das notícias falsas no ambiente virtual.

 

REFERÊNCIAS

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BRASIL.  Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988.

 

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituição/Constituição.htm> Acesso em: 10 ago. 2020.

 

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BRASIL. Lei das Eleições de 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm> Acesso em: 11 ago. 2020.

 

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BRASIL. Resolução nº 23.624, de 13 de agosto de 2020. Promove ajustes normativos nas resoluções aplicáveis às eleições municipais de 2020, em cumprimento ao estabelecido pela Emenda Constitucional nº 107, de 2 de julho de 2020, promulgada em razão do cenário excepcional decorrente da pandemia da Covid-19. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/legislacao/compilada/res/2020/resolucao-no-23-624-de-13-de-agosto-de-2020>. Acesso em: 20 nov. 2020.

 

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Deputado Francischini é cassado por propagar desinformação contra a urna eletrônica. <https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2021/Outubro/plenario-cassa-deputado-francischini-por-propagar-desinformacao-contra-o-sistema-eletronico-de-votacao>. Acesso 11/02/2022 as 09:52.

 

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TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL. Propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV começa nesta sexta. <https://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2020/Outubro/propaganda-eleitoral-gratuita-no-radio-e-na-tv-comeca-nesta-sexta-9>. Acesso em 28/02/2022, as 22:15.

 

VEJA. ‘Pós-verdade’ é eleita a palavra do ano pelo dicionário Oxford. Revista VEJA, 2016. Disponível em: <https://veja.abril.com.br/mundo/pos-verdade-e-eleita-a-palavra-do-ano-pelo-dicionario-oxford/>. Acesso em: 09 nov. 2020.

 

 

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