Resumo: O presente artigo científico tem por finalidade demonstrar o contexto em que as formas de Resolução Adequada de Disputas (RAD) surgem no Brasil; os fundamentos e os focos de atuação das políticas públicas em resolução de disputas, bem como, das empresas poderem aproveitar ao máximo os benefícios das RAD.[1]
Palavra-chave: Conflitos. Negociação. Mediação. Autocomposição.
Abstract: The present scientific article is aimed at demonstrating the context in which the forms of Proper Resolution of Disputes (RAD) arise in Brazil; the foundations and the foci of activity of public policies in resolution of disputes, as well as, the companies were able to leverage the benefits of RAD.
Keyword: Conflict. Negatiotion. Mediation. Autocomposição.
Sumário: Introdução. I. O que os números revelam? 1.1. A cultura da sentença no Brasil. 1.2. Resolução Adequada/Amigável de Disputas (RAD). 1.3. Breve histórico da RAD no Brasil. 1.4. A Resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ): uma quebra de Paradigmas. 1.5. Formação de Agentes de Mudança. 1.6. As leis caminhando no mesmo sentido. 1.7. Estudantes e Profissionais adaptando-se à nova realidade. II. Empresas repensando seu planejamento estratégico. 2.1. Qual o custo de imagem da empresa? 2.2. Qual o impacto nos custos de aquisição de clientes? 2.3. O componente humano do conflito deve ser considerado? 2.4. Qual o custo operacional desses métodos? III. Pronunciamentos iniciais dos promotores do evento. 3.1. (I Encontro Brasileiro pela Solução Pacífica de Conflitos Empresariais). Considerações finais. Referências.
Introdução
Num mundo cada vez mais interligado, onde as relações sociais se multiplicam numa velocidade ímpar, saber resolver conflitos de forma satisfatória para ambas as partes tornou-se uma habilidade essencial para quem quer se diferenciar, seja no mercado de trabalho, seja em seu próprio círculo de amizades pessoais. Negociar acordos num mundo em constantes transformações, onde as pessoas das mais diferentes áreas do globo, e com os mais diferentes interesses, interagem, é uma qualidade que pode melhorar muito o desempenho de profissionais das mais diversas áreas.
I – O que os números revelam?
O Brasil disputa com os Estados Unidos a liderança mundial em quantidade de profissionais do Direito a cada 100 mil habitantes.
Em 2010 (ano em que foi realizado o último censo demográfico brasileiro), a pesquisa revelou os seguintes dados[2]:
• Os Estados Unidos estavam em primeiro lugar, com 372 advogados por 100 mil habitantes;
• O Brasil aparecia em segundo lugar, com 357 advogados por 100 mil;
• A Índia, segundo lugar em número absoluto de advogados num total de 1,1 milhão de profissionais, tinha uma concentração relativamente pequena no critério por cem mil: apenas 90 advogados.
No Brasil tem mais faculdades de Direito do que todos os países do mundo juntos. Também, em 2010, já existiam 1.240 cursos superiores para a formação de advogados em território nacional, enquanto no resto do planeta a soma chegava a 1.100 universidades[3].
Tem-se, ainda, que em São Paulo existem quase oito vezes mais advogados do que no Japão – país que tem uma população três vezes maior que esse estado brasileiro[4].
Esses últimos dados, por exemplo, podem induzir à errônea conclusão de que no Japão há menos conflitos. Na realidade, no Japão, os meios informais de controle da sociedade (família, a vizinhança, as escolas, os locais de trabalho etc.) são mais rigorosos que os meios formais (a Polícia, o Judiciário, o Ministério Público).
Esses números revelam o perfil litigioso do Brasil, que faz com que se formem continuamente profissionais de Direito que levarão aos tribunais, em suas diversas esferas e instâncias, as mais variadas demandas oriundas dos conflitos surgidos na Nação.
Somem-se a isso as transformações pelas quais passa a sociedade brasileira: economia de massa e aumento das relações de consumo aumenta sobremaneira as chances de surgirem conflitos. Basta lembrar que, por exemplo, há pouco mais de duas décadas, quando se falava em telecomunicações, pensava-se apenas na linha fixa que tínhamos em casa ou no trabalho. Atualmente, os serviços de telecomunicações abrangem: telefonia fixa, telefonia móvel (celular), comunicação multimídia (internet banda larga) e TV por assinatura. A multiplicação de possibilidades de produtos e serviços também ocorre no segmento de bancos, aviação, varejo etc.
1.1. A cultura da sentença no brasil
Os números também mostram que o consumo aumenta e, com ele, surgem os conflitos entre indivíduos e empresas. Alguns desses conflitos são levados ao Judiciário por meio de ações coletivas, mas a maioria é judicializada individualmente. Primordialmente como conseqüência, temos duas situações: Primeiro, as grandes empresas, públicas e privadas, constam do ranking dos 100 maiores litigantes, conforme pesquisa realizada em 2011 pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ; e segundo, ocorre a sobrecarga de processos no Poder Judiciário brasileiro[5].
A crise do Judiciário, segundo o grande jurista Kazuo Watanabe, também decorre da falta histórica de políticas públicas no tratamento adequado dos conflitos de interesses. O mecanismo predominantemente utilizado pelo nosso Judiciário é o da solução adjudicada dos conflitos, que se dá por meio da sentença do juiz.[6]
A “cultura da sentença”, que provoca o aumento cada vez maior da quantidade de recursos, com o congestionamento das instâncias ordinárias, dos Tribunais Superiores e da Suprema Corte. Mais do que isso, aumenta também a quantidade de execuções judiciais.
1.2.Resolução adequada/amigável de disputas (rad)
Paralelamente, temos em nossa Constituição Federal o PRINCÍPIO DO ACESSO À JUSTIÇA (inciso XXXV do art. 5º), que diz: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. O interessante é que durante muito tempo esse acesso à Justiça foi interpretado de forma restritiva: o acesso única e exclusivamente por meio dos processos judiciais. Mas a realidade brasileira atual torna imprescindível que essa interpretação inclua outras formas de socorrer os cidadãos de modo mais abrangente. Por exemplo, outros métodos de Resolução Adequada/Amigável de Disputas (RAD) incluem:
• A arbitragem;
• A conciliação; e
• A mediação, inclusive pré-processuais.
A Resolução Alternativa de Disputas (RAD) reduziria a quantidade de sentenças, de recursos e de execuções, como também propiciaria uma solução que considere as peculiaridades e especificidades dos conflitos e das particularidades das pessoas neles envolvidas.
Mas a grande vantagem está no estímulo a uma radical mudança de cultura da sociedade brasileira, tornando as pessoas mais empoderadas para a resolução de seus próprios conflitos. E esse estímulo deve partir do próprio Estado, por meio do desenvolvimento de políticas públicas efetivas que, nos termos utilizados por Kazuo Watanabe, propiciariam um importante filtro da litigiosidade, o qual, ao contrário de barrar o acesso à justiça, assegurará aos jurisdicionados o acesso à ordem jurídica justa; uma justiça que efetivamente satisfaz, pois resulta da própria vontade dos envolvidos.
1.3.Breve histórico da rad no brasil
No Brasil, a preocupação com solução amigável dos conflitos sempre existiu, mesmo antes de nossa independência. Isso pode ser percebido através dos seguintes ordenamentos, dentre outros:
As Ordenações Filipinas – Livro 3º, T.20, §1º: E no começo da demanda dirá o Juiz a ambas as partes que, antes que façam despesas e se sigam entre eles os ódios e dissensões, se devem concordar, e não gastar suas fazendas por seguirem suas vontades, porque o vencimento da causa sempre é duvidoso.
Constituição do Império de 1824 – Art. 160: Nas causas cíveis e nas penais civilmente intentadas, poderão as partes nomear árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso se, assim, o convencionarem as mesmas partes. Art. 161: Sem se fazer constar que se tem intentado o meio de reconciliação, não se começará processo algum, e, sem se demonstrar que se tentou uma solução amigável, ninguém será admitido em juízo. Art. 162: Para esse fim, haverá juízes de paz, os quais serão eleitos pelo mesmo tempo e maneira por que se elegem os vereadores das Câmaras. Suas atribuições e distritos serão regulados por lei.
Código de Processo Criminal de 1832 – Trouxe Disposição provisória acerca da Administração da Justiça Civil, disciplinando o procedimento de conciliação.
Essas e outras leis faziam menção a formas de autocomposição, porém, de forma desestruturada, e qualquer política pública que tenha surgido sucumbiu por razões políticas e pela falta de critério adequado em sua implementação.
Uma análise mais criteriosa do nosso ordenamento atual (Código de Processo Civil, arts. 125, 277, 331, 447 a 449, Lei n. 9.099/95, entre outras) demonstra que a conciliação mostra-se destacada no sistema processual, revelando-se um mecanismo consagrado, que se coaduna com a finalidade do processo civil que é a busca de uma solução célere e eficaz no litígio.
Desde a década de 90, houve estímulos na legislação processual à autocomposição, acompanhada, na década seguinte, de diversos projetos-piloto nos mais diversos campos da autocomposição:
• Mediação civil;
• Mediação comunitária;
• Mediação vítima-ofensor;
• Conciliação previdenciária;
• Conciliação em desapropriações, entre muitos outros.
Bem como práticas autocompositivas inominadas como:
• Oficinas para dependentes químicos;
• Grupos de apoio e oficinas para prevenção de violência doméstica;
• Oficinas de habilidades emocionais para divorciandos;
• Oficinas de prevenção de endividamento, entre outras.
Alguns órgãos públicos foram precursores na busca de possibilidades extrajudiciais para resolver os conflitos, como por exemplo, o Ministério do Trabalho, ao procurar solucionar as causas não atendidas pela justiça trabalhista, e determinados Tribunais, ao criarem Serviços de Mediação (TJSC em 2001; TJDFT em 2002) ou Setores de Conciliação (TJSP, em 2003).
No âmbito legislativo, tramitaram dois Projetos de Lei no Congresso Nacional para regulamentar a mediação:
• o Projeto de Lei n. 4.827, de 1998, que institucionaliza e disciplina a Mediação como método de prevenção e solução consensual de conflitos; e
• o projeto proposto em 2001, do Instituto Brasileiro de Direito Processual, que institui e disciplina a mediação para processual como mecanismo complementar de solução de conflitos no Processo Civil.
Apesar do longo período de tramitação, nenhum desses projetos foi aprovado, o que significa que não havia, até o ano de 2010, qualquer regulamentação sobre o instituto da mediação.
De autoria da Deputada Zulaiê Cobra, o Projeto de Lei n.4.827, de 1998:
– Conceitua a Mediação (art. 1º),
– Define quem pode ser mediador (art. 2º),
– Diferencia mediação judicial e extrajudicial (art. 3º),
– Institui a mediação endoprocessual (art. 4º),
– Estabelece o acordo como título executivo judicial (art. 5º),
– Disciplina a Audiência de Tentativa de Conciliação (art. 6º); e
– Disciplina a publicação da lei (art. 7º).
Foi com a criação do Conselho Nacional de Justiça, em 2004, que se iniciou um processo de consolidação das políticas públicas voltadas à resolução de conflitos, que culminou, em 29 de novembro de 2010, com a aprovação da Resolução 125.
As principais funções do CNJ são:
– Controlar a atuação administrativa e financeira dos órgãos do judiciário;
– Supervisionar os juízes;
– Aprimorar o serviço prestado pela justiça
– Ampliar o acesso à justiça e desenvolver uma série de projetos.
1.4.A resolução 125 Conselho Nacional de Justiça (CNJ): uma quebra de paradigmas
A Resolução 125 foi um marco importante, pois representa uma forte mudança de paradigma: tribunais, magistrados e operadores de Direito abordando questões como solucionadores de problemas ou como efetivos pacificadores.
A pergunta recorrente no Poder Judiciário deixou de ser “como devo sentenciar em tempo hábil?” e passou a ser a seguinte:
Como devo abordar essa questão para que os interesses que estão sendo pleiteados sejam realizados de modo mais eficiente, com maior satisfação do jurisdicionado e no menor prazo?
Nesse sentido, percebe-se que, a partir da Resolução 125 do CNJ, seus objetivos estão indicados de forma bastante taxativa:
• Disseminar a cultura da pacificação social e estimular a prestação de serviços compositivos de qualidade;
• Reafirmar a função de agente apoiador da implantação de políticas públicas do CNJ;
• Incentivar os tribunais a se organizarem e planejarem programas amplos de autocomposição.
Em termos práticos, a Resolução 125 determinou que os Tribunais organizem-se estruturalmente, criando um Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (“Núcleo”), com o objetivo principal de desenvolver a política judiciária local de RAD e planejar de forma centralizada a implantação dessa política pública no respectivo Tribunal. Além disso, devem criar os Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (“Centros”) com o objetivo principal de realizar as sessões de conciliação e mediação do Tribunal ou apoiar os Juízos, os Juizados e as Varas nas suas conciliações e mediações.
Em seus anexos, a resolução trata da capacitação dos conciliadores e mediadores e apresenta um Código de Ética que disciplina os princípios de atuação e as regras de conduta desses profissionais.
Em linhas gerais, o campo da chamada Resolução Adequada/Amigável de Disputas – RAD inclui uma série de métodos capazes de solucionar conflitos. A grande vantagem é que tais métodos oferecem, de acordo com suas respectivas peculiaridades, opções para se chegar a um consenso, a um entendimento provisório, à paz ou a um acordo.
Originalmente, a sigla RAD representava “Resolução Alternativa de Disputas”. O termo enfatizava o caráter alternativo dos métodos em face do julgamento pelo Judiciário. Atualmente, porém, prefere-se a expressão Resolução “Adequada” (ou mesmo “Amigável”) de Disputas para denotar uma escolha consciente de um método de resolução de conflitos, dentre vários possíveis, considerando as particularidades do caso concreto.
Portanto, o sistema público de resolução de conflitos – que envolve o Poder Judiciário e outros órgãos de prevenção ou resolução de disputas (Defensoria Pública, Ministério Público, Secretarias de Justiça, entre outros) – é composto, atualmente, por vários métodos ou processos distintos:
• Processo judicial;
• Arbitragem;
• Conciliação;
• Mediação, entre outros.
Essa gama de processos forma um sistema pluriprocessual. E existem vantagens e desvantagens em cada um desses métodos, que devem ser consideradas em função das características específicas de cada conflito.
Não há dúvidas de que houve uma ampliação do acesso à justiça e dos níveis de satisfação dos cidadãos. De fato, as pesquisas desenvolvidas atualmente têm sinalizado que a satisfação dos usuários com o devido processo legal depende fortemente da percepção de que o procedimento foi justo, bem como, nas hipóteses permitidas por lei, alguma participação do jurisdicionado na seleção dos processos a serem utilizados para resolver suas questões aumenta significativamente essa percepção de justiça. Com isso, o acesso à Justiça passa a ser concebido como um acesso a uma solução efetiva para o conflito[7].
1.5.Formação de agentes de mudança
Esse novo acesso à Justiça depende também da formação de agentes que incentivarão essa lenta, porém, viável, mudança de cultura. Pensando nisso, tanto o CNJ quanto o Ministério da Justiça têm promovido ações voltadas à formação desses agentes. Podendo citar como exemplo:
Lançamento da Escola Nacional de Mediação (ENAM), por meio da Secretaria de Reforma do Judiciário. Com investimentos de R$ 4 milhões até 2014, a meta é promover cursos em mediação e conciliação para mais de 40 mil operadores do direito e aperfeiçoar a atuação deles, além de formar novos conciliadores e mediadores.
Assinatura de termo de cooperação entre o Ministério da Justiça e a Universidade de Brasília, para promover cursos a distância em mediação e conciliação. As aulas serão sobre técnicas e administração de programas, voltadas para operadores do Direito – juízes, promotores, procuradores, advogados, advogados da União, defensores públicos, delegados de polícia –, além de agentes de mediação comunitária, professores, representantes de empresas, alunos do curso de graduação em Direito e servidores públicos.
Nesse contexto, como uma das ações formativas principais, podemos citar o CURSO DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS PARA REPRESENTANTES DE EMPRESA. O papel dos operadores de Direito, em suas mais variadas instâncias, é primordial, porém, os reais protagonistas dos métodos de Resolução Alternativa de Disputa (RAD) são as partes. E sendo as empresas as maiores litigantes, nada mais essencial do que formar aqueles que serão seu rosto, sua personificação.
Os representantes de empresa sejam eles prepostos, advogados, sócios, proprietários, diretores, gerentes, devem ser os grandes propagadores e incentivadores das Resoluções Alternativas de Disputas (RADs). Está em suas mãos conter a escalada dos conflitos, evitando a judicialização daquilo que poderia ser resolvido de forma mais rápida e satisfatória para ambas as partes.
1.6.As leis caminhando no mesmo sentido…
Atualmente, encontra-se em plena apreciação no Congresso Nacional, Projeto de Lei conhecido como “Marco Legal da Mediação”, um avanço legislativo que dará maior força às políticas públicas já traçadas.
Pelo texto proposto, a mediação pode tratar de todo o conflito ou apenas de parte dele e se divide em três tipos:
Extrajudicial: é feita antes do ingresso de um processo na Justiça. As partes em conflito buscam mediadores e, havendo um acordo, a decisão tomada terá força de uma sentença judicial, sendo a assistência por advogado obrigatória, a menos que as partes abram mão desse direito;
Judicial: quando há um processo no Judiciário. A mediação terá um prazo de 60 dias para acontecer e, somente não havendo acordo, o processo passará a tramitar normalmente no Judiciário;
Pública: quando os conflitos envolverem a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a Administração Pública Federal direta, suas autarquias e fundações
Há também o tão aguardado Novo Código de Processo Civil – PL 8.046/10, em vias de aprovação, que inova ao estabelecer que a mediação e a conciliação devem ser estimuladas por todos os sujeitos do processo. Tanto assim que os conciliadores e mediadores foram incluídos no rol de auxiliares da justiça e ficaram legalmente resguardados os princípios informadores da conciliação e da mediação:
• Independência;
• Neutralidade;
• Autonomia da vontade;
• Confidencialidade;
• Oralidade; e
• Informalidade.
1.7.Estudantes e profissionais adaptando-se à nova realidade…
As novas políticas públicas tornaram necessária a adaptação dos currículos das faculdades de Direito. É importante que estudantes de Direito finalizem o curso com habilidades de autocomposição desenvolvidas. Mais do que isso, é fundamental que a mentalidade desses estudantes volte-se prioritariamente não mais para o litígio, mas para formas de solução amigável. Futuros bacharéis, advogados, promotores, procuradores, defensores, juízes com uma nova visão da pacificação social. Atualmente algumas faculdades brasileiras já incluíram em suas grades curriculares disciplinas voltadas para os métodos de resolução de conflitos. O Ministério da Educação estimula essa atitude ao melhor pontuar as faculdades que já tomaram a iniciativa.
Da mesma forma, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) vem preparando a classe de advogados para uma nova realidade. O advogado é um dos sujeitos da autocomposição e sua participação cooperativa pode agregar resultados extremamente positivos, além de oferecer maior segurança ao processo e aos clientes. Ainda há grande resistência aos métodos por parte dos advogados, em virtude de dois fatores: desconhecimento e inexistência de um parâmetro justo para fixação de honorários. É por isso que a OAB vem promovendo palestras, cursos de pós-graduação e outras formas de divulgação, bem como já está trabalhando na tabela de honorários.
II – Empresas repensando seu planejamento estratégico
Apesar das ações voltadas ao estímulo das Resoluções Alternativas de Disputas (RADs) terem avançado em grande escala no Brasil, para que elas se tornem efetivas no âmbito das empresas, devem figurar no seu planejamento estratégico, o qual prevê o futuro da empresa no longo prazo. De uma forma genérica, consiste em saber o que deve ser executado e de que maneira deve ser executado.
Para tanto, algumas perguntas básicas devem ser respondidas no processo de escolha entre a judicialização dos conflitos ou as Resoluções Alternativa de Disputas (RADs) como estratégia:
2.1.Qual o custo de imagem da empresa[8]?
Pesquisas de satisfação aplicadas no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT, em 2013, em sessões de conciliação das quais participam empresas, demonstram a correlação direta entre a disposição da empresa em solucionar o conflito e a melhoria de sua imagem ao final da sessão.
As pesquisas mostraram que quando não houve negociação, o cliente não viu a empresa com bons olhos (64,4%). Porém, quando houve negociação de um acordo na sessão, 28,4% dos clientes passaram a enxergar de maneira mais positiva a empresa, apesar do conflito que culminou na sessão de conciliação.
É um resultado animador, visto que alterar positivamente a percepção do cliente acerca da empresa com a qual tivera um conflito não é algo simples. Esse resultado possui relevância, pois indica uma mudança na forma em que o conflito é percebido: não negativa e estagnada, mas positiva e transformadora.
2.2.Qual o impacto nos custos de aquisição de clientes?
Custo de aquisição de clientes é uma métrica significativa em uma empresa e por isso requer acompanhamento constante.
Corresponde ao somatório de investimentos em marketing e promoção, divididos pelo número de novos clientes em determinado período. Levando em consideração que, no decorrer de um processo judicial, há um significativo desgaste no relacionamento do consumidor com a empresa, o que pode culminar na rescisão contratual e na redução da base de clientes, faz sentido imaginar que esses custos aumentarão. Mais propaganda e marketing serão necessários para reverter uma imagem negativa e captar novos clientes.
2.3.O componente humano do conflito deve ser considerado?
Emoção, comunicação, percepção: palavras-chave na resolução de um conflito e inerentes a todo ser humano. O processo judicial, por natureza, aborda o conflito como um fenômeno exclusivamente jurídico (lide processual), excluindo aspectos que podem ser até mais relevantes para as partes (lide social). Há uma grande tendência de o conflito se tornar mais acentuado no desenvolvimento de uma relação processual, pois as emoções não são levadas em consideração, a comunicação permanece deficiente e fortalece-se a percepção de que as partes são oponentes.
2.4.Qual o custo operacional desses métodos?
Os processos judiciais definitivamente representam um alto custo para as empresas e também para o Estado. O estudo “Custo das empresas para litigar judicialmente” demonstrou que o comprometimento das finanças das empresas com processos judiciais chega a quase 2% do que faturam em um ano, percentual que, em 2012, representou R$ 110,96 bilhões. O levantamento partiu da análise das demonstrações financeiras de 7.485 empresas, de 21.647 processos judiciais, da arrecadação tributária de 2012, do relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do faturamento das empresas por CNAE do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
Em 2012, existiam 74,38 milhões de ações na Justiça das quais as empresas faziam parte – como autoras ou rés. As grandes companhias estavam presentes em 53,4% delas, o gasto de manutenção desses processos foi de 1,67% do faturamento, o número médio de ações por empresas foi de 186. Já as médias empresas responderam por 23,8% dos processos e comprometeram 1,89% de seu faturamento; e as pequenas participaram de 22,80% das ações e gastaram o equivalente a 1,43% do que ganharam em 2012. As custas judiciais e extrajudiciais representaram R$ 23 bilhões; os gastos com advogados chegou a quase R$ 17 bilhões; perícias, R$ 2,1 bilhões; viagens e hospedagens, R$ 529 milhões; valores usados com pessoal e sistemas de controle, R$ 2 bilhões.
O maior montante, porém, foi pago pelas empresas condenadas em processos finalizados em 2012. A conta com multas, encargos legais e indenizações (como danos morais) correspondeu a R$ 65 bilhões naquele ano.
As respostas a essas questões levam à inevitável conclusão de que as formas de Resolução Amigável de Disputas (RADs) são mais eficientes para o alcance dos objetivos de toda empresa: satisfação do cliente, redução de custos, aumento dos lucros. Mais eficiente ainda é a busca do tratamento das causas desses conflitos em vez de se remediarem as consequências.
É notória a consciência atual das empresas com relação ao uso eficiente das Resolução Amigável de Disputas (RADs). Por exemplo, em março de 2014, foi realizado o I Encontro Brasileiro pela Solução Pacífica de Conflitos Empresariais[9] promovido pelo Sebrae, a Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça e Conselho Nacional de Justiça (CNJ). As questões de mediação e conciliação foram discutidas pelos representantes de grandes grupos dos mais diversos setores, de agências reguladoras e entidades empresariais.
A empresa deve disseminar a Resolução Amigável de Disputas (RADs) como forma prioritária de resolução de conflitos. Para tanto, não só a área jurídica da empresa, mas todos demais departamentos (atendimento, marketing, planejamento, estratégia etc.) devem voltar sua atuação nesse sentido. O ideal, inclusive, é que dentro da empresa seja criado um departamento próprio responsável pela disseminação dessa cultura e pelo treinamento adequado dos representantes.
III – Alguns pronunciamentos iniciais dos promotores do evento
3.1. I Encontro Brasileiro pela Solução Pacífica de Conflitos Empresariais
Segundo Flávio Crocce Caetano[10]….“Uma iniciativa fundamental: discutirmos uma estratégia nacional de não judicialização. Os números mostram que dos 92 milhões de processos, 51% são dos governos, entre federal, estaduais e municipais, 38% do sistema financeiro e 6% das telecomunicações. Esta soma dá 95%. Ora, são grandes corporações que estão em juízo. Se é assim, é possível que nós pensemos em uma estratégia nacional, que tenha por base, por meta principal, a mediação, para que nós possamos resolver os conflitos e evitar cada vez mais a sua judicialização.”
Segundo Emmanuel Campelo[11]….“Os índices que, anteriormente, com algumas empresas, se verificou que eram em torno de 35% em êxito de mediação, após a realização do curso e a preparação dos prepostos, passaram a ser de mais de 80%. Ou seja, um crescimento de mais de 110%. (…) Esse êxito maior não se deu porque as propostas de acordo eram melhores; ao contrário, as propostas continuaram as mesmas. Só que, com o preposto treinado, se verificou que ele conseguia: primeiro reconhecer o problema do consumidor, ou seja, não adotava uma postura de oposição; ele apresentava essa proposta de uma forma muito mais afável, cordata, e isso se verificou que era fundamental para o êxito do acordo.”
Segundo José Paulo Dornelles Carioli[12]…“Um dos desafios que nos preocupam fortemente é a solução adequada para os conflitos, sejam com os clientes, fornecedores, ou mesmo dentro das nossas empresas. A via judicial nem sempre é o melhor caminho, e, observando o que acontece no mundo que avança, vemos a presença muito ativa desses processos de conciliação. Além disso, a morosidade do processo tramitando na Justiça pode trazer prejuízos irreversíveis (…) Portanto, essa repercussão econômica retarda a recuperação judicial dos créditos, aumenta o spread bancário, e sem dúvida nenhuma eleva o nosso Custo Brasil tão falado.”
Segundo Luiz Eduardo Pereira Barretto Filho[13]…. “Para a pequena empresa, tempo e dinheiro são fundamentais. O pequeno empresário não tem um departamento jurídico que cuida desse contencioso. É ele mesmo que muitas vezes deixa a sua energia não na gestão do seu negócio, mas vai encaminhar processos que podem durar anos. Isso significa, num conjunto grande de empresas, a própria mortalidade de empresas quando elas são mais dependentes de um fornecedor. Portanto, para nós, a conciliação e ter mecanismos extrajudiciais são fundamentais. Cabe não só a nós formalizar, mas também criar espaços de mediação que não estejam só no Estado. Que eles possam se estabelecer de maneira espontânea.”
No referido encontro, experiências muito interessantes foram repassadas pelas empresas já envolvidas com projetos de desjudicialização. Podemos citar alguns exemplos:
– Citybank: criou alguns modelos para evitar novas ações e reduzir a carteira de processos. Instituiu como missão da Ouvidoria a busca da mediação do conflito com a finalidade de diminuir custos da empresa e manter sua imagem. Trabalhou a mudança de cultura dos escritórios de advocacia, determinando que tenham uma célula interna de negociação que tem por objetivo solucionar o conflito o mais rápido possível.
– Caixa Econômica Federal: criou normativo interno determinando que mesmo em caso de solução de conflito pela Ouvidoria, ela comunicará ao Jurídico o ocorrido, o qual analisará o caso e comunicará ao responsável pela falha a necessidade de contatar o cliente para que se peçam desculpas e se pague, espontaneamente, uma módica indenização por danos morais.
– AES Eletropaulo: empresa adota a conciliação como princípio: é preciso admitir os erros e resolver problemas da forma mais rápida possível.
– ABINEE – Associação Brasileira de Indústria Eletro Eletrônica: editou um Código de Auto Regulação, disciplinando a relação da indústria com seus consumidores. Paralelamente, em parceria com o Ministério da Justiça, editou norma facilitando o acesso do consumidor não só às informações de uso dos aparelhos celulares, mas principalmente evitando a judicialização dos conflitos e obrigando as empresas a, quando for o caso, trocarem o aparelho e darem a devida orientação.
– Magazine Luiza: formou um Comitê de Clientes, no qual todas as áreas da empresa estão envolvidas e procuram soluções para atender aos clientes, desde aquele que teve um problema com produto até aquele que quer resolver uma questão de cobrança, valores etc. Prioriza a conscientização da empresa inteira, dos cargos de liderança até os vendedores dos pontos de venda.
– DPVAT: desenvolveu programas de mediação dentro da seguradora.
– MV Pontocom: trabalha com a prevenção dos conflitos, investindo em sistemas e criação de áreas para monitoramento de todas as compras do consumidor e atuação antes que aconteça algum problema. Busca-se evitar o desgaste e a frustração do cliente e também as ações de oportunistas.
– Wallmart: inovou no Brasil, criando área com foco na conciliação dentro do Jurídico da empresa, inclusive com determinação de metas.
– Sky: desenvolveu o Totem de Conciliação, que é uma forma de tentativa de conciliação pré-processual, na qual o cliente entre em contato com a empresa via teleconferência em busca de uma solução para seu problema.
Segundo Elpidio Villarreal[14], em sua palestra “O litígio e a perda de valor da marca” contou como em alguns anos reduziram substancialmente o contencioso e trabalharam fortemente na prevenção de conflitos e utilização agressiva dos métodos e técnicas de resolução de disputas. Segundo palavras do próprio palestrante “o litígio é um modo terrível para pessoas inteligentes resolverem seus conflitos. (…) É caro, longo e é destrutivo para relacionamentos”. E relacionamentos são importantes para a saúde da empresa. A missão fundamental da GSK, segundo seu CEO, não é meramente o lucro, mas sim oferecer medicamentos a pessoas que precisam deles e melhorar suas vidas. A forma de resolver os conflitos da empresa deve refletir essa missão fundamental. Foi por isso que a empresa decidiu que o propósito da organização no âmbito da resolução de conflitos seria mudar a cultura da corporação. O conflito precisava ser visto como uma oportunidade de estreitar relacionamentos e de fortalecer a empresa, construir uma boa reputação e fortalecer o relacionamento com os consumidores. O conflito pode ser positivo para a empresa.
O impacto do litígio sobre a marca das empresas também foi debatida no Encontro.
Segundo Kathy Bryan[15], ao proferir a palestra “A ineficiência Econômica do Litígio”, afirmou que o litígio tem um forte impacto sobre o valor da marca e sua reputação, além do tempo e dos custos. O valor da marca corresponde a 4-5% das vendas. Quanto à reputação, demoram-se 20 anos para ser construída, mas bastam 5 minutos para destruí-la. Reputação é o resultado líquido de todas as experiências, impressões, crenças, sentimentos, conhecimento da empresa; desenvolve-se ao longo do tempo e pode ser negativamente impactada pelo litígio. E o modelo não-adversarial, aliado às políticas internas da empresa, são pontos chave na atualidade para a manutenção da reputação e da marca.
A palestrante sugeriu um plano que as empresas podem adotar para lidarem melhor com seus conflitos:
1) Desenvolver um sistema de gerenciamento do conflito baseado na prevenção e na proatividade;
2) Explorar opções baseadas em interesses: métodos como a mediação, dentre outros, podem ser utilizados com esse intuito;
3) Ganhar apoio da alta administração e educá-la quantos às melhores abordagens de resolução de conflitos;
4) Alinhar esses objetivos com os advogados/escritórios de advocacia contratados: o papel do Jurídico da empresa liderando essa mudança de cultura dos escritórios de advocacia é absolutamente essencial para o progresso do novo modelo não-adversarial;
5) Comprometer-se oficialmente não só com a adoção primária de métodos alternativos quando houver um litígio antes de se judicializar o conflito, mas principalmente com a adoção de políticas internas que garantam a sustentabilidade dos métodos de resolução de conflitos: palestrante exemplificou a adesão de empresas ao “21st Century Pledge”, pacto americano que já obteve a adesão de diversas empresas dos Estados Unidos.
Considerações finais
O panorama atual em termos de resolução amigável de conflitos no Brasil é promissor.
Os primeiros passos já foram dados e é relevante o fato de que poder público, iniciativa privada, faculdades de Direito, OAB e grandes empresas estão alinhadas em termos de políticas voltadas ao estímulo das RADs. A mudança de uma “cultura da sentença” para uma “cultura da pacificação” é lenta e requererá esforço de todos os sujeitos desse processo, inclusive da sociedade civil, que aos poucos será empoderada e vislumbrará formas mais satisfatórias de resolução de seus conflitos. A pacificação das relações comerciais entre empresas e seus clientes pode trazer maiores ganhos para todos, continuamente.
Com base nas reflexões aqui expostas, é possível afirmar que, realizar acordos num ambiente de mediação ou conciliação amigável, bem organizado e composto de especialistas capacitados a administrar os conflitos, acima de tudo, apaziguando-os de forma satisfatória às partes envolvidas, é uma estratégia inteligente das empresas a ser perseguida cotidianamente, e que só tende a ser positiva pela harmonização de interesses e satisfação recíproca, reduzindo custos para a empresa e para o Tribunal, ademais de satisfazer o ideal de rapidez almejado pelo consumidor / usuário para solução de sua demanda.
No entanto, não se pode continuar sobrecarregando o Judiciário com tamanho volume de trabalho, razão pela qual essa exitosa experiência de solução alternativa de conflitos pode e deve ser transposta, no caso dos serviços públicos concedidos, para o âmbito administrativo-regulatório das Agências Reguladoras, de forma a evitar a judicialização, atuando tais autarquias, com base nas orientações e supervisão do Poder Judiciário Brasileiro, o grande expert no assunto e disseminador dessa cultura pacificadora.
Entretanto, numa sociedade com crescente demanda por bens e serviços, em que se prevê que o poder aquisitivo das classes menos abastadas sustentará o PIB do país nos próximos anos, cabe às empresas em geral, especialmente as de livre atuação no mercado e que geram milhares de demandas para o Judiciário, o dever de assumir rapidamente suas responsabilidades corporativas e atuar de forma contundente e profunda nas causas dos problemas originados em suas atividades, permitindo que nossos Magistrados se dediquem a perseguir sua real e nobre vocação, qual seja, o ideal de Justiça, para o bem da sociedade em geral.
Advogada. Especialização em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas 1994; Mestrado em Educação pelo Centro Universitário Salesiano São Paulo 2002. Especialização em Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Metodista de Piracicaba 2014.Professora Adjunta – Faculdades Integradas Politec Ltda02/2010 a 02/2014; Atualmente é professora adjunta da União Nacional das Instituições de Ensino Superior Privadas Campus Sumaré/SP
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