Resumo: Diante do mundo contemporâneo, o instituto contratual se mostra atualizado quanto à necessidade de agilidade e massificação das relações intersubjetivas. Sendo assim, encontra no meio eletrônico sua mais nova forma de expressão, corroborando com as transformações sofridas pelo instituto desde a Antiguidade. Inserido neste novo modo de manifestação da autonomia privada, ainda carente quanto à produção legiferante, encontra-se contrato de seguro eletrônico, instituto completamente adequado ao mundo capitalista contemporâneo, já que viabiliza a execução das relações contratuais modernas, em sua maioria revestida de risco, e que demostra a capacidade de adaptação das formas contratuais às necessidades de uma sociedade dinâmica.[1]
Palavras-chave: Instituto Contratual; Meio Eletrônico; Contrato de Seguro Eletrônico.
Abstract: In the face of the modern world, the contractual institute is shown updated in the need for agility and massification of the intersubjective relations. Thus, meets in the electronic field, its newest expression form, corroborating to the transformations undergone by the institute since antiquity. Within this new mode of manifestation of private autonomy, that hasn’t got a massive legislative production, is the electronic insurance contract, an institute that fits perfectly to the modern capitalist world, once the it enables the execution of the modern contractual relations, often covered by risk, and demonstrates the adaptation capability of the contractual forms to the needs of a dynamic society.
Keywords: Contractual Institute; Electronic Field; Electronic Insurance Contract.
Sumário: Introdução. 1. Contrato tradicional. 2. Contrato eletrônico. 2.1. Classificação dos contratos eletrônicos. 3. Contrato de seguro. Considerações finais. Referências
INTRODUÇÃO
A temática do direito contratual é de extrema importância para a sociedade, pois consiste no principal meio de expressão da autonomia privada no mundo contemporâneo, visto que é por meio deste instituto que os sujeitos, revestidos de sua capacidade e autonomia, estabelecem relações entre si.
Desde a Antiguidade até os tempos modernos, mediante intensas transformações, o direito contratual permeia o tecido social como principal forma de relação interindividual.
Sendo assim, tal instituto se mostra, atualmente, com uma nova interface, denominada contrato eletrônico, o qual implementa a necessidade contemporânea de agilidade e massificação das relações contratuais e produz reflexos em vários institutos civis, como o contrato de seguro.
A partir do exposto, o presente estudo será dedicado a discutir a possibilidade da realização de um contrato de seguro eletrônico e os reflexos dessa modalidade no Código de Defesa do Consumidor, importante legislação garantidora de equilíbrio nas relações contratuais, visto que não se pode olvidar da extrema utilidade e importância do contrato de seguro na era moderna, pois além de ser um meio de garantia, possibilita que grandes negócios, teoricamente inexecutáveis, devido seu alto risco, se tornem viáveis.
Tendo em vista o objetivo almejado, utilizar-se-á, no presente estudo, o método dialético, o qual permite que, a partir da análise sistemática da multiplicidade de vertentes sobre o assunto em questão, seja viável a produção de uma posição coerente e capaz de convergir os ideais do ordenamento jurídico e às necessidades sociais.
Ademais, será implementada uma pesquisa doutrinária e legislativa, a fim de enriquecer o debate com fundamentos e posicionamentos interessantes acerca do tema.
Para tanto, a análise em questão se divide em sete partes. Primeiramente, será analisado todo o âmbito do contrato tradicional, incluindo seu conceito, características e transformação. Em segundo lugar, será abordado o contrato eletrônico como uma nova faceta do contrato tradicional, de modo a demonstrar suas características, viabilidade, classificação e, ainda, a sua situação legiferante.
Posteriormente, será objeto de trabalho o contrato de seguro, com suas características e conceituação, para que, em seguida, seja analisada a possibilidade da ocorrência de um contrato de seguro eletrônico de modo satisfatório e legal.
Segue-se o estudo com uma classificação do contrato de seguro eletrônico de acordo com as categorias de contratos eletrônicos utilizadas como base, para então, verificar de qual modo o Código de Defesa do Consumidor irá incidir sobre a nova perspectiva do instituto contratual.
Por fim, a sétima parte, trará as considerações finais sobre o assunto discutido, a fim de concluir o debate.
1 CONTRATO TRADICIONAL
O contrato tradicional é uma das expressões mais verossímeis da autonomia privada, o qual permeia o tecido social desde a Antiguidade até os tempos modernos.
O instituto contratual, segundo os ensinamentos de Caio Mário da Silva Pereira[2], pode ser compreendido como “um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos”. Para tanto:
“Seu fundamento ético é a vontade humana, desde que atue na conformidade da ordem jurídica. Seu habitat é a ordem legal. Seu efeito a criação de direitos e de obrigações”.
Como se nota, o contrato será, então, um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, no qual as partes, munidas de sua autonomia da vontade, criam, modificam e extinguem direitos e obrigações.
Contudo, o contrato não nasceu tal qual o conhecemos, muito pelo contrário, sofreu transformações tão intensas, que torna possível afirmar a inexistência de uma evolução no conceito de contrato, mas uma verdadeira mudança em sua concepção.
Na Antiguidade, como assevera Duque[3], o termo contrato não estava presente no Direito Romano, o qual tratava de forma geral as convenções, denominadas “stipulatio”. Tal gênero comportava duas espécies, quais sejam: o “contractus” e o “pactum”, que, respectivamente, representavam um instrumento de acordo revestido de formalidade e outro sem nenhuma forma.
As Codificações Modernas, por sua vez, devido à ressignificação dos valores sociais, influenciados pela corrente iluminista, romperam com os moldes contratuais advindos da fonte Romana e buscaram, sobretudo, inovar o instituto, de forma a revesti-lo com a liberdade contratual e o informalismo.
Dessa forma, o contrato deveria ser reflexo da real vontade humana, de forma a importar muito mais o que as partes desejavam, com a formulação de um acordo, do que a declaração das mesmas.
Nesse sentido, segundo Roppo[4], nasce, no seio das Codificações Modernas, como representação dos ideais dos séculos XVII à XIX, a autonomia da vontade, expressão designada a exprimir a liberdade contratual do homem, sua igualdade formal e, sobretudo, a sua autonomia e capacidade de realizar acordos.
Diante do referido quadro social, o contrato era formulado individualmente, como um artefato produzido pelos contraentes, em mesmo nível de capacidade de manifestação.
Assim, seria possível a confecção de cláusula por cláusula do acordo de vontades, específico para determinada situação, fato que tornaria o contrato lei entre as partes, de forma a não ser cabível nenhuma intervenção em seus aspectos, seja estatal ou individual.
No entanto, com o advento do capitalismo, caracterizado pela alta circulação de bens, riquezas e intensas transações comerciais, o “imperativo é, de fato, o de garantir a celeridade das contratações, a segurança e a estabilidade das relações” [5].
Em virtude disso, o contrato artesanal torna-se insatisfatório às necessidades do mundo contemporâneo, que clama pela substituição da importância atribuída “à vontade individual, às particularidades” [6] por uma “teoria da declaração” [7].
Tal teoria se caracteriza por priorizar o que o contraente externaliza como sua vontade, e que os demais contratantes, conseguem receber como informação, de acordo com os padrões sociais estabelecidos. O Objetivo seria, então, destaca Roppo:
“[…] de tutelar os interesses do destinatário da declaração, o qual tinha confiado no teor objetivo e socialmente perceptível desta: uma tutela de interesses individuais que – ao nível de todo o sistema – se converte justamente em garantia da segurança e da celeridade das trocas, da continuidade e estabilidade das relações de negócio.”[8]
Em outras palavras, como as relações contratuais contemporâneas se caracterizam pela agilidade da contratação e multiplicidades de vínculos entre vários contratantes, não é aceitável que os terceiros envolvidos, depositários de perspectivas, sujeitem-se aos desejos internalizados de uma das partes, que no momento da manifestação, não conseguiu externalizá-la.
Sendo assim, o foco da Teoria da Declaração é a vontade presente no contrato, sob as quais os terceiros envolvidos depositam suas expectativas, a partir da compreensão do seu conteúdo, o que demonstra a passagem de uma autonomia individual para uma autonomia privada.
Diante da alteração de uma perspectiva individualista do contrato, para uma maior padronização do mesmo, não houve a ruína do instituto, mas a sua intensa modificação, a fim de se adequar as necessidades contemporâneas.
Nascem, então, nesse cenário fértil, os contratos de adesão (standard) e a contratação em massa, os quais, de acordo a Roppo[9], são usuais quando grandes empresas, movidas pela intensão de contratar com uma grande quantidade de sujeitos, fornecem, antecipadamente, para a aceitação mecanizada de qualquer contraente interessado, condições gerais, cláusulas, objetivos “aplicáveis, indistintamente, a todas as relações da série”, e que, por isso, estão “sujeitas a uma mesma regulamentação”.
Entretanto, é válido ressaltar que tal transformação veio acompanhada de uma série de ações estatais preocupadas em não tornar o contrato um meio particular abusivo das grandes corporações.
Por conseguinte, a intervenção estatal, por meio de normas jurídicas protetoras dos hipossuficientes e regradoras das relações contratuais, ou seja, por meio do dirigismo contratual, concebeu ao mundo privado uma função social, de forma a garantir que o contrato não seja um instrumento individual egoísta, mas observe as necessidades sociais existentes.
Além da observância da função social e de outros princípios norteadores do contrato, é preciso que este preencha certos requisitos para sua devida configuração.
Tais requisitos, organizados em três planos distintos,
“[…] servem para a análise minuciosa e científica do contrato, uma vez que permite a dissecação de seus elementos de constituição, os pressupostos de validade e os fatores que eventualmente inferem na sua eficácia jurídica.”[10]
Sobre este aspecto, convém iniciar pelo plano da existência dos negócios jurídicos, e, portanto, dos contratos.
O plano da existência contém quatro requisitos a serem preenchidos, concomitantemente, para que o contrato possa existir, ou seja, ser configurado como tal.
O primeiro requisito é a manifestação da vontade, que, segundo França[11], consiste na conformidade de opiniões das partes para a configuração de uma relação jurídica, acerca de um objeto, seja de forma expressa ou tácita.
Ainda nos pressupostos de existência, devem encontrar-se, então presentes, os sujeitos que irão acordar sobre um objeto, de determinada forma.
Contudo, para validação de uma relação contratual, não basta a simples manifestação de vontade, é preciso que esta se forme autonomamente, pois a presença de qualquer vício provocará a nulidade do acordo e que os sujeitos, responsáveis por tal manifestação, sejam capazes.
É necessário ainda, segundo Gonçalves[12], que o objeto em questão seja lícito, ou seja, “aquele que não atenta contra a lei, moral ou os bons costumes”; possível física juridicamente, no sentido de ser razoável a sua execução pelo homem médio e ser permitido pelo ordenamento jurídico, e ainda, determinado ou determinável, ou seja, aquele objeto completamente especificado quanto sua quantidade, espécie e qualidade ou aquele “suscetível de determinação no momento de execução”, por só conter delimitado, inicialmente, a quantidade e espécie.
Acresça-se a tais requisitos a forma, “que é o meio de relação da vontade” [13] manifestada, que:
“[…] é, em regra, livre. As partes podem celebrar o contrato por escrito, público ou particular, ou verbalmente, a não ser nos casos em que a lei, para dar maior segurança e seriedade ao negócio exija a forma escrita, pública ou particular.” [14]
Sendo assim, segundo os ensinamentos de Gonçalves[15], é possível afirmar que a forma consensual é tida pelo ordenamento brasileiro como uma constante, aplicada sempre que a lei não exigir a forma escrita, tida, então como uma exceção.
Por último, assevera Gagliano e Pamplona Filho[16], há o plano da eficácia, o qual diz respeito às consequências jurídicas, quando o contrato passa a gerar efeitos no mundo.
É neste ambiente que os elementos incidentais encontraram oportunidade para atuarem, de forma a estabelecer condições, termos e encargos ao contrato.
A partir do exposto é oportuno reiterar que os requisitos atinentes ao instituto contratual são os mesmos dos negócios jurídicos, ou seja, aqueles expressos no artigo 104 do Código Civil. Entretanto, releva ponderar, que o contrato possui um requisito próprio, especificado como consentimento recíproco, e que se refere à necessidade de haver um acordo entre duas ou mais partes, revestidas da intenção de contratar, negociar.
Desta forma, a partir da configuração dos aspectos revelados, o homem, munido de sua autonomia, adequou o instituto do contrato as suas necessidades sociais, a fim de produzir acordos, capazes de produzir, transferir riquezas, criar, modificar e extinguir direitos e relações jurídicas.
2 CONTRATO ELETRÔNICO
Com o advento e consolidação do mundo capitalista o ambiente tecnológico ganhou um espaço extraordinário de atuação, de forma a, verdadeiramente, revolucionar o modo de vida dos cidadãos do novo século.
Nesse contexto, em que a evolução na comunicação permitiu que distâncias consideráveis fossem reduzidas e dificuldades quanto à transferência de informação fossem enfraquecidas, o ambiente contratual, antes restrito espacialmente, passa a ser realizado em escala global.
Sem dúvida, a busca por agilidade e estabilidade do mundo contratual encontrou vazão no instrumento de comunicação mais flexível, porém, sofisticado da sociedade atual: a internet.
Criada inicialmente para fins militares, a internet transformou-se em uma interface acessível, a qual pode ser identificada como:
“[…] uma rede de computadores ligados entre si, compreendendo ainda outras redes em escala global, perfazendo-se a conexão e comunicação por meio de um conjunto de softwares denominados TCP/IP (Transmission Control Protocol/Internet Protocol) […].”[17]
Em outras palavras, sua configuração permite que agentes, espacialmente distantes, possam interagir de forma imediata e com alta produção de conteúdo, por estarem ligados a uma rede global de comunicação, geralmente, ágil, que supre, portanto, a necessidade globalizada pela contratação em massa.
Ademais, devido à simplificação dos sistemas e preocupação com a “alfabetização digital”, os Estados, influenciados pela onda tecnológica do século, incentivaram a inserção e multiplicação desse meio de comunicação, de modo a criar uma massa digital, altamente produtiva e criativa.
Diante dessas novas formas de interação, o cenário contratual se renovou e “o Direito como um todo, independentemente da área de especialização, vê-se em face de fatos novos que o instam a manifestar-se, abrigando os que lhe são conformes, regulando os que não são” [18].
Para tanto, é preciso analisar a nova faceta do instituto contratual, denominado contrato eletrônico, caracterizado, principalmente, pela celeridade e massificação.
Os contratos eletrônicos, segundo Bacelar[19], podem ser definidos:
“[…] como todo acordo de vontade, que modificam, criam ou extinguem direitos, celebrado por meio eletrônico, não sendo necessária à sua celebração a utilização de suporte físico para a exteriorização da declaração de vontade.”
Como se nota, os contratos eletrônicos não constituem um novo instituto jurídico, ao contrário, representam uma nova face do contrato tradicional, expresso pela plataforma digital.
Portanto, constituem em uma nova forma de “convergência de vontade com o intuito de produzir um efeito jurídico”[20], que se diferenciam do contrato tradicional, somente, pelo meio de manifestação e concretização das vontades.
Sendo assim, os contratos eletrônicos devem apresentar, analogamente aos contratos tradicionais, os requisitos de existência, validade e eficácia dos negócios jurídicos, assim como os seus princípios norteadores, seguidos de algumas adequações.
Como ressalta Barbagalo[21], deve-se possuir uma especial atenção quanto ao requisito da capacidade das partes no tocante a contratação eletrônica, pois esse meio permite a manifestação de vontade sem o contato físico, e, portanto, abre a possibilidades para vícios comuns, como a manifestação de um sujeito incapaz juridicamente para firmar contratos, mas também, característicos do mundo digital, como comandos puramente artificiais.
Decorre também, desse distanciamento físico, a necessidade de observância de alguns “elementos fundamentais da contratação eletrônica”[22], que a tornam tão segura quanto à contratação tradicional.
O primeiro elemento a ser respeitado pelos contraentes é a autenticidade, a qual deve ser relativa às partes, no que diz respeito a sua verdadeira identificação, e à comunicação estabelecida entre os contratantes, para “assegurar ao agente a veracidade das informações trocadas” [23].
Outro ponto é a integridade das informações transmitidas, as quais são facilmente modificadas, devido ao uso do meio eletrônico, mas que para garantir a validade do contrato estabelecido, deve permanecer inalterada até a conclusão do acordo.
Por último, destaca Bacelar[24], existe a privacidade e confidencialidade como objetivos a serem alcançados pelas partes na contratação virtual, visto que ao fechar um acordo é comum e necessária a troca de informações pessoais ou comerciais, muitas vezes sigilosas, que requerem o devido respeito e proteção pela outro contraente, o qual deve resguardá-las.
Decorrente do dever de proteger a informação prestada ao fechamento do negócio cabe ao contraente, que obteve tais informações, usá-las apenas para os fins permitidos, pois:
“[…] o uso indevido de tais informações, mesmo por aqueles que detenham o acesso às informações em questão, considera-se quebra de confidencialidade, devendo ser apurada a responsabilidade civil e penal”[25].
Quanto às peculiaridades dos contratos eletrônicos, cumpre indagar se a formação do contrato eletrônico segue as regras atinentes aos contratos entre presentes e, portanto instantâneos, ou entre ausentes, que implica na ocorrência de um lapso temporal.
Para analisar a questão, é preciso esclarecer que o momento da formação do contrato eletrônico será, assim como no contrato tradicional, a ocasião em que há a convergência de interesses das partes, ou seja, quando existir a proposta e a respectiva aceitação, a partir do qual o contrato passa a gerar efeitos jurídicos.
No cenário virtual, a flexibilidade é uma característica inata e, por isso, é possível afirmar que existem situações de contratos firmados instantaneamente, ou seja, como se tivessem se concretizado entre presentes, e situações que pressupõe o lapso temporal.
No que tange às situações instantâneas, os contratos eletrônicos se manifestam pelas relações estabelecidas on-line, como compras em home pages, largamente utilizadas na atualidade, e que seguem as regras atinentes aos acordos firmados entre presentes, no sentido de que o contrato se torna válido no momento em que houve a aceitação do oblato, geralmente manifestada em um clique.
As situações em que os contratos são firmados por mensagens eletrônicas, como e-mails ou mensagens de redes sociais, por sua vez, sujeitam-se a Teoria da Recepção de acordo ao Enunciado 173 da Terceira Jornada de Direito Civil[26], ou seja, considera o contrato válido a partir do momento em que o proponente recebe a aceitação.
Em socorro aos óbices destacados acima, o direito contemporâneo, com intuito de acompanhar a dinamicidade social, apresenta algumas soluções como assinatura digital, estabelecida pela Medida Provisória[27] 2.200-2 de 24 de agosto de 2001, que dentre outras providências, procura consolidar um sistema de certificação digital no Brasil:
“Art. 1o Fica instituída a Infra-Estrutura de Chaves Públicas Brasileira – ICP-Brasil, para garantir a autenticidade, a integridade e a validade jurídica de documentos em forma eletrônica, das aplicações de suporte e das aplicações habilitadas que utilizem certificados digitais, bem como a realização de transações eletrônicas seguras.”
Sendo assim, a assinatura digital, salienta Angela Bittencourt[28], usa da criptografia para criar códigos, formados por um conjunto de números, letras e símbolos, que deve ser inovada a cada tentativa de acesso ao documento.
Como se fossem chaves de acesso a um pacote de dados, a assinatura digital, seja ela pública ou privada, permite que as transações na rede se tornem seguras, além de possibilitar a verificação da capacidade jurídica das partes e a veracidade das informações contidas.
Contudo, vale salientar que a instituição do ICP – Brasil se deu por meio de uma Medida Provisória, o que, segundo Moreira[29], acarreta na “inexistência de um amplo debate no senado e na câmara”, assim como na restrição de tratamento da matéria.
Em razão disso, a comunidade brasileira ainda carece de legislação específica sobre o assunto, que seja capaz de abordar todas as formas de relação por meio da internet, principalmente no que tange o comércio eletrônico.
Assim, está tramitando no Congresso Nacional um Projeto de Lei nº 7316/2002[30], apresentada pelo Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, que pretende substituir a atual legislação, de forma a corrigir todos os enganos advindos da última, assim como adequar o sistema brasileiro as direções fornecidas pela UNCITRAL[31], United Nations Comission on International Trade Law.
Outro avanço no sentido de proporcionar um avanço nos contratos firmados por meio eletrônico, foi a criação da Câmara Técnica de Documentos Eletrônicos, CTDE, pelo “Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ –, em 1995 (Portaria n°8, de 23/8/1995)” [32], com sua respectiva reformulação feita em 2002 pela Portaria n°8.
A referida Câmara além de ter o propósito de “definir e apresentar ao Conselho Nacional de Arquivos normas, diretrizes, procedimentos técnicos e instrumentos legais sobre gestão arquivística e preservação dos documentos digitais, em conformidade com os padrões nacionais e internacionais”[33], possui um glossário que permite uma padronização dos termos e significações utilizadas nas relações digitais, de forma a proporcionar uma maior confiabilidade do seu conteúdo.
Deste modo, é possível notar que mesmo sendo uma nova faceta do meio mais acentuado de expressão da autonomia privada, o contrato eletrônico é uma realidade no mundo contemporâneo e, por isso, merece esforços para sua satisfatória compreensão.
2.1 CLASSIFICAÇÃO DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS
A necessidade de sistematização dos contratos eletrônicos justifica-se a partir da ideia de que uma melhor organização torna possível um maior aprofundamento e, consequente, especialização no assunto.
Sendo assim, os contratos eletrônicos podem ser classificados de diferentes formas, sobre diversos critérios.
Contudo, para o objetivo almejado no presente trabalho, buscou-se uma classificação, apresentada por Barcelar[34], acerca dos contratos eletrônicos simples, porém essencial para a identificação dos sistemas legais que incidiram em cada setor.
Deste modo, os contratos podem ser classificados em quatro categorias, que se distinguem pelas “características das partes contratantes”, em “B2B (business to business)”; “B2C (business to consumer)”; “B2G (business to government)” e “C2C (consumer to consumer)”.
A categoria B2B pode ser entendida como aquele contrato firmado entre duas ou mais partes que “exercem profissionalmente determinada atividade”, já os contratos B2C, são aqueles contratos realizados entre uma parte produtora de atividade e um consumidor.
O grupo dos contratos B2G é aquele que envolve o acordo de vontade entre uma parte produtora de atividade comercial e um “ente público”, e o C2C, está relacionado aos contratos firmados entre consumidores.
É de suma importância destacar, que a partir da classificação exposta é possível diferenciar o tipo de atuação estatal legiferante, concebida por meio do dirigismo contratual, vai incidir no caso, de forma a evitar os abusos decorrentes de vantagens econômicas.
3 CONTRATO DE SEGURO
O contrato de seguro é um dos meios contratuais mais utilizados e de extrema importância na sociedade moderna. Isso se deve ao fato de que em uma sociedade capitalista, onde as transações comerciais são massificadas, há uma intensa busca por agilidade, mas também, por estabilidade dessas relações, já que o elemento risco está presente de forma constante.
Nesse sentido, o contrato de seguro se mostra como fonte da estabilidade tão almejada pelo modo de produção capitalista, de forma a possibilitar que inúmeras relações, antes tidas como inviáveis, se tornem possíveis, o que transforma o instituto do seguro um elemento basilar de configuração da sociedade privada atual.
Definido como aquele contrato em que:
[…] uma das partes (segurador) se obriga para com a outra (segurado), mediante o pagamento de um prêmio, a garanti-lhe interesse legítimo relativo à pessoa ou a coisa e a indenizá-la de prejuízo decorrente de riscos futuros, previsto no contrato[35],
o contrato de seguro pressupõe duas partes que se obrigam conjuntamente, por meio de um contrato, regulado pelo Código Civil brasileiro e leis esparsas, a contraírem obrigações tendo em vista um fato futuro e imprevisível, que pode ou não ocorrer: o sinistro.
Sendo assim, como destaca Gonçalves, o “seu elemento principal é o risco” [36], o qual será transferido do segurado, “aquele que possui interesse direito na conservação da coisa ou da pessoa” [37], para o segurador, “aquele que suporta o risco” [38], mediante o pagamento de um prêmio, estabelecido em cotas periódicas.
Caso o sinistro venha a ocorrer, o segurador, por força do contrato é obrigado a indenizar o segurado, pelos danos sofridos na ocorrência do fato eventual. Contudo, se o sinistro nunca vier a se concretizar o segurador continua a mercê do risco, que não pode ser previamente mesurado, de ocorrer o evento danoso.
Deste modo, é possível notar que o contrato de seguro, segundo seus moldes tradicionais, é um contrato bilateral por trazer para ambos os contraentes obrigações a serem cumpridas, oneroso, no sentido de conferir a ambas as partes sacrifício patrimonial, mesmo que previamente para o segurado, já que este se obriga ao pagamento mensal de cotas, e posteriormente ao segurador, já que o sacrifício para esta parte só advém com a ocorrência do sinistro.
É ainda, um contrato aleatório, aquele em pelo menos uma das partes não tem como mensurar o seu sacrifício patrimonial devido à presença do elemento risco, de execução sucessiva ou continuada, de forma que a sua execução se estende pelo tempo, na forma do pagamento de cotas periódicas e de adesão, aquele contrato pré-formulado por uma das partes, no qual a aceitação vem por um ato de aderência, sem que houvesse a oportunidade de negociação das cláusulas contratuais e que por isso, enseja uma grande incidência das normas de proteção dos hipossuficientes, no que diz respeito ao Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Por último e como ponto central a que se debruça o presente trabalho, cabe analisar se o contrato de seguro caracteriza-se ou não como um contrato formal, ou seja, aquele que exige para a sua validade a forma escrita, seja por instrumento público ou privado.
A consequência imediata da definição do contrato de seguro como um contrato formal ou informal se consolida na aceitação doutrinária quanto a possibilidade de realização desse tipo contratual por meio eletrônico.
Diante da questão, o embate doutrinário se dedica a demonstrar de um lado a formalidade desse tipo contratual, baseado na literalidade de diversas leis brasileira, e de outro, a constatação fática de que o contrato de seguro é contrato consensual, que em sua etapa de elaboração pode dispensar a forma, embora destaquem a importância da manutenção dos documentos escritos, para a garantia da segurança das partes.
Dispõe, respectivamente, o Código Civil brasileiro em seu artigo 759, a Circular do Superintendência de Seguros Privados[39] (SUSEP) de n° 251/04 e o Decreto-lei 73/66:
“Código Civil, “Art. 759: A emissão da apólice deverá ser precedida de proposta escrita com a declaração dos elementos essenciais do interesse a ser garantido e do risco.” [40]
Circular SUSEP n° 251/04, “Art. 1°: A celebração ou alteração do contrato de seguro somente poderá ser feita mediante proposta assinada pelo proponente ou por seu representante legal, ou, ainda, por expressa solicitação de qualquer um destes, pelo corretor de seguros, exceto quando a contratação se der por meio de bilhete.” [41]
Decreto-lei 73/66, “Art. 9º Os seguros serão contratados mediante propostas assinadas pelo segurado, seu representante legal ou por corretor habilitado, com emissão das respectivas apólices, ressalvado o disposto no artigo seguinte.” [42]
Diante do exposto, é inegável a intenção do legislador de exigir a forma para a formulação válida do contrato de seguro. Contudo, cabe a ressalva que tais dispositivos legais remontam de tempos em que o meio eletrônico como via contratual não estava difundido e, por isso, não houve a preocupação em adequar a modalidade contratual, o que não impede que parte doutrinária se atenha a literalidade da lei, a fim de defender a necessidade da forma para o contrato de seguro.
Por outro enfoque, defende-se que o contrato de seguro seria consensual, ou seja, sem a necessidade da forma escrita para a sua formação válida, pois
“[…] embora a lei esteja redigida em termos que fazem presumir a vinculação de sua eficácia à forma escrita, em verdade esta não é da substância do contrato, senão com a forma ad probationem tantum”.[43]
Em outras palavras, a forma escrita não é necessária no momento da formação válida do contrato, de modo que este possa ser firmado consensualmente, apesar de ser necessária como meio de prova da relação contratual.
Isso se deve ao fato de que a SUSEP ao regular o armazenamento dos contratos de seguro, na Circular n° 74/99, ressaltou a necessidade de manutenção de uma via original ou cópia microfilmada, diante da faculdade de possuir uma cópia digitalizada do documento.
“Art. 9°: As Sociedades Seguradoras, as Entidades Abertas de Previdência Privada, as Sociedades de Capitalização e as Corretoras de Seguros, Previdência Privada Aberta e Capitalização deverão manter em seus arquivos, pelos prazos definidos nesta Circular, os originais ou cópias microfilmadas dos documentos relativos aos contratos firmados em decorrência de suas operações.
Parágrafo único. Sem prejuízo do arquivamento dos documentos originais ou microfilmados estabelecido no "caput", fica facultada, para efeito de fiscalização no âmbito da SUSEP, a adoção de procedimento de armazenamento dos documentos mencionados em qualquer meio de gravação eletrônica ou magnética, em sistema ou equipamento de telecomunicações ou outro equipamento similar, desde que tais arquivos possam ser acessados prontamente pela Fiscalização que, quando entender necessário, conferirá prazo para a apresentação dos originais.”[44]
Sendo assim, mesmo aqueles doutrinadores que entendem o contrato de seguro como um tipo consensual, ao adotarem a posição de manutenção de um conjunto de documentos ainda na forma impressa, concomitante ou não, com a forma digital, acabam, em última medida, a ratificar a necessidade da forma para o contrato de seguro.
Contudo, diante a aceitação do Código de Processo Civil (CPC) de documentos eletrônicos como meio de provas, acredita-se que não há mais óbices à contratação eletrônica, mesmo no que diz respeito ao contrato de seguro, pois é preciso que o direito, como seara indispensável à vida social, se adeque as necessidades e expectativas reais do mundo contemporâneo.
“Art. 332. Todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.[45]
Art. 365. Fazem a mesma prova que os originais:[…]
VI – as reproduções digitalizadas de qualquer documento, público ou particular, quando juntados aos autos pelos órgãos da Justiça e seus auxiliares, pelo Ministério Público e seus auxiliares, pelas procuradorias, pelas repartições públicas em geral e por advogados públicos ou privados, ressalvada a alegação motivada e fundamentada de adulteração antes ou durante o processo de digitalização.[46]
Deste modo vale demostrar, que o Código de Processo Civil apoiado pela Instrução n° 19 da SUSEP[47], no seu artigo 37, a qual autoriza a contratação se seguro por via eletrônica e pela Medida Provisória 2.200/01[48], que no seu artigo 10°, parágrafo 1° dispõe sobre a veracidade presumida de autenticidade dos documentos eletrônicos que possuam a certificação digital, nos permite defender não só que o contrato de seguro pode ser firmado de forma satisfatória através do meio eletrônico, mas também que consiste em uma forma segura, ágil e de eficaz carga probatória.
Em virtude de defender a possibilidade de realização de um contrato de seguro por meio eletrônico faz-se mister salientar que este se encontrará na categoria B2C dos contratos eletrônicos, pois decorrente de sua própria configuração não caberia outra forma classificatória.
Sendo assim, todos os dispositivos atinentes às relações consumeristas devem ser aplicadas também nessa faceta do contrato de seguro, assim como se fosse aplicado no contrato de seguro tradicional, pois como já destacado, os contratos realizados por meio eletrônico não representam uma nova modalidade, mas uma nova perspectiva do contrato de seguro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao percorrer o instituto do contrato tradicional e sua nova faceta, expressa pelo contrato eletrônico, foi possível demonstrar que as relações humanas irão, ao longo do tempo, sofrer diversas transformações, as quais o direito, por ser indispensável à própria organização social, deverá acompanhar.
Sendo assim, constatou-se que até mesmo o contrato de seguro, tido como um contrato formal encontrou no meio eletrônico um campo para sua atuação, de modo a preencher as necessidades de agilidade e segurança do mundo capitalista, marcado pela contratação em massa.
Para tanto, mesmo que ainda inexista legislação específica sobre o assunto é inegável que a nova forma de expressão da autonomia privada pode ser livremente exercida, sem prejuízos às diretrizes básicas do ordenamento pátrio.
Contudo, é indispensável ressaltar que os esforços para a formulação de um conjunto de normas eficaz e atualizada é de extrema importância para a sociedade brasileira, visto que trará mais segurança jurídica para relações contratuais e, principalmente, para garantir aos hipossuficientes uma situação paritária.
Portanto, diante do quadro legiferante ainda insuficiente, os estudos e produções sobre os novos aspectos da contratação moderna, se mostram importantes para a organização e compreensão do que a sociedade brasileira, revestida com suas peculiaridades, entende como imprescindível para o estabelecimento das suas relações contratuais.
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O atestado médico é um documento essencial para justificar a ausência do trabalhador em caso…
O cálculo da falta injustificada no salário do trabalhador é feito considerando três principais aspectos:…
A falta injustificada é a ausência do trabalhador ao trabalho sem apresentação de motivo legal…