Os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro: análise das relações entre o Direito Internacional Público e o Direito Interno Estatal

Resumo: Das relações travadas entre o Direito Internacional e o Direito interno surgem discussões que buscam determinar a posição hierárquica do Direito Internacional frente ao Direito Interno e solucionar os conflitos, porventura existentes, entre normas internacionais e as normas internas de cada ordenamento jurídico. A questão, embora seja de interesse global, não apresenta um regramento uniforme e universal, uma vez que recebe tratamento diferente de acordo com o Direito Constitucional de cada Estado.O presente trabalho tem com objetivo analisar as relações existentes entre o Direito Internacional e o Direito interno. Tal análise servirá de pano de fundo para o estudo específico do ordenamento jurídico brasileiro e da sua relação com o Direito Internacional Público.


Palavras-chave: tratados internacionais; corrente dualista; corrente monista; direitos humanos.


Sumário: 1. Introdução; 2. As relações entre Direito Internacional Público e o Direito interno; 2.1 A corrente dualista; 2.2 A corrente monista; 2.1.1 O monismo com primado do Direito interno; 2.1.2 O monismo com primado do Direito Internacional; 2.2 O posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro; 3. Os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro; 3.1 O conceito de tratados internacionais; 3.2  Plano da existência: o procedimento de incorporação dos tratados internacionais; 3.3 Plano da validade; 3.3.1 A posição hierárquica dos tratados internacionais; 3.3.2 O conflito entre tratados internacionais e normas internas; 3.3.3 Os tratados internacionais de direitos humanos e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal; 3.4 Plano da eficácia: os efeitos da internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno; 4. Conclusão; 5. Referências


1. INTRODUÇÃO


O Direito Internacional surge da necessidade, diante da coexistência de diversas ordens jurídicas heterogêneas, de pôr fim aos conflitos normativos entre Estados, de estabelecer o consenso entre os diversos ordenamentos internos.


Das relações travadas entre o Direito Internacional e o Direito interno surgem discussões que buscam determinar a posição hierárquica do Direito Internacional frente ao Direito Interno e solucionar os conflitos, porventura existentes, entre normas internacionais e as normas internas de cada ordenamento jurídico. A questão, embora seja de interesse global, não apresenta um regramento uniforme e universal, uma vez que recebe tratamento diferente de acordo com o Direito Constitucional de cada Estado.


O presente trabalho tem com objetivo analisar as relações existentes entre o Direito Internacional e o Direito interno. Tal análise servirá de pano de fundo para o estudo específico do ordenamento jurídico brasileiro e da sua relação com o Direito Internacional Público.


O primeiro capítulo analisará as propostas trazidas pela doutrina dualista e as propostas apresentadas pela doutrina monista e suas vertentes – monismo com primado do Direito interno e monismo com primado do Direito Internacional – para solucionar os questionamentos acerca da posição hierárquica a ser ocupada pelo Direito Internacional frente aos ordenamentos internos de cada Estado.


O segundo capítulo analisará as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno brasileiro, mais especificamente a relação do Direito brasileiro com os tratados internacionais. O objetivo do segundo capítulo é analisar os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro tendo como base os três planos do mundo jurídico: plano da existência, plano da validade e plano da eficácia.


Inicialmente será estudada a forma como os tratados internacionais passam a existir no ordenamento interno brasileiro. De acordo com a concepção adotada pela jurisprudência brasileira será analisado o procedimento de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento interno.


No plano da validade serão analisadas as possibilidades de conflitos entre normas internas e tratados e a solução a ser adotada para cada caso. Neste item serão analisadas ainda as peculiaridades dos tratados internacionais de direitos humanos e a forma de solução de conflitos, porventura existentes, entre normas internas e estes tratados específicos.


Por fim, os tratados serão analisados no plano da eficácia. Neste tópico serão estudados os efeitos da internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno e a necessidade de o Estado criar garantias para tornar os direitos insertos nos tratados internacionais efetivos no plano interno.


2. AS RELAÇÕES ENTRE DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO E O DIREITO INTERNO


As relações entre o Direito Internacional e o Direito interno geram diversas discussões doutrinárias que tentam solucionar as questões teóricas – estudo da hierarquia do Direito Internacional frente ao Direito interno estatal – e práticas – soluções para situações de conflitos, porventura existentes, entre normas de Direito Internacional e regras de Direito interno – advindas desta relação.


Tais discussões são bastante antigas na doutrina jurídica, mas de extrema relevância, ainda nos dias de hoje, uma vez que tentam solucionar a questão da eficácia e aplicabilidade do Direito Internacional na ordem jurídica interna dos Estados[1].


Na tentativa de solucionar tais questões, surgiram diversas teorias, dentre as quais se destacam a teoria dualista e a teoria monista. Estas teorias discutem se o Direito Internacional e o Direito interno dos Estados são duas ordens jurídicas distintas e independentes (teoria dualista) ou se o Direito Internacional e o Direito interno formam uma única ordem jurídica (teoria monista)[2].


A importância do estudo dessas doutrinas revela-se no fato de que, a depender da doutrina acolhida por cada Estado, a forma de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento interno será diversa.


2.1 A corrente dualista


A expressão “dualismo” foi cunhada por Alfred von Verdross[3] em 1914 e adotada posteriormente por Carl Heinrich Triepel[4], na Alemanha, e Dionisio Anzilotti[5], na Itália, dentre outros autores.


Para os autores dualistas, o Direito Internacional e o Direito interno representam dois sistemas diferentes e independentes, pois apresentam diferentes relações sociais (o único sujeito de direito na ordem internacional é o Estado enquanto que, na ordem interna, tem-se o homem também como sujeito de direito), apresentam fontes específicas (o Direito interno é resultado, exclusivamente, da vontade do Estado soberano; a fonte do Direito Internacional, por outro lado, nasceria da vontade coletiva de vários Estados – convergência de interesses recíprocos[6]) e regulam matérias diversas (ao Direito Internacional caberia, sobretudo, a função de regular as relações entre os Estados ou entre estes e as organizações internacionais; ao Direito interno, por outro lado, caberia a função de regular a conduta do Estado com os seus indivíduos[7]).


Apresentando os dois ordenamentos jurídicos diferentes esferas de atuação, não poderia, segundo os dualistas, haver nenhum tipo de conflito entre os dois e nem o que se falar de supremacia de um sobre o outro[8].


Segundo esta corrente, para que um compromisso internacional (como, por exemplo, um tratado internacional) assumido pelo Estado tenha impacto ou repercussão no cenário normativo interno, faz-se necessário que o Direito internacional seja transformado, através do processo da adoção ou transformação, em norma de Direito interno[9].


Para os dualistas não existe, portanto, a possibilidade de um conflito entre uma norma internacional e uma norma de Direito interno, pois, diante da necessidade de transformação da norma internacional em norma de Direito interno, no caso da existência de conflito este se dará sempre entre duas disposições nacionais[10]


Diante deste raciocínio, é possível concluir que, para os dualistas, a lei interna de cada Estado prevalece sobre a norma internacional[11].  


Cumpre destacar que existe uma corrente dualista considerada moderada. Para essa vertente da doutrina dualista não é necessária a edição de uma lei interna para que um tratado internacional passe a ter repercussão no ordenamento interno de um Estado, bastaria apenas um ato formal de internalização (um decreto ou um regulamento, por exemplo)[12].


O Estado, ao firmar um tratado internacional, obriga-se moralmente a incorporar os preceitos do tratado no seu ordenamento interno. Para os dualistas, no caso de o Estado não proceder à incorporação legislativa do tratado no seu ordenamento interno, levando em consideração essa independência entra as duas ordens jurídicas, a consequência será a responsabilização do Estado tão somente no plano internacional[13].


A doutrina dualista é bastante criticada, sobretudo porque, ao reconhecer que o ordenamento internacional e o ordenamento interno são sistemas antagônicos não atenta para o fato de que um deles será, inevitavelmente, não-jurídico, pois não é possível entender como direito dois sistemas contrapostos[14].


2.2 A corrente monista


A corrente monista, em total oposição à concepção dualista, sustenta a existência de uma única ordem jurídica. Para os monistas o Direito Internacional e o Direito interno são dois ramos do direito que compõem um só sistema jurídico; tal sistema jurídico uno está baseado na identidade dos sujeitos que o compõe e na identidade das fontes (sempre objetivas e não dependentes da vontade dos Estados)[15].


Para esta corrente doutrinária o Direito Internacional aplica-se na ordem jurídica dos Estados independentemente da sua transformação em norma interna.  A doutrina monista adota a sistemática da recepção que determina que assinado e ratificado um tratado por um Estado, este assume um compromisso jurídico, não sendo necessária a edição de um novo diploma normativo[16].


Com a doutrina monista aparece um problema que não existe no âmbito da doutrina dualista: o de determinar, em caso de conflito, qual ordem jurídica deve prevalecer, se a ordem interna ou a ordem internacional[17].


A doutrina monista, neste ponto, divide-se em duas: uma parte que entende que, havendo um conflito, deverá prevalecer a ordem jurídica nacional de cada Estado – é o monismo com prevalência do Direito interno ou monismo nacionalista; outra parte da doutrina entende que a primazia é da ordem internacional em detrimento do Direito interno – monismo com prevalência do Direito Internacional ou monismo internacionalista[18].


2.2.1 O monismo com primado do Direito interno


A doutrina monista nacionalista surge com a Revolução Francesa[19] e encontra seu fundamento filosófico na visão hegeliana do Estado – Estado como ente cuja soberania é irrestrita e absoluta[20]. Para esta corrente doutrinária, também conhecida como monismo nacionalista, a primazia é do Direito nacional de cada Estado soberano sobre o Direito Internacional[21].


Segundo essa concepção, o Direito Internacional retira a sua obrigatoriedade do Direito interno e a Constituição do Estado determinará o grau hierárquico a ser atribuído às normas internacionais escritas e costumeiras[22]. Sendo assim, a adoção dos preceitos de Direito Internacional na ordem interna seria uma mera faculdade discricionária de cada Estado soberano[23].


Para o monismo nacionalista cada Estado, no exercício da sua soberania, só encontra limitação no arbítrio de um outro Estado[24]. As normas de Direito Internacional Público não representariam uma limitação ao Estado soberano, uma vez que a validade destas normas internacionais dependeria da vontade do Direito interno de cada Estado[25].


Os defensores do monismo com predomínio do Direito interno fundamentam sua posição em basicamente dois argumentos: a competência para concluir tratados internacionais é determinada pela Constituição de cada Estado, ou seja, a obrigatoriedade do Direito Internacional emana de uma norma interna[26]; e a inexistência, no plano internacional, de uma autoridade que obrigue os Estados a cumprirem os compromissos internacionais, sendo assim, cada Estado estaria livre para determinar suas obrigações internacionais[27].


A teoria monista com primado do Direito interno é bastante criticada principalmente pelo fato de reduzir o Direito Internacional a um Direito estatal e, desta forma, acaba negando a existência do Direito Internacional como um direito independente[28].


2.2.2 O monismo com primado do Direito Internacional


A corrente do monismo com primado do Direito Internacional ou monismo internacionalista foi desenvolvida principalmente pela Escola de Viena e passou a ter aceitação majoritária pelos teóricos de todo o mundo no período pós Segunda Guerra Mundial[29]; esta corrente sustenta a existência de uma única ordem jurídica na qual a primazia é do Direito Internacional e a ele se ajustariam todas as ordens internas[30].


Hans Kelsen, jurista da Escola de Viena, defende a visão monista do ponto de vista do Direito Internacional[31]. Kelsen apresentou, inicialmente, uma teoria da livre escolha: de acordo com a pirâmide de normas proposta pelo autor uma norma tem a sua origem e retira a sua obrigatoriedade da norma que lhe é imediatamente superior. No ápice dessa pirâmide encontra-se a norma fundamental, a norma base e, segundo essa teoria da livre escolha, caberia a cada jurista escolher qual seria essa norma fundamental[32].


Posteriormente, Kelsen, defensor do monismo internacionalista, passou a considerar a norma fundamental como sendo uma norma de Direito Internacional, qual seja, a norma costumeira pacta sunt servanda que determina que os contratos firmados pelos Estados são obrigatórios para as partes[33].


De acordo com o monismo internacionalista o Direito interno deriva do Direito Internacional que representa uma ordem jurídica hierarquicamente superior[34]; desta forma, o Direito Internacional limitaria o poder soberano dos Estados determinando, inclusive, a inaplicabilidade das normas estaduais contrárias às normas internacionais[35].


Pontes de Miranda apresenta o Direito Internacional como um círculo maior que abrange os Estados (círculos menores) e estes, por conseguinte, encontram-se submetidos ao Direito Internacional[36].


Segundo Pontes de Miranda o Direito das Gentes colore a periferia do Estado, enquanto o Direito interno colore o interior do Estado e constitui o ordenamento jurídico da conduta humana, ligado a cada Estado; em outras palavras, Pontes de Miranda concebe o Estado como periferia envolvida pelo Direito das Gentes[37].


Está claro que para Pontes de Miranda a comunidade estatal faz parte da comunidade supra-estatal e a existência daquela só tem sentido dentro da comunidade supra-estatal:


“A comunidade supra-estatal não se identifica com a comunidade dos Estados. A realidade mostra que é superficial e errada a identificação. Não só os Estados são elementos da comunidade supra-estatal. A comunidade dos Estados não tem outro sentido que o de parte da comunhão supra-estatal. A aparição de um Estado é, para a ordem jurídica supra-estatal e interestatal, como o nascimento do indivíduo para a ordem jurídica interna ou inter-estatal’[38].


Segundo Pontes de Miranda a ordem jurídica estatal não é absoluta nem suprema; se há soberania no sentido de poder supremo tal poder encontra-se na comunidade supra-estatal. A soberania dos Estados está reduzida ao poder de organizar a ordem jurídica e de atuar no branco deixado pelo Direito supra-estatal[39].


Para a corrente monista internacionalista, havendo conflito entre normas de Direito Internacional e normas de Direito Interno, o ato internacional irá prevalecer sobre a norma interna que lhe seja contrária[40].  Não há, portanto, duas ordens jurídicas coordenadas, mas sim uma relação de subordinação do Direito interno ao Direito Internacional que lhe é superior[41].


A existência de normas internas que sejam contrárias ao Direito Internacional resultará na responsabilização internacional do Estado. A responsabilização internacional é instituto utilizado pelo sistema jurídico internacional como forma de manter a supremacia do Direito Internacional frente às ordens jurídicas nacionais[42].


O primado do Direito Internacional sobre o Direito interno é visto como uma condição de existência do próprio Direito Internacional, uma vez que, negando esta superioridade do Direito Internacional os Estados seriam soberanos absolutos e não estariam, portanto, subordinados a nenhuma outra ordem jurídica superior[43].


2.3 O posicionamento do ordenamento jurídico brasileiro


A jurisprudência internacional defende, unanimemente, a primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno dos Estados[44].


No plano interno vários Estados adotam expressamente em suas Constituições regras sobre as relações entre o Direito Internacional Público e o Direito interno. Todavia, a supremacia do Direito Internacional sobre o Direito interno estatal não é uma concepção adotada de maneira uniforme nos ordenamentos jurídicos estatais[45].


Alguns países como Alemanha, Estados Unidos e Itália adotam em suas Constituições cláusulas de adoção global das regras do Direito Internacional Público pelo Direito interno e regras que conferem primazia às normas de Direito Internacional; outros países também adotam a cláusula de adoção global das regras do Direito Internacional, mas não estabelecem a primazia do Direito Internacional sobre as normas de Direito interno[46]; e outros estabelecem a primazia do Direito Internacional sobre as normas de Direito interno apenas no que diz respeito aos tratados internacionais que versam sobre direitos humanos[47].


Por outro lado, existem países que nada dispõem em suas Constituições sobre as relações entre o Direito Internacional e o Direito Interno. Este é propriamente o caso da Constituição brasileira de 1988. Nenhum artigo da Constituição de 1988 determina expressamente a posição adotada pelo ordenamento jurídico interno: se adota a teoria que consagra o primado do Direito interno ou a concepção que consagra a primazia do Direito Internacional[48].


As relações existentes entre o Direito Internacional e o Direito interno brasileiro – a forma de incorporação das normas de Direito Internacional no ordenamento interno, a questão da hierarquia do Direito Internacional frente ao Direito interno e a forma de resolução dos conflitos porventura existentes entre as duas ordens – deverão, portanto, ser estudadas com base na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e nas doutrinas nacionais que tratam do assunto.


A análise das relações entre o Direito Internacional e o Direito interno brasileiro será objeto de estudo do próximo capítulo.


3. OS TRATADOS INTERNACIONAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO


O presente capítulo tem como objetivo analisar as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno brasileiro. Tal capítulo pretende analisar a concepção adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro para o procedimento de incorporação dos tratados internacionais no ordenamento jurídico interno, a solução adotada para os casos de conflito entre tratados internacionais e normas internas, o caso específico dos tratados internacionais de direitos humanos e os efeitos da internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno.


3.1 O conceito de tratados internacionais


Os tratados são considerados uma das fontes do Direito Internacional positivo e podem ser conceituados como todo acordo formal, firmado entre pessoas jurídicas de Direito Internacional Público, tendo por finalidade a produção de efeitos jurídicos[49].


A denominação ‘tratado’ é genérica, mas, de acordo com a sua forma, o seu conteúdo, o seu objeto ou o seu fim, podem ser adotadas outras denominações como, por exemplo, convenção, declaração, protocolo, convênio, acordo, ajuste, compromisso[50].


A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 1969, surgiu da necessidade de disciplinar e regular o processo de formação dos tratados internacionais[51]. O Brasil assinou a Convenção em 23 de maio de 1969, mas, até a presente data, ainda não a ratificou.


Os tratados internacionais apenas serão aplicados entre os Estados que consentiram expressamente com a sua adoção no livre e pleno exercício de sua soberania, ou seja, os tratados não criam obrigações aos Estados que com eles não consentiram, mas apenas para os Estados partes; os tratados são, portanto, expressão do consenso[52].


3.2 Plano da existência: o procedimento de incorporação dos tratados internacionais


O mundo jurídico pode ser dividido em três planos: o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia.


     O direito, diante da sua finalidade de ordenar a conduta humana, valora os fatos e, através das normas jurídicas, erige à categoria de fato jurídico aqueles fatos que possuem relevância para o relacionamento em sociedade[53].


Ocorrendo no mundo o fato previsto abstratamente pela norma (suporte fático hipotético), a norma jurídica incide transformando o fato em fato jurídico. Ao sofrer a incidência o fato é transportado para o mundo jurídico, ingressando no plano da existência[54].


Quando se diz que uma norma existe isto quer dizer que a norma está posta no mundo, independentemente de ser vigente, de ser válida ou eficaz[55].


O ato legislativo começa a existir a partir da sua promulgação (declaração formal pela autoridade competente da existência do ato legislativo), ainda que a sua publicação somente ocorra posteriormente[56]


Com a publicação da norma tem início a sua vigência (possibilidade de produzir os seus efeitos) uma vez que, somente através da publicação a norma passa a ser conhecida por aqueles a quem se destina[57].


Com relação ao processo de formação dos tratados em geral é possível verificar três fases distintas: negociação, conclusão e assinatura do tratado; as três fases são da competência do Poder Executivo[58].


No ordenamento jurídico brasileiro o Presidente da República tem competência para celebrar o tratado[59] e, posteriormente, o Congresso Nacional irá aprová-los[60], mediante decreto legislativo[61]


Após a aprovação pelo Congresso Nacional, o tratado volta para o Poder Executivo para que seja ratificado.[62] Com a ratificação do Presidente da República o tratado internacional deverá ser promulgado internamente através de um decreto de execução presidencial[63].


Com a expedição do decreto de execução presidencial é possível falar que o tratado internacional ingressou no plano da existência, isto é, o tratado está posto no mundo.


Diante do exposto é possível concluir que a concepção adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro com relação à incorporação dos tratados no âmbito interno é a dualista moderada, uma vez que, apesar de não haver a exigência de que o tratado seja transformado em uma lei interna, exige-se um ato formal de internalização (decreto presidencial) para que o tratado passe a existir no âmbito interno[64].


3.3 Plano da validade


Após atestada a existência do fato jurídico (tendo sido verificado que o fato é daqueles em que a vontade humana constitui elemento nuclear do suporte fático), o fato jurídico irá passar pelo plano da validade. No plano da validade será verificada a perfeição do fato jurídico, isto é, será analisado se o fato não possui qualquer vício invalidante[65].


A análise da validade ou invalidade de um ato jurídico assegura a integridade do ordenamento jurídico, uma vez que, ao recusar utilidade jurídica aos atos jurídicos que infringem as normas do ordenamento, garante-se a integridade da vigência do sistema jurídico como um todo[66].


No âmbito do Direito Público, e para o que interessa no presente trabalho, é possível falar de invalidade das leis que infringem normas jurídicas de hierarquia superior; tais leis são consideradas nulas, isto é, inválidas (casos de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos infralegais)[67].


3.3.1 A posição hierárquica dos tratados internacionais


A Constituição brasileira de 1988 não apresenta nenhum dispositivo que expressamente determine a posição dos tratados internacionais perante o direito interno


Com base no artigo 102, inciso III, alínea “b” da Constituição Federal que determina que o Supremo Tribunal Federal tem competência para julgar, mediante recurso extraordinário, “as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal”, a jurisprudência e a doutrina brasileira acolheram a tese de que os tratados internacionais e as leis federais possuem a mesma hierarquia jurídica, ou seja, os tratados internacionais são incorporado no ordenamento jurídica brasileiro como norma infra-constitucional[68].


3.3.2 O conflito entre tratados internacionais e normas internas


Diante de um conflito entre um tratado internacional e a Constituição, considera-se a primazia desta última visando a preservação da autoridade da Lei Fundamental do Estado, ainda que isto resulte na prática de um ilícito internacional.


Tal primado da Constituição não está expresso diretamente na Constituição brasileira, mas pode ser apreendido dos artigos que determinam que os tratados, assim como as demais normas infraconstitucionais, encontram-se sujeitos ao controle de constitucionalidade[69].


As maiores discussões surgem dos conflitos entre tratados e leis internas infraconstitucionais. Nessa situação específica, muitos países como França e Argentina, por exemplo, garantem a prevalência dos tratados[70].


No caso brasileiro, havendo conflito entre um tratado e uma lei infraconstitucional, levando em consideração que ambos estão no mesmo nível hierárquico, adota-se a regra da ‘lei posterior derroga a anterior’.


Sendo assim, havendo um conflito entre uma lei anterior à promulgação do tratado e o próprio tratado, prevalece o tratado. Na situação inversa, qual seja, um conflito entre tratado e lei posterior, prevalece a lei posterior, independentemente das conseqüências pelo descumprimento do tratado no plano internacional[71].


Esse sistema paritário que equipara juridicamente o tratado à lei federal vigora na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) desde 1977, quando do julgamento pelo Supremo do Recurso Extraordinário 8004[72].


É possível falar em verdadeiro retrocesso nesse posicionamento adotado pelo Supremo, uma vez que modificou a tese anterior de primado do Direito Internacional frente ao Direito interno sem levar em consideração que os tratados internacionais possuem uma forma própria de revogação (a denúncia), nem o fato de que o descumprimento interno de um compromisso assumido externamente acarreta a responsabilidade internacional do Estado, além de outras graves conseqüências no plano político internacional[73].


Na doutrina brasileira existem juristas que defendem o status supra-legal dos tratados e outros que defendem a supra-constitucionalidade dos mesmos alegando que os tratados possuem força obrigatória e vinculante e só podem ser retirados do ordenamento interno por meio da denúncia – ato que implica na retirada do Estado de determinado tratado internacional[74].


A jurisprudência, todavia, adota a teoria da paridade entre tratado internacional e a legislação federal. Com relação aos tratados internacionais de direitos humanos as discussões acerca da sua hierarquia no ordenamento jurídico brasileiro são ainda maiores.


3.3.3 Os tratados internacionais de direitos humanos e a recente decisão do Supremo Tribunal Federal


Ainda existem controvérsias doutrinárias acerca da forma de integração e eficácia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico interno.


O artigo 5o, parágrafo 2º da Constituição brasileira de 1988 determina que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.


A interpretação dada por muitos autores ao disposto neste artigo, levando em consideração uma interpretação sistemática e teleológica da Constituição brasileira, foi a de atribuir aos direitos garantidos nos tratados de direitos humanos devidamente ratificados pelo Estado brasileiro uma natureza especial e diferenciada, qual seja, a natureza de norma constitucional[75].


O referido artigo ao expressamente determinar que os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem direitos decorrentes dos tratados internacionais estaria assim, incluindo no catálogo dos direitos protegidos constitucionalmente, aqueles direitos enunciados nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte[76].


Outra parte da doutrina vai ainda mais além defendendo o status supraconstitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos, ou seja, os tratados internacionais de proteção dos direitos humanos estariam localizados acima da própria Constituição[77].


Diante das controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais acerca do tema e buscando resolver a questão da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro, a Emenda Constitucional no 45 de dezembro de 2004 acrescentou um 3o parágrafo ao artigo 5o determinando que: os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes à emenda constitucional.


Antes da emenda 45/2004 os tratados internacionais de direitos humanos eram aprovados por meio de decreto legislativo, por maioria simples, conforme artigo 49, inciso I da Constituição de 1988 e, posteriormente, eram ratificados pelo Presidente da República. Tal forma de recepção dos tratados, idêntica à forma de recepção dos tratados que não versam sobre direitos humanos, gerou diversas controvérsias sobre a aparente hierarquia infraconstitucional, ou seja, nível de normas ordinárias dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento brasileiro[78].


Com o advento da emenda 45/2004 os tratados sobre direitos humanos passariam a ser equivalentes às emendas constitucionais. Todavia, as dúvidas e discussões não cessaram: apenas os tratados aprovados conforme o rito das emendas constitucionais teriam valor hierárquico de norma constitucional e aqueles que não obtivessem o quorum qualificado passariam a ter o valor de norma infraconstitucional? O que aconteceria com os tratados ratificados pelo Brasil antes da entrada em vigor da emenda 45 – perderiam o status de normas constitucionais que aparentemente era garantido pelo parágrafo 2º do artigo 5o da CF no caso de não serem aprovados pelo quorum o parágrafo 3º do artigo 5o?


Para os autores que defendem que os tratados internacionais sobre direitos humanos possuem hierarquia constitucional, estes tratados já possuem status de norma constitucional, nos termos art. 5o, parágrafo 2o da CF; sendo assim, independentemente de serem posteriormente aprovados pela maioria qualificada do parágrafo 3o do art. 5o da CF, os tratados já são materialmente constitucionais.


O parágrafo 3o do art. 5o da CF traz apenas a possibilidade de os tratados, além de materialmente constitucionais, serem ainda formalmente constitucionais, ou seja, equivalentes a emendas constitucionais, desde que, a qualquer momento, depois de sua entrada em vigor, sejam aprovados pelo quorum do parágrafo 3o do mesmo art. 5º da CF[79].


O Supremo Tribunal Federal, no recente julgamento do Recurso Extraordinário 466.343- SP[80], em dezembro de 2008, modificou o seu posicionamento acerca da hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. O Supremo entendeu, majoritariamente, que esses tratados, antes equiparados às normas ordinárias federais, apresentam status de norma supralegal, isto é, estão acima da legislação ordinária, mas abaixo da Constituição. Tal posicionamento admite a hipótese de tais tratados adquirirem hierarquia constitucional, desde observado o procedimento previsto no parágrafo 3º, artigo 5º da CF, acrescentado pela Emenda Constitucional no 45/2004.


A partir desse novo entendimento do Supremo, sendo aprovado um tratado internacional de direitos humanos o tratado passa a ter hierarquia superior à lei ordinária (supralegal ou constitucional), ocorrendo a revogação das normas contrárias por antinomia das leis[81].


Com a nova posição do Supremo a configuração da pirâmide jurídica do ordenamento brasileiro foi modificada: na parte inferior encontra-se a lei; na parte intermediária encontram os tratados de direitos humanos – aprovados sem o quorum qualificado do artigo 5º, parágrafo 3º da CF – e no topo encontra-se a Constituição.


A nova posição do Supremo, apesar de não adotar a tese doutrinária majoritária defendida pelo Ministro Celso de Mello que defende que as normas dos tratados internacionais de direitos humanos possuem status constitucional independentemente da forma de sua ratificação, representa um grande avanço para o ordenamento jurídico brasileiro que durante vários anos considerou a paridade entre os tratados de direitos humanos e as leis ordinárias.


3.4 Plano da eficácia: os efeitos da internalização dos tratados internacionais no ordenamento interno


Os atos jurídicos, depois de verificada a sua validade, estarão aptos a produzir os seus efeitos específicos ingressando assim, no plano da eficácia[82].


O presente tópico trata da eficácia jurídica, ou seja, da análise do conjunto das conseqüências (efeitos) imputadas pelas normas jurídicas ao fato jurídico – análise das conseqüências da internalização dos tratados na ordem interna – e da eficácia do direito ou eficácia social que designa a efetiva realização da norma jurídica no meio social a que se destina[83].


Quando em vigor no plano internacional os tratados ratificados pelo Estado, promulgados e publicados, passam a integrar o arcabouço normativo interno e a produzir efeitos na ordem jurídica interna[84].


A eficácia (jurídica e social) dos direitos consagrados nos tratados ratificados pelo Brasil dependerá da sua recepção na ordem jurídica interna e do status jurídico que esta lhes atribui[85].


Como já visto, os tratados em geral quando recepcionados pelo ordenamento jurídico brasileiro adquirem o status de normas infraconstitucionais. Nesses termos, tais tratados, quando promulgados, revogam todas as normas anteriores contrárias ao seu conteúdo e, por outro lado, são revogados por leis posteriores quando da existência de um conflito.


Com relação aos tratados de direitos humanos acolhidos como normas supralegais, encontram-se localizados acima da legislação ordinária, mas, em caso de conflito com a Constituição, prevalecerão as normas constitucionais.


Os tratados de direitos humanos que adquirirem hierarquia constitucional, nos termos do art. 5º, parágrafo 3º da CF, passam a constituir cláusulas pétreas não podendo ser suprimidos sequer por emenda constitucional[86]; tornam-se insuscetíveis de denúncia[87] e passam a ter aplicabilidade imediata tão logo sejam ratificados[88]. Nesses termos, a partir da entrada em vigor do tratado internacional, toda norma preexistente que seja com ele incompatível perde automaticamente a vigência.


Ademais, passa a ser recorrível qualquer decisão judicial que viole as prescrições do tratado e no caso de um conflito com normas constitucionais deverá prevalecer a norma mais favorável ao titular do direito.


Importante destacar que, ao contrário da posição adotada pelo Supremo, para os autores como Pontes de Miranda que consideram que os Estados estão submetidos à ordem supra-estatal, a incidência dos direitos fundamentais não depende do reconhecimento constitucional, uma vez que tais direitos pertencem à ordem jurídica exterior e acima do Estado e, por isso, impõem limites tanto ao Poder estatal quanto ao Poder Constituinte, que são obrigados a incorporá-los à Constituição, cercando-os das garantias necessárias à sua efetividade[89].


Os direitos fundamentais supra-estatais são, portanto, direitos que existem independentemente de constitucionalização, ou seja, ainda que não previsto no ordenamento interno do Estado estes direitos não perdem a sua fundamentalidade


Para Pontes de Miranda os direitos fundamentais supra-estatais não existem conforme os cria ou regula a lei; existem a despeito das leis que os pretendem modificar ou conceituar; diante desses direitos o papel do Estado é apenas o de definir as exceções dentro do âmbito que o conceito supra-estatal de cada um desses direitos lhe deixa[90].


Os direitos fundamentais supra-estatais são considerados paradigmas de validade das normas de direito interno, inclusive das normas constitucionais. Tais direitos impõem limites aos poderes do Estado – nenhuma norma interna pode ser interpretada ou executada em contradição com a Constituição e com as normas de direitos fundamentais supra-estatais; ademais, o Estado se vê obrigado a incorporar esses direitos à Constituição e a garantir os meios necessários para a efetividade de tais direitos.


Cabe ao Poder Judiciário e aos demais Poderes Públicos assegurar a implementação no âmbito nacional das normas internacionais de proteção dos direitos humanos ratificadas pelo Estado brasileiro; ao Congresso Nacional a obrigação negativa de se abster de legislar em sentido contrário às obrigações assumidas internacionalmente; e aos cidadãos, beneficiários diretos de instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos, reclamarem, perante os órgãos judiciais do Estado, a satisfação dos direitos estabelecidos nos tratados[91].


Levando em consideração que o Direito Internacional ainda não conta com mecanismos jurídicos internacionais de controle bem organizados e aptos para aplicar, no caso concreto, as punições para os Estados que, vinculados a tratados internacionais, não cumpram as obrigações assumidas, é possível concluir que a efetivação dos direitos humanos encontra-se, ainda e principalmente, na dependência da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados[92].


4.CONCLUSÃO


As discussões travadas na doutrina jurídica entre as concepções dualista e monista são antigas, mas de extrema relevância ainda nos dias de hoje, uma vez que tentam solucionar a questão da aplicação e da eficácia do Direito Internacional na ordem jurídica interna dos Estados.


Para os dualistas o Direito Internacional e o Direito interno formam duas ordens jurídicas distintas, enquanto que para os monistas o Direito Internacional e o Direito interno compõem uma única ordem podendo, a depender da concepção monista adotada, prevalecer a ordem jurídica internacional sobre a ordem interna ou, ao contrário, o primado ser atribuído à ordem interna.  


O Direito Internacional surge como um instrumento capaz de estabelecer o consenso entre os diversos ordenamentos internos. Os Estados, cada vez mais heterogêneos, optam por abrir mão da sua soberania absoluta e ilimitada para pôr fim aos conflitos de interesses. Sendo assim, o Direito Internacional representa uma ordem jurídica hierarquicamente superior que limita o poder soberano dos Estados.


O Direito Internacional representa um círculo maior que abrange os Estados, representados por círculos menores; os Estados submetem-se ao Direito Internacional.


O primado do Direito Internacional sobre o Direito interno é visto como uma condição de existência do próprio Direito Internacional, uma vez que, negando esta superioridade do Direito Internacional os Estados seriam soberanos absolutos e não estariam, portanto, subordinados a nenhuma outra ordem jurídica superior.


Os Estados firmam tratados internacionais livremente e, diante da norma costumeira pacta sunt servanda deverão cumprir as obrigações assumidas, sob pena de responsabilização internacional. Todavia, é importante frisar que o Direito Internacional ainda não conta com mecanismos jurídicos internacionais de controle bem organizados e aptos para aplicar as sanções para os casos de descumprimento das normas internacionais.


Apesar de a jurisprudência internacional defender unanimemente a primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno dos Estados, no âmbito do Direito interno esta supremacia do Direito Internacional não é uma concepção adotada de maneira uniforme; isto ocorre pelo fato de não existir uma regra internacional que defina expressamente a superioridade do Direito Internacional quando comparada com os ordenamentos internos. A questão da hierarquia entre as duas ordens é ainda resolvida à luz do que dispõe a ordem interna de cada Estado.


No caso brasileiro a Constituição não determina expressamente a posição hierárquica das normas de Direito Internacional. A jurisprudência brasileira passou então a conferir aos tratados em geral valor equivalente ao das leis infraconstitucionais e aos tratados de direitos humanos valor infraconstitucional, mas supralegislativo.


Os tratados de direitos humanos diferenciam-se dos tratados tradicionais e com eles não devem ser confundidos. Os tratados de direitos humanos têm como objetivo a proteção dos direitos fundamentais dos seres humanos frente ao seu próprio Estado como também frente a outros Estados contratantes.


Os direitos fundamentais advindos de tratados internacionais nascem na ordem jurídica supra-estatal e existem independentemente do reconhecimento e da proteção pela ordem interna. São direitos fundamentais independentemente da sua incorporação na Constituição dos Estados. Sendo assim, os Estados estão obrigados a observar tais direitos cabendo à técnica jurídica apenas conceber os mecanismos mais adequados para recepcioná-los no ordenamento interno.


 


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Notas:

[1] “Desde sempre se contestou se os países – que se dividem na superfície do globo terrestre baseados na igualdade de seu poder ou, apesar de sua impotência, apoiados na inveja de outros poderes – podem ser pensados como submetidos a uma ordem jurídica, em seu relacionamento mútuo.” Cf. RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. Tradução Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 193.

[2] “O problema surge quando há, em um caso concreto, um conflito entre normas internacionais e normas internas. Tal problema poderá ser resolvido estudando-se a colisão entre dualismo (ou pluralismo) e monismo, quando então se poderá responder às indagações: se as relações entre o Direito Internacional e o Direito interno são reguladas por normas jurídicas, tais normas são internacionais ou internas? Caso ambos os ordenamentos disciplinem de maneira diferente a mesma situação jurídica, qual deles deve prevalecer? Um tratado internacional já ratificado se aplica imediatamente no âmbito interno ou depende de outras condições colocadas pelo Direito interno para essa aplicação?” Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 57.

[3] Posteriormente Verdross reconheceu a deficiência deste termo, uma vez que não existe apenas um Direito interno, sendo, portanto, mais correto denominá-la pluralista. Cf. MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 8ed, rev. e aum., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 75.

[4] O dualismo de Carl Heirich Triepel foi considerado um dualismo radical. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 59.

[5] “A concepção dualista foi aprovada na Itália por Dionisio Anzilotti, porém com algumas variações – dualismo moderado -, pois permitia que, em certos casos, o Direito Internacional fosse aplicado internamente pelos tribunais sem que houvesse a recepção formal.” Idem, p. 60.

[6] Kelsen discorda dessa distinção: “(…)o método de legiferação são, neste aspecto, diferentes no direito nacional e no internacional; mas essa não é uma diferença em princípio. E mesmo que o direito nacional fosse criado de um modo totalmente diverso daquele pelo qual é criado o direito internacional, tal diferença nas fontes não significaria que as normas criadas de modos diferentes pertencem a sistemas jurídicos diferentes e mutuamente independentes.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 520.

[7] Kelsen também critica essa distinção afirmando que: “Existem certas matérias especificas do Direito Internacional, matérias que podem ser regulamentadas apenas por normas criadas por dois ou vários Estados. Essas matérias são a determinação das esferas de validade das ordens jurídicas nacionais e os processos de criação do próprio Direito Internacional. Mas não existe nenhuma matéria que possa ser regulamentada apenas pelo Direito nacional, e não pelo Direito internacional. Todas as matérias que são, ou podem ser, regulamentadas pelo Direito nacional também estão abertas à regulamentação pelo Direito internacional. Portanto, é impossível fundamentar a visão pluralista em uma diferença de matéria entre o Direito internacional e o Direito nacional.” Idem, p. 518/519.

[8] Neste sentido é lição de Valério Mazzuoli: “Para os adeptos desta corrente, o Direito interno de cada Estado e o internacional são dois sistemas independentes e distintos, ou seja, constituem círculos que não se interceptam (meramente contíguos), embora sejam igualmente válidos. As fontes e as normas do Direito Internacional (notadamente os tratados) não têm qualquer influência sobre questões relativas ao âmbito do Direito interno, e vice-versa, de sorte que entre ambos os ordenamentos jamais poderia haver conflitos”. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 57/58.

[9]“Tal transformação é necessária quando os órgãos do Estado apenas sejam autorizados, segundo a Constituição, a aplicar Direito estadual, e, portanto, somente possam aplicar o Direito Internacional quando o seu conteúdo tenha revestido a forma de direito estadual – transformado em Direito estadual.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 352/353.

[10] “(…) um tratado internacional não poderia, em nenhuma hipótese, regular uma questão interna sem antes ser incorporado a este ordenamento por um procedimento receptivo que o ‘transforme’ em lei nacional.” Idem, p. 58. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 59.

[11]“Neste raciocínio, o Estado, para os dualistas, seria um prius lógico do Direito Internacional, ou seja, não é o Estado que está para o Direito Internacional, mas sim este é que está para aquele. Nesta concepção, o Estado recusa a aplicação imediata do Direito Internacional, só alcançável por meio de um procedimento incorporativo próprio do Direito interno.” Idem, p. 57/58.

[12] Idem, p. 61.

[13] Para a teoria dualista, o Direito das Gentes faz-se interno por ter sido ‘adopted’ pelo Direito estatal. Se há contradição, prevalece o Direito interno; portanto: o juiz e o súdito observam esse; e ao Estado acarreta as conseqüências. Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 211. Para Pontes de Miranda a técnica dualista é vaga e equivocada; é evidentemente obsoleta.

[14]“Direito interno e Direito das Gentes devem coexistir. Se não coexistem, e a regra jurídica do Direito interno discrepa da regra jurídica do Direito das Gentes, só uma deles é o direito. As duas, antagônicas, não podem subsistir. O Direito das Gentes irá prevalecer, ou não há Direito das Gentes. Ou o Direito das Gentes domina o Direito interno, ou não é. Ou lhe cabe o primado, ou ele não existe”. Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 208.

[15] “Não há para os monistas duas ordens jurídicas estanques, como querem os dualistas, cada uma com âmbito de validade dentro de sua órbita, mas um só universo jurídico, coordenado, regendo o conjunto de atividades sociais dos estados, organizações internacionais e dos indivíduos.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 62/63.

[16]O modelo da recepção implica na ideia de que o Direito Internacional pode fazer parte do Direito interno conservando a sua natureza original, não sendo necessário fazer qualquer operação no seu título de validade. Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 300.

[17] Na doutrina dualista este conflito não existe, pois, segundo os dualistas, o Direito Internacional e o Direito interno compõem duas ordens jurídicas como esferas separadas e sem interpenetração entre elas, não havendo possibilidade de conflito entre as duas ordens.

[18]“O direito internacional tem de ser concebido, ou como uma ordem jurídica delegada pela ordem jurídica estadual e, por conseguinte, como incorporada nesta, ou como uma ordem jurídica total que delega as ordens jurídicas estaduais, supra-ordenadas a estas e abrangendo a todas como ordens jurídicas parciais. Ambas estas interpretações da relação que intercede entre Direito estadual e Direito internacional representam uma construção monista. A primeira significa o primado da ordem jurídica de cada estado, a segunda traduz o primado da ordem jurídica internacional.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 348.

[19] “Com a revolução francesa se desenvolve o principio de que deve primar o direito declarado pelo Estado e de que não pode haver direito positivo sem ser, direta ou indiretamente, expressão da universalidade de decisão de um povo organizado” Cf. REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5 ed. ver. – São Paulo: Saraiva, 2000, p. 205/206.

[20] “O monismo como primazia do Direito interno tem suas raízes no hegelianismo, que considera o Estado como tendo uma soberania absoluta, não estando, em conseqüência, sujeito a nenhum sistema jurídico que não tenha emanado de sua própria vontade. Assim sendo, o próprio fundamento do Direito Internacional é a autolimitação do Estado, na formulação definitiva desta teoria feita por Jellinek.” Cf. MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 8ed, rev. e aum., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 76.

[21] Para os autores que defendem esza corrente o Direito das Gentes só existe em virtude da autolimitação do Estado e aquele direito deve ceder diante do interesse superior do Estado. Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 86.

[22]Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 5.

[23] “Na concepção política de soberania é preciso distinguir uma concepção especial, de ordem técnico-jurídica, segundo a qual a soberania não é senão o poder que tem o Estado de decidir em última instância sobre a positividade do Direito, declarando e atualizando o seu direito objetivo. O que quer dizer que o Estado declara o seu Direito de maneira originária e exclusiva e decide, em última instância, sobre a validade do Direito Positivo extra-estatal.” Cf. REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5 ed. ver. – São Paulo: Saraiva, 2000, p. 204.

[24] “Se os países normalmente soberanos são o poder supremo na terra, então não é possível pensar-se em um poder ainda maior, que estabelecesse para eles o direito como poder legislativo, aplicasse o direito como poder judicial e o impusesse obrigatoriamente.” Cf. RADBRUCH, Gustav. Introdução à Ciência do Direito. Tradução Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 193.

[25]“A tese de que o Direito Internacional torna-se válido para um Estado apenas se for reconhecido por esse Estado equivale a dizer que o motivo pelo qual o Direito Internacional é válido para um Estado é a vontade desse Estado. O Direito Internacional é considerado parte do nacional.” Cf.  KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 542/543.

[26]Para esses doutrinadores o Direito das Gentes seria delegação do Direito estatal, uma vez que no Direito interno existem regras que determinam a criação e forma de elaboração do Direito das Gentes. O Direito interno, criando a forma de elaboração do Direito das Gentes, delega. Se a lei se define pela vontade do Estado, tem-se de reconhecer que o Direito das Gentes se funda na vontade do Estado.  Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 88.

[27] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 69/70.

[28] Neste sentido Valério Mazzuoli: “Admitir uma tal doutrina,  absurda e inconseqüente, equivale a negar o fundamento de validade do Direito Internacional e, consequentemente, a sua própria existência como ramo da ciência jurídica, o que já suficiente para qualificá-la como desprovida de fundamento.” Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 68.; Para o autor Celso de Albuquerque Mello seria esta teoria “uma teoria pseudomonista”, uma vez que não existe apenas um Direito interno, mas o Direito interno de cada Estado. Cf. MELLO, Celso Duvivier de Albuquerque. Curso de direito internacional público. 8ed, rev. e aum., Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1986, p. 76; Para Hans Kelsen a conseqüência de uma tal concepção é que, quando o Estado não reconhece o Direito Internacional como vinculante em relação a si próprio, aquele não vale para ele. Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 349.

[29] A Escola de Viena firmou-se no cenário mundial a partir do século XX; os maiores representantes desta Escola foram Hans Kelsen, Alfred Verdross e Josef Kunz. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 64.

[30]“Para esses autores soberano, em sentido absoluto, é só o ordenamento jurídico internacional, como expressão mais alta da graduação do sistema normativo.” Cf. REALE, Miguel. Teoria do Direito e do Estado. 5 ed. ver. – São Paulo: Saraiva, 2000, p. 212.

[31] “As ordens jurídicas estaduais são concebidas como delegadas pelo Direito Internacional, como subordinadas a este e como ordens jurídicas parciais incluídas nele como em uma ordem universal, sendo a coexistência no espaço e a sucessão no tempo de tais ordens parcelares tornadas juridicamente possíveis através do Direito Internacional e só através dele. Isso significa o primado da ordem jurídica internacional” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 352.

[32] Idem, p. 522.

[33] Idem, p. 522/523.

[34] “É dizer, não existem dois círculos contíguos que não se interceptam, mas, ao contrário, dois círculos superpostos (concêntricos) em que o maior representa o Direito Internacional que abarca, por sua vez, o menor, representado pelo Direito interno”. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 63.

[35]“A competência dos Estados corresponde ao branco que o Direito das Gentes, por omissão de regras, deixa às entidades estatais, branco que se define pelo que fica fora do domínio pertencente às regras cogentes e pelas regras dispositivas e interpretativas. Se ‘primado’ significa o poder de determinar a própria competência em virtude da edição das regras de direito, então o Direito das Gentes prima.” Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 96.

[36] Idem, p. 36.

[37]“O Estado é ordem normativa; porém, antes, é ele conceito de outra ordem normativa, superior a ele.” Idem, p. 44.

[38] Idem, p. 64/65.

[39] “As atribuições das competências pertencem ao Direito das Gentes, e não ao Direito interno. Aos Estados, por seu direito ou por seus atos, cabe o exercício da competência que se lhes dá (distribuição da competência)” Idem, p. 90/91

[40] “No caso de conflitos de normas entre Direito Internacional e Direito estadual, os representantes do primado da ordem jurídica internacional afirmam que o Direito Internacional está supra-ordenado ao Direito estadual, que aquele é, em face deste, a ordem jurídica mais elevada, que, em conseqüência, em caso de conflito entre os dois, o Direito Internacional goza de prevalência.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 358.

[41] “Só o Direito das Gentes pode primar; para que o Direito interno pudesse primar, seria preciso que a legislação de um Estado, ou de alguns Estados, ab-rogasse ou pudesse ab-rogar regras de Direito das Gentes.” Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 208/209.

[42] “O Direito Internacional geralmente obriga um Estado a dar às suas normas certos conteúdos, se o Estado decretar normas com outros conteúdos estará sujeito a uma sanção internacional. Uma norma decretada com violação do Direito Internacional Geral permanece válida segundo o Direito Internacional Geral. O Direito Internacional Geral não estabelece nenhum processo pelo qual as normas de Direito nacional que são ‘ilegais’ possam ser abolidas.” Cf. KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. Tradução: Luís Carlos Borges. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 529.

[43] Nesse sentido Jorge Bacelar Gouveia: “Em contrapartida, também é de aceitar que o primado do Direito Internacional sobre o Direito interno possa ser visto como uma condição de existência deste mesmo direito, sob pena de o mesmo rapidamente se dissolver, pondo em causa os propósitos de harmonização internacional que sempre o têm animado.” Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar. Manual de direito internacional público. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 298.

[44] A superioridade do Direito Internacional frente ao Direito interno foi declarada expressamente pela Corte Permanente de Justiça Internacional em 1930 (“É princípio geral reconhecido, do Direito Internacional, que, nas relações entre potências contratantes de um tratado, as disposições de uma lei não podem prevalecer sobre as do tratado”; posteriormente, em 1932, a Corte Permanente de Justiça Internacional determinou ainda que “um Estado não pode invocar a sua própria Constituição para se esquivar a obrigações que lhe incubem em virtude do Direito Internacional ou de tratados vigentes”); pelas Organizações das Nações Unidas em 1948 (“Os tratados validamente concluídos pelo Estado e regras geralmente reconhecidas de Direito Internacional formam parte da lei interna do Estado e não podem ser unilateralmente revogados puramente por ação nacional) e adotada ainda expressamente no artigo 27º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 (“Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”).

[45] “É política a questão de saber até que ponto um governo estadual deve ou pode limitar a liberdade de ação do seu Estado através de tratados de Direito Internacional”. Cf. KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1985, p. 360.

[46] Nesse sentido, temos como exemplo a Constituição portuguesa: “Reconhecer a recepção automática do Direito Internacional comum não significa, concomitantemente, proclamar a superioridade das normas de Direito Internacional perante as normas de Direito interno. Falta, no texto constitucional, uma norma como a da Grundgesetz alemã (art. 25), onde, depois de se afirmar, como no art. 8 da Constituição portuguesa, que as normas de Direito Internacional geral são parte integrante do Direito federal, se acrescenta que essas normas (do Direito Internacional geral) prevalecem sobre as leis, criando, de forma directa, direitos e obrigações para os habitantes do território federal.” Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 7 ed. Coimbra: Edições Almedina, p. 820.

[47]Importante destacar a Constituição Holandesa que, após a revisão de 1956, acrescentou disposição no sentido de que, sendo necessário para o desenvolvimento do Direito Internacional, é permissível a conclusão de um tratado contrário a ela que, entretanto, deve ser aprovado por maioria de 2/3 dos estados gerais.Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 71/74.

[48] O único dispositivo da legislação brasileira que atribui expressamente hierarquia superior aos tratados internacionais em confronto com as demais normas de direito interno é o art. 98 do Código Tributário Nacional que determina que os tratados que vinculam o Brasil revogam ou modificam a legislação tributária interna e serão observados pela que lhes sobrevenha.

[49] Cf. ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 120.

[50] Idem.

[51] A Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, firmado a 23 de maio de 1969, visa apenas aos tratados entre Estados, mas, quer na conferência de 1969, quer no âmbito da Comissão de Direito Internacional, houve um consenso de que determinados organismos internacionais têm plena capacidade de firmar tratados, tanto assim que a Comissão foi encarregada de elaborar um projeto de convenção a respeito. Cf. ACCIOLY, Hidelbrando. Manual de Direito Internacional Público. 11ed., rev. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 120.

[51] Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 74.

[52]Cf. Artigo 52 da Convenção de Viena: “O tratado será nulo se a sua aprovação for obtida mediante ameaça ou o uso da força, em violação aos princípios de Direito Internacional consagrados pela Carta da ONU.” GOUVEIA, Jorge Bacelar. Direito internacional público. Textos fundamentais. Portugal: Coimbra, 2005, P.243.

[53] “Apenas os fatos que estejam regulados pela norma jurídica podem ser considerados fatos jurídicos, ou seja, fatos geradores de direitos, deveres, pretensões, obrigações ou de qualquer outro efeito jurídico.” Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Existência, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 9.

[54] Idem, p. 71.

[55] “Existir é a situação fática constatável na realidade. Nesse sentido, existe a norma jurídica que está posta no mundo, independentemente de ser vigente, de ser válida ou de ser eficaz. Por isso, é mesmo possível que uma norma jurídica deixe de existir sem ter sido vigente, sem que isto implique qualquer contradição. Basta que tenha sido revogada antes de iniciar-se a sua vigência.” Idem, p. 78.

[56]Importante destacar que nem todos os atos legislativos estão sujeitos a promulgação. Com relação a estes começam a existir a partir de sua publicação.  Idem, p. 78/79.

[57] Diferente dessa visão defendida por Pontes de Miranda, para quem a validade da norma refere-se à sua perfeição, não afetando, portanto, a sua existência, para Hans Kelsen a existência da norma jurídica somente tem início a partir da sua vigência (validade).

[58] Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 76.

[59] Cf. Art. 84, inciso VIII da Constituição Federal.

[60] Cf. Art. 49, inciso I da Constituição Federal.

[61] No Direito Internacional a assinatura do tratado faz parte do processo de negociação e, por si só, não gera obrigações. A assinatura do tratado, em regra, indica apenas mera aquiescência do Estado com relação à forma e conteúdo do tratado. Mesmo já estando assinado, a efetividade do tratado ficará condicionada, em regra, à sua aprovação pelo órgão legislativo e posterior ratificação pela autoridade do Poder Executivo.

[62] “O poder de celebrar tratados como é concebido e como de fato se opera – ao atribuir o poder de celebrar ao presidente, mas apenas mediante o referendo do legislativo – busca limitar e descentralizar o poder de celebrar tratados, prevenindo o abuso desse poder.” Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 80.

[63] REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 79.

[64] Importante destacar que parte da doutrina nacional sustenta a adoção de um sistema misto no que concerne à recepção dos tratados internacionais no direito interno. Para esses autores, com base no art. 5º, parágrafos 1º e 2º da CF, todos os tratados internacionais ratificados pelo Brasil que versarem sobre direitos humanos seriam recepcionados automaticamente, dispensando qualquer ato formal complementar para que possam ser diretamente aplicados até mesmo pelos tribunais interno (teoria monista); por outro lado, para os demais tratados internacionais continuaria sendo adotada a teoria dualista que exige a edição do decreto presidencial para que tais tratados sejam incorporados no direito interno. Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados internacionais de direitos humanos. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgand; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (coords.). Direitos Humanos e Democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 342.

[65] MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Validade, 7 ed. rev. e atual. de acordo com a Lei de Recuperação de Empresa e Falência. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 97.

[66] Idem, p. 7.

[67] Idem, p. 50.

[68] Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 91.

[69] Esse é também o posicionamento de Rezek: “Resulta que, para o Estado soberano a Constituição nacional, vértice do ordenamento jurídico, é a sede de determinação da estatura da norma expressa em tratado. Dificilmente uma dessas leis fundamentais desprezaria, neste momento histórico, o ideal de segurança e estabilidade da ordem jurídica a ponto de subpor-se, a si mesma, ao produto normativo dos compromissos exteriores do Estado.” Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 96/97.

[70] “A prevalência de que se fala é a que tem indisfarçado valor hierárquico, garantindo ao compromisso internacional plena vigência, apesar de leis posteriores que o contradigam.” Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 96/97.

[71] Cf. REZEK, Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 11 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 99.

[72] Apesar da omissão constitucional, a jurisprudência brasileira durante muito tempo consagrou a tese da primazia do Direito Internacional sobre o Direito interno. Esse posicionamento foi modificado em 1977 no julgamento do Recurso Extraordinário 80.004. A discussão, em sede recursal, versava sobre o conflito entre o decreto-lei 427 de 22 de janeiro de 1969, que instituiu o registro obrigatório da nota promissória na repartição fiscal, sob pena de nulidade, e a Lei Uniforme sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, aprovada pela Convenção de Genebra, anteriormente ratificada pelo estado brasileiro e com vigência reconhecida pelo próprio STF. Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 302.

[73] Idem, p. 304.

[74] PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 93.

[75]Nesse sentido Valério Mazzuoli: “Com base nesse dispositivo, que segue a tendência do constitucionalismo contemporâneo, sempre defendemos que os tratados internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil tem índole e nível constitucionais, além de aplicação imediata, não podendo ser revogados por lei ordinária posterior” Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 302. Nesse mesmo sentido, defendendo o nível constitucional dos tratados internacionais de direitos humanos: Flávia Piovesan: “Esta conclusão advém ainda de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional.” Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 82/83.

[76] Os autores que defendem hierarquia constitucional alegam que o tratamento diferenciado conferido aos tratados de direitos humanos justifica-se pelo objetivo especial desses tratados, qual seja, proteção da vida humana; apresentando, assim, um caráter especial que os distingue dos tratados internacionais comuns. Idem, p. 94.

[77] “Mas só será possível falar legitimamente de tutela internacional dos direitos do homem quando uma jurisdição internacional conseguir impor-se e superpor-se às jurisdições nacionais, e quando se realizar a passagem da garantia dentro do Estado – que é ainda característica predominante da atual fase – para a garantia contra o Estado.” Cf. BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 40/41.

[78] Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 686/687.

[79]“O regime material (menos amplo) dos tratados de direitos humanos não pode ser confundido com o regime formal (mais amplo) que esses mesmos tratados podem ter, se aprovados pela maioria qualificada estabelecida. Perceba-se que, neste último caso, o tratado assim aprovado será, além de materialmente constitucional, também formalmente.”  Idem, p. 695.

[80]O Recurso Extraordinário 466.343-SP discutiu sobre a impossibilidade da prisão civil do depositário infiel diante do disposto no artigo 7º, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José da Costa Rica), que estabelece o que: “Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não limita os mandados de autoridade judiciária competente expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação alimentar.” Levando em consideração que o Pacto São José da Costa Rica, ratificado pelo Brasil em 1992, só prevê a prisão civil por alimentos e diante da nova posição do Supremo que considera a supralegalidade dos tratados internacionais, a legislação ordinária relacionada com o depositário infiel, conflitante com o texto humanitário internacional, deverá ser invalidada, posto que os tratados internacionais de direitos humanos agora são considerados hierarquicamente acima das leis ordinárias. Ocorre que não só a legislação ordinária tratava da questão do depositário infiel, mas também a própria Constituição, em seu artigo 5º, LXVII, determina a prisão do depositário infiel e do devedor de pensão alimentícia. O STF entendeu que os tratados de direitos humanos possuem status supralegal e, sendo assim, estão abaixo da Constituição. É possível concluir, portanto, que a prisão do depositário infiel não foi considerada inconstitucional, pois sua previsão segue na Constituição (superior aos tratados), mas, na prática, passou a ser ilegal, uma vez que as leis que operacionalizam a prisão civil de depositário infiel estão abaixo dos tratados internacionais de direitos humanos. Na Sessão Plenária do dia 16 de dezembro de 2009 o STF solidificou o seu entendimento ao publicar a Súmula Vinculante 25 que determina que: “É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”.  Cf. STF: Depositário infiel: jurisprudência do STF muda e se adapta ao Pacto. Diponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=116379&caixaBusca=N> Acesso em: 10 de setembro de 2010.

[81] No julgamento do recurso o Ministro Celso de Mello defendeu o status constitucional dos tratados sobre direitos humanos, todavia, prevaleceu a tese de que tais tratados possuem hierarquia supralegal,conforme o voto-vista do Ministro Gilmar Mendes, seguido pelos ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Menezes Direito.

[82]Cf. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do Fato Jurídico: Plano da Eficácia, 1ª parte, 2 ed., rev. São Paulo: Saraiva, 2004, p.4.

[83]O termo eficácia normativa é utilizado para designar o efeito que tem a norma jurídica de juridicizar o seu suporte fático quando concretizado no mundo das realidades, gerado o fato jurídico.  Idem, p.1/2

[84]Cf. MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. 2ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 299.

[85] “Assim, a efetivação dos direitos humanos encontra-se, ainda e principalmente, na dependência da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados, assim como do equilíbrio de forças no âmbito da ordem internacional, salientando-se, neste particular, uma evolução progressiva na eficácia dos mecanismos jurídicos internacionais de controle”. SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados internacionais de direitos humanos. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgand; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (coords.). Direitos Humanos e Democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 337. 

[86] Cf. cf. art. 60, parágrafo 1, IV da CF c/c art. 5º, parágrafos 1º  e 2º  da CF.

[87] Se nem mesmo por meio de emenda à Constituição os tratados poderão ser abolidos, não há o que se falar em denúncia do tratado – simples ato unilateral do Poder Executivo.

[88] Conforme parágrafo 1º do artigo 5º da CF: “As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.”

[89]“Seria erro crer-se que o simples fato de inserir-se em Constituição a referência a um direito e, portanto, não se permitir a sua alteração por lei ordinária, o torne fundamental. Direitos fundamentais valem perante o Estado, e não pelo acidente da regra constitucional (…) A sua essência, a sua supra-estatalidade é inorganizável pelo Estado; o que é organizável é a proteção jurídica.” Cf. MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. Tomo IV. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1967, p. 621.

[90] “Os direitos supra-estatais são, de ordinário, direitos fundamentais absolutos. Não existem conforme os cria ou regula a lei; existem a despeito das leis que os pretendem modificar ou conceituar. Não resultam das leis: precedem-nas; não têm o conteúdo que elas lhe dão, recebem-no do Direito das Gentes.” Idem, p. 629/630.

[91] “Ao serem incorporados na Constituição de um Estado, os direitos fundamentais adquirem força vinculante também em relação a esse próprio Estado, que passa a ter a obrigação de respeitá-los, garanti-los e efetivá-los em todas ações legislativas, administrativas e judiciais.” Cf. SARMENTO, George. Pontes de Miranda e a Teoria dos Direitos Fundamentais. Disponível em: <http://www.georgesarmento.com.br> Acesso em: 09 de Agosto de 2010, p.16.

[92] SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais, reforma do judiciário e tratados internacionais de direitos humanos. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgand; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho (coords.). Direitos Humanos e Democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 337.

Informações Sobre o Autor

Carina de Oliveira Soares

Advogada; Mestranda em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas


Equipe Âmbito Jurídico

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