Os professores do ensino superior e as férias individuais e coletivas

Resumo: Trata-se de análise do instituto das férias do professores do ensino superior, com a diferenciação das férias individuais e férias escolares através da análise dos artigos da CLT, doutrina e jurisprudência, bem como abordagem acerca das férias coletivas.


Sumário: 1. Férias: breve introdução ao tema; 2. As férias escolares versus as férias individuais dos docentes; 3. As férias coletivas dos docentes; 4. Referências.


Breve introdução ao tema:


O conjunto de descansos trabalhistas completa-se com a figura das férias, que são definidas como o lapso temporal remunerado, de freqüência anual, constituído de diversos dias seqüenciais, em que o empregado pode sustar a prestação de serviços e sua disponibilidade perante o empregador[1].


O direito às férias anuais remuneradas é aplicável a todos os empregados, inclusive a algumas espécies de trabalhadores não acobertadas pela CLT.


Trata-se do período anual de descanso remunerado ao qual faz jus o empregado após a aquisição do direito, tendo por objetivo fazer com que o empregado se recupere, principalmente, do estresse físico e mental oriundo do exercício de seu labor, possuindo ainda aspectos econômicos[2] e sociais para sua concessão.


Consoante a magistrada e doutrinadora Vólia Bonfim Cassar, o trabalho contínuo, dia após dia, gera grande desgaste físico e intelectual, acumulando preocupações, obrigações e outros fenômenos do cotidiano[3]. Assim, verifica-se que o descanso anual é imprescindível para a manutenção, inclusive, da saúde dos trabalhadores, além de proporcionar a recuperação mental para melhor produção no labor após o retorno do descanso, entre outros inúmeros benefícios.


As férias possuem, nesta esteira de pensamento, vez que atadas ao segmento da saúde e segurança laborais, caráter de indisponibilidade, não podendo ser objeto de renúncia ou transação lesiva, até mesmo, transação prejudicial coletivamente negociada.


No que tange especificamente aos docentes, tema central da presente análise, inicialmente, cumpre esclarecer que as férias escolares não se confundem com as férias dos professores. As férias escolares destinam-se aos alunos enquanto as férias dos professores ao descanso dos docentes, o que será objeto de análise aprofundada no próximo tópico.


As férias escolares versus as férias individuais dos docentes


Conforme já supra mencionado, as férias escolares e as férias dos docentes não se confundem.


A norma do art. 138 da CLT reza que, durante as férias o empregado está vedado de prestar serviços a outro empregador, salvo se obrigado por contrato de trabalho regularmente mantido com aquele, caracterizando, portanto, a interrupção do contrato de trabalho.


O referido artigo tem a intenção de fazer com que o empregado de fato descanse durante as férias, bem como respeitar o contrato de trabalho, vez que o empregador que remunera as férias de seu empregado pode-lhe exigir que não preste serviços nesse período.


Assim, durante as férias individuais, o empregador não pode exigir que o empregado exerça o labor, devendo o período ser exclusivamente para descanso. Ainda que não haja expressamente tal vedação na CLT, este é o entendimento sedimentado na doutrina e jurisprudência. Veja-se neste sentido a seguinte jurisprudência:


EMENTA:


DO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE.


FÉRIAS. INTERRUPÇÃO. Faz jus o empregado à repetição do pagamento da integralidade das férias na hipótese de ser chamado para trabalhar por alguns dias no seu decorrer, pois tal prática frustra a finalidade do instituto.


DO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA.


CERCEAMENTO DE DEFESA. CONTRADITA. O não acolhimento da contradita de testemunha não é hipótese de cerceamento de defesa, tratando-se apenas de elemento de valoração da prova. De qualquer forma, o simples fato de a testemunha mover ação contra a empresa, ainda que com identidade de pedidos, não configura sua suspeição, em especial quando já foi encerrada a instrução, e o autor não foi testemunha do depoente.” (TRT 4ª Região RO 0000165-65.2010.5.04.0291 Redator: Ana Luiza Heineck Kruse, Participam: Ione Salin Gonçalves, José Felipe Ledur, Data: 27/07/2011 Origem: 1ª Vara do Trabalho de Sapucaia do Sul)


Esta característica, de interrupção contratual, significa dizer que o trabalhador susta sua principal obrigação contratual (prestação laborativa), preservando, contudo, a efetividade dos direitos trabalhistas, sendo preservadas, portanto, todas as vantagens contratuais, salvo raras exceções, como o fornecimento de vales-transportes.


O mesmo não ocorre quando estamos falando de férias escolares, período em que se aplica o disposto no art. 322 da CLT, §2º:


Art. 322 – No período de exames e no de férias escolares, é assegurado aos professores o pagamento, na mesma periodicidade contratual, da remuneração por eles percebida, na conformidade dos horários, durante o período de aulas. (Redação dada pela Lei nº 9.013, de 30.3.1995).


§ 1º – Não se exigirá dos professores, no período de exames, a prestação de mais de 8 (oito) horas de trabalho diário, salvo mediante o pagamento complementar de cada hora excedente pelo preço correspondente ao de uma aula.


§ 2º No período de férias, não se poderá exigir dos professores outro serviço senão o relacionado com a realização de exames.


§ 3º – Na hipótese de dispensa sem justa causa, ao término do ano letivo ou no curso das férias escolares, é assegurado ao professor o pagamento a que se refere o caput deste artigo.” (Incluído pela Lei nº 9.013, de 30.3.1995)


Logo, nas férias escolares os professores estão obrigados à prestação de serviços relacionados aos exames de recuperação, reforço, correção de provas, atualização dos diários de classe e etc.


Isto significa dizer que, durante as férias escolares os professores estão à disposição de seus empregadores, ainda que só possam executar serviços relacionados com exames, aulas de recuperação e os outros anteriormente listados.


Frise-se que durante o recesso escolar, o professor que for chamado ao trabalho para realizar alguma das atividades acima descritas terá jornada diversa daquela fixada no art. 318 da CLT (4 aulas consecutivas ou 6 intercaladas), vez que não há ministração de aulas neste período, portanto, sua jornada não poderá ultrapassar 8 horas diárias, sob pena de pagamento de horas extraordinárias – vide art. 322, 1º.


Conforme destacado pelo Professor Marcelo Moura (op. Cit. p. 372), nestes períodos o professor poderá ser convocado para realização de trabalhos de planejamento, recuperação de alunos e exames.


Assim é que às férias escolares se aplica o disposto na Súmula 10 do TST:


Súmula 10: É assegurado aos professores o pagamento dos salários no período de férias escolares. Se despedido sem justa causa ao terminar o ano letivo ou no curso dessas férias, faz jus aos referidos salários.”


O que ocorre na prática é que os empregadores (faculdades, universidades, escolas e etc), costumam conceder as férias individuais ou mesmo férias coletivas aos professores no mês de janeiro ou julho, justamente por não haver, neste período, a necessidade de os mesmos comparecerem às instituições, o que acaba gerando confusão entre as férias individuas e férias escolares.


Isto porque os exames finais, geralmente, são aplicados em dezembro, de modo que não há, em tese, nenhuma atividade a ser exercida no período em comento. Por outro lado, se verifica inviável a concessão de férias durante o período de aulas, tendo em vista o calendário acadêmico a ser cumprido.


Assim, as férias dos professores são um direito individual que pode coincidir tanto com as férias escolares de julho, quanto com as férias escolares de dezembro/janeiro, mas que, ainda sim, devem observar o direito ao gozo de 30 dias ou proporção consoante o art. 130 da CLT.


Art. 130 – Após cada período de 12 (doze) meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado terá direito a férias, na seguinte proporção:


I – 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes;


II – 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas;


III – 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas;


IV – 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas.”


Tem-se verificado, portanto, com freqüência a concessão de férias dos docentes em julho, em que não há nem aulas e nem exames.


Cumpre ressaltar que em que pese as férias dos professores estarem disciplinadas no art. 322, as demais disposições celetistas sobre as férias aplicam-se aos mesmos.


Entretanto, alguns doutrinadores, entre eles Valentim Carrion[4], Marcelo Moura[5] e Sérgio Pinto Martins (citado pelo Professor Marcelo Moura), entendem que aos professores não é possível a conversão de 1/3 de férias em abono pecuniário, pois, no seu entendimento, tal se justifica pela impossibilidade de o professor trabalhar os 10 dias de férias que foram “vendidos”, considerando-se a coincidência com as férias escolares:


“As circunstâncias próprias do professor obstam que transacione uma parte de suas férias (art. 143), pela impossibilidade do trabalho de professor durante o recesso escolar, que é a época que as goza.” – Valentim Carrion, op. cit, p. 271.


As férias coletivas dos docentes


As férias coletivas dos docentes, por sua vez, seguem os mesmos regramentos dos demais trabalhadores, tendo em vista não haver nenhum regramento específico na CLT. Nos casos em que haja disposição sobre o tema em norma coletiva aplicável, esta deve ser observada.


Tal forma de concessão de férias visa à melhor organização da empresa, que pode concedê-las a todos os empregados, a empregados de determinados estabelecimentos ou mesmo de apenas alguns setores da empresa.


Isto significa dizer que as Instituições de Ensino Superior podem conceder férias coletivas aos docentes, mas manter em normal funcionamento o setor administrativo, que costuma realizar matrículas e demais procedimentos no recesso escolar.


Outrossim, as férias podem ser concedidas de uma só vez (30 dias) ou em dois períodos, neste caso, desde que nenhum deles seja inferior a 10 dias corridos, conforme o art. 139 da CLT.


No que tange os empregados que no momento da concessão das férias coletivas ainda não adquiriam o direito às férias, informamos que estes têm o direito a descansar os dias concedidos pela empresa aos demais empregados, pois não haverá a ministração de aulas no período.


Isto porque as férias coletivas são constituídas e concedidas em função o interesse empresarial, justificando-se, portanto, o ônus da empresa em suportar o pagamento àqueles que ainda não adquiriram o direito individualmente.


Neste caso, deve ser observado disposto no art. 140 da CLT:


“Art. 140 – Os empregados contratados há menos de 12 (doze) meses gozarão, na oportunidade, férias proporcionais, iniciando-se, então, novo período aquisitivo.” (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)


Os empregados que não tenham completado seu período aquisitivo também farão jus às férias coletivas, mas de forma proporcional. Isto porque as férias coletivas são constituídas e concedidas em função o interesse empresarial, justificando-se, portanto, o ônus da empresa em suportar o pagamento àqueles que ainda não adquiriram o direito individualmente.


A norma que regula a matéria não esclarece a forma como devem ser calculadas as férias proporcionais, pelo que a maior parte da doutrina entende pela aplicação analógica do art. 146, parágrafo único da CLT:


Art. 146 – Na cessação do contrato de trabalho, qualquer que seja a sua causa, será devida ao empregado a remuneração simples ou em dobro, conforme o caso, correspondente ao período de férias cujo direito tenha adquirido. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977


Parágrafo único – Na cessação do contrato de trabalho, após 12 (doze) meses de serviço, o empregado, desde que não haja sido demitido por justa causa, terá direito à remuneração relativa ao período incompleto de férias, de acordo com o art. 130, na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês de serviço ou fração superior a 14 (quatorze) dias. (Redação dada pelo Decreto-lei nº 1.535, de 13.4.1977)”


Uma possibilidade de concessão, que costuma ser adotada por algumas empresas, é a concessão de 10 dias em dezembro e 20 dias em janeiro, à qual não há qualquer impedimento, obedecidas todas as disposições acima transcritas.


Ressalte-se que as férias coletivas devem ser comunicadas órgão local do Ministério do Trabalho, com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias, informando as datas de início e fim das férias e precisando quais os estabelecimentos ou setores abrangidos pela medida.


Em igual prazo, o empregador deve enviar cópia da aludida comunicação aos sindicatos representativos das respectivas categorias profissionais, e providenciar a afixação de aviso nos locais de trabalho.


Os procedimentos acima estão previstos nos parágrafos 2º e 3º do art. 139 da CLT e visam permitir um amplo controle dos atos do empregador, seja pelo representante da categoria profissional, seja pelo órgão regional do MTE.


São atos administrativos a serem praticados pelos empregadores e o descumprimento desta formalidade (comunicação) não importa em nulidade da concessão das férias coletivas, porém, configura infração trabalhista que pode gerar a aplicação de multa.


 


Referências:

CARRION, Valentim; Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

CASSAR, Vólia Bonfim; Direito do Trabalho, 5ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2011.

DELGADO, Maurício Godinho; Curso de Direito do Trabalho, 7ª ed. reimp. São Paulo: LTr, 2008.

DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010.

MOURA, Marcelo Moura; Consolidação das Leis do Trabalho para Concursos, 1ª ed., Bahia: Editora Juspdvm, 2011.


Notas:

[1] DELGADO, Mauricio Godinho, Curso de Direito do Trabalho, 9ª ed. São Paulo: LTr, 2010, p. 891.

[2] O magistrado carioca Marcelo Moura, in Consolidação das Leis do Trabalho para concurso (Bahia: Jus Podvm, 2011, p.185) ressalta que economicamente as férias possuem o objetivo de gerar empregos, ainda que temporários, diante da necessidade de substituição daquele que goza férias. E lista ainda benefícios de ordem cultural e política.

[3] CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho, 5ª ed. Niterói/RJ: Impetus, 2011, p. 774.

[4] CARRION, Valentim; Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho, 35ª ed. São Paulo: 2010, p. 271.

[5] MOURA, Marcelo, Consolidação das Leis do Trabalho para concurso, 1ª ed. Bahia: Jus Podvm, 2011, p.373.

Informações Sobre o Autor

Sylvia Pozzobon Torraca

Advogada. Pós-graduanda em Direito Previdenciário (Universidade Cândido Mendes) e Pós Graduação em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho (Universidade Veiga de Almeida).


Equipe Âmbito Jurídico

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